Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2319/18.5T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 566º, Nº 3 DO C. CIVIL.
Sumário: 1. - Salvo quanto a matérias de conhecimento oficioso, os recursos destinam-se a reexaminar questões já anteriormente apreciadas no processo e não a produzir decisões ex novo.

2. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

3. - A indemnização pelo dano da privação do uso de veículo (semirreboque) que era usado no âmbito da atividade comercial da empresa lesada, não se mostrando viável uma fixação exata ou um cálculo aritmético quanto ao concreto dano, deve ser fixada equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..

4. - Trata-se de um denominado “dano evolutivo” (em crescendo até à efetiva reparação ou entrega de veículo de substituição, como vem sendo entendido pela jurisprudência), não permitindo ao lesado (credor indemnizatório) a adoção de uma conduta de total inércia e alheamento enquanto aguarda a definição judicial do litígio, por lhe caber o dever de conduta, suportado na boa-fé, de procurar atenuar (ou não agravar) as consequências do dano, não usando, por abusivo, o prolongamento do tempo de imobilização para maximização de montantes indemnizatórios, mormente quando não é substancialmente elevado o custo de reparação do veículo e surge com grandeza gravemente desproporcional o montante indemnizatório pretendido.

5. - Em tais casos, torna-se essencial a disponibilização pela empresa lesada de elementos documentais objetivos, como a faturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, o tempo médio da sua utilização e os serviços que deixaram de ser efetuados.

6. - Mostra-se equitativo fixar em €3.000,00 (correspondente a um período de 30 dias de paralisação razoável e a um montante diário de €100,00) a indemnização por aquele dano da privação do uso do semirreboque sinistrado, se está provado que a empresa lesada usava o veículo na sua atividade comercial (transporte rodoviário de mercadorias), deixou de poder usá-lo por estar carecido de reparação, não tendo a ré disponibilizado veículo de substituição, nem se oferecendo para pagar a totalidade do custo de reparação (mas apenas metade), reparação essa ainda por realizar, mas sabido que depois do acidente e até ao final do ano de 2018 (meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro) a lesada continuou a desenvolver a sua atividade, operando com o trator, que não sofreu danos no acidente, e utilizando um semirreboque que lhe foi emprestado temporariamente, sem custos, sendo que não foram disponibilizados quaisquer elementos documentais que permitissem aferir da faturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, tempo médio da sua utilização e serviços que deixaram de ser efetuados.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

«T..., LDA.», com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com a forma de processo comum, contra

«COMPANHIA DE SEGUROS A..., S. A.», esta também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar à A.:

«- A título de indemnização por privação do uso a quantia de €27.144,83 (…), calculados até 31/10/2018, acrescidos do montante diário de €253,69 (…), até efetiva e integral reparação do veículo C-...;

- A título de reparação da viatura a quantia de €5.678,30 (…);

- Deverá ainda a Ré ser condenada a pagar à Autora os juros de mora à taxa legal, calculados sobre os montantes ora reclamados, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.».

Alegou para tanto, em síntese, que em consequência de acidente de viação (ocorrido em 17/07/2018), de que foi responsável exclusivo o condutor de veículo seguro na R., a A. sofreu diversos danos – com referência ao veículo semi-reboque em causa, sua propriedade –, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), danos esses, designadamente o dano da privação do uso da viatura, que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., por força da existência de válido contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.

Citada, a R. apresentou contestação, impugnando parcialmente os factos alegados e os montantes indemnizatórios peticionados e concluindo por dever a ação ser julgada de acordo com a prova a produzir em julgamento.

Quanto, especificamente, ao dano da privação do uso do semirreboque acidentado, considerou infundamentado e exagerado o pedido indemnizatório, bem como inoperante e abusivo remeter para uma tabela de paralisação de viaturas que apenas serve de referência facultativa ao mercado e sem aplicação ao ano de 2018, não sendo vinculativa, e configurando abuso do direito, ante as circunstâncias do caso, a reclamação de indemnização de €253,69 por dia, naquele valor total de €27.144,83 à data da propositura da ação.

Tramitados os autos ([1]) procedeu-se à audiência final, após o que foi proferida sentença (datada de 06/04/2021), com o seguinte dispositivo:

“(…) decide este Tribunal julgar a ação parcialmente procedente, por provada em parte e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora a quantia de €6.228,30 (…), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para os juros civis sucessivamente em vigor, actualmente fixada em 4%, contados da data da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.» ([2]).

Da sentença veio a A., inconformada, interpor recurso – a versar sobre matéria de facto e de direito –, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([3]):

...

Contra-alegou a R./Apelada, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do sentenciado.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa conhecer do seguinte:

a) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (conclusões I a V);

b) Impugnação de direito, quanto à alteração de montantes arbitrados em sede indemnizatória, tendo em conta o que vem impugnado no âmbito recursivo, designadamente no que se refere ao dano da privação do uso de veículo (conclusões VI a final).

III – Fundamentação

         A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

...

Termos em que improcede a impugnação nesta parte.

...

B) Matéria de facto

1. - Após sindicância da Relação, é a seguinte a factualidade julgada apurada:

...

C) Substância jurídica do recurso

Da errada consideração e quantificação dos danos a indemnizar

Na sentença – abundantemente fundamentada, em matéria de direito – considerou-se como indemnizáveis dois danos: o dano no veículo sinistrado, cujo montante indemnizatório ascendeu a €5.678,30, que a A./Recorrente não contesta; e o dano da privação do uso desse veículo, cujo montante indemnizatório, fixado com o subsídio da convocada equidade, ascendeu a €550,00 (com reporte a 22 dias de paralisação atendível e ao montante diário de €25,00 = €550,00), com que a Apelante se não conforma.

Ademais, esta entende, desde logo, que deve ainda haver indemnização no montante de €3.100,00, que lhe foi descontado com referência aos danos no contentor e na mercadoria transportada (conclusão VI).

Começando por este agora invocado dano, é certo que vem provado – sindicada pelo Tribunal ad quem a impugnação referente à decisão da matéria de facto – que, após o acidente, a «T...» descontou à A., nos montantes que esta tinha a receber daquela, a quantia de €3.100,00, referente aos estragos sofridos no contentor e na carga transportada aquando do acidente (€600,00 do contentor e €2.500,00 da mercadoria) [ponto 26)].

Ora, é certo tratar-se aqui ainda de danos emergentes do acidente, competindo à R., seguradora do veículo lesante, a respetiva reparação, à primeira vista.

Com efeito, a A./Apelante ficou lesada também quanto a este prejuízo, ao ver ser-lhe descontado aquele montante de €3.100,00, termos em que o seu património ficou empobrecido nessa medida/quantia.

Donde que devesse este dano/prejuízo ser também ressarcido, pelo que acresceria à indemnização a pagar este valor de €3.100,00.

Com o que procederia nesta parte a apelação, se a A. tivesse eficazmente peticionado, no tempo oportuno, a indemnização por este dano.

Porém, não o fez, posto apenas ter peticionado, como visto, o ressarcimento do dano causado no veículo (aludido montante de € 5.678,30) e do dano da privação do uso (montante vencido de €27.144,83, bem como montante diário de €253,69, vincendo, até efetiva reparação) ([5]).

Só agora em sede de recurso vem invocar este outro dano e pedir o respetivo ressarcimento (valor de €3.100,00) ([6]).

Assim, se é certo que o montante peticionado a este título poderia vir a caber, a final, dentro do quantitativo global peticionado na ação, também parece líquido que, desde logo, o dano não foi invocado em modo atendível em 1.ª instância, pelo que já não o poderia ser no recurso, perante o Tribunal ad quem, não sendo permitida neste plano a unilateral alteração da causa de pedir (cfr. art.º 265.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv.), nem a apresentação de uma tal questão indemnizatória nova, sempre estando o Tribunal confrontado, ademais, com o princípio do pedido [cfr. art.ºs 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al.ª e), ambos do NCPCiv.].

Sendo sabido, pois, que o julgador não está sujeito ao alegado pelas partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, por lhe caber, como é claro, conhecer e aplicar o direito ao caso (art.º 5.º, n.º 3, do NCPCiv.), também é fora de dúvida que não servem os recursos, a não ser em matérias de conhecimento oficioso – o que, como é patente, aqui não é o caso –, para suscitar e/ou decidir questões novas.

É, realmente, consabido que as questões a decidir no recurso não podem ser questões novas – exceto as de conhecimento oficioso –, mas apenas as já colocadas ao Tribunal recorrido e por este decididas. Na verdade, os recursos não servem para apreciar questões novas, não colocadas ao Tribunal recorrido, mas para reapreciar a decisão sobre questões/matérias por aquele julgadas ([7]).

Tudo visto, não pode colher a tardia pretensão de ressarcimento deste específico dano, no valor de €3.100,00 ([8]). 

Resta a indemnização pelo dano da privação do uso desse veículo.

Neste âmbito esgrime a Recorrente, depois de lembrar que a dimensão económica e financeira da seguradora é muitíssimo superior à da lesada, que a R./Apelada nunca, em realidade, colocou à disposição da lesada qualquer quantia para reparação do veículo sinistrado, posto, a seu ver, a entrega do montante proposto (de €2.308,25) depender da declaração de quitação integral dos danos sofridos, sem o que nada seria pago (conclusão IX).

Será assim?

Ora, consultando o factualismo apurado, o que resultou provado foi que, se o custo da reparação da viatura era de €5.678,30 e essa reparação poderia ter tido início no dia 30/07/2018, prevendo-se necessários 9 dias para a sua conclusão, a R./Apelada [facto 18)] comunicou à A./Apelante (carta datada de 14/09/2018) que a forma de resolução mais adequada seria através de uma repartição das responsabilidades na proporção de metade (50% - 50%). O que a A. não aceitou, e bem, já que em Juízo se concluiu pela culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na R..

Mais informou então a seguradora que: «colocamos ao dispor o valor de €2.308,25, pelo que aguardamos pelo vosso consentimento para a emissão do respectivo recibo de indemnização».

Assim, exigia-se a assinatura pela lesada de um recibo de indemnização. Simplesmente, esse recibo só teria de cobrir o montante que fosse prestado (aqueles €2.308,25), e não mais. Como a A. não aceitava a dita proporção de metade, deveria ter-se disponibilizado, querendo, a receber o montante indicado (por conta da indemnização devida), sob declaração de que o mesmo só correspondia a metade do dano sofrido e reclamado, no que respeitava à reparação da viatura. E aí seria a seguradora a aceitar tal modo de prestação – considerada (meramente) parcial pela contraparte – ou a recusar o pagamento, por preferir pagar uma quantia certa/líquida a final, com os respetivos juros moratórios.

Donde que, ante o factualismo apurado – o único a considerar para a decisão do recurso –, não possa reconhecer-se razão, sem mais, a este argumento da Apelante, que não mostrou que lhe houvesse sido exigida declaração de quitação integral dos danos sofridos mediante o recebimento daquele montante de €2.308,25.

Acrescenta a Apelante que o Tribunal descurou o facto de a A. ser uma microempresa, de natureza familiar, dotada de um único trator e um único semirreboque, que «trabalhava encostada» a outra empresa (conclusões X e XI).

Tal, porém, não resulta suficientemente ilustrado ante os factos provados, os únicos a atender para decisão do litígio.

O mesmo se diga quanto ao invocado sob a conclusão XII.

Insurge-se ainda a Recorrente contra a posição defendida na sentença no sentido de nem sequer ter alegado não dispor, no seu património, dos fundos necessários à reparação da viatura, bem como de nada a impedir de, para cada serviço de transporte em tempo de privação do uso do veículo sinistrado, recorrer ao aluguer, no mercado, de um semirreboque, reclamando depois o respetivo custo à R./seguradora, de modo a circunscrever temporalmente o dano (evitar o crescimento exponencial dos custos diários de imobilização).

Para tanto invoca a Apelante que, neste campo, o ónus da prova (e inerente alegação), enquanto matéria de exceção, cabia à R./Apelada.

Porém, salvo o devido respeito, do que se trata aqui, em sede de ponderação do Tribunal recorrido, é da aferição indemnizatória à luz de regras de razoabilidade e proporcionalidade no âmbito da convocada equidade para fixação do quantum da justa reparação. Atividade esta que o Tribunal não poderia demitir-se de levar a cabo, no quadro do factualismo provado – o único, reitera-se, a poder ser valorado –, com vista à boa decisão do litígio, mediante solução adequada de justiça material.

Donde que também esta crítica não possa proceder, sem prejuízo de ter ficado apurado, como visto, que foi descontado à A./Recorrente o valor total aludido sob o ponto 26 dos factos provados, o qual, por isso, nunca chegou a entrar no seu património.

Por fim, a Recorrente refere que o valor encontrado para indemnização pela paralisação do veículo é manifestamente insuficiente, designadamente quanto ao respetivo valor diário (de €25,00), antes devendo adotar-se os valores constantes da tabela acordada entre a ANTRAM e a APS.

Sobre a não aplicabilidade desta tabela, ao menos nos termos estritos que a Recorrente advoga, concorda-se com a fundamentação do Tribunal recorrido, que expendeu assim:

«Neste quadro, entendo ser inadequado e imprestável ao caso o critério indicado pela autora como base de cálculo para o valor pretendido (€253,69 por dia, constante da Tabela de Paralisação de Viaturas, cujo acordo foi celebrado entre a ANTRAM e a APS para veículos de transporte de mercadorias), não só por a autora não ter demonstrado os valores da Tabela aplicável ao ano de 2018, da ocorrência do sinistro e da propositura da acção (o documento junto sob n.º 4 da petição inicial, a fls. 24, é omisso quanto a essa referência, desconhecendo-se a que ano(s) tal Tabela diz respeito), como também por não ter elucidado em que categoria de veículos prevista em tal Tabela se inseriria a viatura imobilizada – que é apenas o semi-reboque porta-contentores, visto que o tractor não sofreu qualquer dano.

Acresce que tal Tabela é parte integrante do referido acordo, que a contextualiza e cujo teor se desconhece em absoluto, por não ter sido junto pela autora, nem ser documento público livremente acessível, ainda que seja possível extrapolar, atento o contexto da sua criação e os interesses que serve, ter sido pensada para paralisações de duração relativamente curta, em que se mantêm todos os custos operacionais do veículo sinistrado, os quais, em regra, deixam de se verificar em caso de paralisação de longa duração (…).

De resto, como pugnado pela ré, essa Tabela não é vinculativa para terceiros não associados de cada uma das instituições outorgantes, apenas servindo de referência facultativa ao mercado.».

Nem se esqueça – com relevo em sede de ponderação à luz da equidade – que vem provado [facto 25)] que, depois do acidente e até ao final do ano de 2018 (meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro), a A. continuou a desenvolver a sua atividade, operando com o trator, que não sofreu danos no acidente, e utilizando um semirreboque que lhe foi emprestado, sem custos, pela empresa «T...».

Perante o quadro da factualidade provada mostra-se, salvo sempre o devido respeito, excessiva – e totalmente fora dos adequados parâmetros da equidade – a quantia diária de €253,69, tal como a total, peticionada, de €27.144,83 (até à data de 31/10/2018), bem como a demais, à mesma taxa diária, até integral reparação da viatura ([9]).

Tal como nos parece insuficiente – perante as caraterísticas do veículo sinistrado e as condições do mercado de locação respetiva – a quantia encontrada na sentença, de € 25,00 diários, desconhecendo-se, por outro lado, a situação económica da demandante, designadamente a sua disponibilidade financeira imediata para fazer face, de forma repentina/imprevista, ao custo de reparação da viatura (o que não transparece dos factos provados).

Mais equilibrada e proporcional, de acordo com parâmetros de equidade ([10]), atendendo às circunstâncias apuradas dos autos ([11]) ([12]), nos parece a quantia reparatória diária de €100,00, o que, multiplicado por um período de 30 dias de paralisação razoável (em vez dos 22 dias a que alude a decisão em crise), perfaz o montante de €3.000,00.

É este, pois, em equidade, o adequado quantum, na ótica do Tribunal ad quem, para ressarcir o demonstrado dano da privação do uso do veículo sinistrado.

Assim sendo, a reparação à A. ascenderá ao montante total, de capital indemnizatório, de €8.678,30, importando alterar a decisão condenatória da 1.ª instância em conformidade, termos em que parcialmente merece acolhimento a apelação.

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Salvo quanto a matérias de conhecimento oficioso, os recursos destinam-se a reexaminar questões já anteriormente apreciadas no processo e não a produzir decisões ex novo.

2. - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio.

3. - A indemnização pelo dano da privação do uso de veículo (semirreboque) que era usado no âmbito da atividade comercial da empresa lesada, não se mostrando viável uma fixação exata ou um cálculo aritmético quanto ao concreto dano, deve ser fixada equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..

4. - Trata-se de um denominado “dano evolutivo” (em crescendo até à efetiva reparação ou entrega de veículo de substituição, como vem sendo entendido pela jurisprudência), não permitindo ao lesado (credor indemnizatório) a adoção de uma conduta de total inércia e alheamento enquanto aguarda a definição judicial do litígio, por lhe caber o dever de conduta, suportado na boa-fé, de procurar atenuar (ou não agravar) as consequências do dano, não usando, por abusivo, o prolongamento do tempo de imobilização para maximização de montantes indemnizatórios, mormente quando não é substancialmente elevado o custo de reparação do veículo e surge com grandeza gravemente desproporcional o montante indemnizatório pretendido.

5. - Em tais casos, torna-se essencial a disponibilização pela empresa lesada de elementos documentais objetivos, como a faturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, o tempo médio da sua utilização e os serviços que deixaram de ser efetuados.

6. - Mostra-se equitativo fixar em €3.000,00 (correspondente a um período de 30 dias de paralisação razoável e a um montante diário de €100,00) a indemnização por aquele dano da privação do uso do semirreboque sinistrado, se está provado que a empresa lesada usava o veículo na sua atividade comercial (transporte rodoviário de mercadorias), deixou de poder usá-lo por estar carecido de reparação, não tendo a ré disponibilizado veículo de substituição, nem se oferecendo para pagar a totalidade do custo de reparação (mas apenas metade), reparação essa ainda por realizar, mas sabido que, depois do acidente e até ao final do ano de 2018 (meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro), a lesada continuou a desenvolver a sua atividade, operando com o trator, que não sofreu danos no acidente, e utilizando um semirreboque que lhe foi emprestado temporariamente, sem custos, sendo que não foram disponibilizados quaisquer elementos documentais que permitissem aferir da faturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, tempo médio da sua utilização e serviços que deixaram de ser efetuados.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando, em consequência, a decisão recorrida, em termos de fixar a indemnização devida pela R./Apelada à A./Apelante no montante total, de capital, de €8.678,30 (oito mil, seiscentos e setenta e oito euros e trinta cêntimos), a que acrescem juros moratórios, estes como fixado na sentença.
No mais, improcede o recurso interposto.

Custas da ação e da apelação por A./Apelante e R./Apelada, na proporção do respetivo decaimento, dependente de simples cálculo aritmético.
Coimbra, 23/11/2021
Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo (1.º Adjunto)

         Fernando Monteiro (2º Adjunto)                          


([1]) Previamente ao despacho saneador, veio a A. apresentar dois articulados supervenientes, com requeridas ampliações do pedido, ampliações essas que foram objeto de decisão de rejeição (cfr. fls. 82 a 85 do processo físico), de que a mesma A. interpôs recurso de apelação autónoma, liminarmente indeferido por despacho datado de 28/02/2020 (fls. 110 a 112 do processo físico).
([2]) Cfr. fls. 160 dos autos em suporte de papel.
([3]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) É certo que, sob o art.º 47.º da petição inicial – mas sem tradução/inclusão no petitório depois formulado –, ainda aludiu a um outro dano, o referente aos montantes que viessem a ser exigidos à A. a título de custos de parqueamento do veículo até à data da efetiva reparação ou da disponibilização do montante para suportar tal reparação.
([6]) É verdade que já o fizera antes, perante a 1.ª instância, mediante dois articulados supervenientes, com requeridas ampliações do pedido, ampliações essas que, porém, foram claramente rejeitadas (cfr. despacho datado de 07/05/2019, ref. ..., a fls. 82-85 do processo físico).
([7]) Cfr., por todos, o Ac. STJ de 06/07/2006, Proc. 06S1067 (Cons. Sousa Peixoto), e o Ac. Rel. Coimbra de 08/11/2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C1 (Rel. Henrique Antunes), ambos em www.dgsi.pt., sendo por demais pacífico que, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, e não meios de julgamento de questões novas.
([8]) Aliás, a pretensão recursiva de indemnização pelos três danos aludidos (no âmbito quantificado) ultrapassaria manifestamente o valor global de capital indemnizatório peticionado pela A. na sua petição (€ 27.144,83 + € 5.678,30) + € 3.100,00 = € 35.923,13), posto a A. ter indicado como valor da causa «32.823,13».
([9]) Nesta parte, tem de concordar-se com a fundamentação jurídica da sentença em crise quando invoca jurisprudência do STJ que salienta, quanto a um tal “dano evolutivo (aumenta até à entrega do veículo reparado ou de substituição) não legitimando, no entanto, a total inércia e passividade do lesado perante a recusa, pelo responsável, de reparação”, os deveres laterais, suportados na boa-fé, a cargo do credor indemnizatório, mormente o dever de atenuar e mitigar ou, pelo menos, não agravar as consequências do dano, através da sua inércia em termos de deixar prolongar o tempo de imobilização, usando-o a seu favor para “dilatar/expandir” (dir-se-ia, exponencialmente) a indemnização, âmbito em que deve atender-se aos diversos elementos de facto exibíveis, como o grau de violação dos deveres que integram a relação obrigacional, a faturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, o tempo médio da sua utilização e os serviços que o lesado deixou de efetuar, bem como o aproveitamento do motorista em outras viaturas – cfr. Acs. STJ de 17/01/2013, Proc. 2395/06.3TJVNF.P1.S1 (Cons. João Trindade), e de 11/12/2012, Proc. 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 (Cons. Fernando Bento), ambos em www.dgsi.pt, o último dos quais alude ainda a uma obrigação de contenção da evolução crescente e negativa do dano, enquanto a responsabilidade civil não é definida judicialmente, mormente se a reparação do veículo não se assume como muito dispendiosa, sendo de afastar, em tais casos, uma contabilização “em função exclusiva do tempo (tipo taxímetro)”, levando à obtenção de montantes desproporcionais ou exorbitantes.
([10]) Nas palavras do Ac. STJ, de 04/04/2002, Proc. 02B205 (Cons. Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt, “A equidade que atravessa todo o juízo valorativo para o calculo possível de um dano que corresponde, afinal, à situação virtual da diferença entre o antes e o depois da verificação do evento (artigo 562.º) – a equidade, dizíamos – e para que assuma verdadeiramente essa natureza de justiça do caso, na conhecida definição aristotélica, tem de funcionar nos dois sentidos, como é disso afloramento o que diz o artigo 494.º, do Código Civil. Deve tratar-se igual o que é igual; e diferente o que é diferente!”. E como também já explicitado na jurisprudência, citando doutrina autorizada, «“a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto… A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal” (Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., págs. 103/105)» – cfr. Ac. Rel. Lisboa, de 29/06/2006, Proc. 4860/2006-6 (Rel. Carlos Valverde), in www.dgsi.pt.   
([11]) Não se mostrando viável, perante as mesmas, uma fixação exata ou um cálculo aritmético do concreto dano, deve o valor indemnizatório ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv..
([12]) É sabido que a privação de uso de um bem constitui em si próprio um dano, suscetível de ser indemnizado, que terá de ser ressarcido em termos de equidade, tomando por base a prova realizada (danos concretos) – cfr. Ac. STJ de 25/10/2018, Proc. 49/16.1T8FND.C1.S1 (Cons. Fátima Gomes), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre outros, o Ac. STJ de 28/09/2021, Proc. 6250/18.6T8GMR.G1.S1 (Cons. Oliveira Abreu), também em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário: «Demonstrado o dano que advém da privação do uso do veículo, na falta de quantificação objetiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respetiva compensação».