Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1184/08.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DOLO
NEGLIGÊNCIA
ERRO SOBRE A ILICITUDE
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14.º, 15.º E 17.º DO C.P. E 32.º DO R.G.C.O.;
Sumário: I. - O dolo, pode ser definido, de uma forma sintética, como o conhecimento e vontade de praticar o facto e reveste qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º, do C. Penal, ex vi, art. 32º, do RGCOC, a saber: dolo directo [o agente representa o facto que preenche o tipo e actua com intenção de o realizar], dolo necessário [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta] e dolo eventual [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com aquela realização].
II. - A negligência consiste sempre num actuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art. 15º, do C. Penal).
III. – O erro sobre a ilicitude tem que resultar dos factos provados.
Decisão Texto Integral: 12

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I. RELATÓRIO.
A arguida …, Lda., foi condenada, por decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, do Ministério da Economia e da Inovação, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 1º, nº 1, 5º, 8º e 11º, do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril, com as alterações do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio, na coima de € 10.000.
Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial, pugnando pela revogação da decisão e sua substituição por outra que aplicasse uma admoestação.
Notificados, a arguida e Ministério Público para dizerem se se opunham a que a decisão fosse proferida por mero despacho, a primeira nada disse e o segundo declarou a sua não oposição.
Por despacho de 2 de Novembro de 2007, foi declarada nula a decisão administrativa e ordenada a sua repetição, por insuficiente fundamentação de facto.
Foi proferida nova decisão pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, que manteve a condenação da arguida, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 1º, nº 1, 5º, 8º e 11º, nº 1, b), do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril, com as alterações do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio, na coima de € 10.000,
De novo inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial, pugnando pela revogação da decisão, decretando-se a sua nulidade por falta de elemento essencial na determinação da medida da coima e demais pressupostos da sua aplicação e, caso assim não fosse entendido, pela aplicação de uma admoestação.
Ordenada a notificação da arguida e do Ministério Público nos termos e para os efeitos do art. 64º, nº 2, do RGCOC, por ambos foi dito nada oporem a que o recurso fosse decidido por despacho.
Por despacho de 15 de Outubro de 2008, foi o recurso julgado parcialmente procedente e a arguida condenada, pela prática da referida contra-ordenação – p. e p. pelos arts. 1º, nº 1, 5º, 8º e 11º, nº 1, b), do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril, com as alterações do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio – na coima de € 4.900.
Novamente inconformada, a arguida recorre desta decisão, formulando no termo da sua motivação, as extensas conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1. O Tribunal a quo, ao condenar a recorrente por factos diversos dos descritos na acusação e ao deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, feriu de nulidade a sentença que proferiu, o que determina a invalidade da mesma. (vd. art. 379.º, nº 1 al. b) e c), do C.P.P.)
2. A recorrente tem legitimidade e está em tempo para invocar e fazer conhecer as nulidades em causa, que são de conhecimento oficioso das instâncias. (vd. artº. 32º, nº. l, do C.P.P.).
3. A insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, e a respectiva contradição insanável com a matéria de facto efectivamente provada e dos erros notórios na apreciação da prova, pois que,
4. O Tribunal recorrido, não podia considerar que a recorrente tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos do seu comércio sem o respectivo preço,
5. muito menos considerar que o que em momento do seu recurso contestou, antes o admitiu expressamente.
6. Quanto à falta de exposição de preços, e no caso concreto em montras, é necessário distinguir duas situações: - uma quando não há qualquer preço afixado nos produtos expostos e, - outra, quando há preço afixado, mas este não se encontra directamente visível pelo consumidor,
7. Enquadrando-se o caso na segunda situação, ou seja, os preços estavam afixados, mas não se encontravam visíveis pelo consumidor,
8. tendo a recorrente procurado sempre agir com total boa fé e dentro da legalidade a que estava obrigada,
9. afixando os preços de outro modo do que o obrigado pela política comercial que lhe era aplicada,
10. caindo no "azar" de os preços estarem com a face voltada para baixo, consequência de utilização de afixação de preços diversa daquela que era habitual usar-se.
11. Sendo perfeitamente notório que os preços estavam afixados e que alguns deles estariam virados para baixo.
12. O próprio auto contra-ordenacional referia que nas montras as etiquetas se encontravam com a face voltada para baixo.
13. O Tribunal a quo não poderia decidir no sentido que fez e considerar que a recorrente tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos sem o respectivo preço, e que em momento algum o contestou?
14. Também não poderia supor o Tribunal recorrido que a arguida tivesse optado por não colocar os preços nos artigos das montras e vitrina de forma não visível, não o fazendo para honrar o contrato com a marca que comercializa.
15. Nem julgar, num raciocínio incorrecto, que deveria ter duas opções, ou seja, a de que ou cumpria com o contrato celebrado com a marca, ou, de outro modo cumpria a legislação nacional,
16. e que, ponderados os valores conflituantes em causa, deveria a arguida ter optado por cumprir a legislação que obriga a que os preços sejam visíveis, em detrimento do contrato com uma marca.
17. Tais bens tinham etiquetas com indicação dos preços, sem a arguida se ter apercebido que estariam voltados para baixo,
18. pois a loja havia iniciado a laboração apenas há 3 dias e nesse dia, a abertura ao público há cerca de 30 minutos, estando as montras e vitrinas a ser preparadas.
19. E a recorrente desconhecia que as etiquetas não estavam visíveis,
20. Não tendo o Tribunal a quo relevado, nem valorado, tais factos.
21. Os parcos factos que, efectivamente podem, sem sombra de dúvida, ser dados como provados, comprovados e demonstrados, logo os únicos que existem ou que podem ter-se por existentes e que poderiam / deveriam fundar e sustentar a decisão do Tribunal a quo, são:
a) A recorrente tinha o estabelecimento aberto ao público, onde existem duas montras, nas quais expunha para venda ao público vestuário e acessórios diversos, com preços afixados, todavia sem que esses preços dos artigos fossem visíveis do exterior do mesmo;
b) No interior do estabelecimento havia uma vitrina expositora fechada à chave, a qual tinha para exposição para venda diversos artigos, dos quais alegadamente somente um possuía o preço visível.
22. A sentença encontra-se manifestamente viciada de nulidade, nos termos do disposto no art. 379.º, nº 1, al. b) e c) primeira parte, do CPP, pelas razões que a recorrente supra indicou por o Tribunal a quo ter condenado por factos diversos dos descritos na acusação, deixando de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar,
23. O Tribunal a quo não podia ter interpretado o comportamento da recorrente como de dolo directo, pois existiam causas de exclusão da ilicitude, nomeadamente, os factos seguintes:
- a loja e o próprio Centro Comercial terem aberto há 3 dias;
- no momento da inspecção, a loja ter aberto há cerca de 30 minutos;
- existência de etiquetas com efectiva marcação dos preços (voltados para baixo);
- a vitrine possuía um preço visível e os restantes bens possuíam etiquetas com marcação de preço, que estavam coincidentemente, voltados para baixo;
- a loja, mesmo possuindo etiquetas com a marcação dos preços nos produtos expostos, estava a aguardar o envio pela marca internacional de um quadro de acrílico para marcação suplementar (marcação que não é obrigatória, desde que as etiquetas existentes nos produtos sejam visíveis)
24. foi livre e espontaneamente confessado pela recorrente – que os produtos possuíam marcação do preço, mas que estavam voltados para baixo (aliás, um dos preços na vitrina do interior do estabelecimento estava visível),
25. não estando provado que a recorrente, propositadamente, ocultou a marcação dos preços, invertendo as etiquetas.
26. No que respeita à falta de consciência da ilicitude, do erro sobre as circunstâncias do facto ou acerca da ilicitude, e da culpa,
27. a recorrente considerava a apontada ilicitude da falta de visibilidade de preços como um requisito manifestamente suprível, pela existência em todos os produtos do estabelecimento de etiquetas com preço e pela existência de sistema informático de leitura dos mesmos,
28. sendo o grau e intensidade da culpa bem diminuto, bem como a gravidade da imputada contra-ordenação.
29. Entendendo-se que a recorrente praticou o facto com liberdade e responsabilidade, logo, que não lhe são aplicáveis, quer razões de inimputabilidade, quer de anomalia psíquica, só podemos antever que essa sua liberdade e responsabilidade possam ter sido determinadas por erro sobre as circunstâncias do facto ou por razão de erro acerca da respectiva ilicitude.
30. Este o sentido das normas constantes dos artºs. 16º, 17º, 19º e 20º, do Código Penal, subsidiariamente aplicáveis ao caso por remissão expressa do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
31. A falta de consciência da ilicitude exclui o dolo da conduta do agente e recorrente,
32. falta essa que não lhe é censurável. (Vd. o art. 8.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).
33. A falta de consciência da ilicitude do recorrente com relação ao desconhecimento que os preços não estavam visíveis, tendo a loja aberto tão recentemente e estando a ser ultimados os pormenores nas montras, jamais podem se conducentes a conduta dolosa.
34. A recorrente ao possuir marcação de preços – não visíveis, desconhecendo tal facto – num Centro Comercial e Loja inaugurados há 3 dias, só poderá – ou poderia – ter sido ou ser censurado a título de mera negligência.
35. E não lhe era exigível, sequer, que representasse a possibilidade da realização do facto, pois, daqui resulta que ela não teve consciência, em absoluto, da existência de uma norma noutro sentido ou que lhe determinasse outro comportamento.
36. Tendo o agente infringido as normas quanto à não visibilidade dos preços, o que não contestou, reconheceu e confessou, só lhe poderá ser aplicada uma admoestação, já por si suficientemente punitiva,
37. o comportamento da recorrente, traduzido facticamente e com os sinais dos autos e da única prova que pode ter-se por assente, não comporta dolo algum.
38. Manifestando esta sentença recorrida, de novo, e pelas razões acabadas de apontar, uma contradição insanável da sua fundamentação e entre esta e a sua decisão, desta feita determinante de erro notório na apreciação da prova. (vd. art. 410.º, nº 2 al. b) e c), do C.P.P.)
39. não se mostram preenchem os pressupostos de aplicação da coima e da sua legalidade, por falta absoluta de fundamento na imputação da prática à recorrente da contra-ordenação cuja responsabilidade lhe é solicitada.
40. Não se entende que a sentença conclua com gravidade média, numa empresa sem quaisquer antecedentes, sendo primária, e laborando o seu estabelecimento há apenas 3 dias.
41. A decisão recorrida é também despida de toda a proporcionalidade,
42. No sentido exposto da verificação da medida e da atenuação especial da coima, deve ler-se, entre outros, o Venerando Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.09.1997, in BMJ, 470-203, Ano 1997, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.03.2004, proferido no âmbito do processo nº. 504/04, que pode ser consultado on-line in www.dgsi.pt, este, porque muito claro, parcialmente se sumariza do seu texto:
I – Na determinação da medida da coima e lei manda atender, entre outros factores, à gravidade da contra-ordenação, sendo que esta depende do bem ou interesse que a contra-ordenação tutela e do benefício retirado e resultado ou prejuízo causado pelo agente.
II – Como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.".
43.Resulta claro da tese sufragada neste Acórdão, quando em confronto com a realidade e os sinais dos presentes autos, que:
• A gravidade do comportamento da recorrente só pode ater-se à violação, confessada por si, de norma que à visibilidade dos preços;
• No que toca aos elementos referentes à situação económica da recorrente, a coima não poderia ser determinada com base num resultado líquido de exercício respeitante a 2005,
• Não foi apurado qualquer benefício económico por tal conduta.
• Sendo a culpa o "limite inultrapassável" da medida da coima quanto à violação da norma, não podendo ter-se por reunidos os pressupostos da aplicação respectiva, não pode concluir-se logicamente pela culpa correspondente;
• Por todo o exposto, só lhe poderá ser aplicada, no caso concreto, uma admoestação ou no limite, uma coima muito especialmente atenuada, pelo mínimo legal pela prática dessa precisa infracção.
44. Será determinante a valoração do eventual benefício, para aplicação da coima.
Das Normas Jurídicas Violadas e do Entendimento do Recorrentes acerca da sua Correcta Interpretação e Aplicação:
a) Das Normas Jurídicas Violadas: os artº. 32º da CRP, os artºs. 9º, nº.3, 349º e 351º do C.C.; os artºs. 14º, 15º, 16º. 17º, do CP; os artºs. 125º, 374º, nº.2 todos do CPP;
b) Do sentido em que o Tribunal a quo interpretou e aplicou cada norma na visão do recorrente e como ele deveria, em contrário, ter sido interpretada e aplicada encontra-se expresso nas motivações e nas conclusões supra.
Termos em que, mui respeitosamente, requer o Recorrente a Vossas Excelências seja dado provimento ao presente recurso, seja revogada e anulada a douta sentença recorrida, proferindo-se uma admoestação como suficiente para reprovar a conduta da recorrente, que ficará ciente do carácter punitivo da mesma ou, caso assim não se entenda, atenuando-se substancialmente a coima aplicada para o mínimo legal comportável e proporcional ou, sem conceder, absolvendo-se mesmo a Recorrente da prática da alegada infracção, fazendo-se, deste modo e como sempre, a melhor, merecida e costumada Justiça!.
(…)”.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido formulando no termo da sua contramotivação a seguinte conclusão, que se transcreve:
“ (…).
A douta decisão recorrida fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito, razão pela qual deverá ser confirmada, negando-se, em consequência, provimento ao recurso.
(…)”.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a admoestação não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, concluindo pela improcedência do recurso.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
O Tribunal da Relação conhece apenas da matéria de direito (art. 75º, nº 1 do Dec. Lei nº 433/82 de 27 de Outubro, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, previstas no art. 410º, nºs 2 e 3 do C. Processo Penal.
Tendo em consideração a limitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso, as questões a decidir, face às conclusões apresentadas na motivação do recurso e que, como é jurisprudência uniforme, delimitam o seu objecto (cfr. art. 412º, nº 1, do C. Processo Penal) são:
- A nulidade da decisão, nos termos das alíneas b) e c), do nº 1, do art. 379º, do C. Processo Penal;
- Os vícios das alíneas a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal;
- A inexistência de dolo e erro sobre a ilicitude;
- A falta de pressupostos de aplicação da coima, e a admoestação.
Da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, b), do C. Processo Penal
1. A recorrente e o Ministério Público foram notificados para os efeitos do nº 2, do art. 64º, do RGCOC, e ambos vieram aos autos dizer que não se opunham a que o recurso fosse decidido por despacho, o que efectivamente, veio a acontecer.
Na decisão por despacho, e no que concerne à matéria de facto, têm-se por assentes os factos que na decisão administrativa são imputados ao arguido na medida em que este, renunciando à audiência de julgamento, se conformou com a matéria de facto dada como assente naquela decisão (cfr. Ac. R. do Porto de 24 de Janeiro de 2007, proc. nº 0615898, in http://www.dgsi.pt). E são estes os factos a atender no recurso, até porque perante o julgador que dele vai conhecer, nenhuma prova foi produzida, que pudesse levar à consideração de outros. Na verdade, se o juiz entende que deve decidir através de despacho está implicitamente a admitir que a prova produzida na fase administrativa é suficiente para a decisão, sendo irrelevantes outros factos que não aqueles que ali resultaram provados (cfr. Cons. Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 171).
Isto assente, cabe dizer que na decisão recorrida não foram enunciados, de forma sistemática, os factos considerados provados nos termos que antecedem.
Mas, da leitura da decisão administrativa resulta serem eles os seguintes (fls. 123, 124, 125 e 126):
- A arguida mantinha em funcionamento o estabelecimento retalhista de pronto-a-vestir, sito no Centro Comercial X..., Loja …, em Coimbra, onde existiam duas montras, nas quais se expunham para venda ao público vestuário e acessórios diversos, sem que os preços dos artigos fossem visíveis do exterior do mesmo, pois as etiquetas com os preços encontravam-se com a face voltada para baixo, do modo que se passa a descrever;
- Numa montra existia um manequim vestido com uma camisa de homem de manga curta, calças de ganga, sapatilhas, boné, óculos de sol, pulseira elástica e relógio e no chão da montra também se expunham outras peças: uma mochila, uma carteira e um porta-chaves;
- Na outra montra havia dois manequins: um com um vestido e colar de fantasia e outro com um casaco sem manga, calças e carteira de senhora, encontrando-se no chão da montra expostas uma toalha de praia e uma mochila;
- No interior do estabelecimento havia uma vitrina expositora fechada à chave, junto à entrada, a qual continha em exposição para venda vinte e três pares de óculos e cinco relógios, dos quais somente um relógio possuía o preço visível do exterior;
- Deste modo, a sociedade arguida não cumpriu as aludidas obrigações legais, violando a lei e prosseguiu com a sua conduta conformando-se com a infracção e com o resultado que a mesma produziu, pelo que agiu de livre vontade e deliberadamente;
- A arguida apresentou a declaração modelo 22 de IRC de 2005, com o resultado líquido do exercício de € 612.820,14 para um total de proveitos do exercício de € 6.631.872,56;
- A arguida é primária.
No despacho recorrido consta, a fls. 172 (transcrição):
“ (…). A recorrente aceita que, efectivamente, tinha o seu estabelecimento aberto ao público, onde existem duas montras, nas quais expunha para venda ao público vestuário e acessórios diversos, sem que os preços dos artigos fossem visíveis do exterior do mesmo. No interior do estabelecimento havia uma vitrina expositora fechada à chave a qual tinha para exposição para venda diversos artigos, dos quais somente um possuía o preço visível. (…)”.
E depois de reproduzir parte do teor dos arts. 1º, nº 1, 5º, nº 1 e 8º, do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril, consta do mesmo despacho, a fls. 173 (transcrição):
(…). Ao anteriormente exposto, importa acrescentar que o que está em causa é a tipificação de um comportamento objectivo – a conduta do agente é punida desde que se verifique o elemento exigido: que não se encontre indicado o preço do produto de forma visível para o consumidor. Não se exige, por isso, a intenção de provocar prejuízo a outrem (o consumidor) ou de obter vantagem patrimonial ilícita, para o próprio vendedor ou para terceiro. Ora, no caso dos autos não existem dúvidas que a arguida, com o seu comportamento, preencheu os elementos objectivos da contra-ordenação em causa, pois tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos sem o correspondente preço. (…)”.
E é precisamente com fundamento neste último parágrafo e, mais concretamente, no segmento «tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos sem o correspondente preço» que a recorrente vem arguir a nulidade do art. 379º, nº 1, b), do C. Processo Penal, com o entendimento de que o tribunal a quo considerou que a recorrente tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos sem o respectivo preço.
Mas basta atentar no extracto de fls. 173, atrás feito e, particularmente, no segmento «o elemento exigido: que não se encontre indicado o preço do produto de forma visível para o consumidor», que antecede aquele outro invocado pela recorrente, para se perceber que a razão de decidir no despacho, quanto ao preenchimento da contra-ordenação, foi a falta de visibilidade do preço dos produtos – e não a falta do preço.
O demais invocado pela recorrente é irrelevante para a nulidade em apreço. Na verdade, a recorrente pretende discutir os argumentos da Mma. Juíza a quo, relativamente às razões que a levaram a não considerar a existência de uma qualquer causa de exclusão da ilicitude. Trata-se, no entanto, de argumentos e não de factos [estes, pelas razões atrás expostas, são apenas os que foram considerados assentes na decisão administrativa].
Em conclusão, a decisão recorrida não condenou a recorrente por factos diversos dos que constam da decisão administrativa, pelo que não se mostra cometida a nulidade em questão.
Da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, c), do C. Processo Penal
2. Diz a recorrente que os bens que estavam nas montras e na vitrina tinham etiquetas com a indicação dos preços, sem que, contudo, se tenha apercebido de que estariam voltadas com os preços para baixo, que aguardava que a marca internacional que vendia lhe enviasse o letreiro em acrílico para indicação dos preços, e que a loja apenas estava aberta há três dias, que no dia dos factos tinha aberto ao público cerca de meia hora antes e que as montras e vitrinas estavam a ser preparadas. Diz também a recorrente que, no que respeita às marcações suplementares, o art. 8º, nº 1, do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio, dispõe que os bens devem ser objecto de uma marcação complementar quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, sendo certo que desconhecia que as etiquetas não estavam visíveis. E conclui, dizendo que toda esta realidade não foi relevada nem valorada pelo tribunal a quo, assim cometendo a nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea c), do nº 1, do art. 379º, do C. Processo Penal.
Ocorre a nulidade da omissão de pronúncia quando o tribunal não se pronuncia sobre questões – e não argumentos – que devesse apreciar.
Ainda que parte do alegado pela recorrente, designadamente, o tempo de abertura da loja e a solicitação dos quadros acrílicos, tenha sido ponderado no despacho, para afastar a invocada causa de exclusão da ilicitude, porque de factos se trata, e porque não foi produzida prova dos mesmos, não poderiam ser considerados, como provados ou como não provados, pelo tribunal a quo, pelas razões que já se deixaram expostas.
Por outro lado, ainda que os legais representantes da recorrente – sendo esta uma sociedade comercial, impõe-se o funcionamento das regras de representação destas pessoas jurídicas – ignorassem que as etiquetas ou, melhor dito, os preços constantes das etiquetas apostas nos bens colocados nas montras e na vitrina, não se encontravam visíveis, o preenchimento da contra-ordenação está verificado pois a recorrente não pode deixar de ser responsabilizada pelos actos e omissões dos seus legais representantes e comissários, e a verdade é que se impunha a qualquer destes, a verificação da visibilidade dos preços.
Em conclusão, não omitiu o tribunal recorrido o conhecimento de questão que devesse apreciar.
Dos vícios das alíneas a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal
3. A recorrente titulou o ponto 1 do corpo da motivação do recurso de “Da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, da respectiva contradição insanável com a matéria de facto efectivamente provada e dos erros notórios na apreciação da prova”. Neste ponto, a recorrente trata a questão atrás referida de o tribunal recorrido ter considerado que tinha exposto em montras e numa vitrina diversos produtos do seu comércio sem o respectivo preço, a propósito da nulidade da decisão.
No ponto 4 do corpo da motivação do recurso, titulado de “Da contradição insanável da fundamentação da sentença recorrida”, diz a recorrente que manifesta esta sentença, pelas razões acabadas de apontar, uma contradição insanável da sua fundamentação e entre esta e a sua decisão, deita feita determinante de erro notório na apreciação da prova. E se bem entendemos a motivação, as referidas razões são, em suma, a impossibilidade de se extrair o dolo do comprovado comportamento da recorrente.
E são precisamente estes aspectos os focados nas conclusões 3 e 38 da motivação.
Posto isto.
3.1. Os vícios do art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos a ela estranhos, designadamente, a quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, para os fundamentar (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Processo Penal Anotado, 10 ª Ed., 729, Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 339 e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 77 e ss.). Trata-se pois, de vícios intrínsecos da sentença.
Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a), do nº 1, do art. 410º, do C. Processo Penal, quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas, as ilações do tribunal recorrido (cfr. Ac. do STJ de 17/06/1993, CJ, S, I, II, 249). A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas (cfr. Ac. do STJ de 13/05/1998, nº 98P212, http://www.dgsi.pt/jstj). Ou ainda, e dito de outra forma, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 69).
Relativamente a este vício, refere o Prof. Germano Marques da Silva que para o mesmo se verificar «é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.» (Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Ed., 340).
Ocorre o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 340 e ss.).
Assim, existe o referido vício quando, após a realização de um raciocínio lógico, se conclui que a fundamentação conduz a uma decisão oposta à que foi tomada, ou se conclui que a decisão, face à incompatibilidade dos fundamentos invocados, não é esclarecedora (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 71 e ss.).
E ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
3.2. Explicitado que está o sentido e conteúdo de cada um dos apontados vícios, não vemos que qualquer deles se evidencie na decisão em crise. É que, e ressalvado sempre o devido respeito, as razões pelas quais a recorrente entende estarem verificados, nada têm a ver com eles, mas antes com outras questões, igualmente focadas na motivação do recurso, algumas das quais já conhecidas, e outras que o irão ser de seguida.
Na verdade, os factos provados a considerar – nos termos que atrás se deixaram referidos – bastam-se para fundamentar a decisão de direito, não existem contradições entre tais factos, ou entre estes, a fundamentação de direito e a decisão e, por último, não se coloca sequer a possibilidade de ter ocorrido o vício do erro notório na apreciação da prova precisamente porque, sendo o recurso de impugnação judicial decidido por despacho, nenhuma prova foi produzida perante a Mma. Juíza, e por isso, nenhuma prova foi por esta, apreciada e valorada.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, se conclui pela inexistência dos invocados vícios.
Da inexistência de dolo, e do erro sobre a ilicitude
4. Diz a recorrente que o tribunal a quo não podia ter interpretado o seu comportamento como de dolo directo, já que existiam causas de exclusão da ilicitude reveladas nas circunstâncias de, o centro comercial e a loja estarem abertos há três dias, de no dia dos factos a loja estar aberta há trinta minutos, de existirem etiquetas com marcação do preço, ainda que voltadas para baixo e de, embora existissem tais etiquetas, a loja aguardava o envio dos quadros de acrílico para marcação suplementar. E, conclui, todos estes factos teriam que ser considerados, demonstrando a inexistência de dolo da sua parte.
Antes de mais, duas breves notas. Em primeiro lugar, tendo a recorrente, como várias vezes já referimos, prescindido da realização da audiência, renunciou ao direito de fazer a prova destes factos. E por isso, os únicos factos que a decisão recorrida poderia ter considerado, são os factos considerados provados na decisão administrativa. Em segundo lugar, o dolo, enquanto facto interior da conduta do agente, nada tem a ver com causas de exclusão da ilicitude isto é, o agente pode agir dolosamente, e mesmo assim, ver a sua conduta justificada à luz do direito.
Posto isto.
4.1. Na decisão administrativa, a referência ao elemento subjectivo é feita com o seguinte enquadramento: “Aliás, é do conhecimento geral do exercício de qualquer actividade comercial que devem ser afixados os preços de bens expostos para compra pelos consumidores, nos termos definidos na lei.
Deste modo, a sociedade arguida não cumpriu as aludidas obrigações legais, violando a lei e prosseguiu com a sua conduta conformando-se com a infracção e com o resultado que a mesma produziu, pelo que agiu de livre vontade e deliberadamente.”.
Dispõe o art. 8º, nº 1, do RGCOC que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
O dolo, que pode ser definido, de uma forma sintética, como o conhecimento e vontade de praticar o facto, reveste qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º, do C. Penal, ex vi, art. 32º, do RGCOC, a saber: dolo directo [o agente representa o facto que preenche o tipo e actua com intenção de o realizar], dolo necessário [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta] e dolo eventual [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com aquela realização].
Por sua vez, a negligência consiste sempre num actuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art. 15º, do C. Penal).
Pois bem, dizer-se que a recorrente agiu de livre vontade e deliberadamente desacompanhado de quaisquer outros elementos concretizadores, nada adianta quanto à caracterização de uma conduta dolosa. E dizer-se que a recorrente prosseguiu com a sua conduta conformando-se com a infracção e com o resultado que a mesma produziu, sem que se concretize a conformação com a infracção e o resultado produzido, mais não é, em nosso entender, e ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, uma fórmula demasiado vaga, que não integra um qualquer facto, ainda que interior, susceptível de através dele se afirmar uma conduta dolosa, em qualquer uma das modalidades acima indicadas.
Na verdade, o que na decisão administrativa se impunha, face aos demais factos – objectivos – provados, para que se pudesse concluir por uma conduta dolosa da recorrente, é que se tivesse considerado como provado – o que não aconteceu – que esta tivesse colocado as etiquetas com os preços dos bens expostos nas montras propositadamente para baixo, a fim de que tais preços não fossem visíveis do exterior da loja ou, pelo menos, que se tivesse apercebido de que as etiquetas se encontravam nessa situação e não a tivesse alterado, como o mesmo propósito, e o mesmo se diga, relativamente aos bens expostos na vitrina existente no interior da loja.
E assim, o que, com certeza, podemos concluir dos factos provados que constam da decisão administrativa, é que a recorrente agiu negligentemente, ao colocar as etiquetas como foram colocadas nas montras, e ao não exibir os preços de todos os bens existentes na vitrina, pois que podia e devia ter actuado de outro modo, por forma a que os preços dos bens fossem efectivamente visíveis pelos eventuais clientes da loja.
4.2. No que ao erro sobre a ilicitude respeita, limitar-nos-emos a dizer que tal erro tem que resultar dos factos provados, o que, manifestamente, não acontece nos autos.
Por outro lado, a recorrente chama também à colação a falta de consciência da ilicitude que afastaria o dolo. Ainda que também esta falta devesse resultar dos factos provados, certo é que, como vimos, a conduta da recorrente não pode, face aos factos provados, ser considerada dolosa.
Mas ainda que assim não fosse, não vemos como se pode afirmar que a recorrente desconhecia a proibição, pois é ela mesma quem sempre admitiu que os preços dos bens deviam estar visíveis ao público.
4.3. O art. 1º, nº 1, do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril [com a redacção do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio] dispõe que os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor.
Por sua vez, dispõe o art. 5º, nº 1, do mesmo diploma que, a indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor. E o nº 2, alínea b), do mesmo artigo, define «Etiqueta» como, todo o suporte apenso ao próprio bem ou colocado sobre a embalagem em que este é vendido ao público, podendo, no entanto, ser substituída por inscrição sobre a embalagem, quando a natureza desta o permita.
E, regulando a exposição em montras e vitrinas, dispõe o art. 8º, nº 1, daquele decreto-lei que, os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, devem ser objecto de uma marcação complementar, quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 5º.
Finalmente, o art. 11º, nº 1, do dito diploma dispõe que as infracções aos seus artigos, além de outros, 1º, 5º e 8º, constituem contra-ordenações, puníveis com coima de 500.000$00 a 6.000.000$00 se o infractor for uma pessoa colectiva, enquanto o seu nº 2 estabelece que a negligência é punível.
Desta forma, face aos factos provados que constam da decisão administrativa, e ao que atrás se deixou dito, resta agora concluir que a recorrente praticou a contra-ordenação pela qual foi sancionada isto é, a p. e p. pelos arts. 1º, nº 1, 5º, nº 1, 8º, nº 1 e 11º, nºs 1, b), e 2, do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril [com a redacção do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio].
Mas, sendo a contra-ordenação praticada a título de negligência, e uma vez que o diploma tipificador não distingue o comportamento doloso do negligente, o limite máximo da coima aplicável é o de 3.000.000$00, por força do disposto no art. 17º, nº 4, do RGCOC.
Da falta de pressupostos de aplicação da coima, e da aplicação da admoestação
5. Diz a recorrente que não se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação da coima e da sua legalidade, por falta absoluta de fundamento na sua imputação.
Ora, resulta do que antecede que se mostram preenchidos tais pressupostos na medida em que a recorrente praticou efectivamente a contra-ordenação pela qual foi sancionada.
Diz também a recorrente que a decisão recorrida, ainda que tenha reduzido a coima para € 4.900, não fez desaparecer a sua desproporcionalidade, sendo em todo o caso o seu montante, catastrófico para a sua viabilidade económica. E, porque entende que a sua conduta não é grave, o resultado líquido do exercício de 2005 não bastaria para aferir a sua situação, e não foi apurado qualquer benefício da sua conduta, conclui pela aplicação de uma admoestação ou de uma coima fixada pelo mínimo legal.
Os critérios para a determinação da medida da sanção em processo de contra-ordenação encontram-se estabelecidos no art. 18º, do RGCOC. Assim, há que ponderar a gravidade da contra-ordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e o benefício económico obtido com a prática da infracção.
Na decisão recorrida foram ponderados, a gravidade média da contra-ordenação, o dolo da recorrente, o resultado líquido do exercício de 2005 de € 612.820,14 e a ausência da prática de anteriores contra-ordenações.
Temos para nós que a gravidade do facto não é particularmente elevada se bem que, porque está em causa a tutela de direitos do consumidor, e estamos perante um número razoável de bens com os preços não devidamente visíveis, também não poderá ser considerada de reduzida.
Por outro lado, ainda que a conduta da recorrente não assuma, como vimos, a forma dolosa, a grau da negligência não é também de desprezar.
A circunstância de não se ter apurado qualquer benefício económico resultante para a recorrente da prática da contra-ordenação só pode conduzir à conclusão de que nenhum benefício há que considerar, o que só lhe pode aproveitar.
Finalmente, porque a contra-ordenação foi cometida em 2005 e a declaração de IRC enviada pela recorrente aos autos foi a relativa aos rendimentos desse ano, é evidente que a ela haveria que atender para fixar a sua situação económica.
Posto isto.
A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (art. 60º, nº 4, do C. Penal).
No processo de contra-ordenação, a admoestação é proferida por escrito (art. 51º, 2 do RGCOC).
Dispõe o art. 51º, nº 1 do RGCOC que, “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”.
Assim, a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.
Como acabámos de ver, nem a gravidade da infracção cometida pela recorrente, nem a sua culpa, podem ser qualificadas de reduzidas.
Concluímos pois, pela não verificação dos requisitos de que depende a aplicação da admoestação no processo de contra-ordenação.
Quanto ao mais, considerando os elementos que atrás deixamos enunciados, onde avulta agora a conduta negligente, o que determina uma menor intensidade do juízo de censura a exercer, e considerando ainda as finalidades visadas pela aplicação da coima, entendemos como adequada à conduta em apreço nos autos a coima situada próximo do limite mínimo aplicável, que se concretiza em € 3.500.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso.
Consequentemente decidem condenar a arguida …, Lda., pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos arts. 1º, nº 1, 5º, nº 1, 8º, nº 1 e 11º, nºs 1, b), e 2, do Dec. Lei nº 138/90, de 26 de Abril [com a redacção do Dec. Lei nº 162/99, de 13 de Maio], na coima de € 3.500 (três mil e quinhentos euros).