Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/07.8PANZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MARGEM DE ERRO (EMA)
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292 DO CP, 127º E 410,Nº 2 AL. C) CPP
Sumário: Não se pode, sem contraprova ou exame ao alcoolímetro, e ao abrigo do princípio in dubio pro reo, deduzir à TAS registada pelo alcoolímetro, uma margem de EMA.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 46/07.8PANZR.C1
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Acordam, em Conferência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo abreviado , o arguido
VM, solteiro, fiel de armazém, nascido a 00/00/1980, na Nazaré, filho de J… e de J…, residente na Rua … , Nazaré,
imputando-se-lhe, em autoria material e sob a forma consumada, um crime de condução de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 do Código Penal .

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 6 de Fevereiro de 2008, decidiu julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
- Condenar o arguido VM pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69.º e 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), o que perfaz o total de € 600 (seiscentos euros) ou, subsidiariamente, 66 (sessenta e seis) dias de prisão; e
- Condenar o arguido, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público , concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado através de aparelho aprovado para o efeito, em conformidade com o disposto no artigo 153.º, n.º 1, do Código da Estrada.
2. Os resultados obtidos através de aparelhos aprovados e utilizados na fiscalização do trânsito, como é o caso do aparelho nos autos, fazem fé até prova em contrário, atento o disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 170.º, do Código da Estrada.
3. A lei possibilita a resolução das dúvidas sobre o resultado obtido através de realização de novo exame ao ar expirado ou análise ao sangue.
4. O resultado obtido através do aparelho não foi contrariado de forma alguma, ou seja, não foi feita prova em contrário.
5. A lei nunca refere a necessidade de aplicar qualquer margem de correcção ou desconto à taxa apurada.
6. A aplicação das margens de erro a que se refere a Portaria 798/94, de 13.8, reporta-se à aprovação do modelo e às verificações dos alcoolímetros, da competência do Instituto Português da Qualidade e não existe fundamento para que o julgador, oficiosamente e sem elementos de prova que o sustentem, proceda a correcções da taxa de álcool no sangue apurada pelos alcoolímetros, adequadamente aprovados e verificados.
7. Se dúvidas subsistissem, na fase de julgamento, sobre a veracidade do valor obtido pelo aparelho DRAGER, as mesmas poderiam sempre ser resolvidas através de exame à própria mquina, já que se trata de um erro concreto e não abstracto.
8. A MM.a Juiz "a quo" não podia deixar de considerar como provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/1.
9. Existe, pois, erro notório na apreciação da prova.
10.Assim sendo, e pese embora a adequação da pena de multa se verifique, medida concreta da pena acessória não foi adequada à culpa do agente e às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
11.A decisão recorrida violou as normas contidas nos artigos 153.º, n.º 3, 170.º , n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, e do artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e substituída a Douta Sentença recorrida por outra que julgue provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l, mantendo-se a condenação em multa de 100 dias e alterando-se a pena acessória de inibição de conduzir para o período de 6 meses.

O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida nos seus precisos termos.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia 18/03/2007, pelas 19h40m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula XX-XX-XX, no Cruzamento entre a Avenida Vieira Guimarães e Rua dos Barrancos;
2. Tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução;
3. Nessa altura foi fiscalizado por elementos da PSP e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, no aparelho DRAGER, o arguido revelou uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l litro, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,5 g/l;
3. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/litro;
4. Sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que, necessariamente, lhe iria provocar uma T.A.S. superior a 1,2 g/litro; no entanto, não se absteve de conduzir;
5. O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir aquele veículo na via pública depois de ingerir álcool em tal quantidade e que tal conduta lhe era vedada por lei penal;
6. O arguido vive com a companheira e um filho, com quatro meses de idade, aufere o salário mensal de cerca de € 800, sendo o da sua companheira de cerca de € 500;
7. O arguido e a companheira residem em casa própria, sendo que pagam, para efeitos de empréstimo bancário, a quantia mensal de cerca de € 480;
8. O arguido é considerado boa pessoa e trabalhador junto da comunidade;
9. Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 32/2001, que correu termos no Tribunal Judicial da Nazaré, datada de 04/05/2001, foi o arguido condenado na pena de 55 dias de multa à taxa diária de Esc. 900$00, bem como 2 meses de proibição de conduzir, a qual se encontra cumprida, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
10. Por acórdão proferido em 10/05/2004, no âmbito do processo comum colectivo n.º 297/03.4PANZR, que correu termos no Tribunal Judicial da Nazaré, foi o arguido condenado, pela prática, em concurso real, de um crime de injúria agravada, um crime de coacção e resistência a funcionário e um crime de ameaça, nas penas de 220 dias de multa à taxa diária de € 5, bem como sete meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses.
Factos não provados
De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.
Motivação da decisão de facto
A decisão de facto assentou nas declarações confessórias do arguido quanto aos factos, à sua situação pessoal e familiar, uma vez que tais declarações foram coerentes e convincentes.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos.
No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado é expressa a taxa de álcool no sangue de 1,65 g/1, apurada pelo aparelho de medição Drager, modelo 7110 MKIII P (alcoolímetro quantitativo).
Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ser feito desconto ou não na taxa de álcool apurada com este tipo de aparelho. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem.
Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Sendo que, a Portaria n.º 748/94, de 13/08, dispõe, no n.º 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”.
No n.º 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que «Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701;
b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo;
c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo".
Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo n.º 34/84, de 11/07.
Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade”, "Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação n.º 126 que contem um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade" (citada no Acórdão do TRGuimarães de 26/02/2007, disp. in www.dgsi.pt).
Por outro lado, na Portaria n.º 1556/2007, de 10/12, que aprovou o regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros, são expressamente previstos erros máximos admissíveis, que para TAE superiores a 0,4 mg/1 e inferiores a 2 mg/1, com verificação periódica, é de 8%.
Sendo certo que, apesar desta Portaria se aplicar apenas aos alcoolímetros já em utilização, desde que estes estejam em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica, como é referido no Acórdão do TRGuimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127.º do CPPenal.
Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro, acusou foi de 1,65 g/l. Atendendo à margem de erro admissivel, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 8%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 1,5 g/1 e 1,80 g/1.
Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados.
Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,5 g/1, por ser mais favorável ao arguido.
A consideração social do arguido foi dada como provada com base nos depoimentos das testemunhas PE e CL, que demonstraram conhecer o arguido desde jovem e conviver com ele diariamente, junto do seu local de trabalho.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público as questões a decidir são as seguintes :
- se o Tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P. , ao considerar como não provado que o arguido conduzia com uma TAS de 1,65 g/l , uma vez que a lei não refere a necessidade de aplicação de qualquer margem de erro ou desconto à taxa apurada; e
- se face á culpa do arguido e às razões de prevenção que no caso se fazem sentir, a pena acessória de inibição de conduzir deve ser alterada para o período de 6 meses.
Passemos ao conhecimento da questão.
O erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.410.º, n.º 2, al. c), do C.P.P., tem lugar “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo ) contido no texto da decisão recorrida”. - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, Rei dos Livros , 2ª ed. ,Vol. II , pág. 740. No mesmo sentido decidiram , entre outros , os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão proferido em 16 de Janeiro de 2008 ( proc. n.º 110/07.3GTCTB.C1 ), com um voto de vencido, e relatado pelo presente relator , consignou o seguinte: « O Tribunal recorrido deixa claro , na motivação da matéria de facto , que em face das orientações e questões suscitadas pela entidade que aprova os alcoolímetros, transmitidas e cumprida pelas autoridades policiais , e do erro admissível indicado nas tabelas que constam das instruções da DGV, existe incerteza sobre se a TAS registada no talão em casa corresponde exactamente à TAS de que o arguidoera portador. Em face dessa incerteza relativa no resultado obtido pelo alcoolímetro, o Tribunal recorrido, invocando coerentemente o princípio in dubio pro reo decidiu que arguido conduzia com pelo menos , uma TAS de 1,49 g/l, o que está de acordo com o alegado as instruções da DGV. Não se detectando qualquer erro notório na apeciação da prova, por parte do Tribunal recorrido, pela circunstância de atender ao mencionado nas orientações dadas pela entidade competente para a aprovação dos alcoolímetros , que as autoridades policiais cumprem na elaboração dos autos de notícia , impõe-se negar provimento ao recurso.».
No presente caso, também o Tribunal recorrido invoca o princípio in dubio pro reo para considerar que a TAS provada é inferior à que consta do talão emitido pelo alcoolímetro, decidindo assim “o arguido revelou uma TAS de 1,65 g/l, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,5 g/l”.
A situação é, porém, algo diferente da decidida naquele acórdão deste Tribunal da Relação , de 16 de Janeiro de 2008 ( proc. n.º 110/07.3GTCTB.C1 ), uma vez que o princípio in dubio pro reo não é invocado em face das instruções da DGV - constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, comunicado ao Conselho Superior da Magistratura e que este deu conhecimento aos Tribunais Judiciais -, que admitem que mesmo nos aparelhos aprovados e objecto de verificações periódicas, pode existir um erro em relação ao valor registado no aparelho de medição e que dessas margens de erro admissíveis nos alcoolímetros , que indica, deve beneficiar o arguido.
A decisão recorrida invoca agora o princípio in dubio pro reo , não em face do que diz a DVG nas instruções mencionadas, mas em face da própria lei : da Portaria n.º 78/94, de 13 de Agosto, vigente à data dos factos, e da Portaria n.º 1556/2007, de 12 de Dezembro, que revogou aquela Portaria, diplomas que interpreta no sentido de que o « juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de álcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual , com toda a certeza, o valor da indicação se encontra.».
A decisão recorrida dá assim ao princípio in dubio pro reo uma certa incidência substantiva , ao nível da interpretação daquelas Portarias.
Vejamos.
A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que regulamentou o controlo metrológico dos alcoolímetros, estatui no seu anexo, n.º 4, que os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701. E, no seu n.º 5, do anexo , acrescenta que no controlo metrológico deverá atender-se aos erros máximos admissíveis.
O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, anexo à Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, estabelecia designadamente o seguinte:
« 4. Ao alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 2-701.
5. O controlo metrológico dos alcoolímetros comprende a seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.
6. Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação , são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo – os erros máximos admissíveis na aprovação do modelo são os definidos na norma NF X 2-701;
b) Primeira verificação – os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação do modelo;
c) Verificação periódica – os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo.».
Não resulta da Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, nomeadamente dos números acabados de referir, qualquer menção à existência de erros máximos admissíveis a que as entidades fiscalizadoras ou os Tribunais, devam atender, em cada medição individual, feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica.
Salvo o devido respeito , entendemos que na Comunicação feita pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz , no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia , mencionada na motivação da sentença recorrida, não se diz em lado algum que os EMA podem ser tidos em consideração fora dos momentos da aprovação do modelo de alcoolímetro, da primeira verificação, da verificação periódica e da verificação extraordinária.
O problema da subtracção ou dedução dos erros máximos admissíveis ( EMA ) veio a colocar-se apenas em face das aludidas instruções da DGV, constantes do ofício n.º 14811 de 19/07/06, ao difundir pelas autoridades policiais e, com recurso ao CSM, pelos Tribunais Judiciais, que as medições individuais feitas pelos alcoolímetros estavam sujeitas a margens de erro e, indicando depois essas margens de erro, invocando a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto e a norma NF X 2-701, determinou que dos autos de contra-ordenação constasse que ,ao valor da TAS registada, fosse deduzido o valor do erro máximo admissível.
A Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, foi entretanto revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.
De acordo com o novo diploma « Os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos , definidos pela Recomendação OIML R 126 » ( art. 4.º) , o controlo metrológico compreende a aprovação de modelo , a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária ( art.5.º ) e os EMA são os constantes do anexo que que é publicado com a Portaria.
Os já citados peritos António Cruz e Maria do Céu Ferreira e ainda Andreia Furtado, respectivamente, Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, em artigo intitulado “A alcoolemia e o controlo metrológico dos alcoolímetros” , publicado em 2008-04-28 ( in www.ipq.pt), referem a propósito dos EMA, designadamente o seguinte:
« A operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambientes locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA. O condutor visado na medição, nos termos da lei, caso não confie nessa indicação pode pedir uma contraprova imediata ou realizar uma análise ao sangue, ou ainda pode pedir uma verificação extraordinária do instrumento de medição utilizado.». Mais se refere: « As instruções dadas às entidades fiscalizadoras, de maior ou menor tolerância, em determinados momentos, seja por razões de campanha especifíca , sazonais, ou ainda para reduzir o número de casos susceptíveis de contestação das contra-ordenações, pode justificar-se no sentido de educar ou promover nos condutores uma crescente sensibilização para os efeitos do álcool. Para esse efeito, podem tomar-se como limites aqueles que forem entendidos como medida de plilítica, inclusivamente os EMA. Mas apenas por essa razão de política. O limite superior do erro máximo admissível não é nem pode ser entendido como uma “margem de erro” a aplicar indiscriminadamente, descontando-o no valor das indicações dos aparelhos.».
Considerando que a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que remete para a norma NF X 2-70, não faz menção à existência de erros máximos admissíveis a que as entidades fiscalizadoras ou os Tribunais devam atender em cada medição individual feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica; que este diploma foi revogado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que remete para a Recomendação OIML R 126, e nada refere quanto à dedução do EMA em cada medição individual feita num aparelho aprovado e sujeito a verificação periódica; e a que os peritos do IPQ asseguram que o eventual erro da indicação do aparelho está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA, o Tribunal da Relação entende que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido da Portaria n.º 748/94, não será a mais correcta e, consequentemente, não pode sem contraprova ou exame ao alcoolímetro, e ao abrigo do princípio in dubio pro reo, deduzir à TAS registada pelo alcoolímetro, uma margem de EMA.
Pelo exposto, decide-se alterar a decisão recorrida de modo que do ponto n.º 3 ( 1.º deles, pois na sentença existem dois pontos n.º 3) dos factos dados como provados se deve eliminar a parte final do mesmo, onde se refere «.., correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,5 g/l », ficando aquele ponto com a seguinte redacção:
« 3. Nessa altura foi fiscalizado por elementos da PSP e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, no aparelho DRAGER, o arguido revelou uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l litro; ».
Passemos agora a conhecer da segunda questão.
O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho , estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos , quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º .
Esta sanção inibitória tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º , da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal , n.ºs 5, 8, 10 e 41 ) , traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado .
No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso , à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação , que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim , mas não por último , deve esperar-se desta pena acessória que contribua , em medida significativa , para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.
Quer a pena principal , quer a acessória , assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal .
Assim , na graduação da sanção acessória deve o Tribunal atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção , bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico , porquanto podendo comportar-se de acordo com o direito , optou por se comportar em contrário ao mesmo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem , por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade. A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção , que vêm enunciadas no art. 40.º, n.ºs 1 do Código Penal.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral , servindo quer para dissuadir a prática de crimes , através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente ( prevenção geral negativa ou de intimidação ) , quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e , assim , no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual , isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro , ele cometa novos crimes , que reincida.
No caso em análise, importa acentuar o grau de ilicitude que resulta da condução com uma T.A.S. de 1,65 g/l; o arguido agiu com dolo e na forma directa; e que já sofreu uma condenação anterior por crime de igual natureza praticado há alguns anos atrás , em 2001.

As razões de prevenção geral são prementes uma vez que a sinistralidade rodoviária, pese embora com alguma melhoria verificada nos últimos anos, continua elevada, colocando os condutores sob influência do álcool, em causa, a segurança da circulação rodoviária e , indirectamente, outros bens jurídicos, como a vida e a integridade física das pessoas que de algum modo passam e se cruzam com ele.

As razões de prevenção especial não são também de desprezar em face dos seus antecedentes criminais - pese embora o arguido esteja integrado social, familiar e profissionalmente, e tenha confessado integralmente e sem reserva os factos ( o que é natural uma vez que foi detido em flagrante delito e a TAS se encontra certificada em talão).

Deste modo, o Tribunal da Relação, considera que a pena acessória de inibição de conduzir fixada em 4 meses peca por defeito. Por mais adequada às finalidades da punição e à culpa que resulta do desvalor da acção praticada pelo arguido Vítor Manuel, o Tribunal da Relação entende alterar a pena acessória de inibição de conduzir para 6 meses.


Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando parcialmente a sentença recorrida , decide-se que do ponto n.º 3 dos factos provados ( 1.º deles , uma vez que da sentença resulta existirem dois pontos n.º 3) deverá constar apenas que « Nessa altura foi fiscalizado por elementos da PSP e, submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, no aparelho DRAGER, o arguido revelou uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l litro; », e alterar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, condenando-se o arguido VM na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 ( seis) meses.
Sem custas.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários , nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
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Coimbra ,