Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO ANTÓNIO MIRA | ||
Descritores: | SIGILO PROFISSIONAL ADVOGADO CONFLITO DE INTERESSES | ||
Data do Acordão: | 02/18/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE MANGUALDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | INCIDENTE DE RECUSA | ||
Decisão: | CONFIRMADA/REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 87.º, N.º 1 DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELA LEI N.º 15/2005, DE 26 DE JANEIRO E 135.º, N.º 3 DO C.P.P.. | ||
Sumário: | I. - O dever de sigilo dos advogados tem subjacentes razões de natureza pública, porquanto a rigorosa tutela a que se acha submetido tem por base um interesse social e não o interesse dos profissionais que recebem confidências, nem o interesse daqueles que revelam as suas confidências, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de protecção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes, e por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão II. - O dever de colaboração com a administração da justiça visa satisfazer o interesse público do jus puniendi, mais concretamente, a realização de diligências de prova que permitam determinar se os arguidos praticaram ou não os crimes que lhe estão imputados, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da justiça penal III. - Apesar de o segredo profissional dos advogados não estar consagrado como um dever absoluto, não deve ser adoptada uma posição maximalista, segundo a qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre em todo e qualquer caso. A resolução do problema deverá se encontrada com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. Relatório: A questão solvenda consiste em apreciar se no caso concreto que os autos evidenciam deve (ou não) ser determinada a quebra do sigilo profissional da testemunha Sr. Dr. …. Não subsistem dúvidas em como o testemunho em causa se inclui no “dever de segredo” contemplado no art. 87.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro. Na verdade, estatui a referida norma: «O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços», designadamente nos casos elencados nas alíneas a) a f). Daqui decorre, pois, que o advogado está legalmente obrigado a segredo profissional no que respeita a factos conhecidos no exercício das suas funções, seja qual for a origem da fonte. Os advogados podem escusar-se a depor sobre factos objecto de segredo profissional. Contudo, se a autoridade judiciária concluir no sentido da legitimidade da escusa, é solicitada ao tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, a prestação de depoimento, devendo o tribunal ordená-la, com quebra do segredo profissional, sempre que entender que esta se mostra justificada em face das normas e princípios aplicáveis na lei penal e, nomeadamente, em face do princípio da prevalência do interesse preponderante (cfr. art. 135.º, n.ºs 1 a 3, do CPP). O dever de sigilo dos advogados tem subjacentes manifestas razões de natureza pública, porquanto a rigorosa tutela a que se acha submetido tem apenas por base um interesse social e não o interesse dos profissionais que recebem confidências, nem o interesse daqueles que revelam as suas confidências, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de protecção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes, e por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão [[i]]. No fundo, o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional é a necessidade social da confiança em certas profissões. Como se disse no Parecer n.º 110/566 do Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República [[ii]], citado no Acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2000 [[iii]], «o exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica. Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público». Por sua vez, o dever de colaboração com a administração da justiça visa satisfazer o interesse público do jus puniendi, mais concretamente, a realização de diligências de prova que permitam determinar se os arguidos praticaram ou não os crimes que lhe estão imputados, sob a égide do princípio da descoberta da verdade material e, assim, do interesse da boa administração da justiça penal. Confrontando-se, assim, dois interesses conflituantes - a tutela do segredo profissional vs. o dever de colaboração com a administração da justiça penal, deverá o Tribunal da Relação decidir no sentido da quebra de sigilo profissional, caso esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal - art. 31.º, n.º 1 e 2, alínea c) e 36. º, n.º 1, ambos do Código Penal - nomeadamente, face ao princípio da prevalência do interesse preponderante e segundo um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como o impõe o n.º 2 do art. 18.º da CRP. Apesar de o segredo profissional dos advogados não estar consagrado como um dever absoluto, não deve ser adoptada uma posição maximalista, segundo a qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre em todo e qualquer caso. A resolução do problema deverá se encontrada com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito. Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante.
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