Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/17.0GCLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA;
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTO COM A VÍTIMA;
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 152.º, N.ºS 4 E 5, DO CP; ARTS. 35.º E 36.º DA LEI N.º 12/2009
Sumário:
I - O recurso aos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória prevista no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do CP, e nos artigos 35.º e 36.º da Lei n.º 12/2009 – redacção conferida a todos os normativos pela Lei n.º 19/2013, de 21-02 – depende da verificação de dois requisitos: (i) o juízo de imprescindibilidade da medida para a proteção da vítima; (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas no artigo 36.º referido, a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles meios técnicos se torna indispensável/imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.
II – A decisão no sentido da suspensão da execução da pena de prisão, constituindo sempre um risco ponderado, não contradiz a imperiosa necessidade dos meios de vigilância já que, implicando, embora, a primeira um juízo de prognose positiva acerca de uma futura conduta – no caso, essencialmente ditado pela inserção social e profissional do condenado, pessoa capaz, com competências próprias, relativamente à qual só é conhecida uma condenação anterior por crime de condução em estado de embriaguez –, têm de encarados como um adjuvante, dado o contexto, essencial à não frustração da fundada esperança que no futuro o arguido não reincida nas condutas que justificaram a sua condenação pela autoria material do crime de violência doméstica.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório
1. No âmbito do processo comum (singular) n.º 15/17.0GCLMG.C1 do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Lamego – JL Criminal, mediante acusação pública, foi o arguido A…, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso real, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 3.º, n.º 2, alínea g), 2.º, n.º 1, alínea m) e n.º 3, alínea e) e 18.º, n.º 3, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 22.01.2018, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:
1 – Condenar o arguido A…, como autor material, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 e n.º 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; pena de prisão esta que se suspende na sua execução por igual período, acompanhada:
- de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio durante o tempo de duração da suspensão da execução, dos serviços de reinserção social,
- o afastamento da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, durante o período da suspensão, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos;
- e dever de o arguido se sujeitar às consultas e/ou tratamento ao álcool que lhe vier a ser determinado, (uma vez que o arguido consentiu em submeter-se a tratamento).
3 - Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e em qualquer local, incluindo a residência daquela, pelo período de 12 meses, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, a qual deverá ser fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal;
4 - Condenar o arguido como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), do RJAM, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros.
5 - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e consequentemente condenar o arguido a pagar à ofendida a quantia de € 1.250,00.
[…]
Quanto aos objetos apreendidos
Atenta a sua natureza que pode colocar em perigo a segurança das pessoas e bem assim oferecer sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal, declaram-se perdidos a favor do estado as armas e munições apreendidas.
[…].

3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo veio, em sentença proferida e depositada em 17 de Janeiro de 2018, condenar o arguido A…, como autor material, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º n.º 1 e n.º 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; pena de prisão esta que se suspende na sua execução por igual período, acompanhada: - de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio durante o tempo de duração da suspensão da execução, dos serviços de reinserção social. - o afastamento da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, durante o período da suspensão, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos; - e dever de o arguido se sujeitar às consultas e/ou tratamento ao álcool que lhe vier a ser determinado, (uma vez que o arguido consentiu em submeter-se a tratamento. 3. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e em qualquer local, incluindo a residência daquela, pelo período de 12 meses, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, a qual deverá ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal; 4. Condenar o arguido como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), do RJAM, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros. 5. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e consequentemente condenar o arguido a pagar à ofendida a quantia de €1.250,00. 6. No que concerne às custas criminais, uma vez que o arguido foi condenado, suportará o mesmo as custas processuais, que comportam taxa de justiça e encargos (cfr. artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), fixando-se aquela em 2 (duas) UC´s, tendo em conta a atividade processual desencadeada (artigo 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas artigo 8.º, da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro).
2. O arguido não se conforma com tal decisão.
3. Foram dados como provados factos que não encontram qualquer sustento ou assento na prova produzida em audiência.
4. O Tribunal alicerçou a condenação do arguido apenas nas declarações da assistente, pois que, pese embora o Tribunal referisse a filha C… e o atual companheiro da assistente como determinantes para a descoberta da verdade, certo é que, nenhum deles referiu ter presenciado fosse que fosse limitando-se a dizer que a assistente “se queixava”.
5. Tais depoimentos, sendo indiretos, não podem fundamentar e muito menos sustentar a condenação do arguido recorrente.
6. Logo, dos autos, sobra apenas a prova parcial e interessada do “depoimento de parte” da assistente, desacompanhada de qualquer meio de prova, quer testemunhal, quer documental e, em contradição com a versão do arguido, que continua a propalar a sua absoluta inocência no que ao crime de violência doméstica diz respeito e, por isso, manifestamente insuficiente para gerar a sua condenação.
7. Os factos, em concreto, trazidos aos autos e, porque apenas assentam na versão da assistente, no limite sempre teriam de criar a dúvida, dúvida esta que teria de ser apreciada pelo Tribunal em benefício do arguido – in dubio pro reo – e aplicada ao caso concreto.
8. Nos presentes autos subsiste o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atenta a carência de factos que suportam a referida decisão de direito, designadamente, dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, acrescendo ainda que, os referidos factos que fundamentam a decisão foram dados como provados apenas com a versão da assistente, o que demonstra, por isso mesmo, a falibilidade da decisão recorrida.
9. A decisão recorrida está, a nosso ver, ferida de nulidade, por falta de fundamentação. De facto, o Tribunal a quo deveria ter explicitado porque razão as provas produzidas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, foram suficientes para se poderem considerar provados os factos em causa.
10. Resulta da sentença recorrida que o tribunal bastou-se com as declarações da assistente que coadunou com as regras de livre apreciação da prova e da experiência comum para, sem mais, condenar o arguido, sendo que apesar de o Tribunal referir que se baseou ainda na prova documental constante dos autos não enuncia nem se debruça sobre qualquer documento em concreto (aliás, não existem também no processo e quanto a este criem provas documentais), sobrando apenas a versão solitária e exclusiva da assistente.
11. Pese embora o esforço argumentativo inserto na decisão recorrida por parte da Meritíssima Juiz, a tentar fazer crer que as testemunhas arroladas corroboraram os factos infirmados pela assistente, como Vªs Exªs poderão constatar, tal não corresponde à verdade, pois nenhuma das testemunhas – a filha da assistente e o atual companheiro – presenciou o que quer que fosse e, muito menos, foi capaz de, em audiência identificar situações concretas dessas alegadas vivências.
12. Aliás, mesmo as testemunhas a quem a ofendida afirmou ter confidenciado ser vítima, negaram perentoriamente que assim o houvesse sido e mesmo que alguma vez a mesma haja sido vítima de violência doméstica por parte do arguido.
13. Como resulta da audição as testemunhas em audiência de julgamento, nenhuma testemunha presenciou qualquer um dos factos que vieram a ser dados como provados e o conhecimento referido pela Meritíssima Juiz é de “ouvir dizer” de alegados factos que a assistente transmitia às referidas testemunhas.
14. Contrariamente ao vertido na decisão recorrida, entendemos que não poderia o Tribunal assentar a sua convicção no depoimento das referidas testemunhas pois que, como o Tribunal refere, nenhuma delas presenciou qualquer facto, ficando assim o Tribunal só e apenas com a versão da assistente, em contraponto com a versão do arguido.
15. Referiu a testemunha C… cujo depoimento que se encontra gravado em sistema áudio no dia 6 de novembro de 2017 de minutos 12:06:57 a minutos 12:18:55: “Nunca viu então o seu pai a bater na sua mãe?” Início da gravação: (2:46- 2:52) “Não, assim a bater não, levantar a mão, ameaçar, sim! Agora bater mesmo, não” Mas a minha frente, não, nunca o vi a bater-lhe…” “E alguma vez viu alguma nódoa negra, a sua mãe? Ou alguma marca?” Inicio da gravação: (5:53-6:07) “É assim, não lhe consigo dar a certeza, porque ela as vezes trazia nódoas negras do trabalho e assim, não lhe consigo dar a certeza, se era do meu pai que lhe fazia isso ou não, isso não lhe consigo dar a certeza.”, referiu a testemunha E… (atual companheiro da assistente com quem esta iniciou um relacionamento extraconjugal quando ainda estava casada e a residir com o arguido) cujo depoimento que se encontra gravado em sistema áudio no dia 6 de novembro de 2017 de minutos 12:21:58 a minutos 12:34:21: “Alguma vez alguma marca na B…, alguma nódoa negra, algum hematoma, alguma situação que ela lhe dissesse, isto foi o A… que me fez? Início da gravação: (7:08-7:21) “Vi umas marcas, mas não posso afirmar…
16. Do depoimento destas testemunhas resulta que nenhuma delas presenciou qualquer agressão física ou verbal por parte do arguido à assistente, sendo o “conhecimento” daquelas em função de alegadas conversas com a assistente.
17. A decisão recorrida de condenação do arguido é contrária à prova produzida que vai em sentido diverso.
18. E, as próprias declarações da assistente são contraditórias e pouco concisas e claras, pelo que, é assim errada e ilegal a decisão tomada, pelo que, se devem dar como não provados todos os factos que assentam apenas na versão solitária da assistente e, nessa medida, ser proferida douta decisão no sentido de absolver o arguido do crime de violência doméstica pelo qual foi acusado e condenado, por absoluta falta de prova.
19. Aliás, bastará apreciar convenientemente a prova produzida para verificarmos que, além de em momento algum existir prova testemunhal e documental que atestem a versão da assistente, por exemplo no que às assistências hospitalares diz respeito, inexiste também qualquer prova que indicie sequer que o arguido haja praticado os factos porque consumia álcool em excesso (vide ponto 6. Da matéria de facto), porém, o Tribunal não se omitiu de assim o considerar, mesmo, sem qualquer prova.
20. O que, também diz muito da inexistência de prova que sustente condenação do arguido e deveria ter levado a uma decisão de absolvição do mesmo.
21. Ou, no mínimo, por força do “principio in dubio pro reo” que deverá estar sempre ao serviço do julgador – caso as circunstancias do caso o imponham – e que neste caso foi completamente desconsiderado apesar de o caso em apreço o justificar clamorosamente.
22. Pelo que invocando o princípio in dubio pro reo, aliado ao princípio da presunção da inocência, ambos constitucionalmente consagrados, pugna o arguido pela absolvição do crime de violência doméstica pelo qual foi condenado, uma vez que, como já dito e redito, não poderia o Tribunal ter-se apegado à versão única e solitária da assistente e sem mais condenar o arguido, devendo, isso sim, ser absolvido.
23. Ainda que não se considere que a sentença recorrida padece dos vícios supra invocados, sempre se terá de considerar que, a mesma, peca na medida em que é exagerada e desproporcional face às circunstâncias do caso concreto.
24. Nos presentes autos, o arguido foi acusado de um crime de violência doméstica e, nessa sequência, foi condenado no Tribunal a quo: pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido no 152º nºs 1 al. b), 2, 4 e 5 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
25. O Tribunal a quo errou na aplicação da medida concreta da pena, condenando o arguido a um apena de prisão de três anos, quando as circunstâncias do caso concreto, mesmo a verificarem-se, no que se não concede, como supra se referiu, nunca potenciariam uma condenação tão elevada e distante do limite mínimo da pena aplicável.
26. Sopesados todos os factos, entende o recorrente que a ser condenado, o que se não aceita, mas se coloca como possibilidade para efeitos de raciocínio, a pena teria de ser fixada em moldes próximos do mínimo legal, por a isso conduzirem todos os factos atenuantes apresentados em favor do arguido, ora recorrente e provados em audiência de julgamento.
27. Resultam dos autos, além dos factos confirmados pela versão solitária da assistente, que como se disse não pode colher, factos que têm de ser ponderados em favor do arguido, do seu comportamento anterior e posterior à prática dos alegados factos pelos quais vem acusado, quer quanto à sua inserção social e familiar, quer quanto á sua inserção laboral, pelo que, tal, deveria importar para que o Tribunal recorrido aplicasse ao arguido uma pena especialmente atenuada, nos termos do disposto nos artºs 72º e 73º do Código Penal.
28. A pena concretamente aplicada ao arguido viola assim os ditames da razoabilidade e proporcionalidade na escolha da medida concreta da pena.
29. Os factos recolhidos pela 1.ª instância, relativamente: à personalidade do ora Arguido, às condições da sua vida social e laboral e económica, à sua conduta anterior e posterior aos factos e às circunstâncias deste - permitem, a formulação de um prognóstico e juízo de adequação social favorável. Circunstâncias estas que, deveriam, obrigatoriamente, conduzir à aplicação de uma pena em moldes muito próximos do mínimo legal, senão mesmo no mínimo legal.
30. Tudo coadunado, claro está, com a vasta prova testemunhal abonatória que em Tribunal foi produzida e que atestou de forma perentória que o arguido é uma pessoa de bem, socialmente integrado e bem reputado no meio social onde está inserido, indo ao pormenor de “afiançar” acreditar na versão do mesmo e na sua absoluta inocência e, em contraposição, com o descredito pela versão apresentada pela ofendida, esta sim, com comportamentos moralmente inadequados e socialmente reprováveis – O que não pode deixar de nos levar a pensar e, muito bem, nisso. Pois, se quem esteve próximo das pessoas em crise no decorrer de anos a fio assim o atestam, há que ponderar muito bem, a decisão a tomar. O que, também pro esta razão, nos parece, não ter acontecido.
31. A pena aplicada ao arguido viola assim o disposto no art. 71º do Código Penal, devendo, nessa medida, ser reformulada a sentença recorrida, no sentido de se aplicar ao arguido uma pena substancialmente inferior, próxima dos limites mínimos e, sempre, atenuada.
32. A decisão recorrida é ainda errada na medida em que decidiu o Tribunal a quo condenar o arguido A…: “… na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e em qualquer local, incluindo a residência daquela, pelo período de 12 meses, sem prejuízo de futuros e eventuais contactos que se vierem a revelar necessários para efeitos do exercício das responsabilidades parentais do filho menor de ambos, a qual deverá ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal;
33. A aplicação ao arguido da sanção acessória em causa é ilegal, infundada e inconstitucional e, enferma, também ela e nesta parte, de nulidade por evidente falta de fundamentação.
34. O Tribunal a quo, aplicou o disposto no artº 152º nº 4 e 5 do Código Penal o que resulta apenas da decisão final, sem que o Tribunal efetuasse o competente juízo fundamentado da aplicação de tal medida.
35. Decidindo o Tribunal a quo sujeitar o arguido à pena acessória de proibição de contactos com a assistente, sujeitando-o à aplicação de uma pulseira eletrónica para controlar os seus movimentos, sem fundamentar essa mesma decisão, fez com que a decisão recorrida enfermasse de manifesta nulidade, o que desde já se invoca.
36. De facto, tal medida deve ser aplicada apenas e quando se revele imprescindível, e, quando o é, necessário se torna que essa imprescindibilidade esteja devidamente fundamentada, o que não sucede no caso concreto.
37. Do texto decisório do Tribunal, vê-se que foi até efetuado um juízo de prognose favorável ao comportamento do arguido por forma a suspender a execução da pena de prisão considerado o seguinte: O arguido tem antecedentes criminais, encontra-se inserido socialmente, assim, atentos os elementos constantes dos autos, designadamente as conclusões do relatório social, temos de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo também as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, pelo que, efetuando um juízo de prognose favorável o tribunal decide suspender a execução da pena por igual período (nº5 do artigo 50º do CP).
38. Porém, além de quanto à medida nada ser dito e portanto inexistir fundamentação, verdade é que, a sua aplicação resulta em clara contradição com tal raciocínio e fundamentação no que à suspensão da pena diz respeito.
39. De facto, o Tribunal a quo considera ser de aplicar obrigatoriamente o disposto no artigo 34º-B da Lei nº 112/2009 de 16 setembro alterada pela Lei 129/2015 de 3 de setembro e por isso condena o arguido à pena acessória de proibição de contactos com a ofendida fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica. Porém, nada mais diz, ou seja, não fundamenta a aplicação de tal medida com qualquer critério de imprescindibilidade e não faz qualquer análise crítica ou invoca quaisquer factos que a tanto o justifiquem.
40. Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo, violando a Lei, não formulou qualquer juízo de necessidade/desnecessidade ou imprescindibilidade de aplicação de tal medida para, no caso concreto, sujeitar o arguido a tal pena acessória, bastando-se com a transcrição da disposição legal aplicável para fixar tal medida na decisão recorrida, o que não é suficiente.
41. Na verdade e com base nos juízos de prognose favorável à suspensão da pena de prisão, constantes na fundamentação do tribunal, resulta, isso sim, que a sujeição do mesmo à pena acessória de proibição de contactos com a ofendida mediante controlo por meio de vigilância eletrónica é uma decisão errada e atentatória da justiça.
42. Nos termos da própria lei, a sujeição do arguido a tal pena acessória, depende sempre da formulação de um juízo prévio de imprescindibilidade, juízo este que se entende que não foi feito Tribunal e, a sê-lo, tem de ser fundamentado e necessariamente sindicável.
43. A decisão proferida é assim nula, por manifesta contradição e ainda ilegal por falta de formulação do juízo de imprescindibilidade da aplicação de tal pena e ainda não porque não ocorreu sequer consentimento do arguido para aplicação da mesma.
44. Veja-se a este propósito os doutos acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Secção Criminal, Acórdão de 21 Set. 2015, Processo 572/14.2GBBCL-A.G1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de Set. 2015 proferido no âmbito do Processo 190/16.0PBMTS.P1.
45. Contrariamente ao entendimento que parece ter sido seguido pelo Tribunal a quo coisa distinta da pena acessória de proibição de contacto com a vítima é a sujeição do arguido é o controlo da mesma mediante vigilância eletrónica sem qualquer justificação ou fundamentação para a sua aplicação.
46. Veja-se a este propósito o Acórdão proferido por esta Relação datado de 11 de Outubro de 2017 no âmbito do Processo 65/14.8GAAMM.C1 do qual se transcreve o seguinte trecho com aplicabilidade no presente caso em concreto: “ Nesta estrita medida não merece censura a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima. Coisa diferente e que – adiante-se – não pode subsistir é o controlo da execução da mesma (pena) mediante a utilização de meios de vigilância eletrónica, não já por uma questão de nulidade da sentença – admitindo-se embora, neste particular uma fundamentação incompleta – mas por não resultar demonstrado do acervo factual assente que a sua utilização se mostre imprescindível para a proteção da vítima (artº 35º da Lei 112/2009), sendo que não existindo consentimento do arguido e demais pessoas indicadas no artº 36º do mesmo diploma impor-se-ia uma decisão fundamentada sobre a imprescindibilidade do meio para a proteção de tais direitos, juízo que os factos apurados não consentem. Na verdade, basta olhar para as circunstâncias concretas que ditaram a formulação de uma prognose positiva determinante na opção pela suspensão da execução da pena de prisão, concretamente as respeitantes à inserção familiar, profissional e social do arguido, agora no contexto de uma nova família, para concluir pela não imprescindibilidade da fiscalização da pena acessória pelos meios de vigilância eletrónica. Em suma, em relação à utilização destes meios não pode subsistir a decisão recorrida”.
47. Sujeitar o arguido A… à pena acessória de vigilância eletrónica para proibir os contactos com a ofendida é desajustado e injusto não sendo tal medida imprescindível nem tão pouco necessária, não se encontrando sequer fundamentada a decisão de imposição da mesma.
48. Importa assim a reapreciação da sentença recorrida também nesta parte, revogando-se a mesma, não sujeitando o arguido a qualquer pena acessória, por as circunstâncias concretas do caso o não justificarem.
49. Acresce ainda que, entende o arguido que, na sequência da oposição e pedido de alteração da própria decisão crime, o arbítrio da indemnização à assistente é exagerado, infundado e desproporcional, sendo que face às circunstâncias do caso concreto não deveria o arguido ser condenado a pagar qualquer indemnização à ofendida.
50. A manter-se a decisão de atribuir uma indemnização à ofendida sempre terá a mesma indemnização de ser ajustada em função das circunstâncias do caso concreto, sempre teriam de se sopesar o facto de o arguido viver com parcos rendimentos, não mais do salário mínimo com o qual tem de prover pelas suas necessidades básicas, pagamento da pensão de alimentos ao filho menor, prestação do crédito bancário da habitação, e ainda porque os factos dados como provados nos autos não assumem de tal gravidade para propiciar uma condenação em termos tão exagerados, pelo que também por esta razão deve ser revogada a decisão recorrida.
51. Finalmente nos presentes autos o arguido, ora recorrente, foi acusado e condenado como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º nº 1 alínea d) do RJAM na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros perfazendo o montante de 1.350 euros.
52. O arguido justificou a posse das “alegadas armas” e, a verdade é que o fez, embora o Tribunal haja desconsiderado essa justificação, mas fê-la e num sentido defensável, mas que o Tribunal entendeu não ser credível, mais uma vez e a nosso ver erradamente, pois é consabido que muitos utensílios de agricultura são também, por assim dizer, verdadeiras armas e, no caso, quase todas elas utensílios de trabalho, como a assistente bem sabe, até porque não deixava de ser comproprietária de tais bens e, na verdade, nunca o arguido manifestando qualquer propósito de as utilizar como arma contra a assistente ou quem quer que fosse. Aliás, como se viu, muitas delas eram usadas pela própria ofendida e outras estavam no carro que habitualmente a mesma usava e disso era conhecedora.
53. Mais resulta dos autos que o arguido não tinha a consciência que aqueles objetos configuravam verdadeiras armas o que é concebível atento o facto de o arguido ser pessoa pouco letrada, um homem do campo, equacionando-se até a falta de consciência da ilicitude o que acarretaria necessariamente a absolvição do arguido por ausência de culpa.
54. O Tribunal a quo errou na aplicação da medida concreta da pena, condenando o arguido, ora recorrente, na pena de multa em concreto, quando as circunstâncias do caso concreto não potenciariam uma condenação tão distante do limite mínimo da pena aplicável.
55. Entende o recorrente que a ser condenado a pena teria de ser fixada em moldes próximos do mínimo legal, atenuando especialmente a pena nos termos do disposto nos artºs 72º e 73º do Código Penal, sendo que a pena concretamente aplicada ao recorrente viola assim os ditames da razoabilidade e proporcionalidade na escolha da medida concreta da pena, devendo quando muito fixar-se no mínimo legal.
56. O número de dias de multa, e o quantitativo diário da mesma é exagerado, desde logo atenta a parca gravidade da alegado ilícito e ainda o quantitativo diário fixado, distante do mínimo legal atentas as condições sócio económicas do arguido que vive com pouco mais do salário mínimo nacional com o qual assume as suas despesas básicas, paga a pensão de alimentos ao seu filho e suporta as despesas com o crédito bancário da habitação, para além de outras despesas que resultam dos autos.
57. Pelo que ainda que se decida pela condenação do arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida a pena concreta sempre deveria ser inferior ao fixado, próxima dos limites mínimos, não se descartando a hipótese de atenuação da mesma.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vªs Exªs, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida - por violação entre outros do disposto nos artigos 379º nº 1 al c) do CPP, 40°, 70°, 71º, 72º, 73º e 74º do Código Penal, 86º nº 1 alínea d) do RJAM, declarando-a nula pelos fundamentos supra alegados ou reformulando-a nos termos supra sugeridos.

4. O recurso foi admitido, com efeito suspensivo.

5. Em resposta ao recurso concluiu o Ministério Público:
I) Falece, in totum, a motivação do recorrente na invocação de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da nulidade da sentença por falta de fundamentação, não resultando do conteúdo da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida;
II) Não merce qualquer censura o julgamento da matéria de facto feita na decisão recorrida;
III) A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento foi valorada racional e criticamente, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas de experiência, pelo que não houve qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova;
IV) O tribunal a quo perante a prova que foi produzida não teve qualquer dúvida quanto aos factos ocorridos e como tal não havia qualquer necessidade de fazer uso do princípio in dúbio pro reo.
V) Do teor da sentença encontram-se devidamente explicitadas as razões de facto e de direito, que determinaram a condenação na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, ao arguido.
VI) Tendo presente o grau de culpa do recorrente e ainda as demais circunstâncias que, foram atendidas na sentença em recurso e depuseram a favor do agente ou contra ele, mostram-se adequadas as penas aplicadas, as quais tiveram em consideração o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal.

Assim, e pelo exposto falecem de razão os argumentos apresentados pelo recorrente, devendo em consequência ser na íntegra mantida a decisão recorrida.
V. Exas., porém, e como sempre, farão Justiça!

6. Remetidos os autos a julgamento a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente retomou os argumentos expostos no requerimento de interposição do recurso.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se (i) Por falta de fundamentação (exame crítico da prova) é nula a sentença; (ii) Foram valorados depoimentos indiretos; (iii) Ocorre erro de julgamento; (iv) Padece a sentença do vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP; (v) Foi violado o in dubio pro reo; (vi) Não devia o arguido ter sofrido condenação pelo crime de detenção de arma proibida; (vii) São excessivas, relativamente a ambos os crimes, as penas encontradas; (viii) É nula a sentença na parte em que determinou a fiscalização da pena acessória de proibição de contactos por meios técnicos de controlo à distância; (ix) Não seria de arbitrar qualquer indemnização civil, pecando, em todo o caso, a mesmo por excesso.

2. A decisão recorrida
Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:
II - DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
(…)
*
111- FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos: - que facto referido em S, foi presenciado pelo seu filho menor, C….
*
IV- MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artigo 127°, Código Processo Penal).
O Tribunal norteou a sua convicção, quer quanto à matéria de facto provada quer quanto à ausência de matéria de facto não provada, pelo princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço sério e empenhado para alcançar a verdade material, analisando dialeticamente os meios de prova que teve ao seu alcance e procurando harmonizá-los e confrontá-los criticamente entre si de acordo com os princípios da experiência comum, pois, nos termos do artigo 127.° do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios, salvo quando a lei dispuser diferentemente (juízos técnicos).
Na verdade, o princípio da livre convicção constitui regra de apreciação da prova em Direito Penal, e efetivamente, para conduzir à condenação, tal prova deve ser plena, pelo que, na decisão de factos incertos, a dúvida determina necessariamente a absolvição, de harmonia com o Princípio da Inocência que enforma também o direito processual penal e tem consagração constitucional.
Note-se que, como é sabido, a verdade material absoluta é, em regra, inalcançável pela via judicial na sua tarefa de reconstrução dos factos da vida real, logrando-se apenas uma verdade processualmente válida, fundamentada e plausível, sendo que, por outro lado, o relato de um facto pelo ser humano é um processo que comporta diversas etapas, a saber: a perceção dos factos, a memorização - que, muitas vezes, é acompanhada de uma racionalização dos eventos percecionados conducente à sua distorção - e a sua reprodução, sem olvidar que o julgador não é um recetáculo acrítico dos relatos que são produzidos em audiência.
É que esta "verdade" é o resultado de um labor judicial que se baseia nas declarações de quem vivenciou os factos, mas não despreza outros contributos quiçá mais relevantes (documentos, exames periciais e a própria experiência do julgador).
A convicção do tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram, no que radica o princípio da imediação da prova.
Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável, e nem sequer traduzível por palavras, face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
O juiz não é uma mera caixa recetora de tudo o que a testemunha diz ou de tudo o que resulta de um documento e a sua apreciação funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos enformada por uma convicção pessoal.
Assim, a convicção do tribunal formou-se com base na conjugação:
- o arguido A… que em suma, a negou a prática dos factos, ou seja, que é tudo mentira, que nunca agrediu a ofendida; tentou explicar porque razão tinha os objetos que lhe foram apreendidos.
Esclareceu as suas condições económicas, pessoais e profissionais, que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova.
- declarações da ofendida B…, que apresentou em audiência de discussão uma versão dos acontecimentos que se coaduna com a narrativa da acusação.
Durante as suas declarações foi esclarecendo o Tribunal, quanto a todos os pontos constantes da acusação e que se deram como provados, tendo-os confirmado. É certo que algumas das datas não as soube precisar, o que atento, por um lado, o lapso temporal decorrido desde a sua ocorrência, e por outro lado, o grande número de situações ocorridas, é compreensível e até normal de acordo com as regras da experiência comum.
Esclareceu ainda como é que se sentiu com todos estes factos.
As declarações da ofendida não se afiguraram destituídas nem de lógica, nem de verosimilhança, nem denotaram qualquer contradição insanável que permitisse a conclusão legítima, razoável e objetivável no espírito do julgador no sentido que os factos não podiam ter sucedido do modo como a assistente os narrou, na verdade, afigurou-se o seu relato sereno, detalhado e natural, logrando, por isso, convencer, firmemente, o Tribunal.
Por outro lado, importa também frisar que a versão relatada pela ofendida, foi sustentada, ainda que pontualmente, por outras testemunhas ouvidas em sede de audiência, e que ao confirmarem, pontos/situações concretas da acusação, ajudaram igualmente a credibilizar o depoimento da ofendida. Conjugado com o depoimento das testemunhas
- C…, filha de arguido e ofendida, confirmou que assistiu discussões, tendo descrito quais as palavras e expressões que o arguido dirigia à ofendida; mais afirmou que chegou a ver nodoas negras no corpo da mãe; mais esclareceu como é que a mãe se sentia.
- E…, atual companheiro da ofendida, esclareceu, como é que a ofendida se sentia quando ainda vivia com o arguido e na sequência das condutas do arguido; e bem assim, como ainda hoje se sente.
- (…), pessoas que conhecem o arguido, esclareceram que nunca presenciaram quaisquer dos factos constantes da acusação; depuseram acerca de como o arguido era tido no meio em que vive e por quem o conhece.
Ajudaram a formar a convicção do Tribunal os documentos aos autos.
Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se ao certificado de registo criminal do arguido junto aos autos.
As testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, pese embora a franqueza e sinceridade inerente aos seus depoimentos, com exceção da ofendida, a verdade é que não detinham conhecimento direto ou presencial sobre a totalidade dos factos pelos quais o arguido se encontra acusado, porém, as tinham conhecimento de situações pontuais, que confirmaram, e que coincidiam com a versão da ofendida.
Sem ignorar que dúvidas não subsistiram em relação à prática pelo arguido dos factos constantes da acusação, após a ponderação e análise desses meios de prova, dado que a apenas a assistente teve conhecimento direto e presencial de todos os factos, as suas declarações, corroboradas ainda que pontualmente, pelas restantes testemunhas e prova documental junta aos autos, não suscitou qualquer dúvida ou reserva.
Na verdade, resulta das regras da experiência comum e do princípio da normalidade que, no seio de ambientes familiares degradados, os contendores perdem claramente o discernimento e o bom senso, não se recordando, muitas vezes, com rigor, dos factos por si praticados, atuando de forma pouco sensata.
Efetivamente, resultou das declarações de arguido e assistente a existência de uma tensão, mas ao mesmo tempo um distanciamento, o que adveio, naturalmente, da relação conjugal degradada, sendo que todavia, tal quadro fáctico subjacente não minou a credibilidade ínsita às declarações da assistente.
Na verdade, a assistente efetuou um discurso pormenorizado, relatando com minúcia as circunstâncias de tempo e de lugar acima aludidas, bem como a dinâmica factual subjacente, referindo-a, sem hesitações e com segurança.
Assim, não obstante as suas relações com o arguido denotarem tensão, atenta a falência da vivência conjugal, a verdade é que no que à descrição dos eventos concerne mereceram as suas declarações credibilidade, atenta a simplicidade, espontaneidade e coerência das mesmas, para além de, na sua essência, serem condizentes com os demais depoimentos e meios de prova documentais produzidos e examinados em audiência, não resultando do seu teor qualquer contradição, hesitação ou obscuridade, tendo, por isso, sido dignas de credibilidade.
Na verdade, a assistente descreveu os factos acima descritos sem hesitações, desinteressada e perentoriamente, não merecendo as declarações do arguido maior credibilidade do que as prestadas pela assistente, nem foram aquelas suficientemente convincentes, credíveis, razoáveis e consistentes para minar a credibilidade subjacente às declarações prestadas por esta, não sendo as declarações do arguido idóneas para suscitar a dúvida na livre convicção do julgador.
Na realidade, as declarações do assistente revelaram-se congruentes, lógicas e verosímeis, descrevendo de forma circunstanciada as circunstâncias de tempo, de lugar e a dinâmica factual subjacente, o que fez com pormenor, fluidez e consistência, relatando detalhes que reforçam a sua credibilidade na vivência dos factos sob apreciação.

3. Apreciação
§1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Por considerar não haver o tribunal a quo explicitado «por que razão as provas produzidas, devidamente inter-relacionadas e conjugadas de acordo com as regras da experiência comum, foram suficientes para se poderem considerar provados os factos em causa» diz o recorrente enfermar a sentença de nulidade.
Colocada a coisa nestes termos em causa estaria a falta exame crítico da prova e, assim, a violação do artigo 379.º, com referência ao n.º 2 do artigo 374.º, ambos do CPP.
Muito se tem escrito sobre as exigências da fundamentação que, dirigida a uma dupla finalidade, endoprocessual - ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões - e extraprocessual - como condição de legitimação externa da decisão -, se quer adequada e suficiente, não dispensando naturalmente o exame crítico das provas. Quanto a este, por considerarmos encerrar uma síntese perfeita da matéria, extrata-se do acórdão do STJ de 16.03.2005 (proc. n.º 05P662): «constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projeção no campo que pretende regular fundamentação em matéria de facto – mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência. A noção de “exame crítico” apresenta-se como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação das questões de direito. […] consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos […] que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».
Assente, pois, que a crítica, reportada à análise, se traduz na explicitação da valia de cada um dos meios de prova em ordem a ancorar a convicção probatória, permitindo ao tribunal credibilizar uns e refutar outros, envolvendo «a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruência dos factos e dos comportamentos» - [cf. acórdão cit.], vejamos se, a este nível, contém a sentença resposta satisfatória.
Ora, debruçando-nos sobre a fundamentação da decisão de facto deteta-se com relativa facilidade o raciocínio lógico que, com referência à prova produzida, conduziu à formação da convicção do julgador. Com efeito, de imediato, ressalta haver sido o tribunal colocado perante duas versões de sinal oposto, protagonizadas por arguido e ofendida e, nesse contexto, ter atribuído credibilidade às últimas, em detrimento das primeiras, pois para além daquelas não se lhe haverem afigurado «destituídas nem de lógica, nem de verosimilhança, nem denotarem qualquer contradição insanável que permitisse a conclusão legítima, razoável e objetivável no espírito do julgador no sentido que os factos não podiam ter sucedido do modo como […] os narrou» - pelo contrário, tendo-se-lhe apresentado «o seu relato sereno, detalhado e natural, logrando, por isso, convencer, firmemente, o Tribunal» - também a sua versão «foi sustentada, ainda que pontualmente, por outras testemunhas ouvidas em sede de audiência, e que ao confirmarem pontos/situações concretas da acusação», não deixaram de credibilizar o respetivo depoimento, incompatível, claro está, com o do arguido/recorrente enquanto negou agressões, de qualquer ordem, na pessoa da vítima.
Por outro lado, também no que concerne aos documentos, embora não expressamente individualizados na explicitação da convicção, não deixaram de ser referidos por ocasião da enumeração dos factos (provados), como foi o caso do relatório social de fls. 505 a 508 (dado por reproduzido), pese embora - conforme decorre da motivação - o recorrente o queira desvalorizar já que – aduz – assente na versão da ofendida; aspeto, desde logo, contrariado pelo respetivo teor quando reporta: “O presente relatório foi elaborado com base em entrevista em gabinete realizado com o arguido e em contactos com a vítima e com o diretor (…) onde o arguido trabalha. Foram ainda consultados os dados constantes do seu processo individual de acompanhamento no âmbito da execução da medida de coação a que se encontra sujeito …”.
Não constitui novidade, dada a frequência com que acontece nos casos por idêntico crime, a alegação da sobrevalorização das declarações da vítima; escamoteando, contudo, os recorrentes o ambiente privado – por via de regra entre as paredes da habitação - em que, maioritariamente, por razões óbvias, as condutas sucedem, circunstância não compatível com o desmerecimento daquelas, posto que cuidada e criticamente avaliadas se apresentem, v.g. pela sua consistência, coerência e verosimilhança, credíveis.
Em suma, afastamo-nos do pensamento do recorrente porquanto decorre com suficiente clareza da fundamentação da decisão, com recurso à prova produzida, relacionada entre si, e criticamente apreciada, o raciocínio lógico prosseguido pelo tribunal, conducente a que a convicção se tivesse formado num determinado sentido.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.

§2. Dos depoimentos ditos indiretos
Insurge-se o recorrente contra a valoração do depoimento das testemunhas C… (filha de arguido e ofendida) e E… (atual companheiro da ofendida), porquanto, nada tendo presenciado, traduzir-se-iam em «depoimento indireto» (artigo 129.º do CPP), identificando, com vista a demonstrar semelhante natureza, passagens dos mesmos.
É o próprio tribunal que, referindo-se aos ditos depoimentos, evidencia a circunstância de não terem as testemunhas conhecimento direto ou presencial sobre a totalidade dos factos imputados ao arguido, ressalvando, contudo, haverem demonstrado conhecimento de situações pontuais, coincidentes com a versão da ofendida e, por isso, capazes de lhe conferir consistência.
Concretizando, no que se reporta à C… consigna: “… confirmou que assistiu a discussões, tendo descrito quais as palavras e expressões que o arguido dirigia à ofendida; mais afirmou que chegou a ver nódoas negras no corpo da mãe; mais esclareceu como é que a sua mãe se sentia”; revelando quanto à testemunha E…: “ … esclareceu como é que a ofendida se sentia quando ainda vivia com o arguido e na sequência das condutas do arguido; e bem assim, como ainda hoje se sente”, o que se mostra, desde logo, em consonância com as transcrições juntas (a final) pelo recorrente (cujo teor vai para além dos extratos que cuidou de exibir nas conclusões) e, bem assim, com o registo áudio correspondente.
Com efeito, ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento disse a primeira (C…): “Eu presenciei … muitas discussões e agressões, agressões fisicamente não, mas psicologicamente sim …”; Perguntada: “Nunca viu então o seu pai a bater na sua mãe?”, Respondeu: “Não, assim a bater não, levantar a mão, ameaçar, sim!; “ele via-se que era agressivo para ela”; “Ele dizia que ela não servia para nada ”; “Estava sempre a dizer que … lhe queria bater, que lhe ia bater … Ele uma altura também lhe disse que a ia pôr fora de casa …”; Questionada: “Foi à sua frente?”, Retorquiu: “Não, ouvi … Tudo aquilo que eu estou a dizer, ouvi, assim atrás da porta, porque ele na nossa frente nunca dizia nada …”; “É assim, não lhe consigo dar a certeza, porque ela às vezes trazia nódoas negras do trabalho e assim, não lhe consigo dar a certeza, se era o meu pai que lhe fazia isso ou não, isso não lhe consigo dar a certeza.”; “sempre a vi uma mulher infeliz porque o meu pai sempre a tratou mal, mas há uns anos para cá ele piorou, porque ele também começou a beber muito, ele aos domingos ia para o café e chegava a casa bêbado”.
Já a testemunha E… se referiu ao estado de espírito da vítima, reportando a sua tristeza, perturbação, revolta e angústia com a relação (com o arguido) e, ainda, ao medo que transparecia nela: “Não conseguia dormir!”; Questionado sobre as principais preocupações da B…, respondeu: “Medo de morrer!”. Perguntado sobre se lhe tinha visto algumas marcas, afirmou que sim, não podendo, contudo, imputá-las a condutas do arguido, querendo com isso significar não ter assistido a agressões.
Do exposto resulta que o depoimento das testemunhas apenas foi valorado na parte em que relataram factos por si diretamente percecionados, quer quanto a ofensas verbais e ameaças (caso da primeira); quer quanto ao estado de espirito, traduzido na perturbação, angústia e medo demonstrado pela vítima, (caso da segunda), circunstância que contraria o alegado «depoimento indireto» por parte das mesmas, melhor dizendo a respetiva valoração enquanto tal.
Com efeito, a destrinça entre depoimento direto e indireto faz-se com base na vivência ou não da realidade que se relata. Os depoentes em questão percecionaram de forma imediata, através dos seus próprios sentidos, e não intermediada, os factos a que supra se alude, nenhuma censura merecendo, assim, a sentença recorrida enquanto os valorou na estrita medida em que se apresentaram como diretos, fortalecendo, deste modo, as declarações da vítima.
Sem a mínima sustentação surge ainda a referência ao testemunho de ouvir dizer, traduzido na reprodução de vozes ou rumores públicos (artigo 130.º do CPP), realidade de todo desmentida pela dimensão em que foram objeto de valoração os depoimentos em questão.
Sucumbe, também neste particular, o recurso.

§3. Da impugnação da matéria de facto
Não se conforma o recorrente com a matéria de facto, aduzindo a propósito que se devem «dar como não provados todos os factos que assentam apenas na versão solitária da assistente e, nessa medida, ser proferida douta decisão no sentido de absolver o arguido do crime de violência doméstica pelo qual foi acusado e condenado …» - [cf. ponto 18 das conclusões].
Neste seu propósito, na medida em que se reporta a passagens do registo áudio relativo à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, parece querer situar-se no domínio do erro de julgamento, pese embora não deixe de se reportar aos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (concretamente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), modos de impugnação que, visando ambos a sindicância da matéria de facto, já pelo universo sobre que incidem, já pelos ónus que acarretam, não se confundem.
Com efeito, enquanto em execução do primeiro se mostra o recorrente vinculado ao procedimento prevenido nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP; no segundo trata-se tão só, com exclusivo recurso ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado pelas regras da experiência comum, de sinalizar anomalias técnicas, reconduzíveis a omissões relevantes, contradições insanáveis na fundamentação ou entre esta e a decisão ou a juízos de todo ilógicos, irrazoáveis, incompatíveis com o normal acontecer das coisas da vida.
No que concerne à impugnação que extravasa do texto da decisão recorrida é evidente o nível de exigência, reforçado com a Reforma de 2007, justificado à luz do entendimento, sistematicamente afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, assim, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006, 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª].
Decorrência do que se acaba de dizer são os ónus que recaem sobre o recorrente, conduzindo a que «A especificação dos “concretos pontos de facto” só se [mostre] cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida (…) que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença» e «A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se [quede] satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova …» - [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1], que impõe decisão diversa da recorrida.
Retomando o caso em apreço se é evidente não cumprir, no essencial, o recorrente em sede de conclusões os ditos ónus, também a correspondente motivação, na dimensão legalmente exigível, não os satisfaz. E assim é já enquanto não identifica, com referência ao acervo factual consignado na sentença o facto individualizado [o concreto ponto de facto] que se propõe afrontar – incompatível com a remissão para “todos os factos que assentam apenas na versão solitária da assistente” e surgem a fundamentar a condenação por violência doméstica - já enquanto não indica a concreta prova que, no confronto com cada um daqueles, imporia decisão diversa, realidade que não se satisfaz com a integral transcrição de declarações e/ou depoimentos.
Modo de fazer – diga-se – que em função do nítido propósito, por parte do recorrente, de contrariar a convicção do julgador, nenhuma estranheza nos causa.
Ressalva-se, contudo, a indicação do segmento do ponto 6 dos factos provados: «consumindo bebidas alcoólicas em excesso», devidamente concretizado, em relação ao qual diz o recorrente não se haver produzido qualquer prova.
Mas também aqui não lhe assiste razão! Basta atentar no depoimento da testemunha C…, quando refere: «sempre a vi uma mulher infeliz porque o meu pai sempre a tratou mal, mas há uns anos para cá ele piorou, porque ele também começou a beber muito, ele aos domingos ia para o café e chegava a casa bêbado» e, bem assim, no relatório social de fls. 505 a 508 enquanto dá conta de «consumos excessivos de bebidas alcoólicas que o arguido também desvaloriza», para concluir pelo infundado da impugnação, não comportando, pois, o segmento individualizado qualquer alteração.
O mesmo se pode dizer quanto à «assistência hospitalar», relativamente à qual o recorrente refere não ter sido produzida qualquer prova. Com efeito, decorrendo da fundamentação a circunstância de na grande maioria das vezes, na sequência de agressões, a ofendida não se ter deslocado ao hospital, não é menos verdade que nas suas declarações (a final transcritas pelo recorrente) relata um episódio em que teve necessidade de receber assistência hospitalar – [cf. a respetiva gravação, minutos 8:30-8:56; 49:53-50:18], pelo que, também nesta parte, é de manter inalterada a matéria de facto.
Quanto ao demais, a não observância, nem nas conclusões nem na correspondente motivação, em toda a sua extensão, dos ónus de impugnação inviabiliza o convite ao aperfeiçoamento. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se vindo a pronunciar no sentido de que o seu não cumprimento não justifica o convite em referência uma vez que só se pode corrigir o que está mal cumprido e não o que se tem por incumprido – [cf., entre outros, os acórdãos de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), 04.10.2006 (proc. n.º 812/06 – 3.ª), 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06 – 3.ª e de 10.01.2007 (proc. n.º 3518/06. – 3.ª)], solução que o Tribunal Constitucional já considerou não violar o direito ao recurso, como decidiu no acórdão n.º 259/02, de 18.06.2002 [DR II Série, de 13.12.2002], posição retomada no acórdão n.º 140/04 [DR II Série, de 17.04.2004].
Concluindo: nenhuma alteração se produz nos dois «pontos» de facto acima identificados, rejeitando-se na parte que os ultrapassa, pelos motivos aduzidos, a sindicância alargada da matéria de facto.

§4. Do vício da alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP
Numa outra dimensão, visando, igualmente, a matéria de facto, invoca o recorrente o vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, sem que, contudo, o cuide de concretizar, quedando-se, antes, pela alegação: «atenta a carência de factos que suportem a referida decisão de direito, designadamente, dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, acrescendo ainda que, os referidos factos que fundamentam a decisão foram dados como provados apenas com a versão da assistente, o que demonstra, por isso mesmo, a falibilidade da decisão recorrida» - [cf. ponto 8 das conclusões], complementada em sede de motivação: «De facto, também por aqui [reportando-se ao consumo de bebidas alcoólicas em excesso] se denota a absoluta falta de prova cabal para condenação do arguido. Pelo que, permanece … convicto que nos presentes autos subsiste o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (…), isto, claro que, após devida correção da matéria de facto a dar como provada (…)».
Ora, semelhante complemento é bem ilustrativo da errada configuração do vício, pois que vem reconduzido, por um lado, à ausência de prova (para além das declarações da ofendida), surgindo, por outro lado, dependente da correção da matéria de facto, nos termos preconizados pelo recorrente, o que implicaria a inscrição como não provados de todos os factos (provados) determinantes da condenação por violência doméstica. Na verdade, nenhuma das vertentes assinaladas se prende com o vício, porque o mesmo há-de ser avaliado exclusivamente em função do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, já porque a propalada ausência ou insuficiência de prova para dar por assentes os factos é tributária de diferente realidade, como seja o erro do julgamento ou mesmo a apreciação ostensivamente ilógica, indiciadora de um erro grosseiro, à luz da própria fundamentação, sem o mínimo suporte probatório, o que não é o caso.
Manifesta se torna, pois, a não verificação do vício.

§5. Da violação do in dúbio pro reo
Invoca ainda o recorrente a violação do in dúbio pro reo.
Trata-se de princípio, que respeitando à matéria de facto, relevando na apreciação e valoração da prova, só pode ser afirmado quando seguindo o processo decisório evidenciado na motivação da convicção for de concluir que o tribunal tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, «… ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja de forma suficiente quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção … Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não tem por fundamento uma inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resulta do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º n.º 1 da CRP» - [cf. acórdão do STJ de 14.10.2009, Proc. n.º 101/08.7PAABT.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.]
Pressupõe, pois, que após a produção e apreciação dos meios de prova, o julgador se depare com a existência de uma dúvida razoável (não hipotética e abstrata), assumindo, para o efeito, relevância «a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido» - [cf. Acórdão do STJ de 14.04.2011, Proc. n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.], sobre a verificação dos factos e, ainda assim, perante um acervo factual incerto, decida contra o arguido.
No caso em apreço não decorre minimamente da fundamentação que o tribunal a quo tenha sido assolado por uma dúvida relevante, nem se vê, considerando a prova produzida, que a devesse ter tido, sendo certo que o tribunal de recurso só pode censurar o uso feito do princípio em referência se da decisão recorrida resultar que o julgador chegou a um estado de dúvida insanável – [cf. v.g. os acórdãos do TRC de 03.06.2015 (proc. n.º 12/14.7GBRST.C1), TRG de 16.11.2015 (proc. n.º 599/14.4GAFAF.G1), TRE de 02.02.2016 (proc. 114/13.7TARMR.E1)].
Sempre se dirá, contudo, que não deixámos de proceder à audição do registo áudio, designadamente, mas não só, na parte que incorpora as declarações da ofendida, em relação às quais, pese embora alguma imprecisões, no contexto compreensíveis, v.g. quanto a datas, não se detetam as incongruências apontadas pelo recorrente.
Significa que não divergimos da convicção do julgador, tanto mais – não sendo, porém, essa a situação, pois como já noutra sede vimos as declarações da ofendida encontram apoio em vários depoimentos (que não são indiretos) – que, como enfatiza o acórdão do TRG de 25.09.2017 (proc. n.º 70/16.0GBBCL.G1), num sistema processual penal em que vigora o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), «nada impede o tribunal de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto exclusivamente nas declarações da assistente, opostas às do arguido, desde que tal se encontre clara e devidamente justificado na motivação, com a exteriorização das razões pelas quais aquelas lhe mereceram maior credibilidade», circunstância que, focando-nos na apreciação e análise crítica que da prova vem feita, se verifica.
É quanto basta para concluir por, também nesta sede, não assistir razão ao recorrente.
Em síntese do que se deixou exarado (§3, §4. e §5): Perante o insucesso do alegado erro de julgamento, sem que se detetem omissões relevantes, juízos contraditórios, factos inconciliáveis; não se assistindo a uma apreciação ilógica, consequenciando erros ostensivos/grosseiros, insuscetíveis de passar despercebidos ao cidadão comum, contrária às regras da experiência comum; tão pouco se alcançando que o tribunal, colocado perante um acervo factual incerto, haja decidido contra o arguido; sem que se verifique violação de prova proibida ou violação de prova vinculada; revelando, antes a fundamentação, com recurso à prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, de forma suficientemente clarificadora o processo lógico que conduziu ao sentido da decisão, tem-se por definitivamente fixada, tal como assente, na sentença recorrida, a matéria de facto.

§6. Do crime de detenção de arma proibida [artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23.02]
Nos pontos 51 a 53 das conclusões, sem colocar em crise o “tipo” de armas que fundamentaram a condenação pelo sobredito crime, aduz o recorrente circunstâncias – tais como a respetiva utilização como instrumentos de trabalho e a falta de consciência da ilicitude - visando, através delas, a sua absolvição.
Contudo, conforme decorre da matéria inscrita nos itens 21, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 dos factos provados, os quais não foram especificamente impugnados, carece de sustentação a dita pretensão, não merecendo censura a decisão, enquanto considerou reunidos os elementos – objetivos e subjetivos – do ilícito típico em referência.

§7. Da medida das penas principais
Também as penas concretas aplicadas pela prática dos crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida não mereceram a aquiescência do recorrente, que as encara como excessivas, violadoras dos «ditames da razoabilidade e proporcionalidade».
Em função do seu comportamento anterior e posterior aos factos, de se mostrar social e familiar e profissionalmente inserido, entende que a pena correspondente ao crime de violência doméstica deveria ter sido especialmente atenuada (artigos 72.º e 73.º do C. Penal) e, de qualquer modo, fixada próximo do limite mínimo; pela mesma ordem de razões, e ainda por via de uma «parca gravidade» do ilícito, também a pena de multa cominada pelo crime de detenção de arma proibida merecia beneficiar da atenuação especial, aproximando-se do respetivo limite mínimo; por fim, face à sua condição sócio-económica, o quantitativo diário relativo à pena de multa pecaria por excesso, «distante do mínimo legal».
Analisemos.
Na apreciação das penas aplicadas, o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar prende-se com o disposto no art. 40.º do CP, segundo o qual toda a pena tem como finalidade «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa.
Vem a jurisprudência reiteradamente afirmando, seguindo a doutrina de Figueiredo Dias [Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 227 e ss], que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”; será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além do suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar - [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 24.04.2008 e de 16.10.2008, ambos sumariados in www.stj.pt.].
Isto dito
A moldura penal abstrata correspondente aos crimes de violência doméstica e de detenção de arma proibida é respetivamente de prisão de 2 a 5 anos e de prisão até 4 anos ou multa até 480 dias.
A atenuação especial da pena, preconizada pelo recorrente relativamente a cada um dos ilícitos típicos, dependeria da verificação de circunstâncias, anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuíssem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena – cf. artigo 72.º do C. Penal, pressupostos que, tendo presente os factos assentes, como provados, manifestamente não ocorrem.
Com efeito, não só as condutas maltratantes (maus tratos) tiveram o seu início em momento anterior aos relacionamentos extraconjugais encetados pela ofendida, como nunca os mesmos poderiam funcionar como “atenuantes” de um comportamento reiteradamente violador da integridade física e psíquica e da liberdade sexual da vítima, capaz de a diminuir, achincalhar e subjugar, enquanto pessoa e mulher, como sucedeu. Opondo-se ao divórcio, que ao longo do tempo lhe foi sendo pedido pela mulher, escolheu a via das agressões, ameaças, insultos, perpetrados com um tal grau de violência, a todos os níveis, capaz de destruir o pouco que foi restando da sua dignidade.
Por outro lado, também, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, não ocorre, quer ao nível da ilicitude, quer ao nível da culpa – ambas muito consideráveis – o mínimo de fundamento para fazer funcionar a dita circunstância modificativa atenuante.
Afastada, assim, a aplicação do artigo 72.º do C. Penal, é tempo de nos debruçarmos sobre as penas concretas.
O dilatado lapso temporal por que perduraram os maus tratos, a natureza destes, integrados por repetidas agressões físicas, consumadas e tentadas, ameaças, inclusive de morte, insultos, propósito de subjugar, condicionar a vontade da ofendida; a quantidade e qualidade de armas que tinha em seu poder são a demonstração, em ambos os casos, de um grau de ilicitude francamente elevado.
O dolo, na sua modalidade mais gravosa (direto), é intenso.
A personalidade, com referência aos factos, aliada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas e à circunstância de não se detetar uma postura processual donde se possa, de algum modo, extrair um juízo crítico sobre as suas condutas, não são de molde a desconsiderar por completo – pese embora para tanto não contribua significativamente a condenação anteriormente sofrida pelo arguido por crime de condução em estado de embriaguez – as exigências de prevenção especial.
Apresentam-se, porém, muito elevadas, relativamente a qualquer um dos ilícitos típicos, as exigências de prevenção geral, impondo-se – sobremaneira nas situações de violência doméstica – a reafirmação, de forma eficaz, da validade das normas incriminadoras, cuja violação vem, cada vez com maior frequência, conduzindo a resultados de uma gravidade extrema, e não raras vezes, com a morte da vítima, definitivos. Também a grande disseminação de armas proibidas, cuja proliferação descontrolada atenta fortemente contra a segurança das pessoas, reclama ao nível da prevenção geral uma resposta adequada.
Neste universo, sem descurar a inserção social e profissional do arguido – com um bom desempenho laboral, considerado a esse nível responsável e competente -, a ausência de registos de disfunções noutros contextos e, bem assim, o facto de aos olhos dos que com ele privam ser tido como pessoa respeitadora e respeitada, encontram adequação as penas fixadas quer para o crime de violência doméstica (3 anos de prisão), quer para o crime de detenção de arma proibida (250 dias de multa), as quais, proporcionais às elevadas exigências de prevenção que lhe estão subjacentes, não extravasam da culpa (artigos 40.º, 47.º e 71.º do C. Penal).
Relativamente ao quantitativo diário correspondente à pena de multa, só por mera distração, atenta a variação entre o mínimo de € 5,00 e o máximo de € 500,00, se pode compreender a alegação do excesso dos € 5,50 fixados, quantia, ademais, compatível com a apurada condição sócio-económica do recorrente (artigo 47.º, n.º 2 do C. Penal).

§8. Da fiscalização da pena acessória de proibição de contactos por meios técnicos de controlo à distância.
Nos pontos 32 a 48 das conclusões manifesta-se o recorrente contra a aplicação da pena acessória de proibição de contactos, pese embora de uma leitura cuidada da argumentação expendida, incluindo dos elementos jurisprudenciais convocados, decorra circunscrever o dissídio à respetiva fiscalização por meios técnicos de controlo à distância – [cf. v.g. os pontos 35, 41, 46 e 47].
A propósito respiga-se da sentença recorrida «O impacto dos números deste tipo de criminalidade e a gravidade de certos atos facilitados pela proximidade do agressor em relação à vítima, justificam uma abordagem punitiva alargada [“um tratamento holístico – transversal e integrado” nas palavras da exposição de motivos do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2009) que procure garantir não só a segurança, a tranquilidade e o restabelecimento das vítimas mas, também, a recuperação física e psicológica do agressor, através de adequado tratamento e acompanhamento médicos.
Na verdade, se tivermos em consideração a acentuada ilicitude dos factos decorrentes dos diversos bens jurídicos violados, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua atuação, e as especiais exigências de prevenção expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados indo ao encontro das expetativas da comunidade na manutenção (se não mesmo no reforço) da vigência de tais normas [artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal], e, atendendo ainda, ao espectro da reiteração das ocorrências de violência, entendemos que se mostra necessária, adequada e proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida (por qualquer meio e em qualquer local, incluindo portanto a residência daquela), sendo que, para assegurar a respetiva eficácia, deverá o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância eletrónica.
Quanto ao período durante o qual tal pena acessória deve vigorar, recorrendo mais uma vez aos critérios que estiveram subjacentes à determinação da respetiva medida concreta da pena, entende-se fixar o mesmo em 12 meses, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5, do Código Penal».

Nesta sede, por versar sobre um caso em que se suscitava idêntica questão, com as alterações que a situação impõe, reproduzimos o que ficou consignado no acórdão desta Relação de 11.10.2017, proferido no âmbito do proc. n.º 65/14.8GAAMM.C1, no qual a ora relatora interveio na mesma qualidade.
Antes de mais importa dizer que estando em causa uma conduta reiterada do arguido, cujos últimos atos de execução ocorreram em Janeiro de 2017, é aplicável o artigo 152.º do C. Penal na redação introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, a qual alterou, igualmente, a Lei n,º 112/2009, de 16 de Setembro.
Prescreve, agora, o artigo 152.º do C. Penal:
[…]
4 – Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima (…), pelo período de seis meses a cinco anos (…);
5 – A pena acessória de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
E dispõem, respetivamente, os artigos 35.º e 36.º da Lei n.º 12/2009:
I – O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
e
1 – A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
[…]
7 – Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.
Numa análise comparativa com as anteriores redações dos preceitos em referência, para o que ora releva, assinala-se a substituição no n.º 5 do artigo 152.º do termo «pode» seguido do segmento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, reportado à pena acessória de proibição de contacto [anterior redação] por «deve» ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância [na redação aplicável ao caso]; o mesmo se passa com o artigo 35.º da Lei n.º 112/2009, no seio da qual a palavra «pode» foi substituída por «deve», permanecendo, contudo, inalterada a necessidade do juízo de imprescindibilidade da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância para proteção da vítima.
Mais significativa foi a alteração produzida no artigo 36.º do dito diploma, com especial destaque para a parte em que prescinde dos diferentes consentimentos «sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima».
Significa, pois, que o recurso aos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória depende da verificação de dois requisitos: (i) o juízo de imprescindibilidade da medida para a proteção da vítima; (ii) a obtenção do consentimento do arguido e das restantes pessoas identificadas na norma a não ser que o tribunal, em decisão fundamentada, face às circunstâncias concretas, ponderando os valores em conflito, conclua que a aplicação daqueles [meios técnicos] se torna indispensável/imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.
Retomando o caso concreto constata-se que não deixou o julgador de fundamentar a aplicação da pena acessória traduzida na proibição de contacto com a vítima, sendo ainda possível extrair do que, a propósito, consignado ficou a consideração da imprescindibilidade da fiscalização por meios eletrónicos, objetivada na reiteração da conduta, conjugada com a ausência de sentido crítico sobre os seus sucessivos comportamentos, não sendo, para o efeito, despiciendo a necessidade, que encontra concretização na condição a que ficou sujeita a suspensão da execução da prisão, de submissão a tratamento de adição para o álcool (à qual o ora recorrente anuiu), o que conduz ao afastamento da invocada nulidade, de resto suscetível de sanação por parte deste tribunal. Com efeito, quer o resultado das diferentes análises de risco que ao longo dos autos foram sendo realizadas, quer o teor do Relatório de Incidentes sobre a Proibição de Contactos entre agressor e vítima (de 13.07.2017 – fls. 377 a 379) - que motivou novo interrogatório do arguido - quer, finalmente, o teor do Relatório Social de fls. 505 a 508 (dado por reproduzido nos factos provados), reportando «a postura obsessiva e ciumenta em relação ao seu cônjuge» e, bem assim «os consumos excessivos de bebidas alcoólicas que o arguido … desvaloriza», justificam plenamente, pelo receio acrescido que as circunstâncias do caso suscitam, a aplicação dos ditos meios de fiscalização, impondo-se, nessa medida, concluir pela respetiva imprescindibilidade.
Por outro lado, a decisão no sentido de suspensão da execução da prisão, constituindo sempre um risco ponderado, não contradiz a imperiosa necessidade dos meios de vigilância já que, implicando, embora, a primeira um juízo de prognose positiva acerca de uma futura conduta – no caso essencialmente ditado pela inserção social e profissional do arguido, pessoa capaz, com competências próprias, relativamente à qual só é conhecida uma condenação anterior por crime de condução em estado de embriaguez -, tem de ser encarados como um adjuvante, dado o contexto, necessário à não frustração da fundada esperança que no futuro não reincida nas condutas que justificaram a sua condenação por violência doméstica.
De facto, o caso sobre que versa o acórdão em parte acima reproduzido, também convocado pelo recorrente, não encontra paralelo na presente situação, porquanto a imagem global que do agente ali resultou foi a de uma pessoa com a sua vida pessoal perfeitamente “arrumada”, integrado no seio de uma nova família, há muito afastada da vítima, relativamente à qual não foram detetadas ideias obsessivas, tão pouco os incidentes de incumprimento da medida de proibição de contactos, não sendo, por isso, de comparar o que efetivamente não tem comparação.
É, assim, de manter a decisão recorrida.

§9. Da condenação em indemnização civil
Não se conforma ainda o recorrente com a parte da decisão que, na procedência parcial do pedido de indemnização civil, o condenou a pagar à demandante a quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta).
Sucede, porém, que atento o valor do pedido (€ 1.900,00) e, bem assim, do decaimento, tendo presente a alçada do tribunal recorrido (€ 5.000,00) – artigo 44.º, n.º 1 da LOSJ (Lei n.º 62/13, de 26.08) - e o disposto no artigo 400.º, n.º 2 do CPP, não é a decisão passível de recurso, o que determina, nesta parte, a sua rejeição.

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs – artigos 513.º e 514.º do CPP e 8.º do RCP.

Coimbra, 10 de Julho de 2018

Maria José Nogueira (relatora)

Frederico Cebola (adjunto)