Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1841/19.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DE NOVOS ELEMENTOS E PROVA
APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ARTIGO 414.º CPC
ABANDONO DA COISA
POSSE CONDUCENTE À USUCAPIÃO
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º DO CRPREDIAL
ARTIGOS 6.º; 411.º; 414.º; 466.º, 3; 554.º, 1; 574.º, 2; 607.º, 1, 4 E 5 E 662.º, 1 E 2, C) E D), DO CPC
ARTIGOS 323.º, 325.º; 1252.º, 1; 1256.º; 1257.º, 1; 1261.º; 1262.º; 1267.º, 1, A); 1268.º; 1292.º; 1294.º A 1297.º; 1311.º E 1316.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).          
2. Nos casos previstos no art.º 662º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPC, importa verificar se existem patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento e que poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento, enquanto medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto.
3. Decorrendo dos meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento a impossibilidade de obter novos elementos suscetíveis de conduzir a uma diferente configuração da realidade - e, daí, a inutilidade de eventuais diligências ao abrigo dos art.ºs 6º, 411º, 607º, n.º 1, 2ª parte, e 662º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC - a dúvida porventura subsistente cai no campo de aplicação do preceituado no art.º 414º do CPC (resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).
4. O “abandono” da coisa, primeira das causas de “perda da posse” mencionadas no art.º 1267º, n.º 1, do CC, pressupõe um ato material, praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito, mas não tem aplicação à posse dos direitos reais de natureza perpétua (o caso típico é o da propriedade sobre imóveis), i. é, daqueles direitos reais que não se extinguem por renúncia do titular; daí, para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício - basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar (art.º 1257º, n.º 1, do CC).
5. Feita a prova da posse boa para usucapião (facilitada pelo regime da acessão e da sucessão na posse) do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo e da correspondente aquisição originária, provada fica a titularidade do respetivo direito real, pois o que releva para alcançar as realidades prediais, objeto de direitos reais, são os atos possessórios verificados ao longo dos tempos, que incidam sobre tais realidades e não as descrições prediais ou as inscrições matriciais - estas, por maioria de razão -, que podem ser úteis na sua identificação ou localização, mas não podem ter qualquer repercussão nas relações jurídico-privadas, nomeadamente delimitando o objeto sobre que incindem tais direitos, nada provando, por si só, quanto a esse objeto, designadamente quanto à respetiva área concreta. 
Decisão Texto Integral:

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
                 Vítor Amaral


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(…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            I. Em 04.12.2019, AA intentou a presente ação declarativa comum contra Centro Social e Paroquial de ..., pedindo a condenação do Réu a reconhecer o A. como legítimo proprietário do prédio urbano com entrada pelo n.º ...5, da Rua ..., em ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...1 da freguesia ... [a)], e a restituir-lhe o mencionado imóvel livre e devoluto de pessoas e bens [b)].

            Alegou, em síntese: é dono dos prédios referidos nos art.ºs 1º e 13º da petição inicial (p. i.), inscritos na matriz sob os artigos ...60 e ...61 da freguesia ..., concelho ..., que adquiriu por partilha no processo de inventário por óbito de seu pai; o Réu é dono do prédio que identifica no artigo 5º da p. i., inscrito na matriz sob o art.º ...62 da dita freguesia ..., que adquiriu por compra; tais prédios confinam entre si; o Réu, desrespeitando o direito de propriedade do A., efetuou obras no seu mencionado prédio, ocupando parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...61 e fechando porta existente no prédio inscrito sob o art.º ...60, que permitia o acesso ao art.º 261, integrando os art.ºs 260 e 262, dando a aparência de se tratar de um único prédio.  

            O Réu contestou, impugnando o aduzido pelo A.. Afirma, nomeadamente, que o A. incorreu em lapso quando refere a existência de três prédios, quando na verdade existem dois prédios, inscritos na matriz sob os art.ºs ...61 e ...62, os quais foram utilizados e habitados, cada um, por sua família, ficando o prédio com o art.º ...62 devoluto desde 1956/57 e sem qualquer uso, desde 1980/1990 até à data da compra do mesmo pelo Réu em dezembro de 2000, que o reconstruiu e destinou a Museu do Cobertor de Papa e a Escola de Artes e Ofícios; confiaram no vendedor e seu procurador que lhes informaram e mostraram o imóvel urbano e seu logradouro objeto do negócio, localização e o espaço físico que correspondia às ruínas existentes e à área que o Centro/Réu reconstruiu, de boa fé e na convicção de não lesar direitos alheios; nessa convicção, o Réu solicitou um 1º projeto de reconstrução que, em 03.9.2001, apresentou na Câmara Municipal ... para aprovação; só em 20.02.2002 é que o Centro, através de Parecer da Câmara Municipal ..., tomou conhecimento que a área matricial e predial de 27 m2 não estavam corretas e devidamente atualizadas; diligenciou no sentido de retificação da área; desde há mais de 20 anos que, por si e seus antepossuidores vem  praticando os atos descritos no art.º 49º da contestação, de forma ininterrupta, de boa fé, à vista de toda gente, na convicção de estar a exercer um direito próprio e sem oposição de ninguém; as obras levadas a efeito pelo Réu ascenderam a € 87 163,75, o que aumentou o valor do prédio para quantia superior a € 90 000.

            Concluiu pela improcedência da ação e deduziu reconvenção, pedindo a condenação do A. a reconhecer o Réu como dono e legítimo possuidor do prédio urbano referido no art.º 47º da contestação/reconvenção, a título de aquisição por usucapião ou por acessão industrial imobiliária, ou, subsidiariamente, a indemnizar o Réu na quantia de € 87 163,75, por enriquecimento sem causa. Pediu, ainda, a condenação do A. como litigante de má fé.

            O A. replicou, concluindo como na p. i. e pela improcedência do pedido reconvencional.

            Foi proferido despacho saneador, que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

            Foi admitida a ampliação do pedido reconvencional (para € 100 011,09) formulado por via subsidiária, tendo em conta “o custo real das obras de reconstrução”.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 11.11.2022, julgou a ação parcialmente procedente, reconhecendo que o A. é dono e legítimo proprietário do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...60 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ...25, e absolvendo o Réu do demais pedido; julgou procedente o pedido reconvencional, reconhecendo que o Réu/reconvinte é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho ..., composto por dois pisos, rés do chão e 1º andar, com a área coberta de 104,70 m2 e descoberta de 41,20 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...62 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ...25, por usucapião; julgou improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.
Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - O Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC).

            2ª - A fundamentação da matéria de facto exige e impõe um verdadeiro e real exame crítico de todas as provas, interrelacionando-as entre si à luz dos princípios lógicos e das regras da experiência, identificando-se relativamente a cada facto quais os meios de prova que sustentam a decisão, para que a mesma seja percetível para o seu destinatário, o que manifestamente não é o caso dos autos.

            3ª - Não basta ao Tribunal efetuar uma enumeração dos meios de prova disponíveis e escudar-se na livre convicção. Há que alicerçar a decisão em processo lógico, dedutível e percetível, só assim permitindo ao destinatário da sentença, e aos Tribunais superiores, aquilatar do acerto da respetiva fundamentação, perceber o processo de decisão, o que não se verifica nos autos.

            4ª - Estamos perante uma aparência de fundamentação, uma vez que para além da enunciação genérica das provas, não é possível perceber quais as concretas provas relativamente a cada facto, o processo, o sentido lógico, o percurso seguido pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção e decisão relativa à matéria de facto, o que equivale à falta de fundamentação.

            5ª - A falta de fundamentação da sentença constitui vício, cominado com a sanção de nulidade, atento o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, o que se argui e deve ser declarado com as legais consequências.

            6ª - Existe erro de julgamento quanto aos factos provados 1, 3, 5, 7, 16, 17, 19, 21 a 23, 25 a 30, 32, 34 a 36 e 38 e alíneas a) a j) dos factos não provados, devendo ser aditado novo facto provado por acordo.

            7ª - O deficiente cumprimento do disposto no art.º 607º, n.º 4 do CPC, impede o Recorrente de cumprir de forma cabal o ónus imposto pelo art.º 640º do CPC, constituindo mesmo uma limitação do direito ao Recurso, na medida em que não é percetível o processo decisório do Tribunal, quais as provas a que atendeu e porquê.

            8ª - Por outro lado, evidencia-se da parca fundamentação que o Tribunal ficou com dúvidas relativamente a parte fulcral da matéria dos autos, sem que tivesse observado o disposto na 2ª parte do n.º 1 do art.º 607º do CPC, norma que contem um poder dever que impende sobre o julgador.

            9ª - Ressalta assim da sentença que o Tribunal a quo desconsiderou os seus deveres, violando o disposto nos art.ºs 607º, n.º 1, 2ª parte, 411º e 6º, do CPC.

            10ª - Ainda que se entenda não verificada a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, sempre deverá a decisão ser anulada nos termos e para os efeitos das al.s c) e d) do n.º 1 do art.º 662º do CPC, com as legais consequências.

            11ª - A prova produzida impunha decisão diversa relativamente aos factos:

            A) Aditamento de novo facto provado por acordo:

            - Atendendo ao alegado pelo A. no art.º 12º da p. i. e à aceitação do Réu plasmada no art.º 12º, fotos 1 e 2 da contestação e 1 do auto de inspeção judicial e decorre dos n.ºs 4 e 5º do art.º 607º do CPC, deve ser dado como provado:

            O prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...61 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25 da freguesia ... tem o n.º de polícia ...3.

            B) Impugnação factos provados

            - Facto provado 1:

            Este facto encontra-se deficientemente formulado porquanto omite que o mesmo é também composto por um pátio – cf. caderneta de fls. 7, devendo por isso ser alterado:

            O prédio urbano, destinado a habitação, com pátio, com a área de 42 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25 da freguesia ....

            - Facto provado 3:

            Este facto deve ser alterado para:

            Ao prédio mencionado no artigo 1) foi atribuído o n.º de polícia ...5, conforme declarações do A. prestadas na sessão de 13.7.2022, confrontado ainda com foto 1 da contestação.

            - Facto provado 5:

            Como se alcança do documento de fls. 17 verso a 20, o mesmo não constitui um negócio unilateral, mas sim uma escritura de compra e venda, tendo o Réu aceite o contrato nos termos aí exarados.

            Nesta medida, o facto provado 5 encontra-se deficientemente formulado, dele devendo constar também a aceitação do Réu, devendo ser alterado:

            Por escritura de compra e venda outorgada a 11.12.2000, no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 145 a 146 do Livro ...93..., BB, na qualidade de procurador de CC, contribuinte n.º ..., declarou vender à aqui ré, que aceitou comprar, o prédio urbano, constituído por palheiro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 27 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...62 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25, da aludida freguesia ..., lá inscrito a favor do vendedor pela inscrição G-1.

            - Facto provado 7:

            Atendendo ao próprio facto provado 10, ao desenho de fls. 20 verso, 25 verso e 49 verso, foto 19 da contestação e 3 do auto de inspeção judicial ao local, deve ser eliminado.

            - Facto provado 16:

            A única prova produzida foi no sentido da colocação de uma placa, não que tenha sido colocada no alçado e portado principal do prédio com o artigo matricial ...62 e muito menos que BB fosse o procurador do pai do A. encarregado de cuidar e administrar os imóveis – cf. declarações de parte do A. prestadas na sessão de 13.7.2022, única prova produzida a este respeito uma vez que, como supra referido, nenhuma das testemunhas referiu conhecer ou ter falado com BB (com exceção de DD por ser seu primo mas revelou pouco conhecimento do mesmo).

            A prova apenas permite dar como provado:

            Alguns meses antes da escritura de compra e venda foi colocada uma placa com os dizeres “vende-se” na porta de um dos prédios propriedade do pai do A..

            - Facto 17:

            Este facto é conclusivo e não se encontra suportado em qualquer meio probatório, sendo que nenhuma das testemunhas presenciou ou esteve presente na apresentação e conclusão do negócio, devendo este ser eliminado.

            - Facto 19:

            Nenhuma das testemunhas, esteve presente em qualquer reunião/conversa com vista à realização e concretização do negócio - EE, DD, FF, GG, HH e II -, pelo que a prova produzida impõe a eliminação deste facto.

            - Facto 21 e 34:

            Atendendo a caderneta de fls. 7, fotos 1 e 2 da contestação, declarações do A. prestadas na sessão de 13.7.2022, tais factos devem ser eliminados.

            - Factos provados 22, 23 e 25:

            O depoimento da testemunha EE e as declarações do A. determinam a eliminação do facto 23 e a seguinte alteração dos factos 22 e 25:

            » facto 22: Em 1955/56 o prédio com o artigo matricial ...60 era habitado por JJ e filhos, tendo os mesmos, por essa data, ido residir para Lisboa.

            » facto 25: Nos finais da década de 1980 e princípios de 1990 os imóveis a que correspondem os artigos matriciais ...62 e ...60 apresentavam sinais visíveis de degradação.

            - Facto 26:

            Além da alegação do Réu na contestação, não se efetuou prova (nem o Tribunal indicou qual) do que consta deste facto, com excepção de que se encontra instalado nos imóveis o Museu de Papa e a Escola de Artes e Ofícios.

            Este facto deve ser alterado no sentido de:

            Após as obras de reconstrução e requalificação levadas a efeito pelo réu nos prédios identificados nos artigos 1 e 5 da factualidade provada, foi instalado no local o Museu do Cobertor de Papa e a Escola de Artes e Ofícios.

            - Factos 27, 28, 29 e 30:

            Nenhuma prova foi feita que permita dar estes factos como provados, não bastando que tal tenha sido alegado na contestação (cf. art.ºs 26 a 29 do referido articulado), não tendo nenhuma das testemunhas inquiridas - EE, DD, FF, GG,  HH e II - efetuado qualquer visita ao local com o vendedor ou o procurador que celebrou a escritura nem acompanharam sequer a preparação, elaboração e apresentação do projeto na Câmara e diligências junto da mesma, pelo que tais factos devem ser eliminados.

            - Facto provado 32:

            O documento que constitui o Alvará de Licença de Obras n.º ...79 (fls. 45) não permite dar como provado o facto nos termos em que o foi mas somente:

            A Câmara Municipal ... em 04.12.2006 emitiu Alvará de Licença de Obras n.º ...79 referente ao processo de Obras n.º ...06 referente ao prédio sito em ..., da freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...5 e inscrito na matriz sob o art.º ...62 da referida freguesia, reportando-se a licença a obras de reconstrução de edifício (Casa Museu do Cobertor de Papa) referente a uma área de construção de 118 m2.

            - Facto provado 35:

            Com base no depoimento da testemunha EE e declarações de parte do A. este facto deve ser eliminado.

            - Facto provado 36:

            Atendendo ao que se provou em 13 e 14, as declarações do A. e depoimento da testemunha KK, este facto deve ser eliminado.

            - Facto provado 38:

            As declarações do A. e documentos de fls. 90 a 102 impõe a alteração deste facto no sentido de se referir também ao pagamento do IMI do artigo 262 mesmo após a escritura de compra e venda:

            Pelo menos nos anos de 2003, 2004, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 que o autor, desde a data em que lhe foram adjudicados os prédios identificados em 1) e 8) da factualidade provada, e anteriormente a herança aberta por óbito de seu pai, procedeu ao pagamento do IMI relativo aos mencionados prédios, bem como ao IMI dos anos de 2003 e 2004 relativamente ao prédio identificado em 5).

            C) Impugnação dos factos não provados

            - Facto não provado a):

            A prova relativa à pugnada alteração dos factos provados 1, 7, 22, 23 e 25 e caderneta de fls. 7 impunham dar-se este facto como provado.

            - Facto não provado b):

            Dando-se como provado os factos 13 e 14 e atendendo igualmente às declarações do A., o facto tem de ser dado como provado.

            - Facto não provado c), d) e e):

            As declarações do A., a prova referida à pugnada alteração dos factos provados 21 e 34, fls. 154 a 180, determinam se de como provados estes factos.

            - Facto não provado f):

            Dando-se como provado os factos b), c), d) e e), e tal como se alcança das fotografias dos autos, a aparência é efetivamente a de um único prédio, devendo este facto ser dado como provado.

            - Factos não provados g), h) e i):

            Atendendo a fls. 24 e 25, as declarações do A., este facto deve ser dado como provado.

            - Facto não provado j):

            Não há discussão nos autos que os imóveis estavam desocupados e no estado dado como provado em 11 e 12, devendo este facto ser eliminado.

            12ª - Pugnando-se como se pugna pela alteração à matéria de facto, o artigo matricial ...60 corresponde ao prédio com entrada pelo n.º ...5, que se encontra ocupado pelo Réu, tendo este adquirido unicamente o artigo matricial ...60[1], correspondendo a palheiro com a área de 27 m2, sem qualquer pátio.

            13ª - Procedeu indevidamente à unificação dos imóveis e consequente ocupação do artigo matricial ...60 propriedade do A..

            14ª - Nesta medida, atento o disposto no art.º 1311º do Código Civil (CC), deve proceder o segundo pedido formulado pelo A., isto é, que seja o Réu condenado a restituir o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens.

            15ª - Consequentemente, deve improceder o pedido reconvencional, sendo que, relativamente ao pedido subsidiário formulado pelo Réu, resultou provado que o projeto e as obras foram subsidiadas (facto provado 33), não resultando de fundos próprios do Réu.

            16 ª - Não procedendo nenhum dos fundamentos de recurso supra explanados, considerando-se que a matéria de facto é a que foi fixada pelo Tribunal a quo, o Tribunal a quo, ainda assim, não aplicou corretamente o direito aos factos.

            17ª - Não tendo sido feita prova que as pessoas identificadas em 22 e 35 dos factos provados fossem proprietárias do imóvel, antes pelo contrário, como resulta do facto provado 5, e provando-se o referido em 11 e 12 não existe posse anterior que aproveite ao Réu, nem tem o mesmo qualquer título de aquisição para o imóvel tal como descrito no facto provado 32.

            18ª - Atento o facto provado 14 deveria o Tribunal ter considerado a interrupção da prescrição.

            19ª - O pedido reconvencional não poderia ter procedido, por não se verificar acessão na posse nem usucapião.

            20ª - A sentença recorrida efetuou incorreta interpretação dos art.ºs 1256º, 1267º, n.º 1, a), 1292º, 1294º, 1296º, 321º, n.º 1 e 325º do CC, que nesta medida violou.
O Réu respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito.                     


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) O prédio urbano composto por rés-do-chão, destinado a habitação, com a área de 42 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60 e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) da ... sob o n.º ...25 da freguesia ....

            2) Pela apresentação n.º 669 de 2012/02/29 foi registada a aquisição do prédio identificado em 1), a favor do autor, por partilha da herança.

            3) Ao prédio mencionado em 1) foi atribuído o n.º de polícia ...3.

            4) O prédio mencionado em 1) foi adjudicado ao autor (verba 9) por partilha da herança do seu pai, CC, no processo de inventário n.º ...9..., tendo a sentença homologatória da partilha transitado em julgado no dia 02.02.2012.

            5) Por escritura de compra e venda outorgada a 11.12.2000, no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 145 a 146 do Livro ...93..., BB, na qualidade de procurador de CC, contribuinte n.º ..., declarou vender ao Réu o prédio urbano, constituído por palheiro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 27 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...62 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25, da aludida freguesia ..., lá inscrito a favor do vendedor pela inscrição G-1.

            6) Pela apresentação n.º 16 de 2001/09/11 foi registada a aquisição do prédio identificado em 5) a favor do Réu, por compra.

            7) Ao prédio mencionado em 5) foi atribuído o n.º de polícia ...5.

            8) O prédio urbano composto por rés-do-chão, sem andares nem divisões, suscetível de utilização independente, destinado a habitação, com a área de 49 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...61 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25 da freguesia ....

            9) Pela apresentação n.º 669 de 2012/02/29 foi registada a aquisição do prédio identificado em 8), a favor do autor, por partilha da herança.

            10) Os prédios identificados em 1), 5) e 8) são independentes uns dos outros e confinam entre si.

            11) Em data não concretamente apurada do ano de 2002, no âmbito do processo de Inventário identificado em 4), o autor, acompanhado de um avaliador, deslocou-se à ... para visitar os bens existentes em ..., incluindo o prédio identificado em 1).

            12) Por ocasião da deslocação referida em 11), quer o prédio identificado em 1), quer o prédio identificado em 5), encontrava-se ruínas e desabitados[2].

            13) Em junho de 2010, o autor voltou a deslocar-se aos prédios supra mencionados, acompanhado do seu colega de profissão, KK.

            14) Consta da decisão datada de 11.10.2010, proferida no âmbito da carta precatória, que correu termos sob o n.º 663/08...., junta nos autos a fls. 24 verso a 25, que: “Notificado o Centro Paroquial ... para prestar informações acerca do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...61, veio o mesmo alegar que os prédios inscritos na sob os artigos ...60, ...61 e ...62 se reportam ao mesmo prédio, requerendo que o mesmo não seja relacionado no inventário, devendo as partes ser remetidas para os meios comuns.

            O cabeça de casal veio responder nos termos exarados no requerimento supra referenciado, alegando que se devem manter relacionados os imóveis supra indicados, procedendo-se à avaliação dos mesmos nas condições em que se encontravam antes da realização das obras.

            Cumpre apreciar e decidir.

            (...) / Ora, não consta dos autos que o aludido Centro seja interessado direto na partilha, ou seja, herdeiro, pelo que carece, em absoluto, de legitimidade para formular o pedido acima exposto, sem prejuízo naturalmente de vir a exercer os seus direitos através da competente ação judicial. Não pode é ter intervenção no processo de inventário nos termos e para os efeitos requeridos. / Termos em que, indefiro o requerido pelo Centro Paroquial ....

            Notifique, / (...) / Refª 490690: / Informe que devido a dúvidas quanto à localização dos prédios objeto de avaliação foram efetuadas diligências tendentes à remoção das mesmas, tendo sido concedido o prazo de dez dias ao cabeça de casal para prestar esclarecimentos.”

            15) No âmbito do processo de inventário identificado em 4), foi ainda adjudicado ao autor, o prédio urbano, sito na Rua ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de rés-do-chão, com a área coberta de 49 m2, da dita freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...61, por partilha da herança do seu pai, CC, tendo a respetiva sentença homologatória transitado em julgado no dia 02.02.2012.

            16) Alguns meses antes da escritura de compra e venda o procurador do CC, BB, também encarregado de cuidar e administrar os prédios supra mencionados, colocou no alçado e portado principal do prédio com o artigo matricial ...62 na confrontação com a Rua, uma placa com os dizeres “vende-se”.

            17) Desde a data da aquisição do prédio que o Réu sempre esteve na convicção de que o espaço físico que ocupa corresponde ao artigo urbano n.º ...62 da freguesia ..., concelho ....

            18) A sinalização no prédio com os dizeres “vende-se” foi retirada logo a seguir à realização da escritura pública mencionada no em 5).

            19) Foi o procurador do vendedor, BB, que antes da venda mostrou aos representantes do Réu, o prédio atualmente ocupado pelo Réu, forneceu os documentos matriciais e registrais e respetiva procuração para a realização da escritura de compra e venda.

            20) À data da compra e venda mencionada em 5), todo o espaço ocupado pelo Réu estava em ruínas, com grande parte do telhado caído, com os interiores, portas, janelas, sobrados danificados e caídos no chão.

            21) Foi este espaço em ruínas que CC, através do seu procurador mostrou e transmitiu vender ao Réu, com comunicação entre todas as dependências a nível de rés do chão e 1º andar, com uma estrutura única e um único prédio, distinto e sem comunicação com os prédios identificados em 1) e 8).

            22) Em 1955/56, já o prédio identificado em 5) tinha dois pisos e era habitado por LL, e mulher JJ e filhos MM e NN.

            23) A família de LL utilizava o 1º andar para habitação e o piso do rés-do-chão como loja para animais, arrumos, produtos agrícolas e o pai do LL chegou mesmo a montar ali um tear.

            24) Desde os fins da década de 1980, princípios da década de 1990 até à data do negócio de compra e venda mencionado em 5), o prédio identificado em 5), esteve sem uso ou utilização.

            25) Nos fins da década de 1980 e princípios da década de 1990 o telhado, o sobrado do 1º andar e respetivas traves em madeira, pela ação do vento, da chuva e dos temporais ruíram, assim como ruíram as respetivas armações em madeira, portas e janelas, permanecendo as paredes com as respetivas aberturas de acesso e intercomunicação entre todas as divisões e dependências e sem qualquer ligação aos prédios identificados em 1) e 8).

            26) Após a realização das obras de reconstrução e requalificação levadas a efeito pelo Réu, no prédio identificado em 5), as quais terminaram em finais de 2006, inícios de 2007, encontra-se instalado o Museu do Cobertor de Papa e a Escola de Artes e Ofícios, conhecido em Portugal e no Mundo e com atividades de divulgação e conhecimento da região, da pastorícia, da indústria da lã, da vida dos Pastores do fabrico dos cobertores nas suas diversas fases, na promoção do interior, especialmente dos hábitos e costumes, arte e património cultural da Região da Serra da Estrela.

            27) O Réu, seus representantes e a própria Diocese ..., através do seu Bispo que fez juntar à Escritura de Compra e Venda mencionada em 5), a credencial que ficou arquivada no respetivo Cartório, celebraram o ato de compra e venda na convicção de que tudo estava legal, regular e devidamente documentado, confiando no vendedor e seu procurador que lhes informaram e mostraram o imóvel urbano e seu logradouro objeto do negócio, localização e o espaço físico que correspondia às ruínas existentes e à área que o Centro reconstruiu, de boa fé e na convicção de não lesar direitos alheios.

            28) E, nessa convicção, o Réu solicitou um primeiro projeto de reconstrução que, em 03.9.2001, apresentou na Câmara Municipal ... para aprovação.

            29) Só em 20.02.2002 é que o Centro, através de Parecer da Câmara Municipal ..., tomou conhecimento que a área matricial e predial de 27 m2 não estavam corretas e devidamente atualizadas.

            30) Logo de seguida, o Réu diligenciou no sentido de retificação da área tendo em 17.7.2002 informado a Câmara da dificuldade de retificação da área por o vendedor ter entretanto falecido.

            31) Em 13.5.2003, o Réu solicitou à Câmara Municipal ... o seguinte: “tendo apresentado um projeto de reconstrução de um edifício de sua propriedade cujo projeto de arquitetura se encontra aprovado e que caducou de acordo com o (...) ofício 04906 de 08/05/03, vem requerer a V.ª Ex.ª se digne mandar apreciar o mesmo e que para os efeitos junta certidão de registo de propriedade atualizada."

            32) Desta forma com o projeto de arquitetura e todos os projetos da especialidade aprovados, a Câmara Municipal ..., em 04.12.2006, emitiu o Alvará de Licença de Obras n.º ...79 referente ao processo de Obras n.º ...06 respeitante ao prédio urbano mencionado em 5), o qual é composto por dois pisos, rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 104,70 m2 e descoberta de 41,20 m2.

            33) O custo das obras de reconstrução levadas a efeito pelo Réu no prédio supra mencionado ascendeu ao valor de € 87 163,75, obras englobadas e financiadas no âmbito do projeto “co-financiado pelo programa de iniciativa comunitária Leader +”.

            34) A porta evidenciada na foto n.º 4, constante de fls. 41 verso, já existia antes das obras de reconstrução efetuadas pelo Réu e sempre fez parte do prédio urbano mencionado em 5).

            35) Pelo menos desde o ano de 1955/56 até 1980, que o Réu, por si e seus antepossuidores, vem habitando, dormindo, recebendo os amigos e familiares, confecionando refeições no 1º andar e utilizando o rés-do-chão, com um tear para produção de cobertores e outros artigos, para recolha de objetos e utensílios da lavoura e até com recolha de animais, palhas e fenos e outros alimentos para os animais e, desde dezembro de 2000 até ao momento atual, com obras de reconstrução e seguidamente exposição do referido tear, de cobertores aí fabricados, utilização do prédio com conferências, reuniões de formação profissional e científica, sobre património material e espiritual desta região, pagando a água e a luz.

            36) O que faz de boa fé, à vista de toda gente, na convicção de estar a exercer um direito próprio e sem oposição de ninguém, exceto do autor com a instauração da presente ação.

            37) O valor do prédio mencionado em 5), antes da realização das obras de reconstrução efetuadas, pelo Réu, no âmbito do “Projeto Co-Financiado pelo programa de iniciativa comunitária Leader +”, era de € 9 000, sendo a importância de € 5 000 respeitante à área do prédio e a importância de € 4 000 atribuído à pedra de granito que constituem as paredes.

            38) Pelo menos, nos anos de 2003, 2004, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 que o autor, desde a data em que lhe foram adjudicados os prédios identificados em 1) e 8), e anteriormente a herança aberta por óbito de seu pai, procedeu ao pagamento do IMI relativo aos mencionados prédios.

            2. E deu como não provado:

            a) O prédio mencionado em 1) tem entrada pelo n.º ...5 da mencionada Rua ....

            b) Posteriormente à data mencionada em 11), no decurso do referido processo de inventário, o autor tomou conhecimento que o Réu havia ocupado o prédio correspondente ao artigo matricial ...60, efetuando obras no mesmo.

            c) O Réu procedeu à abertura de uma porta do artigo 262 para uma divisão do artigo ...60.[3]

            d) Além da abertura dessa porta, o Réu procedeu também ao fecho de uma outra porta, existente no artigo ...60, que permitia o acesso ao artigo 261 (com entrada pelo n.º ...3 da Rua ...).

            e) Em substituição da porta existente entre os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...60 e ...61, o Réu improvisou uma lareira.

            f) Com as obras que realizou, o Réu integrou fisicamente os prédios inscritos na matriz sob os artigos ...60 e ...62, dando a aparência de se tratar de um único prédio.

            g) O Réu ocupou e levou a cabo obras no prédio identificado em 1) e 8), sem que para tal tivesse autorização.

            h) A ocupação do prédio por parte do Réu ocorreu, pelo menos, entre 2007/2008.

            i) O Réu bem sabia que o prédio que indevidamente ocupou não lhe pertence.

            j) Para além do período temporal mencionado em 24), o prédio mencionado em 5), esteve devoluto até à reconstrução e utilização pelo Réu.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            a) O A/apelante insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, invocando, sobretudo, as posições expressas nos articulados da ação, as suas declarações (de parte) e dois depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como alguns documentos juntos aos autos, pugnando para que se adite um novo facto e se modifique o decidido quanto aos factos provados 1, 3, 5, 7, 16, 17, 19, 21 a 23, 25 a 30, 32, 34 a 36 e 38 e alíneas a) a j) dos factos não provados, como se indica nas “conclusões 6ª e 11ª”, ponto I., supra, cuidando que dessa alteração poderá resultar diferente desfecho da ação.

            Antolha-se assim fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental junta aos autos, o teor da inspeção judicial ao local e o relatório da perícia (e esclarecimentos por escrito e verbais).

            c) Partindo da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e tendo em atenção o objeto do recurso, destacamos os seguintes excertos:

            «(...) ´Ab initio` importa dar conta da prova documental que relevou para a formação da convicção expressa no juízo probatório supra concretizado e o que da sua literalidade resulta (...):

               » a cópia da caderneta predial urbana de fls. 7, respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...60;

               » a cópia da certidão da CRP ..., de fls. 7 verso, referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...60 e descrito na CRP sob o n.º ...25;

               » a cópia da certidão respeitante ao processo de inventário de 8775/09..., (...) de onde consta a relação de bens, a ata de conferência de interessados, o auto de juramento e declarações de cabeça de casal de fls. 8 a 11 verso;

            (...)

            » a cópia da caderneta predial urbana de fls. 10 verso, respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...61;

               » a cópia da certidão da CRP ..., de fls. 23, referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na CRP sob o n.º ...25;

               » a cópia da caderneta predial urbana de fls. 16 e 50 verso a 51, respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...62;

               » a cópia da certidão da CRP ..., de fls. 7 verso, 51 verso e 87 a 89, referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...62 e descrito na CRP sob o n.º ...25;

               » cópia da escritura pública de compra e venda de fls. 17 verso a 20, outorgada no Cartório Notarial ..., exarada a fls. 145 a 146, do Livro de escrituras diversas número 193-G;

               » a cópia do desenho de fls. 20 verso, 25 verso e 49 verso, com a precisão de que os escritos aí mencionados não foram tidos em consideração pelo Tribunal, uma vez que, por um lado, se desconhece a sua autoria, e, por outro lado, tais escritos não foram integralmente corroborados pela demais prova produzida;

               » as fotografias de fls. 21 verso a 22, 23 verso, 26 a 28, 41 a 44, 46 verso, 50, 205 a 210;

            » a cópia da caderneta predial urbana de fls. 23, respeitante ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...61;

               » o expediente respeitante à carta precatória n.º 663/08.... (...);

            » o parecer da Câmara Municipal ... de fls. 44;

               » o alvará de Licença de Obras n.º ...79, de fls. 45;

               » os documentos emitidos pelo Ministério das Finanças – Direção Geral dos Impostos respeitantes à liquidação de IMI, respeitante aos prédios identificados nos autos, de fls. 90 a 102, referente aos anos de 2003, 2004, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019;

            (...)

            Em segundo lugar, o Tribunal tomou em consideração o teor do relatório pericial de fls. de 146 a 147, as fotografias de fls. 148 a 150 e o projeto de arquitetura de fls. 154 a 180, que o acompanham, bem como os esclarecimentos prestados a fls. 185 a 187 e os prestados em audiência de julgamento.

            A este propósito, cumpre referir que os Senhores Peritos não conseguiram[4], face à atual configuração dos prédios, indicar seja a área, sejam os limites dos prédios em discussão nos autos, em termos coincidentes com as certidões matriciais correspondentes a cada um dos mencionados prédios, circunstância que não se estranha, nos termos que explicitaremos melhor infra.

            Em terceiro lugar, o tribunal ancorou-se na inspeção judicial realizada ao local, que conforme melhor se alcança da ata e fotografias de fls. 212 a 222, permitiu percecionar a configuração dos prédios em causa nos autos, nos termos acima descritos.

            Em quatro lugar, baseou-se aquela convicção numa apreciação livre da prova testemunhal, tal qual a mesma se produziu em sede de audiência final, onde se sobrelevou o conhecimento pessoal e direto dos factos perguntados, a postura denotada pelas testemunhas, bem como a convicção e transparência dos depoimentos.

            Ancorou-se, ainda, o Tribunal nas declarações de parte do autor (...) que começou por localizar e identificar o prédio vendido ao réu, aludindo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...62.

            Mais referiu que, desde há longa data, reside em Lisboa, sendo que com cerca de 17/18 anos deslocou-se aos prédios identificados nos autos, tendo-os descrito como sendo três unidades prediais que, em tempos, pertenceram a seu pai, falecido a .../.../2000.

            Acrescentou que a unidade predial em causa é composta por três prédios, sendo que o réu adquiriu o prédio que se situa mais do lado esquerdo, o qual não tem pátio, mas o réu ocupou parte do pátio, local onde edificou uma casa de banho.

            Ademais, referiu que, no ano de 2002, altura em que se deslocou ao prédio reivindicado nos autos, encontrou-o em ruínas.

            A testemunha OO (...) referiu que, em junho de 2010, acompanhou o autor numa deslocação a ... e, nessa ocasião, presenciou uma conversa entre o autor e o Senhor Padre, representante do réu, o qual, quando confrontado com a revindicação do prédio em causa nos autos, começou por referir ter adquirido todo o espaço que ocupa, sendo que, num momento mais avançado da conversa, já dissera estar disposto a fazer um acordo com o autor.

            Ora, a circunstância de o réu estar disposto a fazer um acordo com o autor, naturalmente não significa o reconhecimento do direito do autor, mas apenas que está disposto a resolver a situação de forma consensual.

            A testemunha EE, (...) residente em ..., que aos costumes referiu ser diretor do Centro Social ..., desde há cerca de 7/8 anos, e anteriormente era tesoureiro, descreveu o prédio em discussão nos autos; os detalhes da placa aí colocada a anunciar a venda.

            Acrescentou que as obras levadas a efeito pelo réu respeitaram a arquitetura exterior do prédio, não tendo alterado a traça original do prédio, precisando que o réu não tapou, nem abriu, nenhuma porta no prédio, seja no interior, seja no exterior.

            (...) A testemunha DD, (...) primo direito do autor, (...) explicou ter sido a pessoa, que cerca de um ano e meio antes da data da venda, colocou a placa a anunciar a venda no prédio em causa nos autos.

            Precisou que o fez a mando de um tal BB, a mesma pessoa que, após o prédio ter sido vendido, lhe telefonara, pedindo para retirar a placa a anunciar a venda, uma vez que, aquele continuava a receber telefonemas de potenciais interessados.

               Instado referiu desconhecer quem eram os proprietários de tal prédio, estando convicto de que o prédio em causa pertencia ao tal BB.

            (...) A testemunha HH, (...) residente na freguesia ..., que aos costumes referiu fazer parte integrante da direção da Ré desde 1981 até ao momento atual, começou por reportar o estado de degradação avançada em que se encontra o prédio descrito no artigo 1) da factualidade e precisou as razões pelas quais a ré tomou a decisão de adquirir o prédio identificado no artigo 5) da factualidade provada, a qual também estava mal tratada, precisando que “as paredes tinham barriga, estando em perigo de ruir; as janelas estavam degradadas”, (...).

            Instado precisou que o prédio foi apresentado “como um todo, conforme referiu, asseverando que se o réu tivesse tido conhecimento de que o prédio adquirido poderia não ter a área ocupada, decerto que o mesmo nunca teria avançado com o negócio de compra, pois, não estaria interessado na aquisição de uma parte.

            Ademais, acrescentou que o réu não alterou a estrutura e/ou fachada externa ou disposição interna do edifício, com exceção das escadas, designadamente não procedeu ao fecho de nenhuma porta alegadamente existente na zona apelidada de “fumeiro”, onde se encontra uma lareira, que fosse comunicante entre os prédios mencionados nos artigos 1) e 5) da factualidade provada.

               De igual modo, o réu não procedeu ao reboco de paredes.

            Instado acerca do local onde se encontrava colocada a placa a anunciar a venda do prédio a que vimos de aludir, esclareceu que se encontrava junto da porta principal onde se encontra o n.º 25, ou seja, junto da porta que dá acesso ao primeiro andar.

               Relativamente aos atos de posse, esclareceu que, desde a data de compra (dezembro de 2000), réu realizou trabalhos de limpeza, preparou, organizou e submeteu às entidades competentes o projeto com vista à reconstrução e requalificação do prédio para os fins a que atualmente se destina, precisando que as obras de beneficiação do prédio terminaram no ano 2006/2007.

            Ademais precisou as atividades desenvolvidas no prédio, nos termos que resultaram provados, o que faz, e sempre fez, à vista de toda a gente, sem intenção de prejudicar terceiros e na convicção de que é dona e legitima proprietário do prédio em causa.

            (...) No que concerne à resposta negativa dada à factualidade não provada tal ficou a dever-se à ausência e/ou à prova produzida em sentido contrário nos termos em que acima demos conta. Com efeito, não foi feita prova no sentido da sua positividade sendo que se atentarmos o teor dos documentos juntos nos autos por si só não permite dar resposta positiva a tais factos.

            Por outro lado, importa reter que, com base na prova produzida, o Tribunal não pode afirmar, com a necessária segurança, que a área alegadamente ocupada pelo réu, para além da área mencionada na caderneta predial, referente ao prédio adquirido pelo réu, corresponde efetivamente à área seja do prédio mencionado no artigo 1) dos factos provados, seja do prédio descrito no artigo 8) dos factos provados.

               Com efeito, comparando o espaço físico existente no local com as áreas descritas nas certidões prediais e matriciais referentes a cada um dos prédios indicados nos autos, e acima aludidos, facilmente concluímos que as áreas mencionadas nos documentos a que vimos de aludir, não estão descritas em termos coincidentes com as efetivamente existentes no local.

            Existem discrepâncias quer ao nível das áreas, quer na afetação dos prédios a que vimos de aludir, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 414º do CPC, a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida a contra a parte quem aproveita.

            A este propósito, importa notar que v. g. o prédio mencionado no artigo 8) da factualidade provada está descrito como sendo destinado a habitação, sendo que, por ocasião da inspeção ao local, o autor esclareceu que tal prédio se destina, e sempre destinou, a “casa de animais” e/ou a arrumos.

               De igual modo, o prédio mencionado no artigo 5) dos factos provados, adquirido pelo réu, estava descrito como sendo afeto a palheiro, quando, na verdade, esteve destinado a habitação.

            Por aquilo que o tribunal observou no local, a versão do autor, não faz grande sentido.

            Não foi possível perceber se o réu abriu uma porta do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...60 para uma divisão do artigo ...60, e/ou se o réu também procedeu ao fecho de uma outra porta existente no artigo ...60[5] que permitia o acesso ao artigo 261 pela entrada com o n.º ...3, sendo que nenhuma das testemunhas inquiridas corroborou tal versão, tendo tal versão, aliás, sido infirmado, como acima aludimos.

               De igual modo, não foi possível perceber a exata configuração do prédio em tempos remotos e perceber se os prédios em causa constituíram uma única unidade predial ou três unidades prediais, uma no primeiro andar, destinada a habitação, e duas, no rés-do-chão, uma destinada a habitação e outra destinada a palheiro, como parece resultar da mera análise das certidões matriciais e prediais, juntas nos autos e acima aludidas.

            O que o Tribunal pôde percecionar é que o prédio, quer do autor, quer o que se encontra sob o domínio do réu, são autónomos entre si, com entradas independentes, e com uma configuração externa idêntica, como se de casas geminadas se tratassem, e que, em tempos, pertenceram a uma única pessoa, sendo que cada uma das mencionadas casas foi utilizada por famílias diferentes, para habitação, tal como referido pela testemunha HH. Com efeito, o prédio a que corresponde o numero 23 de polícia, foi habitado por uma família, que passava imensas dificuldades, conforme observou a mencionada testemunha.

            De igual modo, em tempos mais longínquos, o prédio a que corresponde o numero 25 de polícia também havia sido habitado por uma família distinta daquela outra.

            Cremos ser crível que a configuração atual dos prédios (...) terá resultado da divisão do prédio mãe em duas unidades prediais, uma de cada lado, com rés do chão e primeiro andar, sendo o primeiro andar destinado a habitação e o respetivo rés do chão a loja de animais, tudo aliás como era usual, em tempos remotos.

            Sucede que, tal divisão física, não foi acompanhada da correspondente atualização, seja a nível matricial, seja no registo predial, circunstância que naturalmente é suscetível de induzir em erro as gerações vindouras.

            Para além disso, importa notar que da mera análise das certidões matriciais e prediais referentes aos prédios mencionados nos artigos 1), 5) e 8) da factualidade provada, resulta que todos prédios a que vimos de aludir estão identificados de forma não inteiramente coincidente com a realidade física existente no local.

            A este propósito, veja-se concretamente o prédio reivindicado nos autos pelo autor (prédio inscrito na matriz sob o artigo ...60), o qual consta descrito na Conservatória do Registo Predial como situando-se no rés-do-chão, cf. documento junto a fls. 7 verso, quando tal não corresponde minimamente à verdade.

            Com efeito, na inspeção judicial ao local, o Tribunal pode constatar que o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...60, destinado a habitação, situa-se ao nível do primeiro andar, circunstância que, como já referimos, não se mostra evidenciada nos documentos oficiais respeitantes ao mencionado prédio, cf. fls. 7 e 7 verso.

            Como é consabido, à mera inscrição matricial não lhe são reconhecidas virtualidades para definir o conteúdo ou a extensão do direito de propriedade sobre qualquer prédio, baseando-se em participações dos interessados nas respetivas Repartições de Finanças, não sujeitas, em regra, a controlo destas entidades, cf. Acórdãos da RP de 15.01.2008-processo n.º 0722611, da RC de 09.3.1999, CJ, XXIV, II, 14 e Acórdãos do STJ de 04.12.2003-processo n.º 03B2574, dgsi. (...)»

            d) Ouvida a prova pessoal vejamos, pois, o que releva:

            - Esclarecimentos verbais dos Srs. Peritos (fls. 201 verso):

            “(...) parece-nos, a nós, que a dúvida que estará aí será definir, seria definir..., os limites de cada artigo, limites físicos, isso é impossível!, (...) É impossível, porquê?... - todos os artigos matriciais que foram criados neste País, foram criados a partir de uma declaração do proprietário, na altura, (...) e foi continuando com alterações, ampliações, reduções..., mas sempre a partir  de declarações dos próprios; não é o Serviço Fiscal que vai verificar se (...) está correta ou incorreta, e, neste momento, também ninguém pode saber, não sendo o proprietário..., onde é que estão os limites de cada...; (...) da parte pericial, não conseguimos...”.

            Elaboraram o relatório pericial, mormente a respeito de áreas do terreno e da construção, tendo em conta “os dados que constavam do processo” do projeto de licenciamento existente na Câmara Municipal ....

            - Declarações do Autor (fls. 201 verso/202):

            Os artigos matriciais ...60, ...61 e ...62 “pertenciam ao meu pai, que eram dos meus avós”. O artigo 262, vendido ao Réu, “é um palheiro, com cerca de 27 m2, se não estou em erro... (“está escrito”); (260 e 261) são meus, pelo menos as Finanças e a Conservatória é o que diz!

            Confrontado com as fotografias juntas a fls. 41 e seguintes, referiu, designadamente, que o 262 corresponde à fotografia n.º 8, de fls. 42 verso; “(...) o único acesso que havia era do 260 ao 261, (...) não havia acessos ao 262”; o 262 “fica do lado esquerdo (...), numa rua ...tem o n.º de porta ...5, é o do meio (“fica no meio dos dois artigos” / 261 e 262) e tem um pátio” e “não tinha qualquer ligação ao 262”; “o 261 é o n.º 23, que confronta com o PP”.

            “(...) Em 2002, viemos cá, fizemos a avaliação dos três artigos, ainda não tinha qualquer conhecimento, na altura, que o 262 tinha sido vendido... - tanto é que continuei a pagar o IMI, em nome do meu pai (herança aberta por óbito do pai do A.) até 2004”.

            Na fotografia n.º 9 (fls. 43) vê-se “as traseiras do 260, que dá acesso ao pátio, (...) e vê-se a janela do 261, a porta é do 260 (...); as escadas (fotografia n.º 8 / fls. 42 verso) é atualmente o n.º 25, pronto, é a parte que foi ocupada pelo 260...”.

            Soube, em 2009, da existência de uma “casa restaurada”; não pôde vir de imediato verificar o que se passava, mas veio no ano seguinte, com um seu colega, tendo então confrontado o Sr. Padre QQ. 

            Na primeira fotografia de fls. 41 (“foto n.º 1” junta com a contestação, tirada no ano de 2010) “vê-se o 262, que é a casa da esquina, restaurado, e vê-se (...) o 260, restaurado também, que é a zona onde está as escadas com o telheiro”; referindo-se aos art.ºs 260 e 261 disse que “a descrição de uma casa e da outra são iguais”.

            Afirmou que o Réu, com as obras levadas a cabo, suprimiu o acesso do 260 ao 261, colocou escadas interiores e construiu uma casa de banho (no pátio do 260), “que não existiam”; na conversa tida com o representante do Réu, Sr. P.e QQ, este, confrontado pelo A., disse “que tinha comprado tudo, era tudo dele...”, mas “chegou a uma altura em que já queria chegar a um acordo, a uma espécie de acordo... (...)”.

            “Na fotografia 1 (fls. 41) vê-se os dois artigos, o 260 e o 261 - que é o n.º 25 e o n.º 23 - a portazinha pequenina era o tal acesso dos animais”; “não havia acessos ao 262”, que era “um palheiro”. O 1º piso (“piso superior”) do art.º 260º era “parte habitacional” e o rés-do-chão do mesmo artigo era o curral (“loja de animais”).

            O artigo 262 “foi junto ao processo de inventário” - “não sabia sequer que tinha sido vendido (...) e para todos os efeitos ainda estava em nome do meu pai” -, mas foi então “alertado (...) que a casa (artigo ...60) estava reconstruída”; “ele (pai do A.) tinha um familiar que, de vez em quando, vinha cá, era o BB, (...) era daqui da zona de ...; ele (o pai do declarante) não tinha nenhum procurador para gerir o património de ..., (...) era um familiar que vinha cá, tanto quanto ele vinha cá ...

            - Testemunha KK (fls. 202):

            Em junho de 2010, foi com o A. a ... porque este tinha “um assunto de herança, e precisávamos de identificar o que é que era, (...) fomos ao lugar para ver (...) se existia ou não existia esses nomes. (...) chegámos lá (...) e corremos ..., para baixo e para cima, tentando identificar, conseguimos identificar o n.º que constava na morada, e a certa dada altura, (...) verificamos (...) uma casa de esquina, (...) uma das que estava lá para ser verificada, (...); entrámos por uma escada, nessa casa de esquina (...), toda arranjadinha, (...) uma loja de artesanato, tudo muito bem arranjado e entretanto começamos a conversar e tentar perceber (...) se aquilo era ou não aquilo que estávamos a procura. Entretanto, o Sr. Padre diz ´…que não, é da paróquia e tal…`, entretanto, até fomos então verificar e efetivamente havia dados que era aquela mesma casa de esquina e naquela localização. E o Sr. Padre, e muito bem, puxou testemunhas, estivemos lá dento a ver aquilo, os nomes (...); recordo que era no 1º andar e tinha umas escadas de acesso ao, à parte de rés-de-chão, (...) e na entrada do lado direito da casa tinha um tipo de postigo, que deveria ter sido uma antiga porta (...). Outra coisa que (...) também me recorda, é que efetivamente, o Sr. Padre, na altura (...), diz que aquilo foi recuperado com fundos comunitários (...); subimos as escadas (...), o Sr. Padre tava mais uma senhora, (...) lá do artesanato, (...) acho que até conversei mais do que o CC (A.)…, entretanto (...), o CC, tivemos a identificar tudo aquilo correspondia, ao, do artigo e até as dúvidas que ele tinha, entretanto o Sr. Padre diz que tinha comprado a um…, (...) entretanto verificamos, tudo bem, se está tudo comprado (...). Entretanto o CC diz ´… não, mas olha, mas atenção com isto tem que ir a dois artigos (...) desta fração, o rés-de-chão, que é a parte de baixo, é uma cozinha, uma loja, a casa dos animais e o 1º andar que era uma habitação…`, e o Sr. Padre, ´…ah, não, isto comprei tudo!…` Entretanto o CC, andávamos com as cadernetas prediais e tal e o Sr. Padre, entretanto fez-se silêncio, continuamos a olhar para perceber, se é a escritura, não há problema absolutamente nenhum, não há aqui mais nada que possa não ser. Entretanto o Sr. Padre, ´…Ah, pois não eu só comprei, só comprou aqui` (...), chega a uma altura, que o Sr. Padre estava para ... acordo (...) e daí o CC, (...) ´não, não há acordo nenhum, por estar em partilhas, não posso decidir nada, (...) eu não posso ter que decidir nada disso agora`. Isso recordo, estivemos ali na conversa e pronto.”

            - Testemunha EE (fls. 202 verso; 72 anos de idade):

            Conhece “bastante bem” a casa aqui em discussão; “Eu vi-o (pai do A.) lá algumas vezes. Quando era criança vi-o lá, portanto ia a visitar os ocupantes dessa casa que era a Dª. JJ, a tia JJ e os filhos (...). Mas raramente via-os lá. Agora com quem eu convivi, de facto, foi com essa família. (...) a 20 metros, por aí, portanto, a casa deles era a nossa, a nossa era a deles, porque os miúdos eram sensivelmente da mesma, da minha idade. (...) eu era ainda miúdo e lembro-me de eles terem ido para Lisboa porque era quase insustentável, a mãe, criar os filhos, não é? E então, eu penso que foi a seca que os levou para Lisboa e lá ficaram. A casa fechou, ficou fechada e, entretanto, nós fomos os depositários da chave, da casa, dos terrenos, etc. (...) Devia de ter 8 anos, por aí. (...) nós ficamos de depositários, como disse, desse edifício, e, pronto, deu-nos a possibilidade de arrumarmos lá também, os excessos da agricultura, batata, centeio, palha, e inclusivamente até ainda ficou lá uns animais. A partir duma determinada altura, eu recordo-me que ainda lá andei a ajudar a levar lá telha, que aquilo andava tudo esburacado, tivemos que desistir porque a água era imensa lá dentro. Pronto, a partir daí, entrou numa degradação, que até aos últimos dias (...), que eu me apercebi, já era o telhado, que era tudo lá dentro. (...) Naquela altura, sei que nós, demos a chave a um outro Sr., a um industrial que estava lá, que era, que devia de ser das amizades desse Sr. CC, entregámos-lhe a chave (...); era o RR. Um industrial. E, entretanto, nós pagávamos-lhe a renda, enviávamos-lhe a renda através dos correios, (...) renda dos terrenos. (...) depois eles venderam, e pronto, ficámos de fora. (...) O que eu sei é que o intermediário era o sobrinho, (...) mora aqui ao fundo da ... que era o DD. (...) na altura (...) não fazia parte dos órgãos sociais do Centro (Réu), mas o que me deu parecer foi que a Direção, na altura, devia de ter questionado ou o tal chamado RR, que fazia a ponte, ou melhor, conservava a chave. Não sei como é que chegaram a ele porque o DD colocou lá uma placa a dizer “Vende-se” com n.º de telefone de Lisboa. Pronto e a partir daí devia de se ter desencadeado uma, troca (...) de palavras entre eles com visto a chegar a um acordo, não é? (...) fiquei feliz porque há uma obra a recuperar no centro da aldeia e (...) com objetivos sociais e comunitários. (...) recordo-me que andava também com o processo da minha casa, devia de ter sido nos finais (...) da década de 90; (...) a casa, portanto, é um projeto tipo Beira Alta, não é, com as escadas, com o balcão, depois com a cobertura. Lá dentro, era com uma porta bastante larga, com a soleira já gasta, (...) uma porta de castanho (...). Por dentro, logo ao lado direito, havia uma divisória feita em madeira, muito escura, a casa era super escura; (...) essa divisória era a cozinha, (...) que não tinha chaminé, mas que estava encostada, onde tinha uma parte que aquecia (...); devia de ser uma casa única, mas (...) lembro-me estar lá, aquela parte da lareira. Por cima era o caniço, onde depilavam as castanhas e não sei que mais, ao lado era uma sala pequena que tinha uma janela de esquina, uma janela para a esquerda, outra para a direita, depois tinha um quarto com duas camas; (...) e depois havia uma porta para o lado exterior, que dava acesso ao pátio, e ao forno. E do lado esquerdo havia uma porta, que aquilo já não era considerado porta, que estava tudo já caído, (...) onde guardavam os utensílios agrícolas - enxadas, pás, picaretas, tudo isso;(...) tinha a loja não é, e tinha depois o 1º andar onde viviam as pessoas. A loja era utilizada, tinha um tear. Na altura, lá o Sr. LL, do lado esquerdo guardava lá batatas, e outros, e palhas e afins, e havia um, havia no extremo, e que dava também para o pátio, havia um, de onde criavam os porcos na altura; também tinham galinhas e não sei que mais (...).

            A reconstrução/intervenção realizada pelo Réu, “(...) estruturalmente, obedece aquilo que estava. Não foi alterado qualquer tipo de, nem de volumetria. O interior, o que é que sofreu? Sofreu alguma, abriram mais uma janela, para a entrada que dava o acesso ao outro espaço; e abriram uma escada que dá acesso ao piso inferior, que na altura, no tempo do Sr. LL não existia. (...) Não tapámos nada. O Centro, por acaso restaurou aquilo, tudo que lá estava, aquilo que estava desde que eu me conheço, que entrava lá na casa (...).  Penso, que devia de ter sido uma casa só, e que deveriam de ter dividido isso. Para além disso, eu recordo-me de a casa ao lado, viver lá um sujeito, (...) o batoqueiro. Uma pessoa muito simples, já velhinha, já, eu recordo-me dele. Pronto e toda aquela estrutura, quanto eu conheço (...), esteve sempre assim. (...) E, entretanto, veio a família SS composta pelo marido, esposa e 4 filhos. Tanto que sempre lá viveram, foram criados lá, e ainda hoje está lá (...) o mais novo que (...) tem uma deficiência profunda, que é o TT, aliás, que é nosso cliente no Centro (...)”    

            A parte do forno e do espaço que fica na parte posterior da casa “são partes que são individualizadas. (...) vi aquilo sempre como um todo, e nunca vi fracionado. Eu vi aquele conjunto uno e não separado. (...) vi (a placa «vende-se») na porta, (...) quando se sobe, no 1º andar. (...) a placa teve sempre lá em cima. (...) No fundo extremo, portanto, havia uma pequena passagem entre um lado e o outro. O rés-de-chão eram duas portas, portanto, duas divisões. Mas no fundo, lá ao fundo, havia uma ligação. (...) eu sei, com a volumetria que estava no processo e no projeto, que, e aqui a Câmara deu luz verde para emitir, a emissão do licenciamento. (...) eles tinham o projeto que estava coadunado com o espaço (...); nunca, eu nunca supus que houvesse ali alguma divisória, não é? Eu vi aquilo sempre como um corpo único. (...) a ideia que me deu é que, do Presidente e do vice-Presidente na altura, quando eu tomei posse, (...) como dirigente, foi na altura que, de facto, tinham comprado tudo. E não fracionado. Aliás, eu acho que nem tinha outra lógica, irem comprar uma parte e a outra parte ficar, e só restaurarem uma parte, não é? (...) aquilo estava tão, uma evolução de ruína que a qualquer momento, caía. Qualquer momento, a parte do lado esquerdo caía mesmo e era uma desgraça ali, deixava de as pessoas terem acesso que era o único acesso que tem, para as casas delas (...). Mas todo o conjunto estava em perfeita ruína. Havia também ali uma casa “(...) encostada, esta na parte Este, que era uma dita palheira onde um pastor metia as ovelhas. (...) aquilo servia para meterem as ovelhas, (...) albergar os animais, mas mais tarde o sujeito morreu (...), e alguma família compra essa casa. Mas que teria melhores condições que a outra, não é? (...) Naquele complexo, o único que estava em ruínas, em perfeitas ruínas era esse espaço que foi adquirido pelo Centro Social e Paroquial.

            (...) Tenho ideia que foi em dois mil e poucos (quando deram entrada com o projeto na Câmara); (...) Aquilo até foi bastante rápido. Dado a grandeza, não é a grandeza da obra, dado a estrutura como ela estava danificada, porque há uma das paredes que teve de ser restaurada totalmente. (...) A do lado esquerdo teve de levar um reforço, de betão armado, para que ela conseguisse ficar de pé. (...) porque a estrutura da cobertura, evidente que com os próprios caibros obrigaram a estrutura a dilatar, portanto a ir para o lado esquerdo. (...) visto a estrutura, de cima, ou vista de lado, não se diferencia uma da outra. Uma tem a pedra maior, uma tem a pedra mais pequena, mas em termos de quem olhar, não vê que há ali uma separação, digamos. (...) aquela casa, de facto, no meio daquelas ruínas todas, aquilo foi de facto um oásis. (...) no início de dois mil, dois mil e não sei quantos, foi transformada para museu. É museu-escola. É um centro de artes. Desde a transformação da lã, em cobertor, o cobertor em transformação de vestuário, damos formação, (...) fabricamos, fazemos os sabonetes com lã; fazemos bracejo com lã, damos imensa formação. Temos teares, temos todos os utensílios que fomos angariando (...) não só na aldeia, e até na região, e temos um pequeno museu, onde estão expostas todas as peças. (...) quanto a água, energia, essa faturação, ou o IMI, isso pagamos (...); não houve ali alteração volumétrica do edifício. (...) ele comprou um todo, porque era impossível, porque imagine com 27 m², implantar aquele projeto que está, agora, executado. Ele, o Sr. Padre ainda em tempos esteve a falar comigo nesse aspeto, e disse, não, quando abordámos para comprar, era mesmo para fazermos esse tal dito museu e onde houvesse espaço para ter um tear, para ter enchedeiras, para ter tudo isso. Agora não faz sentido irem só comprar uma parte, não é? Mas ele comprou num todo. (...) só me apercebi é que ele, realmente colocou a placa nessa casa, tendo em vista o seu todo também, que era a porta de entrada lá de cima. (...) A minha é o 17 e depois está o 19, 21 e é a 23. A 23 é a do lado, (...) a do lado direito [e o prédio reconstruído pelo Réu, situado do lado esquerdo, tem o n.º de polícia ...5]. (...) sei que havia um programa de recuperação. (...) para recuperar o edificado destruído, davam, portanto, podíamos candidatar. E foi esse o caso. (...) foi através da ´Pro Raia`, mas envolvia um programa europeu. (...) o Centro era a entidade Patronal, (...) era o proprietário do edifício. (...) não se manteve lá muito tempo (a placa com o dizer “vende-se”). (...) Não residi, mas tenho lá irmãos e tinha lá a minha casa, (...) ia com muita frequência lá. (...) saí da aldeia com os meus 19 anos. (...) nunca fiquei desvinculado a aldeia. Estive a trabalhar em Lisboa, Coimbra muito tempo…;(...) no início da década de sessenta (em que fixa o início da ruína). (...) nunca houve lá ninguém a intervir, em termos de manutenção, desde que nós deixamos a casa aquilo foi uma ruína constante e evidente, não é? (...) É cobertura, janelas, portas, portanto aquilo estava numa autêntica ruína (...) Pertencia a, na altura, era ao Sr. LL e a Sr.ª D.ª JJ. Eram os donos. Eu acho que sim, (...) quem estava lá, eu acho que era. Quem estava lá era esse casal. Esse casal tinha vários terrenos, do Sr. LL. E era mesmo deles, que eles depois venderam, lá em Lisboa, não sei a quem. E a renda que nos pagávamos era sempre à D.ª JJ. (...) como disse, eu vi-o (o pai do A.) lá algumas vezes em criança, mas agora não posso precisar dos contornos da pessoa. Eu via-o lá, de passagem. (...) E conhecia, um UU que ia lá também de passagem. (...) o Sr. LL faleceu, e, entretanto, eles não tinham meios de a Sr.ª D.ª JJ, com os seus dois filhos, não tinha meios de subsistência. (...) porque na altura ela não trabalhava, eles viviam essencialmente da moagem, ele tinha um moinho, (...) tecia... (...) não sei se foi com o UU ou se foi com o CC (CC). Foi um deles. E foi com um deles que foram para Lisboa. A família, carregaram lá alguns pertences, eu era, pronto, muito novo ainda, mas recordo-me dessa passagem. (...) o palheiro é uma casa que está encostada a essa, à casa, que nós estamos a referir. (...) há a casa que estamos a referir, (...) olhando para a casa, de frente para a casa, do lado direito tem a vizinha, tem o vizinho que ainda hoje é habitado. (...) depois no corpo central, é aquilo que nos estamos a discutir, está agora a escola de arte. Da parte de trás, (...) encostada, há uma palheira onde um pastor metia lá as ovelhas que posteriormente o proprietário vendeu a um vizinho. E (...) a parte da frente, é onde vivia a ti JJ, e o outro lado que era, seria algum anexo onde metia lá as ferramentas, etc. (...) Essa parte do lado esquerdo, é onde, pronto metiam lá as ferramentas, alfaias agrícolas, pão centeio, etc., É aquele que tem a ´barriguinha` (...), ela estava anexa, a casa de habitação, e tinha entrada para lá também, e tinha mesmo ao lado (...). A entrada era lá ao fundo, já muito perto do forno. A entrada da parte de cima. A parte de baixo tinha também uma entrada lateral, uma porta, e no fundo do rés-do-chão, havia uma inter-comunidade e uma passagem dum lado para o outro. (...) sempre soube, ou melhor, sempre percebi que era (...) do LL. (...) quem é que vendeu ao Centro? (...) foi uma procuração do Sr. (...). Não posso precisar porque eu não estive envolvido nessa negociação.[6]          

            - DD (fls. 203; 74 anos):

            “(...) A única coisa que fiz, foi, fui lá pôr a placa, ´vende-se` fui eu que fiz a placa; (...) eu, dele (CC, pai do A.) não sabia, mas, sabia, portanto, do Sr. BB, que era filho dum tio meu, portanto do Sr. UU, era sobrinho (de CC); (...) o Sr. BB um dia apareceu aí, quer dizer, de vez em quando, aparecia, (...) e depois daí a 2 ou 3 anos, e depois deram-me o telemóvel e de vez em quando me telefonava. E um dia telefonou-me que vinha cá para ver uma casa que tinha em ..., não sei o quê, que queria vender, porque aquilo estava a cair e não sei que mais. Pronto, um dia apareceu aí, ´ó DD, vamos lá pôr uma placa em baixo` (...), uma placa qualquer, até fui eu, com um bocado de contraplacado e fui lá, ´vende-se` e o número de telefone dele. Fomos lá, pregámos isso na porta e aquilo ficou por aí. (...) depois, fizeram lá o Centro de Dia, e a minha mãe ainda esteve lá, no Centro de Dia, e eu fui lá comer às vezes ao Domingo. (...) O meu pai era TT, havia quem lhe chamasse CC, por ser irmão; (...) o CC, será, portanto, é o pai deste senhor (A.); (...) foi o Sr. BB (que o abordou) para irmos lá pôr a placa. E pusemos lá a placa. (...) pensei que ele fosse dono da casa. (...) disse ´olha, é esta casa aqui` (...). Na altura que pus lá a placa não sabia de nada. (...) as paredes estavam a cair, e havia umas coisas de madeira, numa casa e na outra. Noutra casa da outra rua. (...) Tanto que havia perigo, (...) passado meio ano, um ano ou coisa assim do género, devem de ter entrado em negócio lá com o Centro de Dia, e o BB telefonou-me a dizer, ´ó pá, vai lá tirar a placa, (...) enquanto eu não vendi, ninguém telefonava, agora de vez em quando já estão a telefonar (...)`. E eu, fui duas vezes para tirar a placa e vá lá,  (...) ia tirar a placa, eh pá, esqueceu-me dum martelo. (...) Eu não sabia, não tinha conhecimento nenhum! O único conhecimento, foi ele por telefone a dizer para ir tirar a placa, porque tinha vendido a casa. (...) Fui lá tirar a placa, tanto que depois já nem tinha soalho, não tinha telhado, não tinha nada. (...) eu pus o pé para tirar aquele ferro para ver o que tinha assim, por baixo da placa, para a arrancar, só que aquilo estava tudo podre. Conforme ponho o pé, caí para a loja. (...) (colocou a dita placa) na porta, uma porta que lá estava, portanto, que ele dizia que era ali. (...) só vi aquela porta. Subi (escadas). Do meu lado esquerdo acho (...) que existia uma porta. Foi ao cimo das escadas, (...) lado esquerdo. Foi nessa porta (por indicação do BB). (...) quando a pus lá, estávamos os dois. (...) (quando a retirou) não estava, foi só por telefone. (...) Aquilo já não tinha porta praticamente! A armação estava aprumada. Só a armação porque a porta estava fechada, e eu pus lá a placa, mas via tudo (...) na loja. (...) E via-se o céu, (...) já não tinha telhado. Estava tudo caído. (...) a parte do soalho, também já não tinha nada; só tinha 2 ou 3 caibros, a metade deles já tinham caído, e quando caí, caí para cima doutro caibro. (...) não conheci praticamente ninguém lá de .... (...) lá por trás, ele diz que era o forno, eu dizia que era uma arrumação qualquer que ali estava. Aquilo estava tudo destruído. E tinha lá umas escaditas, mas não entramos nas escadas. Depois ele disse, ´ó pá, isto não vale nada`, ´até tinha lá uma casa que vendo por 3 000 contos e tu tas a pedir, queres 2 000 contos por isto?` ´Não sei, ó pá`, ´dá aí isso aos homens`, até lhe disse assim!, ´dá isso aos homens (...) por 1 000 contos, então isto não tem nada!`; ´1 000 contos, não, 1 000 contos é pouco...` (retorquiu o BB).

            A respeito do valor que teria sido pago pelo Réu, respondeu “ora bem, ele (BB), uma vez falou-me... - mas, também falava assim..., nunca era certo nas conversas..., uma vez dizia uma coisa, outra vez, dizia outras... -  ´são 2 000`, não sei quê, ... ´1 800`, ou coisa assim do género”.

             (...) era um forno e não sei que ele dizia mais, portanto, subia-se assim uma escada, (...) tinha um quintalzito, portanto. (...) Ele nem disse que o quintal que entrava nem que não entrava, é isto que vou vender. Agora, não sei se era o quintal, se era o forno, mas para mim, era aquele espaço todo. (...) mesmo o tal forno, que ele dizia, aquilo não tinha porta, eu para mim, dizia que era um galinheiro! (...) Aquela casa (...) aquilo faziam lá campainhas, tem lá a oficina, fazem os ´cobertores do Papa`, de vez em quando têm palestras, pronto aquilo, eu até na altura quando falei com o meu primo disse-lhe que aquilo era para isto (...). E quando viram lá essa placa, lá souberam que fui eu que a pus. E depois procuraram-me, ´então, olha lá, é teu primo`, não sei quê, e eu é que praticamente é que disse olha, ela, a Sra. D. VV, (...) foi ela que fez praticamente que ajudou a fazer o negócio que ela é que estava lá no Centro de Dia, (...) fazia parte dos órgãos do Centro de Dia. E então o que é que acontece, ´Ah, telefona-lhe lá tu e tal, diz-lhe que é que é isto e para aquilo`, e disse, ´olhe, tá lá o telefone, eu nem o telefone sei de cor; tá lá o telefone, tira o telefone e telefona, e faça o negócio`. E penso que foi isso que aconteceu. (...) procuraram se aquela casa era de um primo meu, se sei, se tinha a direção dele, e tal. Eu disse que sim. Tinha, portanto, a direção dele, mas que lhe telefonassem. (...) nunca lá tinha entrado, nem sabia! Nem sabia que aquela casa que lhe pertencia (ao A.) (...)”.

            - HH (fls. 224; 70 anos):

             “(...) Sou natural da ..., cidade, e casei na freguesia ..., a minha esposa é natural de .... (...) estava mais vocacionado para a área cultural, (...) era a missão que (...) abraçava mais, esta, essa vertente. A minha esposa (...) tem casa na quinta do ..., que pertence a ..., onde viveu sempre e foi criada, portanto com familiares diretos e da madrinha de casamento que estava em ... que íamos com frequência a .... (...) Eu sempre a vi (a dita casa) numa situação de degradação constante. Mais tarde acabou por cair o telhado. (...) olha está aqui uma casa que (...) nunca saiu ainda na altura o pensamento da aquisição da mesma, mas já me chamava a atenção pelas características que tinha que me eram ditas pelas pessoas que ali viviam. Dado que havia uma família a viver em comunhão com aquelas paredes, estava com alguma dificuldade, mais tarde, colaborei para que tivesse material para compor o telhado que chovia lá dentro e que tinha lá algumas dificuldades económicas, e consegui que a Câmara lhes cedesse material, telhas, cimento, areia. (...) pensamos (...) em adquirir uma casa para criarmos uma casa museu, (...) que retratasse desde a lareira, desde o forno essas várias, vários componentes. Segundo testemunhas (...) já tinha tido tear antigamente. (...) quando andávamos na tentativa de localizar uma casa, verificamos que já lá estava a placa ´vende-se`, precisamente, e então, a partir daí, procurou-se saber a ligação, ao proprietário da casa; (...) não tive conhecimento de ninguém, aliás as próprias pessoas que viviam na porta em frente, estavam em pânico que não tinham um rosto para quem se queixarem que estava com o perigo de sempre de ruína, tanto de telhas a cair constantemente e a parede a ficar, portanto, com a chamada, permite-me o termo, barriga, podendo até, haver ali um acidente grave. E, na altura, precisamente, havia que deitar a mão, (...) tivemos uma reunião, na D.ª VV, na qualidade, claro, de tesoureira de condições económicas do Centro, e o Sr. WW, ficaram então encarregues de fazer o contacto, penso que, na altura, o dito Sr. BB. (...) seria a pessoa (...), o Sr. DD que colocou lá a placa, isso eu tive conversas com ele, também estava motivado para a aquisição daquela casa e ´já disse ao Sr. WW e a D.ª VV, para telefonarem ao Sr. BB se está disposto à venda`. (...) É o preço, que é um bocadito elevado para as posses que tínhamos. Perto de 2 000, na altura, contos. (...) até que se chegou ao número, que o Sr. WW, negociou e muito bem, levou o assunto à reunião, e com algum sacrifício, decidiu-se a aquisição, porque aquela casa tinha os traços que nós pretendíamos, as características. Tinha o forno, que era realmente (...) interessante. Tinha o espaço para o tear que era o que tínhamos decidido (...) e tínhamos o todo em peças e quem o tinha montado, pois também estava com alguma idade. E tinha espaço para a formação que planeamos mais tarde a dar, que era a sala para reuniões e formação, e vários cursos. Portanto, com todas estas características, dissemos que valia a pena o sacrifício do investimento. (...) as paredes, (...) em perigo até de ruir. As janelas estavam todas estragadas, todas partidas, estava tudo em ruínas, aliás o próprio Sr. DD, na altura que foi tirar a placa, teve um acidente e caiu para a parte de baixo que aquilo estava tudo danificado. (...) Nós, em 2000, em dezembro, (...) houve eleições e (...) as pessoas manifestavam logo, é o normal, as queixas desta casa, (...) no ano em que adquirimos a casa. (...) foi nessa altura que, a nova Junta, já, tivemos logo uma reunião de imediato, para lhe pôr o problema, para nos acompanhar neste processo junto da excelentíssima Câmara. (...) antes que houvesse algum acidente, na entrada da primavera houve uma limpeza lá por trás que aquilo era realmente só lixo e entulho no tal logradouro onde estava o forno. A segurança, para tranquilizar as pessoas, escorámos a parede, pregou-se tábuas por causa daquelas janelas não caírem ainda mais do que já estava, e tentou-se o máximo, dentro do possível, da segurança das pessoas. Estabilizar. Telhas partidas, tirá-las, e começar de imediato a fazer o levantamento rigoroso das instalações para se iniciar um processo de candidatura. (...) tinha as características, doutra forma (...), tínhamos pouco dinheiro, e não íamos investir (...) em algo que não fosse para pormos em andamento um projeto que tinha idealizado que era para formação, um tear e toda aquela envolvência. (...) a casa foi-nos apresentada como um todo! (...) Do lado sul vivia o tal casal com o filho, portanto, o TT, e para trás havia o Sr. UU, chamavam-lhe o barbeiro, com umas ovelhas e as metia lá. (...) estava conservada. É que o homem ainda mantinha aquilo (...) tivemos dificuldade no levantamento, nas medições por causa da... (...) Eu próprio tomei a iniciativa, telefonei a um fotógrafo amigo meu, que era paixão dele, para (...) mostrar, precisamente o antes e o depois. (...) foi nesse sentido que fotografou tudo e tivemos lá uma dificuldade para (...) fotografar o interior, dado o estado de degradação dela. (...) era uma das coisas que mostrávamos sempre, às visitas, para terem a ideia do que estava, o antes e o depois. (...) não pudemos andar lá dentro, (...) onde caiu lá o Sr. DD, lá para baixo onde tinha a placa, daí conseguimos fotografar e ver o espaço e a área que existia. E pelo testemunho das pessoas dali perto que confirmaram-nos, que puderam explicar como era aquele espaço, da loja, e por cima, ficaria a sala, e idealizámos ali logo de imediato, e sem mexer rigorosamente em nada, e sem alterar rigorosamente nada, nem portadas nem janelas, nem … (...) Fizemos uma escada interior até com vista para o elevador para as pessoas com incapacidade, portanto, de mobilização. (...) Era a lareira com o caniço, como se costuma dizer, para se secar as castanhas, era ali, e nós queríamos manter precisamente a lareira aí com panelas de ferro e depois invertemos a situação de museu, que era algo parado, para artes e ofícios. Dizia mais e teve mais apoio em termos de candidatura, e daí, manteve-se rigorosamente o que lá estava, que era para ficar toda a vida lareira que era o que era antes e como foi mostrado como era. Estava lá ainda o negro (...) também com as exigências da candidatura, da própria Câmara, da técnica, (...) com pedras à vista com tudo isso, respeitamos rigorosamente todas as obrigações. (...) a aquisição da casa num todo, para o projeto que tínhamos idealizado e isso alguém acompanhou (...), a D.ª VV o Sr. WW a parte técnica para a elaboração dos documentos a apresentar e a correção das áreas e do que foi entregue a um gabinete de apoio. (...) a casa num todo, (...) que só assim é que se justificava o investimento. Foi-nos apresentado como um todo, aliás na porta principal onde estava a placa ´vende-se`, e aí é que conseguimos abranger…, na escadaria principal, no alpendre da entrada principal. E daí é que tínhamos a visibilidade de toda a área, não podendo caminhar lá dentro porque ela estava numa degradação. (...) entra-se lá por trás que vai até lá ao fundo, fomos por lá ver, também tinha acesso direto, tinha tudo entrada direta, mas tivemos que fazer pela aquela entrada. (...) Na altura com a degradação vista de fora, mais ligada estava (...), a casa era só uma. (...) nós de imediato, começamos a procurar candidatura, ´LEADER+`, salvo erro, (...) não foi possível, não abriram candidatura, até que surgiu a possibilidade de a oportunidade, através de, ´Pro Raia`, candidatarmos a obra, dado que, ao mudarmos para escola de artes e ofícios, era mais, portanto, suscetível de ser apoiada. Foi nesse sentido, que reunimos, aliás, com (...) a Câmara, então avançamos com a escola de artes e ofícios foi aí que começamos de imediato a pedir orçamento para juntar todo o processo e submetemos a candidatura, e foi aprovado, felizmente, pela ´Pro Raia`. (...) desde a primeira hora nós já não parámos mais, aliás até para preparar para medições para tudo, começamos a limpeza, onde pudéssemos, sem riscos levarmos pessoal do Centro e as colaboradoras, para nos ajudar a remover todo o lixo lá de trás, para existir uma noção mais real até para a própria candidatura e medições do espaço a ser feita, e nesse sentido, começamos a trabalhar naquela casa. (...) As obras (...), penso que 2006 / 2007 (data da sua conclusão). (...) fizemos coisas importantes, aliás, na preservação do cobertor de papa, (...) o cobertor de Papa, fizemos ao Papa Francisco, que tivemos o prazer de ir ao Vaticano entregar, realmente com o logotipo do Vaticano no cobertor de papa ao Papa Francisco e mais importante, demos formação, conseguimos que um elemento ficasse a aprender a tecer, que ainda hoje está no clube a residir, que é muito importante, conseguimos motivar e não deixar acabar e hoje a outra associação que já está a manter o fabrico do cobertor de papa, e ainda bem porque nós conseguimos, realmente nesses anos todos, manter viva, portanto, o fabrico do cobertor de papa, artesanal, diga-se, formação de cursos de bordados, demos lá, cursos de fazer sabão, depois feltrar, com lãs, aliás (...) há visitas constantes, (...) porque temos o tear todo identificado, com o nome das peças numa forma didática, também, mostrar aos meninos da escola, e já lá foram vários, da primária e tudo, para ver e conhecer os nomes do tear, e como é que é feito o cobertor de papa, (...) temos um tear pequeno que num programa com o agrupamento de escolas (...) conseguimos pôr a trabalhar. Fizemos workshops nas escolas quase todas da .... (...) tal como as artes e os ofícios duma aldeia, são abertas ao povo. E a vivência, o museu vivo porque mostra peças que nos reporta ao antigo, mas com uma vivência atual. (...) Não conheci ninguém diretamente ligado aquela casa como donos. Aliás, sabia da existência dos donos através do tal DD que era familiar, segundo me foi dito na altura, ´é pá, então vê lá quanto é que os senhores querem por aquilo…`, porque nunca vi ninguém lá porque até queria, tinha prazer que fossem ver o que é que estava feito. (...) No programa das visitas, com escolas era durante o dia (...). Era público, dava vida logo à aldeia, visitas, garotos na rua, pessoas a caminhar, aliás, houve carros antigos que fizeram lá a paragem estratégica para conhecerem a casa, o seu espaço. (...) no programa de ação que apresentava, a Excelentíssima Câmara, programa de atividades, era a construção de artes e ofícios, alguma verba vinha para esse fim. (...) o Sr. Padre (...) foi um homem que estava sempre, qualquer problema que surgisse, tentar resolvê-lo, sempre da melhor maneira, quando podia. (...) no passado recente e com o processo que iniciou é que me foi uma desagradável surpresa que nunca imaginaria que houvesse alguém porque quando estava em ruínas não havia herdeiros, nem ninguém para se chegar à frente. (...) As obras foi quando foi e quando foi inaugurado e tudo, não houve contestação nenhuma (...). A inauguração foi em 2008, salvo erro, (...) foi inaugurado, (...) e não havia contestação rigorosamente nenhuma. (...) (confrontado com o que se fez constar da escritura e a ´questão das áreas`, disse) era a aquisição da casa toda, (...) não íamos comprar um palheiro para pôr um tear, de certeza absoluta! (...) As ligações estão lá todas iguais, apenas, portanto, pequenas decorações, (...) as ligações estão rigorosamente as mesmas, não fizemos nem mais um centímetro. (...) no interior, aquela escada (...) era mais para dar acesso a pessoas com deficiências que era no sentido, não havendo elevador, e porque não podiam entrar por trás pela escada de pedra onde está o forno, não podiam entrar pelo alpendre principal, que era a entrada principal para a casa que comprámos que era em pedra e não dava para elevador, e então fez-se aquilo (...) para deficientes para visitas futuras. (...) Rigorosamente nada (foi construído ao lado do forno). (...) (não houve construção) nenhuma para fora, pelo menos tenho quase a certeza absoluta que não, (...) em termos de projeto. (...) em visitas, mostro o forno e a porta de cima e saíamos aquela beira, ali as chamadas traseiras, era o forno. (...) temos ali um forno para verem como era antigamente, por a porta de cima, abria-se e há uma entrada por trás. (...) A única coisa que pode ter sido foi de baixo para casa de banho que era no rés-do-chão, portanto, não diretamente em termos de área envolvente ou dentro do logradouro. (...) aquilo estava tão cheio de entulho, na altura, não tínhamos a noção exata do espaço e depois para pôr ali uma sanita e um coiso de lavar as mãos, é possível que se tenha fechado aí essa área (...), mas não para mais nada. Aí sim; o resto, não. (...)”

            e) Relativamente à prova documental e ao resultado da inspeção judicial e da perícia, nada será de objetar à análise e ponderação efetuadas pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo na motivação atrás indicada.

Acrescenta-se e/ou destaca-se (também em conjugação com o que resulta da prova pessoal e o assumido nos autos), nomeadamente:

            - Nenhum dos documentos (matriciais e registrais) relativos aos mencionados art.ºs ...60, ...61 e ...62 refere a existência de dois pisos, mas apenas de um piso ou rés-do-chão [cf., v. g., os documentos de fls. 7 verso, 16, 17, 22 verso, 23 e 87, sendo que no último documento, junto aos autos com o requerimento do A. de 14.4.2021, consta que XX, residente em ..., foi a “titular do direito ao rendimento” que antecedeu CC, pai do A.]; sabemos, contudo, que, pelo menos, desde os anos 40/50 do século XX existiam, no local, duas habitações autónomas, dotadas de um piso (superior) habitacional e de r/c destinado a animais e arrumos.

            - Os elementos disponíveis apontam, claramente, no sentido de que, com a escritura pública de compra e venda de 11.12.2000, não se quis vender e comprar um simples “palheiro” com a área (coberta) de 27 m2.

            - Daí, por exemplo, que o valor do preço declarado na escritura de compra e venda (efetivamente pago) seja muito próximo do valor encontrado pelos Srs. Peritos para o prédio do art.º 262, na forma e na dimensão da reconstrução levada a efeito pelo Réu [1 800 000$00/€ 8 978,36 / € 9 000 – cf. II. 1. 37), supra; documento de fls. 17 verso e relatório pericial / págs. 146 verso e 186].

            - BB, familiar do A., participou na dita escritura de compra e venda em representação do vendedor (pai do A.), como seu procurador [cf., sobretudo, documentos de fls. 8 e 17 verso], e, nessa mesma qualidade, interveio nas diligências que precederam a sua realização, inclusive, aquando da colocação da placa que publicitou a venda.

            - Relativamente àquele, que poderia depor como testemunha, indicia-se que nenhuma das partes considerou necessária e/ou conveniente a sua inquirição - a testemunha DD chegou a afirmar que “nunca era certo nas conversas...”; a herança por óbito de CC permaneceu credora do valor do preço da compra e venda referido nestes autos... [cf. II. 3), d), supra e documento de fls. 8 verso].

            - Do auto de inspeção judicial ao local constam elementos baseados na alegado pelas partes nos articulados da ação; o então recolhido (e as circunstâncias desse ato), necessariamente, teria de ser conjugado com os demais meios de prova, pelo que, por exemplo, o consignado nas anotações sequentes às “fotografias 1 a 3” / fls. 213 a 215 (porventura, até, com lapsos na redação) jamais poderia ter a relevância e a “definitividade” almejada pelo A./recorrente; esta diligência permitiu verificar, sobretudo, as áreas da reconstrução executada pelo Réu, as modificações (alegada ou efetivamente) introduzidas e a afetação/destino dada ao imóvel (cf., principalmente, as “fotografias 5 e 8 a 15” / fls. 217 e 219 a 222).

            - Além dos esclarecimentos verbais aludidos em II. 3. d), ab initio, supra, verifica-se que os Srs. Peritos consideraram o projeto de arquitetura referente ao licenciamento da obra e, pronunciando-se sobre o valor do prédio “identificado” no art.º 47º da contestação, confirmaram a área total de 145,9 m2, correspondente
às áreas (coberta e descoberta) indicadas no dito art.º [cf. págs. 2 e 3 do relatório /fls. 146 verso - reiterado nos esclarecimentos de fls. 186 - e 147, requerimento de fls. 154 e, nomeadamente, os elementos do referido projeto reproduzidos a fls. 172, 176, 179 e 180].

            -  Decorre dos documentos reproduzidos a fls. 90 e 92 que o IMI dos anos de 2003 e 2004 referente ao artigo predial urbano ...62 (que permanecia inscrito em nome de CC) foi pago pela herança aberta por óbito de CC.

            4. Sabemos que a inscrição registral do direito de propriedade faz presumir que o direito existe sobre o bem descrito e nos termos em que o registo o define[7]; porém, quanto à composição física ou fatores descritivos/identificadores do prédio, designadamente em termos de áreas, limites e confrontações, o registo não faz operar tal presunção, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência.[8]

            Ademais, sendo a usucapião a base da nossa ordem jurídica, o que releva para alcançar as realidades prediais, objeto de direitos reais, são os atos possessórios verificados ao longo dos tempos, que incidam sobre tais realidades, físicas e concretas, e não os elementos identificativos em poder de entidades ou serviços públicos, como as descrições prediais ou as inscrições matriciais - estas, por maioria de razão -, que podem ser úteis na identificação ou localização daquelas realidades, mas não podem ter qualquer repercussão nas relações jurídico-privadas, nomeadamente delimitando o objeto sobre que incindem tais direitos, nada provando, por si só, quanto a esse objeto, designadamente quanto à respetiva área concreta.[9]

5. Perante tais elementos e o exposto, conclui-se que a descrita fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo é, em geral, correta.

Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental apenas podemos dizer que a factualidade dada como provada (e não provada) - sem prejuízo, das alterações, não essenciais ou pontuais, indicadas em II. 7., infra - respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[10], a Mm.ª Juíza não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[11]

            Ademais, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, quando não representam confissão (art.º 466º, n.º 3, do CPC).

            A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou (com desenvolvimento bastante) os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”).

            6. A Relação deve, mesmo oficiosamente, a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (art.º 662º, n.º 2, do CPC).

            Na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º prevê-se a anulação da decisão da matéria de facto, mesmo oficiosamente, sempre que não constando do processo todos os elementos que, nos termos do n.º 1, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, [a Relação] repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

            Dali decorre que a anulação da decisão da 1ª instância não é necessária quando a deficiência, a obscuridade ou a contradição possa ser ultrapassada pelos elementos fornecidos pelo processo; a decisão de ampliação da matéria de facto pressupõe que a matéria adquirida não é suficiente para a apreciação da causa, independentemente de, além disso, haver ou não haver justificação para alterar a decisão nos termos do n.º 1 do art.º 662º.

            Trata-se de um poder anulatório do tribunal ad quem, que se limita a apreciar a validade formal do ato que corporiza a decisão de facto, tendo a referida norma um campo de aplicação residual e assim o devendo ser a sua utilização.[12]

             Na alínea d) do n.º 2 do mesmo art.º prevê-se que, mesmo oficiosamente, se determine que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, ou seja, em caso de deficiente/insuficiente fundamentação sobre algum facto essencial para o julgamento da causa (matéria de facto essencial), há lugar à baixa do processo à 1ª instância, a fim de que esta proceda à devida motivação da decisão de facto nos segmentos em causa, tornando-a mais clara.

            Em ambos os casos importa verificar se existem patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento e que poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento, enquanto medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto (provada e não provada).[13]   

            7. Considera o A./recorrente que o Tribunal a quo devia determinar as diligências necessárias com vista ao esclarecimento das dúvidas, ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, pelo que deixou de observar o disposto nos art.ºs 6º, 411º e 607º, n.º 1, 2ª parte, do CPC.

            Na situação em análise estamos perante uma ação de reivindicação e não uma ação de demarcação.[14]

            Ora, se o Tribunal não pode ficar com dúvidas quando é possível saná-las com a realização de outras diligências de prova (devendo ordená-las oficiosamente, caso não tenham sido requeridas pelas partes, estando tal procedimento inserido nos amplos poderes-deveres conferidos pelos art.ºs 6º, 411º, 607º, n.º 1, 2ª parte, e 662º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC), verifica-se, contudo, por um lado, que não se explicita quais as diligências necessárias com vista a alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direção do processo, e que, por outro lado, já decorre dos meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento a impossibilidade de obter outros e novos elementos suscetíveis de conduzir a uma diferente configuração da realidade, pelo que a dúvida porventura subsistente cai no campo de aplicação do preceituado no art.º 414º do CPC (que reza o seguinte: a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).

            De resto, cremos, eventuais incongruências que possamos divisar - principalmente, e aparentemente, no ponto de facto provado 10) e se, ainda, ou de novo, questionadas a existência e a configuração do art.º 261, aludido nos antecedentes pontos de facto 8) e 9), mas sabendo-se que estão em causa pretensões tendo por objeto, apenas, os art.ºs 260 e 262 -, não as poderíamos ver sanadas fazendo uso de qualquer dos procedimentos adjetivos atrás mencionados.

            Daí, importa atender à realidade descrita em II. 2., supra, com as modificações do ponto seguinte.

            8. Assim, relativamente aos “factos” que o A. diz pretender ver aditados e alterados, dir-se-á:

            a) - Relativamente ao facto que se pretende aditado, na base do alegado sob o art.º 12º da p. i., onde se alude “ao artigo 261 (com entrada pelo n.º ...3 da Rua ...)”, verifica-se que o Réu pronunciou-se sobre o aí alegado nos art.ºs 9º, 18º e 35º da contestação, sendo que no primeiro deste conjunto de artigos da contestação declarou “aceitar” que “eventualmente” “o imóvel sinalizado com o n.º 23 e que tem o Artigo matricial urbano n.º ...61” seja “pertença do Autor”, naquele segundo art.º da contestação “admitiu” que assim pudesse ser (apenas) no confronto com a realidade (física) predial que lhe foi “mostrada” e “vendida” [como se deu como provado, v. g., em II. 1. 19), supra] e naquele último artigo acabou por impugnar especificadamente o dito art.º 12º da p. i., cujo conteúdo considerou “falso”.

            Por conseguinte, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 574º, n.º 2 e 607º, n.ºs 4, 2ª parte, e 5, 2ª parte, do CPC, não se poderá dizer que o questionado facto tenha sido admitido por acordo das partes e esteja plenamente provado.

            b) - Quanto ao ponto de facto 1) a Mm.ª Juíza atendeu à “composição” levada ao registo predial (cf. doc. de fls. 7 verso), pelo que não se justifica a pretendida alteração.

            c) - Os pontos de facto 3), 7), 16), 17), 19), 21), 23), 25), 28), 29), 32) e 34) devem permanecer tal como se decidiu na 1ª instância, sendo que, apontando os elementos disponíveis para a sua verificação (ou elevada verosimilhança), não ficou comprovada a perspetiva do A. no sentido de uma diferente resposta ou da sua eliminação (neste caso, se demonstrada a generalidade da matéria considerada não provada).       

            d) - O ponto de facto 5) passa a ter a seguinte redação (sublinha-se a parte acrescentada):

            Por escritura de compra e venda outorgada a 11.12.2000, no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 145 a 146 do Livro ...93..., BB, na qualidade de procurador de CC, contribuinte n.º ..., declarou vender ao Réu o prédio urbano, constituído por palheiro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 27 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...62 e descrito na CRP ... sob o n.º ...25, da aludida freguesia ..., lá inscrito a favor do vendedor pela inscrição G-1.

            No mesmo instrumento fez-se constar que pelo primeiro outorgante foi dito: “Que faz esta venda pelo preço de UM MILHÃO E OITOCENTOS MIL ESCUDOS, quantia que já recebeu da entidade compradora e de que dá a respetiva quitação; e que pelo segundo outorgante, foi dito: “Que, para a sua representada, aceita este contrato nos termos exarados.

            e) - O ponto de facto 22) passa a ter a seguinte redação:

            Em 1955/56, já o prédio identificado em 5) tinha dois pisos e era habitado por LL, e mulher JJ e filhos.

            f) - O ponto de facto 26) passa a ter a seguinte redação:

            Após a realização das obras de reconstrução e requalificação levadas a efeito pelo Réu, no prédio identificado em 5), as quais terminaram em finais de 2006, inícios de 2007, foi aí instalado o Museu do Cobertor de Papa e a Escola de Artes e Ofícios, com atividades de divulgação e conhecimento da região, da pastorícia, da indústria da lã, do fabrico dos cobertores, na promoção do interior, especialmente dos hábitos e costumes, arte e património cultural da Região da Serra da Estrela.

            g) - O ponto de facto 27) passa a ter a seguinte redação:

            O Réu, seus representantes e a própria Diocese ..., através do seu Bispo que fez juntar à Escritura de Compra e Venda mencionada em 5) a credencial que ficou arquivada no respetivo Cartório, celebraram o ato de compra e venda na convicção de que tudo estava legal, regular e devidamente documentado, confiando no vendedor e seu procurador que lhes informaram e mostraram o imóvel urbano objeto do negócio, localização e o espaço físico que correspondia às ruínas existentes e à área que o Centro reconstruiu, na convicção de não lesar direitos alheios.

            h) - O ponto de facto 30) passa a ter a seguinte redação:

            O Réu diligenciou pela retificação da área.

            i) - O ponto de facto 35) passa a ter a seguinte redação:

            Pelo menos desde o ano de 1955/56 até 1980, que o Réu, por si e seus antepossuidores, habita e/ou utiliza o 1º piso do mencionado prédio urbano, utilizando igualmente o rés-do-chão, com um tear para produção de cobertores e outros artigos, para recolha de objetos e utensílios da lavoura e, outrora, até com recolha de animais, palhas e fenos e outros alimentos para os animais e, desde dezembro de 2000 até ao momento atual, com obras de reconstrução e seguidamente exposição do referido tear, de cobertores aí fabricados, utilização do prédio com conferências, reuniões de formação profissional e científica, sobre património material e espiritual desta região, pagando a água e a luz.

            j) - O ponto de facto 36) passa a ter a seguinte redação:

            O que faz à vista de toda gente, e, desde sempre, na convicção de estar a exercer um direito próprio (sem lesar direitos de terceiros, designadamente do A.) e sem oposição de ninguém, exceto do autor com a instauração da presente ação.

            k) - O ponto de facto 38) passa a ter a seguinte redação:

            Pelo menos, nos anos de 2003, 2004 e 2012 a 2019 que o A., desde a data em que lhe foram adjudicados os prédios identificados em 1) e 8), e anteriormente a herança aberta por óbito de seu pai, procedeu ao pagamento do IMI relativo aos mencionados prédios, bem como ao IMI dos anos de 2003 e 2004 relativamente ao artigo predial urbano ...62 (que permanecia inscrito em nome de CC).

            l) - Quanto a toda a factualidade dada como não provada em II. 2. alíneas a) a i), supra, não vemos a menor razão para qualquer modificação, mormente segundo o indicado pelo A./recorrente, sendo a generalidade de tais factos contrária a realidade que ficou comprovada.

            Relativamente à alínea j), poder-se-á dizer que ficou provada a matéria referida em II. 1. 11), 12) e 24), supra.

            Assim, sendo de atender à alteração das precedentes alíneas d) a k) - que, afigura-se-nos, não contende com a realidade que releva para o desfecho da lide -, improcede tudo o mais da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

            9. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, considerou, desde logo, ante a pretensão do A., que seria de atender à factualidade indicada em II. 1. 1) a 4), supra, e ao disposto no art.º 7º do Código do Registo Predial. 

            Face à realidade descrita, principalmente, em II. 1. 5) a 7), 16), 17), 19), 22), 23), 24), 26), 27), 28), 29), 30), 32), 35) e 36), supra, e ao preceituado, nomeadamente, nos art.ºs 1287º, 1294º, 1296º e 1297º do CC, concluiu a Mm.ª Juíza que o Réu/reconvinte agiu na convicção de exercer um direito próprio, sendo aplicável o prazo para a prescrição aquisitiva de 15 anos (já decorrido), ou seja,  o prazo imposto por lei para que se considere adquirido pelo Réu/reconvinte, por usucapião, o prédio urbano mencionado no ponto 5) da factualidade provada (composto por dois pisos, rés do chão e 1º andar, com a área coberta de 104,70 m2 e descoberta de 41,20 m2) - provou, pois, ter adquirido a propriedade, por usucapião, do dito prédio.

            Referiu, depois, que a notificação efetuada ao Réu, no âmbito da carta precatória aludida em II. 1. 14), supra, não fez interromper o prazo da usucapião, como decorre do conteúdo da citada decisão de 11.10.2010, proferida no âmbito da carta precatória, constatando-se que a notificação aí efetuada ao Réu respeita à prestação de informações acerca do “imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...61” e não sobre o prédio inscrito sob o artigo ...60, reivindicado nos presentes autos; e, ainda, que resulta do teor da mesma decisão que o próprio A. revelava “dúvidas quanto à localização dos prédios objeto de avaliação”, circunstância a que não são alheias as discrepâncias (ao nível das áreas e afetação dos prédios) entre os elementos matriciais ou registrais e a realidade, tal como ficara exposto na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto.

            Por último, perante o descrito enquadramento fático e normativo, concluiu pela improcedência do pedido de condenação do Réu à restituição ao A. do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...60, desde logo, porque não se provou qualquer ato de ocupação de tal prédio por parte do Réu; e que o 1º pedido formulado pelo Réu/reconvinte deverá ser julgado procedente e, em consequência, reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano mencionado no ponto 5) da factualidade provada (composto por dois pisos, rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 104,70 m2 e descoberta de 41,20 m2).

            10. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo decidiu com acerto.

            Prosseguindo.

            A usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião - a usucapião está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registrais.

              A usucapião constitui uma forma originária de constituição de direitos reais de gozo por via da transformação de uma situação de facto objetiva e subjetiva sobre uma coisa, de determinadas duração e características, em situação jurídica.[15]

              A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. Para conduzir à usucapião, a posse tem sempre de revestir duas características: ser pública e pacífica (art.ºs 1261 e 1262º, do CC); os restantes caracteres (boa ou má fé, titulada ou não) influem apenas no prazo de duração da posse (art.ºs 1294º a 1297º, do CC).

O nosso legislador não aceitou a conceção objetiva da posse, consagrada em alguns códigos estrangeiros, segundo a qual a posse sobre uma coisa se adquire pela mera obtenção do poder de facto; segundo a nossa lei, é necessário algo mais, ou seja, é preciso que haja, da parte do detentor, a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela.

            A posse tem assim como elementos constitutivos o corpus (elemento material) e o animus (elemento subjetivo), consistindo o primeiro no domínio de facto sobre a coisa, com o exercício de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, e o segundo na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto.[16]

11. Tendo presente o ensinamento de Orlando de Carvalho, há na posse uma relação biunívoca entre os dois elementos que a enformam, sendo o “corpus” “o exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico-real”, e o “animus” “a intenção jurídico-real, a vontade de agir como titular de um direito real, que se exprime (e hoc sensu emerge ou é inferivel) em (de) certa actuação de facto”.[17]

Este Instituto envolve ou pressupõe, assim, o “corpus”, i. é, a utilização da disponibilidade fáctica ou empírica de uma coisa, bem como o “animus possidendi”, ou seja, a intenção de exercer o direito real que o “corpus” indicia.

12. Para o surgimento da relação possessória é essencial que os atos aquisitivos, variáveis de caso para caso, se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa, não bastando um contacto fugaz, passageiro. Tais atos hão de revestir uma natureza que, segundo o consenso público, traduzam o exercício do direito real correspondente à posse.[18]

O “abandono” da coisa, primeira das causas de “perda da posse” mencionadas no art.º 1267º, n.º 1, do CC, pressupõe um acto material, praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito, sendo que não tem aplicação à posse dos direitos reais de natureza perpétua (o caso típico é o da propriedade sobre imóveis), i. é, daqueles direitos reais que não se extinguem por renúncia do titular - em relação a estes direitos valerá o princípio consagrado no art.º 1257º, n.º 1, do CC, nos termos do qual a posse se mantém enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.[19]

Daí, para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que, uma vez principiada a actuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar (art.º 1257º, n.º 1, do CC).

E a posse conducente à usucapião não carece hoje de ser contínua; se a posse se mantém enquanto haja a possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito, a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em atos materiais.[20]

13. O direito do proprietário é exclusivo (jus excludendi omnes allios), na medida em que pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando atos que afetem o seu exercício.

São dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação (art.º 1311º do CC): o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro, sendo que sobre o reivindicante/autor recai o ónus de provar que é proprietário da coisa [mediante a invocação de factos de onde resulte a aquisição originária/derivada e/ou mediante presunções - posse (art.º 1268º) e registo (art.º 7º do CRP)] e que esta se encontra na posse ou na detenção do Réu, e este, por sua vez, tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição.[21]   

            14. Na situação em análise, não tendo o A. demonstrado que o Réu esteja na posse (disponibilidade fática ou empírica) de bem imóvel daquele, jamais poderia ser condenado a restituir a coisa.

            No que concerne à matéria do pedido reconvencional, é evidente que a circunstância de o prédio urbano em causa ter estado “abandonado e em ruínas”, não o tornava insuscetível de uma qualquer disponibilidade fática ou empírica, de que o Réu também poderia beneficiar - cf., nomeadamente, II. 12., supra, e art.ºs 1256º, 1257º, n.º 1 e 1267º, n.º 1, a), do CC.

            Por outro lado, o Réu, por si e ante possuidores, praticou os atos conducentes à aquisição originária do prédio (por usucapião), como lhe foi reconhecido na 1ª instância, não sobrevindo facto algum a interromper a continuidade da posse, mormente por força da notificação mencionada em II. 1. 14), supra (art.ºs 323º, 325º e seguintes e 1292º, do CC), sendo que feita a prova da posse boa para usucapião (facilitada pelo regime da acessão e da sucessão na posse) e da correspondente aquisição, provada fica a titularidade do direito[22] - cf., nomeadamente, II. 1. 5) a 7), 16), 17), 19), 21), 22), 23), 24), 26), 27), 28), 29), 30), 32), 35) e 36), supra (com as alterações descritas em II. 8., supra) e, ainda, art.ºs 1251º, 1259º, 1260º, n.ºs 1 e 2, 1261º, n.º 1, 1262º, 1263º, alínea a), 1287º, 1294º, 1296º e 1316º, do CC.

            15. Torna-se, assim, desnecessário apreciar da viabilidade dos pedidos deduzidos por via subsidiária (art.º 554º, n.º 1, do CPC) e da eventual existência de abuso do direito por parte do A. (art.º 334º do CC)[23], pela simples razão de que também não se considera existir, formalmente, na sua esfera jurídica, o direito que quis fazer valer.

16. A sentença sob censura não deixou de especificar, de forma suficientemente clara, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pelo que não incorreu na nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, invocada pelo A./recorrente.

            17. Soçobram, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida (com a modificação na decisão da matéria de facto indicada em II. 8., supra).

            Custas pelo A./apelante.


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02.5.2023


             

           





[1] Haverá lapso manifesto (art.º 262).
[2] Conforme também se alegou sob o art.º 8º da p. i., no final deste ponto deveria constar “... encontravam-se em ruínas e desabitados.”
[3] Retificou-se (cf. art.º 11º da p. i.).
[4] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[5] Retificou-se lapso manifesto.

[6] Sobre este depoimento (e a testemunha), o A./apelante salientou (e reiterou) o seguinte: «(...) foi a única que se reportou à ´utilização` da casa, refere expressamente que ´era miúdo quando eles foram para Lisboa`, referindo que deveria ter cerca de 8 anos. / (...) refere como ocupantes do imóvel a JJ e os filhos e que foram para Lisboa crê que levados pelo CC (pai do A.), que chegou a ver na casa a visitá-los – cf. minutos 4:28 a 6:25, 7:20 a 8:11.»
[7] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 24.4.2007-processo 07A853, publicado no “site” da dgsi.

[8] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 29.10.1992, 23.9.2004- processo 04B2324 e de 28.6.2007-Proc. 07B1097, publicados, o primeiro, no BMJ, 420º, 590 e, os demais, no “site” da dgsi.

[9] Cf. acórdão do STJ de 19.9.2017-processo 120/14.4T8EPS.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 277.
[11] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[12] Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo CPC, 2014, 2ª edição, Vol. II, Almedina, pág. 99.
[13] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 237 e seguinte, 241 e 244.

[14] Sobre a distinção e âmbito de cada uma vide, nomeadamente, P. Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1987, págs. 199 e 202 e o acórdão do STJ de 27.10.2009-processo 1407/04.0TBAGD.C1.S1  [constando do sumário, a respeito da excepção do caso julgado, que, em princípio, esta não se verifica entre uma ação, já julgada, de reivindicação e outra, entretanto proposta, de demarcação, porquanto, naquela, o proprietário exige de qualquer possuidor o reconhecimento do seu direito e a consequente entrega do que lhe pertence (artigo 1311º, n.º 1, do Código Civil); já nesta, tem a lei em conta o poder do proprietário de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles (artigo 1353º do Código Civil).»], publicado no “site” da dgsi.
[15] Cf. o acórdão do STJ de 13.9.2007-processo 07B2541, publicado no “site” da dgsi.
[16] Vide, entre outros, M. Henrique Mesquita, Sumários das Lições ao Curso de 1966/1967, Coimbra, págs. 111 e seguintes.
[17] Vide Introdução à Posse, RLJ 122º, pág. 105, e 124º, pág. 261.
[18] Vide M. Henrique Mesquita, ob. cit., págs. 96 e seguinte e Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 26.
[19] Vide A. Varela e P. Lima, ob. cit., pág. 32 e seguinte e M. Henrique Mesquita, ob. cit., págs. 108 e seguinte.
[20] Vide Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ 124º, pág. 260 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 13.9.2007-processo 07B2541 (cit.) e da RC de 27.02.2007, publicado na CJ, XXXII, 1, 35.

[21] Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 93, 113 e 116 e Henrique Mesquita, ob. cit., págs. 177 e seguintes e acórdãos da RE de 18.02.1988 e 26.01.1989 e da RL de 06.10.2009-processo 652/05.5TBSSB.L1-7, in BMJ, 374º, 555 e 383º, 632 e “site” da dgsi, respetivamente.
[22] Vide L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 6ª edição (reimpressão), 2010, pág. 277.
[23] Figura a que se aludiu na parte final da resposta à alegação de recurso.