Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1509/11.6TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
ANIMAIS
Data do Acordão: 09/18/2012
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 12º, Nº 1, ALÍNEA B) DA LEI 24/2007 DE 18 DE JULHO; ARTIGO350.º, N.º 2; 487.º, N.º 1 DO CC
Sumário: 1. Em caso de acidente rodoviário em auto-estradas provocado pelo atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
2. Não recai sobre o lesado o ónus de alegação e prova de uma conduta ilícita por banda da concessionária.
3. Ao estabelecer-se um ónus da prova de cumprimento, por força do disposto no artigo, 12º, nº 1, alínea b) da Lei 24/2007 de 18 de Julho, o que efectivamente se procurou foi onerar a entidade vinculada à manutenção das condições de segurança da auto-estrada com o encargo de provar a verificação de um evento extraordinário, não susceptível de ser por si controlado, sem embargo do normal funcionamento dos meios de vigilância e monitorização do tráfego que lhe estão exigidos.
4. Não é suficiente a prova do cumprimento de procedimentos genéricos de inspecção e vistoria para que se possa ter por acatada a obrigação de manutenção das condições de segurança da via.
Decisão Texto Integral:

12

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A....propôs no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz uma acção declarativa sob a forma de processo sumário contra BRISAL AUTO-ESTRADAS DO LITORAL SA, alegando em síntese:
No dia 19 de Setembro de 2010, cerca das 10h30m, quando seguia no sentido norte-sul da A 17, conduzindo o seu veículo ligeiro de passageiros 89-CG-09 a uma velocidade não superior a 100 Km/hora, foi surpreendido pelo súbito aparecimento na via de um animal de raça canina provindo do separador central, de forma tal que lhe não foi possível evitar a colisão frontal; tal animal só ali apareceu porque a Ré, concessionária da A 17, não cuidou de tomar as medidas preventivas necessárias, eventualmente reparando vedações em estado impróprio, pelo que o acidente se deveu à sua exclusiva culpa; do embate resultaram danos materiais no CG cuja reparação importou para o A. em € 3.608,03, ao que acresce a desvalorização de € 5.000,00; em consequência, esse mesmo veículo esteve imobilizado 125 dias, obrigando o A. a despender € 375,00 em transportes alternativos; além disso, o acidente fez com que o A. ficasse abalado e transtornado com a sua ocorrência, devendo ser ressarcido em € 1.000,00 pelos danos não patrimoniais assim sofridos.
Remata pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de € 9.983,03, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

Contestou a Ré Brisal impugnando a factualidade atinente à dinâmica do acidente e, bem assim, o não cumprimento do dever de manter a via em segurança, uma vez que observou integralmente a obrigação de vigilância das condições de circulação por patrulhamento efectuado por si e pela GNR, não tendo sido detectada no local do embate ou nas proximidades qualquer anomalia nas vedações. Por seu turno, o A. não provou, como lhe incumbia, os elementos constitutivos da responsabilidade extracontratual da Ré, nomeadamente a culpa, pelo que a acção só pode improceder.

A final foi a acção julgada procedente por provada e, em função disso, foi a Ré condenada a pagar ao A. as quantias de € 3.983,03 e € 750,00, acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação, no que toca à primeira, e desde a decisão, no que respeita à segunda, até efectivo pagamento, sendo absolvida quanto ao mais.

Inconformada, deste veredicto interpôs a Ré oportuno recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância, sem qualquer espécie de impugnação:

1. No dia 19 de Setembro do ano de 2010, cerca das 10h30m, deu-se a ocorrência de um embate em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 89-CG- 09.
2. O embate ocorreu no sentido norte para sul da auto-estrada 17 (AE-17), ao quilómetro 69,800, concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra.
3. A estrada no local é plana, apresenta pavimento asfaltado em razoável estado de conservação.
4. Dispõe de duas hemi-faixas de rodagem no mesmo sentido de marcha.
5. No local do acidente desenha-se uma “recta em patamar com piso em estado regular, com berma pavimentada”.
6. A auto-estrada é marginada do lado esquerdo por separador central.
7. A viatura de matrícula 89-CG-09 era conduzida pelo proprietário, o Autor.
8. O Autor circulava pela sua mão de trânsito.
9. Do embate ocorrido resultou imediatamente a sucumbência do animal, o qual foi retirado da via pública por um funcionário da Ré.
10. As condições climatéricas apresentavam-se na ocasião como “bom tempo”.
11. No âmbito do Plano Rodoviário Nacional vigente, a Ré detém a concessão da Auto- Estrada, denominada por AE 17.
12. A Ré, além dos lucros provenientes da utilização normal dessa via pelos vários utentes, tem também ao seu cuidado a responsabilidade de apresentar e conferir as condições mínimas de segurança rodoviária.
13. O veículo 89-CG-09 era um veículo ligeiro de passageiros, de marca “AUDI”, modelo “A4”.
4.1.14. O Autor remeteu a carta de fls. 27 à Ré e a Ré remeteu ao autor o e-mail de fls. 28, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
15. No momento referido em 4.1.1., o condutor do veículo 89-CG-09 circulava a velocidade não superior a 110Km/hora.
16. Quando assim seguia, surgiu subitamente e sem que nada o fizesse prever, da zona do separador central, um animal de raça canina que se atravessou na frente do veículo automóvel conduzido pelo Autor.
17. Decorrente do embate o veículo do Autor sofreu danos ao nível da parte frontal do veículo, designadamente na carroçaria, chaparia, pará-choques, radioador e grelha.
18. A reparação dos danos descritos em 4.1.17. na quantia de €3.608,03.
19. O valor mencionado em 4.1.18. foi pago pelo Autor integralmente.
20. O veículo referido em 4.1.13., à data do embate, encontrava-se em bom estado de conservação.
21. O veículo referido em 4.1.13., à data do embate, nunca antes tendo sofrido qualquer acidente.
22. Em consequência do embate o veículo referido em 4.1.13. foi alvo de desmontagens e montagens de várias peças e componentes essenciais ao seu bom funcionamento.
23. Em virtude do embate, o Autor esteve privado de utilizar a viatura desde o dia 19 de Outubro de 2010 até 21 de Fevereiro de 2011.
24. O Autor, atendendo à sua necessidade de se deslocar, viu-se mandou reparar o veículo 89-CG-09 a expensas suas.
25. A oficina apenas entregou a viatura reparada e pronta no dia 21 de Fevereiro de 2011.
26. O Autor necessitava e necessita da respectiva viatura automóvel para as suas deslocações diárias, fosse para tratar de assuntos profissionais, pessoais ou de lazer.
27. Sem veículo para substituir, o Autor teve que se socorrer de transportes alternativos, nomeadamente de táxis.
28. O Autor ficou abalado com o sucedido.
29. O Autor contactou a Ré junto de quem fez, pelo menos, uma tentativa de resolução.
30. Tendo despendido tempo e gastos que lhe causaram enormes transtornos.
31. Durante os patrulhamentos efectuados pela Brisal, entre as 07h00m e as 10h26m, momento da comunicação à Ré do sinistro, não foi detectado nem avistado qualquer animal na área concessionada da Ré e que abrangesse o Centro Operacional da Marinha das Ondas que não tivesse sido solucionada.
32. A Auto-estrada é patrulhada pela Brisal 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano e no dia do sinistro, e os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizado um patrulhamento na zona do embate entre as 9h00m e as 9h10m, e, no sentido contrário, entre as 7h40m e as 7h55m, sendo ainda patrulhada pela GNR/BT.
33. No local do sinistro, à data e hora do mesmo, e no sentido da marcha em que o sinistro ocorreu, não se detectou qualquer anomalia nas vedações numa extensão de cerca de 400m/500m, o que também sucedeu no sentido oposto entre o período compreendido entre as 12h20m e as 12h40m.
34. A AE17 encontra-se vedada em toda a sua extensão com duas fiadas de arame farpado, uma em cima e outra rente ao chão, sendo as mesmas metálicas de rede progressiva, isto é, a malha em baixo é de dimensão inferior à do meio, e a do meio é inferior à da parte de cima.

*

A apelação.

Na respectiva alegação a recorrente Brisal levanta como única questão o saber se não é correcto o entendimento da sentença que a responsabiliza pelo acidente nos termos do disposto no art.º 12º, nº 1, alínea b) da Lei 24/2007 de 18 de Julho, uma vez que, não se tendo provado qualquer facto ilícito, também não poderia ficar vinculada a ilidir qualquer presunção de culpa pelo incumprimento das condições de segurança da auto-estrada que lhe está concessionada.

Não houve resposta por banda do apelado.

Apreciando.

Para o que ora importa escreveu-se na decisão recorrida:
“Tendo presente o artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, presunção legal de culpa que afasta o ónus de prova pressuposto no artigo 487.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil.
E, nos termos do artigo 350.º, nº 2 do Código Civil, as presunções legais só podem ser ilididas mediante prova em contrário.
E esta prova em contrário só pode ser feita mediante a demonstração de que o facto ou a situação jurídica presumida não ocorreram e não simplesmente pela demonstração de factos que coloquem em dúvida a existência daquele facto ou daquela situação (neste sentido, Vaz Serra, “Provas”, in B.M.J., 110.º, pág. 184 a 187. e Rui Rangel, “Ónus da Prova no Processo Civil”, Almedina, pág. 219).
Assim, a elisão da presunção de culpa estabelecida pelo referido artigo 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 24/07, de 18 de Julho de 2007, não pode ser feita pela simples prova do cumprimento genérico pela concessionária das medidas por si implementadas destinadas a evitar a presença de animais na faixa de rodagem, mesmo que esse cumprimento abranja o tempo e o espaço em que ocorreu o acidente, o que, aliás, sucedeu no caso dos autos.
E se prova desses factos é susceptível de criar a dúvida sobre a responsabilidade da concessionária do acidente, não consegue a prova do contrário, ou seja, de que a culpa do acidente não lhe é imputável.
Aquele objectivo só pode ser atingido pela prova de que, na situação concreta, a presença do animal na via não é devida ao incumprimento pela concessionária da obrigação de impedir essa presença sendo necessária a prova das circunstâncias concretas que levaram à introdução do animal da via e que não lhe sejam imputáveis (neste sentido Acórdãos do 08.05.2008, no processo n.º 2789/07-2, e de 30.04.2009, no processo n.º 2557/06.3TBSTR.E1, todos em www.dgsi.pt.).”

Na verdade, com reporte para a questão em apreço, importa destacar do acervo fáctico não impugnado os seguintes pontos:

Em 19/09/2010 o A. circulava com o seu veículo ligeiro de passageiros 89-CG-09 no sentido norte-sul da A 17, pela sua mão de trânsito a velocidade não superior a 110 Km/hora.
A auto estrada é marginada do lado esquerdo por um separador central.
Quando assim seguia, surgiu-lhe subitamente e sem que nada o fizesse prever, da zona do separador central, um animal de raça canina que se atravessou na frente do veículo do A.
Fazia bom tempo.
No local do acidente desenha-se uma recta.
A Ré detém a concessão da A. 17.
Durante os patrulhamentos efectuados pela Brisal, entre as 07h00m e as 10h26m, momento da comunicação à Ré do sinistro, não foi detectado nem avistado qualquer animal na área concessionada da Ré e que abrangesse o Centro Operacional da Marinha das Ondas que não tivesse sido solucionada.
A Auto-estrada é patrulhada pela Brisal 24 sobre 24 horas por dia, todos os dias do ano e no dia do sinistro, e os patrulhamentos da área foram e estavam a ser realizados, tendo sido realizado um patrulhamento na zona do embate entre as 9h00m e as 9h10m, e, no sentido contrário, entre as 7h40m e as 7h55m, sendo ainda patrulhada pela GNR/BT.
No local do sinistro, à data e hora do mesmo, e no sentido da marcha em que o sinistro ocorreu, não se detectou qualquer anomalia nas vedações numa extensão de cerca de 400m/500m, o que também sucedeu no sentido oposto entre o período compreendido entre as 12h20m e as 12h40m.
A AE17 encontra-se vedada em toda a sua extensão com duas fiadas de arame farpado, uma em cima e outra rente ao chão, sendo as mesmas metálicas de rede progressiva, isto é, a malha em baixo é de dimensão inferior à do meio, e a do meio é inferior à da parte de cima.

Bate-se a apelante Brisal pela tese de que não se tendo provado a existência de uma acção ou omissão ilícita por si cometida, nomeadamente, uma deficiência no sistema de vedação, não há facto ilícito, pelo que não se pode presumir a culpa da Ré, decorrente do disposto no art.º 12, nº 1, alínea b), da Lei 24/2007 de 18 de Julho, por esta não dispensar tal prova do facto.
E que com a prova do patrulhamento da via e verificação do estado da vedação a recorrente provou o cumprimento da sua obrigação.
Cremos, porém, que a razão está do lado da sentença recorrida.
Se não vejamos.


A Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art. 12º: “1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
Emerge da Base XXXVI, nº 2, do contrato de concessão (DL 294/97 de 24/10) que “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham por si sido construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação, sujeitas ou não ao regime de portagem”.
É, pois, indiscutível que em caso de acidente rodoviário em auto-estradas provocado pelo atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Independentemente da orientação que se perfilhe no dissídio entre a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade da entidade concessionária da auto estrada - e já tivemos ocasião de nos manifestarmos pela posição extra-contratualista No acórdão desta Relação de 28/04/2010, relatado pelo Des. António Magalhães, em que foi adjunto o aqui relator. , posição que, a nosso ver, quedou reforçada com a publicação da Lei 24/2007, diploma no qual o legislador dá conta da necessidade que sentiu de autonomizar o ónus da prova do cumprimento das concessionárias da obrigação de zelar pela segurança da circulação, o que representou um claro afastamento do princípio geral da presunção de culpa do devedor contratual (art.º 799, nº 1 do CC) - defender que continua a recair sobre o lesado a alegação e prova de uma conduta ilícita por banda da concessionária é subverter o real objectivo da lei. Com a configuração da responsabilidade das concessionárias expressamente plasmada não vemos que o aí disposto possa ser compaginado com a tese de que, ainda assim, continua a caber ao lesado isto é, ao utente da via vítima do acidente, a alegação e prova do facto ilícito.
Tal como se vincou no Ac. do STJ de 9/09/2008, relatado pelo Ex.mo Cons. Garcia Calejo, no proc. 8P1856, disponível in www.dgsi.jstj.pt., em lugar de ónus da prova da falta de culpa, a lei - o art.º 12º, nº 1, al.ª b), da Lei nº 24/2007 - “fala em ónus da prova do cumprimento. Entende-se, porém, ser irrelevante esta particularidade, visto que também na responsabilidade contratual, como decorre do disposto no art. 799º nº 1, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Resulta desta presunção que ela abrange não só a culpa como também a ilicitude do devedor. Na origem do não cumprimento existe uma conduta ilícita do devedor e que essa conduta é também culposa (vide Prof. Carneiro da Frada in Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, págs. 92 e segs. referido no dito parecer)”.
Na verdade, no caso da omissão de um dever vigilância de uma auto-estrada, a prova da culpa será praticamente incindível da do facto que consubstancia a ilicitude. E a dificuldade probatória não residiria tanto na prova da ausência da culpa na actuação genérica e preventiva da entidade responsável pela segurança da via como na demonstração da génese do facto - necessariamente ilícito - que desencadeou o acidente.
Compreensivelmente, entendeu-se que, mercê de toda a logística previamente instalada, apoiada numa específica estrutura operacional composta pela organização de meios humanos e materiais que coloca ao seu serviço na exploração da auto-estrada, seria sempre a concessionária quem estaria em melhor posição para provar a origem e circunstâncias que explicam o facto concreto gerador do acidente.
Para o utente da via a prova da origem desse facto seria as mais das vezes, senão impossível, pelo menos de extrema dificuldade.
Fazê-lo arcar com o peso dessa alegação e prova corresponderia, na prática, a colocar sobre ele a prova do não cumprimento pela concessionária da obrigação de velar pela segurança da auto-estrada, pervertendo o espírito do art.º12, nº 1, da Lei nº 24/2007.
Dai que, ao estabelecer-se um ónus da prova de cumprimento, o que efectivamente se procurou foi onerar a entidade vinculada à manutenção das condições de segurança da auto-estrada com o encargo de provar a verificação de um evento extraordinário, não susceptível de ser por si controlado, sem embargo do normal funcionamento dos meios de vigilância e monitorização do tráfego que lhe estão exigidos.
Não é suficiente a prova do cumprimento de procedimentos genéricos de inspecção e vistoria para que se possa ter por acatada a obrigação de manutenção das condições de segurança da via.
É, pois, de considerar que nem o desconhecimento da causa do obstáculo na via, nem a genérica demonstração de uma actuação diligente, podem ter o condão de libertar a concessionária da sua responsabilidade (cfr. os Acórdãos da Relação de Évora, de 08-05-2008, p. 2789/07-2 e de 15/03/2011 desta Relação, disponíveis em www.dgsi.pt.).
Impõe-se que a concessionária alegue e demonstre o concreto evento que foi causal do acidente e dos danos, e ainda que esse evento, pela sua natureza ou outro motivo, designadamente por se tratar de caso de força maior, de terceiro, ou de fonte externa que ela não pôde controlar ou evitar em tempo oportuno, isto é, a tempo do dano se consumar, não implicou qualquer inobservância das regras de segurança.
Prova que, portanto, implicará sempre que seja a concessionária a revelar o circunstancialismo que rodeou o facto lesivo e causal do acidente.
É que só dessa forma essa entidade consegue impedir a sua responsabilização pelos danos, pois só assim evidencia cabalmente que não falhou na prevenção de acidentes motivados por causas estranhas à normal circulação automóvel.
É certo que, no que tange à causa ou factor naturalístico do acidente, o nº 2 do art.º 12 da Lei nº 24/2007 prevê uma obrigatória confirmação do acidente pela autoridade, ao prescrever que “Para efeitos do número anterior a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente (…)”. No entanto, não há que ver aqui a imposição, propriamente, de uma formalidade ad probationem a cargo do lesado Como se entendeu no Ac. desta Relação de 9/03/2010, infra citado, disponível em www.dgsi.jtrc.pt.. Basta pensar que, consumado o acidente, o animal pode sair da via, sem deixar vestígio concludente. O que está plasmado nesse nº 2 é unicamente uma prescrição de imperativa actuação da autoridade policial principalmente destinada ao rápido apuramento da origem do animal ou obstáculo, apuramento sem o qual a concessionária pode não alcançar a prova do cumprimento a que se refere o nº 1. Quando muito, poder-se-á ver com a aludida prescrição a porta para a invocação de uma causa de exoneração da concessionária se esta alegar e provar que o lesado impediu a confirmação policial da causa no local, p. ex. seguindo viagem imediatamente. Fundamentalmente, como resulta da expressão introdutória do preceito “Para efeitos do número anterior”, a promoção da confirmação policial do evento responde ao interesse da concessionária, uma vez que não só servirá para lhe facilitar a ingrata tarefa de ilidir a presunção de culpa como sobretudo adjuvá-la-á decisivamente no precaver-se contra invocações fraudulentas de acidente, assentes em prova testemunhal forjada Na apelação nº 131/08.9TBFAG.C1 desta Relação, em que foi relator o Des. António Magalhães, alertou-se para que “a norma do nº 2 tem incidência não sobre a repartição do ónus da prova mas sobre a força e o valor dos meios probatórios, com o fito de precludir provas falíveis como a meramente testemunhal (ver Ac. R.P. de 11.1.2011, in www.dgsi.pt; em sentido oposto, cfr. o Ac. R.C de 9.3.2010, no mesmo site do ITIJ)”. .
Não custa admitir que, com estes contornos, não raras vezes a concessionária vá sucumbir no afastamento da presunção de culpa, convencendo do cumprimento, por, apesar de tudo, não lograr identificar o modo como o animal ou objecto apareceu na faixa de rodagem do utente. Mas isso não transforma a sua responsabilidade em objectiva, porquanto, em abstracto, é-lhe sempre possível o aportar de factualidade excludente da culpa respectiva.
O facto de imediatamente antes e após o acidente a rede de vedação ter sido vistoriada pela Ré e pela GNR/BT, no local e nas suas imediações, e de não ter sido detectada qualquer deficiência na vedação da A.E., não significa que a referida Ré tenha procedido a uma vigilância cuidada e eficaz, em ordem a avaliar o seu bom estado.
Além disso, não está excluída a hipótese de o cão se ter introduzido pela zona das portagens, penetrando na faixa de rodagem de modo alheio às condições de isolamento lateral da via.
Também não há que presumir que o sistema de vedação por rede é sempre suficiente, ainda que o mesmo se manifeste em bom estado.
Note-se que as próprias dimensões das vedações - isto é a sua parametrização, designadamente no que respeita à altura respectiva - não se acham sequer “standardizadas” na lei, tendo esta optado por deixar ao juízo técnico das concessionárias a definição do tipo de vedação concretamente adequada ao fim em vista Concordamos com o Ac. desta Relação de 9/03/2010, disponível em www.dgsi.jtrc.pt., quando aí se lembra que a eficiência da vedação da auto-estrada também depende da propriedade das suas características, visto que a al. a) do nº 5 da Base XXII do contrato de concessão anexo ao Dec. Lei nº 294/97, de 24/10 deixa ao critério da concessionária a definição dos parâmetros de segurança que devem estar subjacentes ao desenho da rede de vedação a implantar, “considerando o tipo de fauna existente nos terrenos que ladeiam as auto-estradas”..
Não está, por conseguinte, afastada a presunção da existência de um defeito de construção ou de manutenção da auto-estrada, causal do acidente nem a presunção de culpa da Ré Brisal em relação ao acidente.
Donde a improcedência da apelação.


Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.
Custas pela Ré e apelante.

Coimbra,18 de Setembro, de 2012