Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/11.3TBTND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PROCESSO-CRIME
PRINCÍPIO DA ADESÃO
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 71.º E 77.º DO CPP E 306.º Nº 1 DO CC
Sumário: Tendo, na sequência de um acidente de viação, corrido um processo-crime, por força do princípio da adesão (artigo 71.º CPP), o prazo de prescrição do direito à indemnização do lesado, por tais factos, não começa a correr, quer quanto ao lesante, quer relativamente aos que com ele são civilmente responsáveis, antes de terminar a fase de inquérito (quer ela finde com um arquivamento ou com uma acusação), pois só depois dessa decisão do Ministério Público é que lhe é permitido demandar incondicionalmente aqueles que considera terem responsabilidade civil por tais factos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

A... instaurou, na comarca de Tondela, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B... , Fundo de Garantia Automóvel e C..., onde pede a condenação destes no pagamento de uma indemnização de € 30 161,00 pelos danos que sofreu em consequência de um acidente de viação em que foi interveniente.

O réu B... contestou deduzindo a excepção de prescrição[1], na medida em que o acidente em causa ocorreu a 7 de Março de 2006 e a sua citação só se deu a 10 de Março de 2011, ou seja depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido no artigo 498.º n.º 3 do Código Civil.

O autor replicou alegando que o acidente em causa deu origem a um processo crime, onde foi arguido o réu C..., no qual foi proferida acusação contra este a 12 de Novembro de 2008 e em que a respectiva sentença veio a ser lida no dia 13 de Novembro de 2009[2].

No despacho saneador, o Meritíssimo Juiz, ao apreciar esta excepção, decidiu que:

"Quanto à questão da prescrição resulta dos autos que correu termos o processo crime com o nº 74/06.0GCTND, no 2º Juízo deste Tribunal, tendo sido condenado o arguido, o aqui réu C... por ofensas à integridade física por negligência.

Conforme tem sido entendimento corrente, enquanto estiver pendente processo crime, tal facto consubstancia interrupção de prazo de prescrição - art.º 323º, nº1 e 4 do C. Civil.

Pelo exposto, tendo em conta a data da leitura da sentença - 13/11/2009, a data da propositura da acção - 8/3/2011 e o prazo prescricional de 3 anos para a responsabilidade civil de factos ilícitos, ter-se-á que concluir que tal prazo ainda não decorreu.

Pelo exposto declara-se improcedente a excepção da prescrição invocada pelo réu B... e pelo réu Instituto de Seguros de Portugal – Fundo de Garantia Automóvel."

Inconformado com tal decisão, o réu B... dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.ª- Em sede de contestação foi invocada, pelo ora recorrente, a excepção de prescrição, nos termos do artigo 498 do C.C., já que a presente acção foi proposta a 7 de Março do corrente ano, ou seja, 5 anos após a data de ocorrência do acidente de viação em 7 de Março de 2006, tendo o R. sido citado no dia 10/03/2011.

2.ª- Ora, não tendo o A. requerido a citação urgente, terá de se considerar prescrito o pedido, quer nos termos do nº. 1, quer nos termos do n.º 3, do artigo 498 do C.C.

3.ª- Na Audiência preliminar julgou-se a excepção de prescrição improcedente pelo facto de ter corrido processo-crime n.º 74/06.0GCTND, do 2.º Juízo, em que foi condenado C... por ofensas à integridade física por negligência.

4.ª- Na réplica o A. limitou-se a referir que foi instaurado processo crime, cuja leitura da sentença ocorreu a 13 de Novembro de 2009 e o despacho de acusação proferido a 12/11/2008, sem indicar o numero do processo e juízo, pelo que os factos invocados pelo A. são insuficientes para se concluir sobre a existência do processo crime, bem como quem foi condenado e porque crime, prova que incumbia ao A.

5.ª- Se atendermos ao preceituado no artigo 674.º-A do CPC, o ora recorrente tem a possibilidade de ilidir a presunção que deriva da condenação de C... , já que não foi parte naquele processo e portanto em relação a si ainda não operou o princípio do contraditório.

6.ª- O processo crime foi instaurado com base na participação do acidente efectuada pelo Agente, sem que o A. tivesse apresentado queixa durante todo o processo, limitando-se o ofendido, ora A., a declarar, quando prestava declarações como testemunha, que deseja procedimento criminal, conforme certidão junta.

7.ª- O crime de ofensas à integridade física por negligência depende de queixa, nos termos do artigo 148.º n.º 4 do C.P. sendo o titular desse direito o ofendido nos termos do artigo 113 nº.1 do mesmo diploma, e não a testemunha, já que no processo penal os sujeitos processuais só podem ter uma qualidade, logo o ofendido ao prestar declarações como testemunha perde aquela qualidade, sendo certo que nos termos do artigo 49.º nº.1, do Código Processo Penal, “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”, o que não foi feito.

8.ª- São requisitos da queixa-crime, alem do mais, a exposição (descrição) do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, pelo que, a omissão de qualquer circunstância não invalidará a queixa, podendo ser suprida até a sentença, sendo que no caso em apreço, não houve o suprimento de tal irregularidade, dai que, por falta de tal formalidade, não há queixa no processo crime.

9.ª- Estando em causa um crime de natureza semi-pública, a queixa assume uma função mais delimitadora, pois que mister seria apurar o quê e a quem se dirige a vontade de perseguição criminal, permitindo vislumbrar uma manifestação inequívoca do respectivo titular desse direito, para que, nestes ilícitos, a queixa, enquanto condição de procedibilidade, tenha uma função mais delimitadora do que nos crimes de natureza pública.

10.ª- O MP acusou C... pela prática do crime de ofensas à integridade física por negligência, sem que tivesse legitimidade, uma vez que este crime dependia e depende que o ofendido se queixe (artigos 148 n.º 3 do CP e 50 do CPP) não podendo o A. por isso, beneficiar do prazo de prescrição mais longo.

11.ª- Julgou-se ainda improcedente a suscitada excepção de prescrição, com fundamento na sua interrupção durante o decurso de todo o processo crime no termos do art. 323 n.º 1 e n.º 2 do C.C. e tendo em apreço a data de acusação e leitura da sentença, ainda não haviam decorrido os 3 anos pela responsabilidade civil por factos ilícitos, porém, no nosso entender, mesmo que a queixa tivesse sido apresentada, não tinha a virtualidade jurídica de provocar, só por si, a interrupção do prazo prescricional em curso, nos termos do artigo 323.º, n.os 1 e 2 do C.C., já que esta só se interrompe pela citação ou notificação judicial avulsa e não com uma queixa ou a participação de um ilícito.

12.ª- A queixa-crime, não passa de uma porta que se abre à faculdade ou possibilidade de exercício do direito de natureza indemnizatória em tempo oportuno mas que, só por si, não se substitui nem dispensa o ofendido de formular o mesmo nos termos dos artigos 77.º e seguintes do CPP.

13.ª- Mesmo nos casos de requerimento em que se pede a notificação judicial avulsa de pretenso devedor, tem de ser considerado inepto, por aplicação analógica do disposto no art. 193, n.º 2, a), do CPC, quando o requerente se limita a alegar que com a presente notificação judicial avulsa pretende a interrupção, já que, tem de haver uma exigência mínima quanto à forma como os contornos do direito a exercer futuramente são apresentados, não bastando uma mera presunção de que tal irá acontecer, com base na simples queixa (cf., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2/11/2005, processo n.º 05S1920, publicado em www.dgsi.pt) ou mesmo com fundamento numa declaração mais ou menos abstracta e genérica.

14.ª-A queixa e a participação por factos ilícitos não podem produzir os efeitos da citação ou notificação judicial como acto que exprime a intenção de exercer o pedido de indemnização, tanto mais que não chegam ao conhecimento do arguido, não tendo assim virtualidade para produzir os efeitos plasmados no artigo 327.º n.º 1 do C.C.

15.ª- Mas mais, nos termos do artigo 306 do C.C. o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, no presente caso, no dia 7 de Março de 2006, uma vez que o A. não apresentou queixa, tendo na sua disponibilidade a dedução do pedido de indemnização na acção cível, tanto mais se atendermos ao valor do pedido formulado pelo A. (art. 72 n.º1 al. g do CPP).

16.ª- Os Acórdãos invocados pelo recorrido na réplica, têm aplicação apenas nos casos em que o pedido de indemnização é formulado no processo crime, o que não se verificou no processo aludido na 3.ª conclusão, conforme se verifica pela certidão ora junta.

17.ª- É o pedido de indemnização formulado no processo-crime que tem efeitos para interromper a prescrição, já que se traduz numa expressão de vontade, porque chega ao conhecimento do demandado. Assim, não tendo sido deduzido pedido de indemnização cível que pudesse integrar a previsão dos artigos 323.º, números 1 e 4 e 327.º, número 1 do Código Civil, não ocorreu nos autos qualquer acto de natureza interruptiva do prazo prescricional de 3 anos de que o Autor beneficiava.

18.ª- Nos termos do artigo 9 n.º 2 do C.C., não poderá haver uma interpretação da lei que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ou seja, não se pode interpretar o preceituado nos artigos 323 e 327 do C.C., como forma de salvaguardar um direito que decorreu da própria inércia do A.

19.ª- E mesmo que o A. tivesse invocado factos do tipo de ofensas corporais por negligência, sempre se teria que concluir pela prescrição uma vez que sem interrupções, por não ter sido deduzido pedido de indemnização, já decorreram mais de 5 anos, e até porque o processo se tornou inexistente em relação ao ora recorrente, por falta de queixa.

A não se entender assim:

20.ª Sempre se terá que concluir que a decisão sobre a excepção de prescrição teria de ser relegada para final, porquanto, se nos termos do artigo 674.º A do CPC, “a condenação efectiva proferida em processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam ás formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”, e tendo o ora recorrente impugnado todos os factos, tanto mais que já constam da base instrutória, terá que ser produzida prova em relação a tal matéria, como resulta da jurisprudência vertida nos acórdãos do STJ de 6/10/2005 e de 14/12/2006, Ac. RL de 7/10/2008, Ac. RC de 26/6/2007, Ac. RE de 27/9/2007,

21.ª- O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 323, 327, 306, 498 n.º 1 e n.º 3, 9 n.º2 do C.C., 148, 118 n.º 1 c) do C.P., 49.º do C.P.P.

Termina pedindo que se dê "provimento ao recurso, declarando-se procedente a excepção de prescrição, ou, quando assim não se entenda, relegar-se o seu conhecimento para a decisão final."

O autor contra alegou defendendo que a manutenção da decisão recorrida.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se prescreveu o direito que o autor entende ter contra o réu B... ou se o conhecimento desta excepção deve ser relegado para a decisão final.


II

1.º


Para se decidir esta questão há que considerar os seguintes factos:

a) a presente acção foi instaurada a 7 de Março de 2011[3].

b) o autor alega na petição inicial que:

- no dia 7 de Março de 2006 foi interveniente num acidente de viação, ocorrido no alto do Penedão (Tondela), em que foram intervenientes o ciclomotor de matrícula 2TND...e o veículo automóvel ligeiro de matrícula ...XE, conduzidos, respectivamente, pelo autor e pelo réu C....

- o ciclomotor 2TND...circulava na Av. Sá Carneiro.

- o veículo ...XE, vindo do IP3, ao chegar ao cruzamento que dá acesso a essa via prosseguiu a sua marcha, desrespeitando um sinal de Stop que lhe impunha que aí parasse.

- dessa forma invadiu a faixa de rodagem onde seguia o ciclomotor 2TND-19-32, embatendo o veículo ...XE com a sua parte lateral esquerda, na parte lateral direita daquele.

- o veículo ...XE ao tocar o ciclomotor 2TND...causou a queda deste e do autor.

-  após a colisão, o condutor do veículo ...XE, imobilizou a viatura, e dirigiu-se ao autor que se encontrava deitado no chão, cheio de dores e a sangrar, e sem lhe prestar qualquer tipo de auxílio colocou-se em fuga.

- em consequência dessa queda o autor sofreu diversos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que descreve, nomeadamente que teve uma fractura fechada do fémur direito, ferida lacero-contusa do joelho direito, que foi submetido a intervenção cirúrgica para redução e osteosíntese de fractura da díafise do fémur com placa DCP e parafusos, que as lesões lhe determinaram um período de doença de pelo menos 45 dias, sendo vinte dias com afectação para o trabalho geral e quarenta dias com afectação para o trabalho profissional e que ficou com uma cicatriz linear ao nível ar coxa direita com 25 cm de comprimento.

- aquando do acidente o réu B... era o proprietário do veículo ...XE e este circulava sem seguro, o que era do conhecimento daquele.

b) na sua contestação, o réu B... alega a prescrição do direito invocado pelo autor, dizendo que entre a data do acidente e a da sua citação (10-3-2011) nesta acção, decorreu o prazo previsto no artigo 498.º n.º 3 do Código Civil.

c) na réplica o autor afirma que o acidente em causa deu origem a um processo-crime, onde foi arguido o réu C..., no qual foi proferida acusação contra ele a 12 de Novembro de 2008 e em que a respectiva sentença veio a ser lida no dia 13 de Novembro de 2009.

d) o acidente em causa deu origem a um processo-crime, onde foi arguido o réu C..., no qual foi proferida acusação contra ele a 12 de Novembro de 2008[4].


2.º

Face ao teor das conclusões 6.ª a 10.ª, 15.ª e 19.ª importa começar por referir que, independentemente de outros considerandos, o que aí se sustenta assenta num facto não alegado nos autos, o de que o "processo crime foi instaurado com base na participação do acidente efectuada pelo Agente, sem que o A. tivesse apresentado queixa durante todo o processo, limitando-se o ofendido, ora A., a declarar, quando prestava declarações como testemunha, que deseja procedimento criminal, conforme certidão junta"[5]. Assim, de tal facto – a ausência de queixa por parte do autor – não se pode extrair qualquer consequência jurídica, mesmo que, como defende o réu B... , se entenda que a declaração de alguém, que na fase de inquérito é ouvido como testemunha, de "que deseja procedimento criminal" não corresponde à apresentação de uma queixa-crime[6].

3.º

Como é sabido, o artigo 498.º n.º 1 do Código Civil[7] dispõe que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso", acrescentando o seu n.º 3 que "se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável".

Por outro lado, o artigo 71.º do Código de Processo Penal estabelece que o princípio de que "o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei."

Temos também que considerar que segundo o n.º 6 do artigo 29.º do Decreto-Lei 522/85 de 31 de Dezembro, "as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade", impondo-se desta forma um litisconsórcio necessário entre o FGA e aquele ou aqueles que devam ser tidos por responsável civil.

Por fim importa não esquecer que do n.º 1 do artigo 306.º resulta que "o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido".

No caso dos autos, é pacífico que os factos imputados na petição inicial ao réu C... são susceptíveis de corresponderem à prática, por este, de ilícitos criminais de previstos nos artigos 148.º e 200.º do Código Penal.

É igualmente certo que o acidente deu origem a um processo-crime, onde a 12 de Novembro de 2008 foi deduzida acusação contra o réu C... .

Também está assente que na petição inicial se alega que o réu B... era o dono da viatura conduzida pelo réu C... e que esse veículo circulava sem seguro.

Perante este quadro, coloca-se a questão de saber se o direito que o autor entende ter contra o réu B... já prescreveu.

Segundo este a resposta é afirmativa, pois desde a data do acidente (7-3-2006) até ser citado nestes autos (10-3-2011) decorreu o prazo de prescrição de cinco anos resultante do disposto no artigo 498.º n.º 3, deixando-se, assim, implícita a ideia de que não terá havido qualquer interrupção ou suspensão de tal prazo e que ele começou a correr a 7 de Março de 2006[8].

Será que tem razão?

"A jurisprudência tem afirmado a natureza facultativa que assiste ao lesado, ocorridas as condições previstas na lei (artigo 72.º do Código de Processo Penal), de se afastar da força centrípeta da acção penal, deduzindo pedido cível em separado. Neste sentido, no Ac. do S.T.J. de 14-6-2007 (Salvador da Costa) (P. 1731/2007) também in C.J., 2, pág. 112 refere-se, a propósito de uma das excepções ao princípio da adesão, que se trata “ neste caso de mera faculdade, ou seja, a circunstância de o antecessor do recorrido não ter deduzido pedido cível em separado é insusceptível de lhe implicar alguma consequência negativa”; também o carácter facultativo da acção civil em separado avulta no Assento n.º 5 do S.T.J. de 19-1-2000, D.R., I Série-A. N.º 52 de 2-3-2000, pág. 721 visto que, tratando-se de crime em que o exercício da acção penal depende de queixa, o facto de o lesado instaurar acção cível em momento ulterior à queixa, não importa consequência sancionatória alguma, designadamente a extinção do procedimento criminal.

Assim sendo, assiste ao lesado, que não quiser recorrer à acção cível em separado, o direito de aguardar o desfecho do procedimento criminal, não se podendo considerar que o direito à indemnização tem de ser exercido apenas porque se lhe abriu a faculdade de accionar civilmente em separado.

A não ser assim, converter-se-ia uma faculdade num ónus, impondo-se, por via interpretativa, uma sanção que a lei não quis impor, não se vislumbrando na lei que o efeito interruptivo decorrente do procedimento criminal instaurado cesse logo que ocorra a possibilidade de ser demandado o responsável civil em separado.

Coarctar-se-ia desde logo ao lesado a possibilidade de exercer o pedido de indemnização no seio da acção penal que lhe permite beneficiar do amplo regime probatório que a lei processual penal faculta.

Por tudo isto, a jurisprudência vem sustentando, designadamente em casos em que a instauração de procedimento criminal depende de queixa, que a pendência de processo crime […] como que representa uma interrupção contínua ou continuada (ex vi do artigo 323.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil, quer para o lesante, quer para aqueles que […] com ele são solidariamente responsáveis pela reparação dos danos, interrupção esta que cessará naturalmente quando o lesado for notificado do arquivamento (ou desfecho final) do processo crime adrede instaurado […]

Não é, ademais, razoável que o início da contagem prescricional para o exercício do direito de indemnização possa correr durante a pendência do inquérito. Admitir o contrário, representaria, em certos casos, negar, na prática, o exercício da acção cível ao lesado que visse o processo crime ser arquivado decorridos que fossem mais de três anos sobre a verificação dos factos danosos, apesar desse processo (penal) ter estado sempre em andamento “normal durante aquele período de tempo […] Destarte, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal ficará o lesado habilitado a deduzir, em separado, a acção de indemnização, face ao disposto no n.º1 do artigo 306.º do Código Civil”.[Ac. do S.T.J. de 22-1-2004 (Ferreira de Almeida) (P. n.º 4084/03) in C.J., 1, pág. 36/39].

Neste sentido:

- Ac. do S.T.J. de 14-1-1997 (Machado Sousa) C.J.,1, pág. 59

- Ac. do S.T.J. de 12-9-2004 (Moitinho de Almeida) (P. 3530/2004) in www.stj.pt

- Ac. do S.T.J. de 6-10-2005 (Moitinho de Almeida) (P. 2397/2005) in www.stj.pt

- Ac. do S.T.J. de 6-12-2006 (Pires da Rosa) (P. 3302/05) in www.stj.pt

- Ac. do S.T.J. de 31-1-2007 (Sebastião Póvoas) (P. 4620/2006) C.J.,1, pág. 54

- Ac. do S.T.J. de 5-6-2008 (Bettencourt de Faria) (revista n.º 1060/08)

Tenha-se ainda em atenção o Ac. da Relação de Coimbra de 5-11-1996 (Coelho de Matos) C.J.,5, pág. 5-8.

(…)

Considera-se, assim, acompanhando-se a jurisprudência referenciada, que o prazo de prescrição para instauração de acção cível deve aguardar o desfecho do processo-crime que haja sido instaurado, pois ao lesado assiste o direito de pedir indemnização civil no âmbito da acção penal (artigo 71.º do C.P.P.). O lesado pode renunciar a uma tal opção, deduzindo o pedido cível em separado em momento anterior, não podendo, no entanto, ser sancionado pelo não exercício de tal faculdade, o que traduziria uma contradição nos termos.

Se o propósito da lei é o de que seja apreciado em conjunto na acção penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime, é bom de ver que não há inacção do lesado que decide aguardar o desfecho do processo-crime, pois, assim procedendo, o lesado está a agir em conformidade com os objectivos da lei e, assim sendo, o prazo de prescrição não se pode iniciar, pois só com o desfecho do inquérito (por arquivamento ou por acusação) fica definido se tais objectivos podem ou não podem ser atingidos. Ora são estes os momentos que importam para se considerar que o direito pode ser exercido (artigo 306.º/1 do Código Civil), pois o direito que aqui se tem em vista é o direito de pedir a indemnização cível juntamente com a acção penal.

Será, pois, a partir daqueles momentos que o lesado passa a incorrer em inactividade sancionável, pois já está definido o desfecho da acção crime. Havendo acusação, porém, o prazo de prescrição inicia-se apenas no momento em que precludiu, para o lesado, a faculdade de aderir ao processo penal, ou seja, decorridos os prazos assinalados no artigo 77.º do C.P.P, não se afigurando que tal inacção seja sancionável “eliminando-se” a situação impeditiva com efeito retroactivo, ou seja, contando-se então a prescrição do facto danoso".[9]

Seguindo a doutrina tão clara e fundadamente exposta neste aresto, no caso dos autos, é certo que o prazo de prescrição não começou a correr, pelo menos, antes de ter sido proferida a acusação contra o réu C... , isto é em momento anterior a 12 de Novembro de 2008, nem para esse réu, nem para aqueles que com ele são civilmente responsáveis, mais a mais quando, como já se referiu, o n.º 6 do artigo 29.º do Decreto-Lei 522/85 nos coloca perante um caso de litisconsórcio necessário. Então o prazo de prescrição de três anos estabelecido no artigo 498.º n.º 1 não se pode ter completado antes de Novembro de 2011.

Ora, o réu B... diz ter sido citado a 10 de Março de 2011, pelo que, dado o disposto no artigo 323.º aquele prazo interrompeu-se nessa altura, ou seja antes de Novembro de 2011; aliás, por força do mecanismo de salvaguarda que se encontra consagrado no n.º 2 desse mesmo artigo, tendo esta acção sido instaurada a 7 de Março de 2011, ele sempre se interromperia em momento anterior a Novembro de 2011.

Assim, torna-se desnecessário apurar se ao caso dos autos se poderá aplicar, por via do n.º 3 do artigo 498.º, um prazo de prescrição de cinco anos, pois, na hipótese da resposta a essa questão ser negativa, sempre é certo que não chegou a correr o prazo normal de três anos.

Neste cenário, para efeitos de prescrição, torna-se irrelevante o disposto no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, a que o réu B... faz alusão, pois a possibilidade que, a esse nível, esta norma lhe confere, só lhe permitia demonstrar que, à luz dos factos que viessem a ficar provados, o prazo de prescrição não era de cinco anos, mas sim de três, por a realidade então apurada não preencher os requisitos do artigo 498.º n.º 3. E isso, como é evidente, só lhe era útil se o facto interruptivo do prazo de prescrição tivesse ocorrido no intervalo de tempo situado depois do fim do terceiro ano, mas ainda antes de terminar o quinto ano, o que, como se viu, não acontece neste processo.

Naturalmente que o artigo 674.º-A do Código de Processo Civil poderá beneficiar o réu B... se dos factos que vierem a ser considerados provados não resultar para ele qualquer responsabilidade, mas nesse caso já não estamos no âmbito da prescrição.

Aqui chegados, logo se conclui que, desde já, se pode afirmar que é improcedente a excepção de prescrição deduzida pelo réu B... , tal como decidiu o Meritíssimo Juiz a quo, apesar do despacho recorrido, nesta parte, não estar tão fundamentado quanto era desejável.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo réu B... .


António Beça Pereira (Relator)

Nunes Ribeiro

Hélder Almeida


[1] A mesma excepção também terá sido deduzida pelo réu Fundo de Garantia Automóvel.
[2] Cfr. artigos 3.º, 4.º e 7.ºA da réplica.
[3] Cfr. parte final da folha 100.
[4] Face ao teor da certidão das folhas 38 a 47 tem que se considerar que, neste momento, este facto já se encontra provado.
[5] Cfr. conclusão 6.ª.
[6] Nesta parte o réu B... apresenta-nos uma tese verdadeiramente inovadora (cfr. folha 5). Diz-nos que se o ofendido for ouvido em processo penal como testemunha "perde aquela qualidade", isto é deixa de ser ofendido. Fica, assim, por saber como deve ser ouvido o ofendido, quando não se constitui assistente nem formula pedido cível, para que não perca aquela qualidade. Mas o réu vai ainda mais longe quando defende que não corresponde à apresentação de uma queixa a declaração do ofendido, ouvido como testemunha e prestada perante a autoridade competente, de que "deseja procedimento criminal". Se a afirmação de que se "deseja procedimento criminal" não corporiza a vontade de apresentar uma queixa-crime, é caso para perguntar o que é que então ela significa; que palavra mágica tinha nesse caso que ser dita?
[7] São deste código todas as deposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
[8] A este propósito veja-se os artigos 1.º a 6.º da contestação do réu B... , onde se suscita, de forma extremamente simples, a questão da prescrição.
[9] Ac. STJ de 13-10-2009 no Proc. 206/09.7YFLSB, www.gde.mj.pt.