Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ORLANDO GONÇALVES | ||
Descritores: | CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ MARGEM DE ERRO (EMA) | ||
Data do Acordão: | 10/01/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA NAZARÉ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 292 DO CP, 127º E 410,Nº 2 AL. C) CPP | ||
Sumário: | Não se pode, sem contraprova ou exame ao alcoolímetro, e ao abrigo do princípio in dubio pro reo, deduzir à TAS registada pelo alcoolímetro, uma margem de EMA. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 46/07.8PANZR.C1 * Acordam, em Conferência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra. Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo abreviado , o arguido VM, solteiro, fiel de armazém, nascido a 00/00/1980, na Nazaré, filho de J… e de J…, residente na Rua … , Nazaré, imputando-se-lhe, em autoria material e sob a forma consumada, um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 do Código Penal . Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 6 de Fevereiro de 2008, decidiu julgar a acusação procedente por provada e, em consequência: - Condenar o arguido VM pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69.º e 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o total de € 600 (seiscentos euros) ou, subsidiariamente, 66 (sessenta e seis) dias de prisão; e - Condenar o arguido, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses. Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado através de aparelho aprovado para o efeito, em conformidade com o disposto no artigo 153.º, n.º 1, do Código da Estrada. 2. Os resultados obtidos através de aparelhos aprovados e utilizados na fiscalização do trânsito, como é o caso do aparelho nos autos, fazem fé até prova em contrário, atento o disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 170.º, do Código da Estrada. 3. A lei possibilita a resolução das dúvidas sobre o resultado obtido através de realização de novo exame ao ar expirado ou análise ao sangue. 4. O resultado obtido através do aparelho não foi contrariado de forma alguma, ou seja, não foi feita prova em contrário. 5. A lei nunca refere a necessidade de aplicar qualquer margem de correcção ou desconto à taxa apurada. 6. A aplicação das margens de erro a que se refere a Portaria 798/94, de 13.8, reporta-se à aprovação do modelo e às verificações dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade e não existe fundamento para que o julgador, oficiosamente e sem elementos de prova que o sustentem, proceda a correcções da taxa de álcool no sangue apurada pelos alcoolímetros, adequadamente aprovados e verificados. 7. Se dúvidas subsistissem, na fase de julgamento, sobre a veracidade do valor obtido pelo aparelho DRAGER, as mesmas poderiam sempre ser resolvidas através de exame à própria mquina, já que se trata de um erro concreto e não abstracto. 8. A MM.a Juiz "a quo" não podia deixar de considerar como provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/1. 9. Existe, pois, erro notório na apreciação da prova. 10.Assim sendo, e pese embora a adequação da pena de multa se verifique, medida concreta da pena acessória não foi adequada à culpa do agente e às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir. 11.A decisão recorrida violou as normas contidas nos artigos 153.º, n.º 3, 170.º , n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, e do artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e substituída a Douta Sentença recorrida por outra que julgue provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l, mantendo-se a condenação em multa de 100 dias e alterando-se a pena acessória de inibição de conduzir para o período de 6 meses. O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida nos seus precisos termos. O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido do provimento do recurso. Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1. No dia 18/03/2007, pelas 19h40m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula XX-XX-XX, no Cruzamento entre a Avenida Vieira Guimarães e Rua dos Barrancos; 2. Tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução; 3. Nessa altura foi fiscalizado por elementos da PSP e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, no aparelho DRAGER, o arguido revelou uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l litro, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,5 g/l; 3. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/litro; 4. Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que, necessariamente, lhe iria provocar uma T.A.S. superior a 1,2 g/litro; no entanto, não se absteve de conduzir; 5. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir aquele veículo na via pública depois de ingerir álcool em tal quantidade e que tal conduta lhe era vedada por lei penal; 6. O arguido vive com a companheira e um filho, com quatro meses de idade, aufere o salário mensal de cerca de € 800, sendo o da sua companheira de cerca de € 500; 7. O arguido e a companheira residem em casa própria, sendo que pagam, para efeitos de empréstimo bancário, a quantia mensal de cerca de € 480; 8. O arguido é considerado boa pessoa e trabalhador junto da comunidade; 9. Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 32/2001, que correu termos no Tribunal Judicial da Nazaré, datada de 04/05/2001, foi o arguido condenado na pena de 55 dias de multa à taxa diária de Esc. 900$00, bem como 2 meses de proibição de conduzir, a qual se encontra cumprida, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; 10. Por acórdão proferido em 10/05/2004, no âmbito do processo comum colectivo n.º 297/03.4PANZR, que correu termos no Tribunal Judicial da Nazaré, foi o arguido condenado, pela prática, em concurso real, de um crime de injúria agravada, um crime de coacção e resistência a funcionário e um crime de ameaça, nas penas de 220 dias de multa à taxa diária de € 5, bem como sete meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses. Factos não provados De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos. Motivação da decisão de facto A decisão de facto assentou nas declarações confessórias do arguido quanto aos factos, à sua situação pessoal e familiar, uma vez que tais declarações foram coerentes e convincentes. Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos. No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado é expressa a taxa de álcool no sangue de 1,65 g/1, apurada pelo aparelho de medição Drager, modelo 7110 MKIII P (alcoolímetro quantitativo). Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ser feito desconto ou não na taxa de álcool apurada com este tipo de aparelho. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem. Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização. Sendo que, a Portaria n.º 748/94, de 13/08, dispõe, no n.º 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”. No n.º 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que «Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores: a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701; b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo; c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo". Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo n.º 34/84, de 11/07. Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade”, "Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação n.º 126 que contem um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade" (citada no Acórdão do TRGuimarães de 26/02/2007, disp. in www.dgsi.pt). Por outro lado, na Portaria n.º 1556/2007, de 10/12, que aprovou o regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros, são expressamente previstos erros máximos admissíveis, que para TAE superiores a 0,4 mg/1 e inferiores a 2 mg/1, com verificação periódica, é de 8%. Sendo certo que, apesar desta Portaria se aplicar apenas aos alcoolímetros já em utilização, desde que estes estejam em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica, como é referido no Acórdão do TRGuimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127.º do CPPenal. Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro, acusou foi de 1,65 g/l. Atendendo à margem de erro admissivel, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 8%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 1,5 g/1 e 1,80 g/1. Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados. Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,5 g/1, por ser mais favorável ao arguido. A consideração social do arguido foi dada como provada com base nos depoimentos das testemunhas PE e CL, que demonstraram conhecer o arguido desde jovem e conviver com ele diariamente, junto do seu local de trabalho. * *
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso . No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público as questões a decidir são as seguintes : O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido em 16 de Janeiro de 2008 ( proc. n.º 110/07.3GTCTB.C1 ), com um voto de vencido, e relatado pelo presente relator , consignou o seguinte: « O Tribunal recorrido deixa claro , na motivação da matéria de facto , que em face das orientações e questões suscitadas pela entidade que aprova os alcoolímetros, transmitidas e cumprida pelas autoridades policiais , e do erro admissível indicado nas tabelas que constam das instruções da DGV, existe incerteza sobre se a TAS registada no talão em casa corresponde exactamente à TAS de que o arguidoera portador. Em face dessa incerteza relativa no resultado obtido pelo alcoolímetro, o Tribunal recorrido, invocando coerentemente o princípio in dubio pro reo decidiu que arguido conduzia com pelo menos , uma TAS de 1,49 g/l, o que está de acordo com o alegado as instruções da DGV. Não se detectando qualquer erro notório na apeciação da prova, por parte do Tribunal recorrido, pela circunstância de atender ao mencionado nas orientações dadas pela entidade competente para a aprovação dos alcoolímetros , que as autoridades policiais cumprem na elaboração dos autos de notícia , impõe-se negar provimento ao recurso.». As razões de prevenção geral são prementes uma vez que a sinistralidade rodoviária, pese embora com alguma melhoria verificada nos últimos anos, continua elevada, colocando os condutores sob influência do álcool, em causa, a segurança da circulação rodoviária e , indirectamente, outros bens jurídicos, como a vida e a integridade física das pessoas que de algum modo passam e se cruzam com ele. As razões de prevenção especial não são também de desprezar em face dos seus antecedentes criminais - pese embora o arguido esteja integrado social, familiar e profissionalmente, e tenha confessado integralmente e sem reserva os factos ( o que é natural uma vez que foi detido em flagrante delito e a TAS se encontra certificada em talão). Deste modo, o Tribunal da Relação, considera que a pena acessória de inibição de conduzir fixada em 4 meses peca por defeito. Por mais adequada às finalidades da punição e à culpa que resulta do desvalor da acção praticada pelo arguido Vítor Manuel, o Tribunal da Relação entende alterar a pena acessória de inibição de conduzir para 6 meses.
* (Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários , nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).* |