Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1832/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA DO TRABALHADOR
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
Data do Acordão: 10/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º, Nº 1, ALS. A) E B), E 18º DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 .
Sumário: I – Nos casos a que se dirige a previsão da al. a) do nº 1, do artº 7º da LAT, não dá direito a reparação o acidente que provier de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei ; nos casos a que se dirige a previsão da al. b) do citado preceito, não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado .
II – Como regra, a descaracterização do acidente, com perda do direito à reparação, há-de provir exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado: havendo concorrência de culpas ( causal do acidente ), fica necessariamente afastada a descaracterização .

III – Por igualdade de razões, não pode deixar de concluir-se que, para o funcionamento eficaz da previsão da al. a), o acto ou omissão do sinistrado, de que provem o acidente, que importe a tal violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, só relevará sendo causa única do acidente .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Tendo-se frustrado o acordo, conforme Auto de fls. 41-42 com que se encerrou a fase conciliatória do processo, veio A..., solteiro, com os demais sinais dos Autos, mediante mandatário constituído, instaurar acção especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros «B...» e «C...», pedindo a final que a entidade declarada responsável pela reparação do acidente seja condenada a pagar-lhe a quantia devida em função da IPP a fixar por Junta Médica a título de pensão anual e vitalícia, acrescida de um duodécimo a pagar em Dezembro de cada ano e ainda as importâncias de € 277,50 e € 1.330,13 discriminadas supra, tudo com juros desde a citação até integral embolso.

Pretextou para o efeito, em resumo útil, que trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização da Entidade Patronal, co-R., quando no dia 23.5.2002 foi vítima de um acidente de trabalho ao manobrar uma máquina de transformação de papel.
Ao tentar desencravar o papel que nela se embrulhara, foi apanhado pelas roldanas, ficando com a mão esquerda presa, em consequência do que sofreu ferimentos graves que demandaram intervenção cirúrgica, com as sequelas que descreveu.
Ficou afectado com a IPP de 21%.
A co-R. patronal tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a co-R. Seguradora, conforme apólice com o n.º 10/168794.
Esta não aceitou a responsabilidade por entender que o acidente ficou a dever-se a culpa do sinistrado.
Todavia, o A., ao verificar que o papel tinha ficado encravado na máquina, apenas se limitou a tentar esticar e desencravar o papel, sem desligar a máquina, pois que se a desligasse todo o trabalho ficaria danificado.
Era o único funcionário que se encontrava no local, pelo que não pode concluir-se ter existido negligência por parte do A.

Está pois por definir a entidade responsável pelas consequências do sinistro.

2 – Citadas, contestou primeiro a co-R. patronal, articulado que, ante a falta de constituição de mandatário, foi considerado sem efeito, conforme despachos de fls. 124 e 130.
A co-R. Seguradora, contestando, aduziu basicamente em sua defesa que a tarefa que o A. executava consistia na passagem de bobines de papel higiénico que são colocadas na frente da máquina e transformados à saída em bobines de 0,21 metros de espessura, tarefa para a possuía experiência.
O A. e os demais colegas tinha sido advertido para desligar a máquina sempre que fosse necessário esticar o papel ou desencravar.
Assim, ao proceder do modo que o fez, incumpriu inútil e injustificadamente ordem expressa da Entidade Patronal destinada à sua própria segurança.
O acidente teve pois causa única e exclusiva no acto grosseiramente negligente do A., violador da regra de segurança imposta pela Entidade Patronal, devendo o acidente ser descaracterizado nos termos do art. 7.º, a) e b) da LAT.

3 – Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente, por provada, com condenação da co-R. patronal «C...» a pagar ao A. a quantia de € 277,50 de transportes, a importância de € 1.858,76 de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias e o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 1.737,66, com juros de mora, condenando a co-R. Seguradora subsidiariamente nos montantes constantes do dispositivo, a fls. 204.

4 – Inconformada, a co-R. Patronal, «C...» veio interpor recurso, oportunamente admitido como apelação, com efeito suspensivo, alegando e concluindo:
· Quanto ao direito do A. à reparação dos danos sofridos pelo acidente levantam-se algumas dúvidas, pelo que se deverá concluir pela sua exclusão, com base na ocorrência de culpa do lesado – art. 570.º/1 do Cód. Civil;
· Como ficou provado, o A. sabia que não podia, em caso algum, colocar a mão no interior da máquina em funcionamento para desencravar o papel;
· Se o A. tinha tal conhecimento, concluir-se-á que o obteve ou através dos esclarecimentos da Entidade Patronal ou por meio das regras da experiência e senso comuns;
· Sendo que, se o A. estava inteirado do funcionamento da máquina em questão, agiu com imprudência, violando os deveres objectivos de cuidado e zelo, tendo em conta a máquina em questão, não tornando assim o comportamento adequado a evitar em eventual acidente;
· Agiu irreflectidamente, pois segundo os parâmetros do homem médio ou do ‘bonus paterfamilias’, o A. tinha ‘consciência’ que ao colocar a mão na referida máquina aquela podia ficar presa nas respectivas roldanas (tendo sido infelizmente o que sucedeu);
· Aliás, tal ‘consciência’ é a demonstração clara e inequívoca da violação das regras de segurança por parte do próprio A., ora apelado, pelo que se verifica uma clara descaracterização do acidente em apreço;
· Face ao exposto, não podemos concluir, com o devido respeito, que o acidente se terá ficado a dever tão-só ao facto de a máquina em causa não dispor de um qualquer dispositivo de protecção e de estarmos perante uma situação em que a origem do acidente reside na violação das regras de segurança por parte da Entidade Patronal, constituindo este o único e relevante factor em que assenta o respectivo nexo de causalidade do sinistro ocorrido;
· Devemos antes considerar como causa daquele o comportamento descuidado e irreflectido do A. e negando a este qualquer direito à reparação a levar a cabo pela ora apelante. Para o efeito, devemos considerar que o presente caso se inclui na situação prevista na alínea a) do n.º1 do art. 7.º da LAT, visto ter sido o próprio lesado, se causa justificativa, a violar as regras de cuidado e diligência aquando do manuseamento da referida máquina;
· Ainda que não se admita que o acidente tenha sido provocado exclusivamente por negligência grosseira do sinistrado (de acordo com a já mencionada alínea b) da Lei), será de concluir que a causa daquele residirá no comportamento levado a cabo pelo sinistrado, resultante de uma omissão (por não ter desligado a máquina) e de um acto irreflectido, do mesmo (ao colocar a mão no interior daquela em funcionamento), pelo que se concluirá, de acordo com a alínea b) do n.º1 da LAT que não haverá lugar a qualquer obrigação da ora apelante em reparar os danos peticionados;
· Dito isto, será de concluir que o acidente ficou a dever-se ao comportamento descuidado e imprudente do A., não devendo este ser ressarcido dos danos que reclama;
· Entende-se, do supra exposto, que estamos perante um acidente de trabalho mas para o qual não houve qualquer responsabilidade da Entidade Patronal;
· Pelo exposto, será de decidir pela nulidade da douta sentença, com base na contradição existente entre a matéria de facto tida por assente (nomeadamente os pontos 5, 16 e 19 da fundamentação da douta decisão) e a decisão de condenação da ora apelante na reparação do dito sinistro;
· Mais uma vez se repete que, não tendo sido causa do acidente a violação das regras de segurança por parte da Entidade Patronal, não deverá ter aplicação, no caso presente, o art. 37.º/2 da LAT.
Assim sendo, a ‘eventual responsabilidade’ pelo sinistro não deverá recair sobre a apelante, mas considerar-se-á validamente transferida para a C.ª de Seguros em questão, através da apólice atrás identificada;

Face a tudo o que foi exposto, deve o presente recurso proceder e, em consequência, declarar-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 668.º, n.º1, c), do C.P.C., e substituída por outra onde se decrete a absolvição da R., ora apelante, com base na oposição existente entre os fundamentos e a decisão proferida, com as legais consequências.

5 – Contra-alegando, o A./recorrido concluiu logicamente no sentido da confirmação do julgado.

Com despacho da Exm.ª Juíza a pronunciar-se pela inverificação da invocada nulidade da sentença, subiram os Autos a esta Instância.

Colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a tomar posição no douto Parecer de fls. 252-254 – cumpre decidir.

II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO
Vem seleccionada a seguinte factualidade, que assim se fixa:
1) – O A. nasceu a 11.7.1980;
2) – A R. «C...» dedica-se ao ramo alimentar;
3) – Em 23 de Maio de 2002 o A. era trabalhador da R. ‘C...’, com a categoria profissional de fiel de armazém, auferindo a remuneração mensal de € 493,56x14, subsídio de alimentação no valor mensal de € 99,80 x11 e ainda a quantia mensal de € 81,51x11;
4) – No dia 23 de Maio de 2002, cerca das 15:00 horas, nas instalações da ‘C...’ o A., que era o único funcionário que estava no local, encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da mesma, manobrando uma máquina de transformação de papel por ordem daquela, o que fazia várias vezes, por curtos períodos de tempo e por ordem da Entidade Patronal;
5) – Nessa ocasião o papel em transformação embrulhou-se na máquina e, ao tentar desencravar o papel, sem desligar a máquina cujo mecanismo para o efeito se encontrava a cerca de 2 metros e que se fosse parada o rolo ficaria danificado, o A. foi apanhado pela roldana da máquina, ficando com a mão esquerda presa;
6) – Em consequência, o A. sofreu ferimentos – esmagamento da mão esquerda com isquémia dos 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão esquerda, que necessitaram tratamento hospitalar;
7) – O A. foi de imediato conduzido ao serviço de atendimento permanente de Vila Nova de Poiares e daí foi enviado para os HUC, onde ficou internado;
8) – Em 29 de Maio de 2002 o A. foi submetido nos HUC a intervenção cirúrgica para descompressão cirúrgica palmar e descompressão mediana e cubital no punho;
9) – Em 12 de Junho de 2002 o A. foi submetido a nova intervenção cirúrgica para desarticulação dos 3.º, 4.º e 5.º dedos pela MF;
10) – Em 26 de Junho o A. foi submetido a nova intervenção para excerto livre colhido da coxa;
11) – O A. esteve submetido a internamento hospitalar de 23 de Maio de 2002 a 5 de Julho de 2002;
12) – Entre 23 de Maio de 2002 e 29 de Agosto de 2002 o A. esteve com ITA e de 30.8.2002 a 1.9.2002 com ITP de 20%;
13) – O A. recebeu alta clínica em 1.9.2002;
14) – Em resultado do referido em 5) e 6) o A. apresenta amputação dos 3.º, 4.º e 5.º dedos da mão esquerda; enxer- to de pele fortemente pigmentada e ligeiramente retráctil; dores tipo choque nas extremidades de amputação, espe- cialmente com o frio e falta de força na mão e ficou porta- dor de Incapacidade Parcial Permanente de 19,515%;
15) – O A. despendeu em transportes e noutras despesas de deslocação € 277,50;
16) – A ‘C...’, por contrato de seguro titulado pela apóli- ce n.º 10/168794, cuja cópia figura a fls. 118-119 e que aqui se dá por reproduzida, havia transferido para a co-R. Seguradora ‘B...’ a responsabilidade emergente de qualquer acidente de trabalho ocorrido no âmbito da sua empresa, pelo salário de € 479,84 mensais x 14 e profissão não especializada;
17) – Pelos períodos de incapacidade temporária referidos em 12) a R. seguradora pagou ao A. a quantia de € 580,02;
18) – A ‘C...’ não dispunha de qualquer equipa- mento para manobrar a máquina em segurança e não dis- punha de luvas de protecção para a mesma ser manobrada;
19) – O A. sabia que não podia colocar a mão no interior da máquina com ela ligada.
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2 – DO DIREITO

Sabido que é pelas conclusões da motivação do recurso que se afere e delimita o seu objecto e âmbito – exceptuadas naturalmente as questões de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – vejamos então.

2.1 -
A recorrente começa por arguir a nulidade da sentença, consistente na pretensa contradição entre os fundamentos invocados e a decisão proferida.
Salvo o devido respeito, não tem razão, como se adianta e melhor se explicitará mais à frente ao abordar a questão primordial.

A reacção fundamental da recorrente centra-se exclusivamente na tese da descaracterização do acidente em causa.
Na sua perspectiva, a factualidade provada apontará necessariamente no sentido oposto ao alcançado, ou seja, no sentido da absolvição da R.:
Sabendo o A. que não podia colocar a mão no interior da máquina com ela ligada (item 12º do elenco factual seleccionado), e admitido que o mesmo ‘agiu com alguma imprudência’ ao não desligá-la previamente antes de colocar a mão no seu interior, a conclusão não poderia ser a proferida.
Daí – tanto quanto percebemos – a pretendida contradição.
Não é linearmente assim, como se concederá.
É causa de nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do n.º1 do art.668.º do C.P.C., a oposição entre os fundamentos e a decisão.
Assim acontecerá sempre que o raciocínio se mostre efectivamente vicioso, logicamente abstruso e incoerente…
…e não quando, como no caso, a interpretação e tratamento axiológico dos factos a qualificar sejam fundamentadamente justificados, conduzindo a uma solução jurídica racional e compreensiva, apesar de oposta àquela que a parte esperava…ou desejaria.

2.2 -
Não se discute a existência do acidente enquanto juridicamente caracterizável/qualificado como de trabalho, como pacíficos são os demais items conducentes à sua reparação e à determinação da entidade responsável.
Decidiu-se – sem que isso venha concretamente impugnado – que o acidente responsabiliza a co-R. patronal, nos termos do art. 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, por esta ter violado causalmente as regras de segurança, sendo a co-R Seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais (não agravadas).
E – considerando a excepcionada descaracterização, invocada com arrimo na previsão constante do n.º1, alíneas a) e b), do art. 7.º da LAT – decidiu-se pela sua inverificação, qualificando a actuação do sinistrado como não constitutiva da normativada ‘negligência grosseira’, antes considerada como mero ‘acto reflexo e irreflectido’, sem a gravidade postulada pela referida noção legal…
…sendo que, ante a matéria de facto apurada, também não resultou demonstrado que o A. tivesse sido expressamente advertido pela co-R. ora recorrente para desligar a máquina, caso fosse necessário esticar ou desencravar o papel, e só depois aceder à zona onde se verificou o bloqueio.


Pretexta-se ora que não sendo de concluir que o acidente ocorrido se deveu exclusivamente à violação das regras e condições de segurança por parte da Entidade Patronal, não pode ignorar-se o ‘acto irreflectido’ do A. ao colocar a mão no interior da máquina com esta em funcionamento.
E, assim – embora não sendo o acidente descaracterizável, como expressamente se aceita, nos termos da previsão constante da alínea b) do n.º1 do art. 7.º da LAT – poderá achar-se descaracterizado (e não conferir, por isso, direito à pretendida reparação) por se achar afrontada a regra constante da alínea a) do mesmo normativo, ou seja, ter o sinistrado violado, por omissão, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela Entidade Patronal (e que consistiam, no caso, na advertência de desligar a máquina antes de desencravar o papel na mesma).

Aceite deste modo – repete-se – que a conduta do sinistrado, enquanto indutora da descaracterização do acidente, não é subsumível na previsão da falada alínea b) – ‘Não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado’ – poderá retirar-se da factualidade provada que o acidente proveio de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora?
É esta a questão proposta na tese da Recorrente.
E a resposta já se insinua…

Com efeito:
São diversas e autónomas as situações legalmente previstas como susceptíveis de importarem a perda do direito à reparação do acidente infortunístico.
Nos casos a que se dirige a previsão da alínea a), não dá direito a reparação o acidente que…provier de acto ou omissão do sinistrado, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na Lei.
Não dará direito a reparação o acidente que – alínea b) – provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

Como se vê, a recorrente arrima-se tão-somente àquela previsão, aceitando expressamente que a descaracterização pela via da exclusiva negligência grosseira do sinistrado se não verificou – cfr. fls. 213v.º.

Prosseguindo, importa anotar que se nos afigura no mínimo algo embaraçoso que, sendo a R. responsabilizada em primeira linha, (não obstante a válida existência de um contrato de seguro da especialidade), pela reparação agravada, precisamente com o fundamento da sua violação causal das regras de segurança, consubstanciada na descrita falta de quaisquer equipamentos, dispositivos ou elementos de protecção da máquina em que o sinistrava operava – e aceitando a mesma tal juízo – venha, não obstante, pretextar a culpa do A. …por violação injustificada das regras e condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora…
Mas – pergunta-se – violação de quais regras e condições de segurança por si estabelecidas?
Onde os correspondentes factos, além dos demais necessários à qualificação da injustificada violação e ao estabelecimento do nexo da respectiva causalidade?

Sabe-se apenas – por reporte ao alinhamento dos factos seleccionados – que o A./sinistrado trabalhava, no dia do acidente, sob as ordens, direcção e fiscalização da R. patronal, sendo então o único funcionário no local, manobrando uma máquina de transformação de papel, por ordem daquela, o que fazia várias vezes, por curtos períodos de tempo …e que a R. não dispunha de qualquer equipamento para manobrar a máquina em segurança, nem de luvas de protecção para a mesma ser manobrada, sendo que o A. sabia que não podia colocar a mão no interior da máquina com ela ligada – items 4, 18 e 19 do alinhamento na fundamentação de facto da sentença 'sub judicio'.
Impossível seria – apenas com base nisso – prefigurar os pressupostos da previsão normativa a que a recorrente se arrima.

Por outro lado – e decisivamente – está fora do contexto normativo desta específica legislação infortunística a ponderação de uma qualquer concorrência de culpas, como parece pressupor a tese da Recorrente ao invocar a previsão constante do art. 570.º/1 do Cód. Civil.
(A obrigação de indemnização civil, a que respeitam os arts. 562.º e seguintes do Cód. Civil – nele incluído o invocado art. 570.º/1 – é coisa diversa do acervo dos direitos que integram a reparação infortunística, (art. 10.º da LAT), esta determinável em função de pressupostos próprios e mediante regras específicas).
Na verdade, como regra, a descaracterização do acidente, com perda do direito à reparação, há-de provir exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, como decorre expressamente da previsão da alínea b) do n.º1 do art. 7.º
Havendo concorrência de culpa (causal do acidente), fica necessariamente afastada a descaracterização.
Por igualdade de razão, não pode deixar de concluir-se – para o funcionamento eficaz da previsão da alínea a) – que o acto ou omissão do sinistrado, (de que provem o acidente), que importe a tal violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na Lei, só relevará sendo causa única do acidente.
Não tem pois qualquer alcance jurídico, nesta sede, reflectir sobre se o acidente se ficou a dever exclusivamente ou não à falta de equipamento de segurança ou protecção, da responsabilidade da R. patronal…pois é de todo indiferente para o efeito a já qualificada actuação do A. (‘agiu com alguma imprudência’…mas sem ‘negligência grosseira’).

Por fim, importa notar que – sendo inconsequente a tese da pretendida descaracterização do acidente e uma vez inatacada que foi a decisão no que tange ao juízo sobre a responsabilidade da R. patronal relativamente à violação das regras de segurança e sua consequente condenação nos termos do art. 18.º da LAT – não se questiona a validade da transferência da responsabilidade, operada pelo contrato de seguro, porque eficaz, assumindo a co-R. Seguradora o papel de responsável subsidiária, como determina a Lei e foi acertadamente considerado na douta sentença.

Isto posto, podemos ir aproximando o resumo final e a conclusão.
Assim:
- No contexto decisório da apreciada problemática da descaracterização, (n.º1, a) e b), do art. 7.º da LAT), fica claro que não ocorreu a pretensa nulidade da sentença, na invocada modalidade de oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.
Reconhecendo a objectivada conduta do sinistrado como acto ‘reflexo e irreflectido’, com alguma imprudência embora, concluiu-se todavia não consubstanciar o mesmo negligência grosseira (‘acto temerário em alto e relevante grau’), não relevando aquela, conforme explicitado, para a hipótese de descaracterização prevista na alínea a).
Sem reparo, concitando a solução alcançada o nosso inteiro sufrágio.
- A reparação prevista no âmbito da legislação infortunística tem regras específicas, diversas das que presidem à determinação da obrigação de indemnização civil, nelas não cabendo a ponderação decorrente da concorrência de culpas a que alude o art. 570.º/1 do Cód. Civil.

Improcedem assim as doutas conclusões da motivação do recurso.

III –
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,