Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1020/07.0TTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
INCIDENTE DE OPOSIÇÃO ESPONTÂNEA
PROCEDÊNCIA CAUTELAR
Data do Acordão: 04/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTº 342º, NºS 1 E 2, DO CPC
Sumário: I – Nos termos do artº 342º, nº 1, do CPC, se estiver pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como opoente, para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.

II – A intervenção do opoente só é admitida enquanto não estiver designado dia para audiência de discussão e julgamento em 1ª instância, ou não havendo lugar a audiência de discussão e julgamento, enquanto não estiver proferida sentença ( nº 2 do artº 342º).

III – Não é inquestionável que o incidente de oposição não se possa aplicar às providências cautelares, havendo jurisprudência que defende essa aplicação.

IV – A oposição não pode ser admitida quando já haja prolação de despacho equivalente à sentença, mesmo sem audiência de discussão e julgamento e até mesmo sem audição do requerido.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., deduziu o Incidente de Oposição Espontânea ao Procedimento Cautelar Comum (arresto de Créditos) em que foi requerente B... e Requerida C..., alegando em síntese:
-Por carta registada de 20/9/07 o Município da Guarda foi notificado” de que para garantia da quantia de € 19. 298, 37, fica arrestado à ordem deste tribunal e processo o(s) crédito(s), que C..., têm a receber de V. Ex.ª”
- O Município da Guarda deu conhecimento desta notificação ao A..., por fax de 20/07
- Porém à data da aludida notificação a Requerida não era ( e não é) titular de qualquer crédito sobre o Município da Guarda, pelo que não existe qualquer crédito susceptível de arresto nos presentes autos
- E isto porque no exercício da sua actividade o opoente celebrou coma requerida na providência cautelar um contrato de “factoring”, sendo que todos os créditos desta para com o Município da Guarda, estavam incluídos nesse convénio
- O A... pagou/ adiantou à requerida o valor dos créditos cedidos, tornando-se assim por força do disposto no artº 557º do CCv, o único e exclusivo titular dos mesmos
-Esta cessão de créditos foi oportunamente comunicada ao Município da Guarda, o qual assumiu a responsabilidade de realizar o pagamento dos ditos créditos directamente ao A..., conforme dispo o artº 583º nº1 do CCv
- Assim é o opoente o único e exclusivo titular do crédito objecto do arresto determinado no Procedimento cautelar em causa
-Pelo que deve o mesmo ser levantado com todas as consequências legais daí decorrentes
- O Opoente tem nos termos do artº 342º do CPC, um direito próprio que pretende exercer nos presentes autos e que é incompatível com a pretensão do requerente, o que lhe confere legitimidade para a presente oposição
- E uma vez que o arresto foi decretado sem audição prévia do requerido, estando ainda em prazo para dedução de oposição ao decretamento da providência, entende o opoente que está igualmente verificado o pressuposto da oportunidade previsto no nº 2 do artº 342º do CPC
Concluiu pedindo a procedência do aludido incidente e consequentemente o levantamento do arresto do referido crédito.
Juntou documentos
Proferiu então o Ex. mo Juiz despacho que indeferiu liminarmente a oposição em causa, não só por entender que o incidente de oposição não tem aplicação nas providências cautelares, como também por o mesmo ter sido interposto fora do prazo( já após a decisão do procedimento cautelar.
Discordado agravou o oponente alegando e concluindo:
[…]
Não houve contra alegações, tendo o Exmo. Juiz na 1º instância sustentado tabelarmente o despacho sob censura
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir
Dos Factos
Porque o recurso versa sobre um despacho de indeferimento liminar não propriamente factos a serem considerados como provados, devendo ter-se em conta para a decisão de direito, o quadro fáctico já descrito na parte expositiva ( e que corresponde á síntese do que de essencial alegou o ora agravante no seu requerimento inicial de dedução do incidente) e que porque já indicado seria aqui despiciendo repetir.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.Pelo que e n o caso em apreço, apenas haverá que resolver se o incidente de oposição que a recorrente deduziu em providência cautelar, deve ou não ser admitido.

Na 1ª instância foi decidido que tal incidente não era admissível e por isso mesmo foi rejeitado.

Vejamos se com razão.
Nos termos do artº 342º nº1 do CPC, se estiver pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte.
E acrescenta o nº 2 do mesmo artº que a intervenção do opoente só é admitida enquanto não estiver designado dia para audiência de discussão e julgamento, ou não havendo lugar a audiência de discussão e julgamento, enquanto não estiver proferida sentença.
Ora no caso concreto, o Ex. mo Juiz do Tribunal recorrido, proferiu o despacho em causa, baseando-se no seguinte:
Não ser o incidente admissível em providências cautelares;
De qualquer modo mesmo era extemporâneo já que o dito procedimento já fora decidido.
Bom.
Relativamente ao primeiro dos argumentos, em nosso modesto entender, não é de todo em todo despiciendo.
Usando os critérios de interpretação dos textos legais, arrimando- nos ao que está plasmado no artº 9º do CCv, não nos parece de todo em todo indefensável a tese propugnada no despacho recorrido.
Na verdade a oposição é um incidente de instância, como resulta até da parte do CPC onde está inserida a sua previsão.
E no mencionado artº 343º refere- se “ a causa”, , “ o autor”, “ o reconvinte” e denega-se a possibilidade de dedução deste incidente quando já houver designação de data para a discussão e julgamento, ou se esta não existir, quando a sentença já estiver proferida.
Ora todas estas expressões” autor”, “audiência de discussão e julgamento”, “ reconvinte”, sentença” etc. são próprias das acções propriamente ditas e não já dos procedimentos cautelares.
Aliás ao referir-se a causa o legislador parece ter em vista apenas as acções, propriamente ditas declarativas e executivas ( cfr. artº 4º do CPC).
Além disso e como a nosso ver, resulta do disposto no artº 264º do CPC, ao referir-se a instância o legislador teve em vista o processo propriamente dito e não já as providências cautelares, que não são verdadeiros processo em si.
Cremos que nesse sentido se podem interpretar as definições que a este propósito dão Betti e Carneluti citados por A. Reis in Comentário ao Código Processo Civil, 3º Vol. , pág. 560
Assim e para o primeiro daqueles autores incidentes são controvérsias acessórias que surgem no desenvolvimento do processo, ao lado ou no âmbito do litígio principal e que se coordenam com o fim último do processo: a decisão de mérito da causa.
Ora nos procedimentos cautelares não existe uma decisão sobre o mérito, sendo certo que pode nem sequer haver processo para dirimir o litígio.
Eles existem apenas para prevenir a possibilidade de ofensa de um direito que se pretende vir a ser reconhecido , ou então evitar a impossibilidade de reconhecido este a sua execução se torne impossível.
Para Carnelutti incidentes seriam todas as questões que surgem no decurso do processo e têm de ser resolvidas antes do mérito da causa.
Mais uma vez a expressão “ mérito da causa”, indicia a nosso ver- e salvo o devido respeito por entendimento quiçá mais esclarecido- que a palavra “processo” aqui é utilizado no sentido de acção destinada a dirimir definitivamente litígios, não abrangendo pois os procedimentos cautelares, embora que não se olvide que a expressão “processo preventivos e conservatórios” foi já utilizada no CPC de 1939, para englobar o que hoje se denomina “ providências cautelares”.
Por isso, não cremos ser inquestionável que o incidente de oposição se possa aplicar às tais providências, embora não desconheçamos que existe jurisprudência( aliás citada pelo agravante) que propugna tese diferente.
E não vemos que a existir a mencionada impossibilidade isso ofenda de modo intolerável o princípio constitucional do acesso ao direito, que evidentemente não pode ser posto em prática de forma totalmente absoluta, como resulta do facto da não permissão de recorrer de certas decisões.
Mas mesmo que se entenda que o aludido incidente é passível de ser utilizado nas providências cautelares, entendemos que, no caso em apreço, o mesmo tinha efectivamente que ser rejeitado.
É que- e como se disse- por força do nº 2 do artº 342º do CPC a intervenção do opoente só é admissível enquanto não estiver designado dia para discussão e julgamento em primeira instância ou não havendo lugar a esta enquanto não tiver sido proferida sentença.
Como se sabe nas providências cautelares não há audiência de discussão e julgamento, nem propriamente sentença, mas sim despacho final decisório, se for caso disso.
E é inquestionável que a mesma já tinha sido decidida.
Por isso, a oposição não podia ser admitida porque quando foi interposta, já houvera a prolação do despacho equivalente á sentença.
Pretende a recorrente que uma vez que a providência em questão foi decidida sem audição do requerido e porque, assim sendo este sempre pode deduzir oposição ao seu decretamento, o incidente que deduziu deve ser admitido desde que interposto até ao termo do prazo para a dedução de oposição pelo requerido.
Aqui- e salvo o devido respeito- é que claudica a argumentação do impugnante.
Na verdade e de acordo com o disposto no artº 388º nº 1 do CPC, quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência( como foi o caso), pode em alternativa:
a)- recorrer nos termos gerais do despacho que a decretou
b) deduzir –lhe oposição.
Nesta última hipótese o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente produzida.
Ora se se seguisse a tese doutamente defendida pelo agravante teríamos que a tempestividade da dedução do incidente em análise, estava dependente de um acto de terceiro.
Ou seja: se o requerido na providência, resolvesse recorrer do despacho que decretava o procedimento cautelar, então ao terceiro interessado, proferido aquele( uma vez que é inquestionável que o incidente de oposição não pode ser instaurado em sede de 2ª instância) ficava vedada a dedução do incidente em análise.
Mas se o demandado na providência se conformasse com a decisão, ou deduzisse oposição então até ao “ novo” despacho poderia sempre deduzir o aludido incidente.
Salvo o devido respeito, não nos parece curial que a prática um acto judicial, para salvaguarda de um direito por parte de um terceiro, esteja dependente da acção( ou omissão) de uma das partes.
Acresce que a oportunidade da dedução de qualquer incidente tem que ser aferida pela prática de algum acto processual ou pelo decurso de um prazo, legalmente estabelecido.
E naturalmente quando o juiz decide uma providência cautelar, deferindo-a, não pode saber se a parte vencida aceita ou não a decisão ou recorre dela.
E se por hipótese esta se conforma com o teor do despacho final, então este não pode sofrer qualquer alteração, não se verificando assim a previsão do artº 388º nº2 do CPC.
Ora se – prolatado o despacho que defere a providência – o julgador considerasse como tempestivamente deduzido o incidente de oposição espontânea, porque ainda decorria o prazo para o requerido se opor àquela e este vinha a primar pela inércia qual a atitude dele( julgador) perante a oportunidade do incidente: iria considerá-lo intempestivo, só nesse momento, quando porque já havia decisão, o deveria logo ter rejeitado “ in limine”?
Ou porque o admitira iria conhecer do seu “ mérito”, contrariando assim expressamente a lei que( reafirma-se) no artº 342º nº2 do CPC, não permite que se conheça da oposição se já tiver sido proferida sentença, ou despacho decisório?
Cremos- salvo o devido respeito- que qualquer destas atitudes iria ao arrepio do regime legal que vigora para este tipo de incidente.
E nem sequer o recurso à figura da impossibilidade superveniente da lide( com a consequente declaração da extinção da instância- artº 287º e) do CPC-) porque afinal se verificava que a oposição tinha sido deduzida para além do que a lei o permite, poderia ser a solução para este problema.
É que a impossibilidade da lide, ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou o objecto ou a causa.
O primeiro caso ocorre quando morre um dos sujeitos da relação jurídica e não é possível o fenómeno da sucessão, porque se está perante relações jurídicas estritamente pessoais; o segundo quando perece a coisa objecto da relação jurídica, sendo naturalmente esta infungível; o terceiro tem em vista aquelas situações em que se extingue um dos interesses em conflito( cfr. A Reis, in CPC Anotado, Vol. I, Reimpressão, 3ª ed. págs. 393 e Comentário, 3º Vol., pág. 368).
Ora como é evidente nenhuma destas situações, sucederia na hipótese que formulámos( o de prolatado o despacho a deferir providência e ainda antes de decorrido o prazo para a respectiva oposição, o juiz admitisse o incidente de oposição espontânea, vindo-se verificar depois que a parte vencida não reagira, o que tornava a decisão definitiva).
Por outro lado, nunca se pode dizer que estamos perante duas decisões, sendo certo que a que resulta da oposição feita pelo requerido é complemento e faz parte integrante( são os termos da lei), da inicialmente proferida.
O que significa que, independentemente da oposição( ou do recurso), já houve despacho que incidiu sobre a pretensão do requerente da providência cautelar.
E dever-se-á aqui atender ao seguinte:
As características deste incidente são as seguintes:
a)- Sob a forma de incidente, o opoente propõe uma verdadeira acção, quer dizer, atravessa-se, como autor, num processo que está a correr entre outras pessoas
b)- Com a sua acção tem em vista fazer valer um direito próprio
c)-Esse direito é incompatível coma pretensão do A e pode sê-lo também com a pretensão do réu( A. Reis CPC Anotado, Reimpressão, Vol. I. págs. 485.)
O que quer dizer que a dedução do incidente e a alegação dos motivos que o justificam, em nada tem a ver com a decisão que recaia sobre a providência cautelar.
Mais um motivo para que a análise sobre a respectiva tempestividade, tenha que ter em conta o despacho que decide a providência( embora que depois este possa ser alterado).
Mas outro argumento, em nosso modesto entender, se pode aduzir em defesa da tese que aqui defendemos.
Na verdade- e como já supra referimos- por força do disposto no nº 2 do artº 342º citado, o incidente de oposição só é admitido( se não há lugar a audiência de discussão e julgamento), se não estiver proferida sentença.
Ora mesmo nas acções propriamente ditas, proferida uma sentença esta pode vir eventualmente a ser alterada, pelo próprio julgador e mesmo que se não tratem de meras rectificações de erros materiais, suprimento de omissões etc.( cfr. artº 667º nº1 do CPC).
É que e conforme determina o artº 668º nº 4 desta codificação quando a parte arguir uma qualquer das nulidades previstas no nº1 deste normativo, o juiz, em caso de recurso , pode supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o que determina o artº 744º ainda do CPC.
O que vale dizer que pode haver aqui uma alteração do decidido.
E cremos que nesta hipótese, não se colocará sequer a hipótese do incidente de oposição ser deduzido, após a prolação da sentença que foi atacada por via de recurso, com base ( também ou somente em nulidade) e por isso veio ainda a ser modificada.
Igualmente é indubitável que pode haver lugar a esclarecimentos e reforma da sentença, nos termos do artº 669º do CPC
E a decisão que deferir tal pretensão considera-se complemento e parte integrante da sentença( artº 670º nº2 do CPC)
Quer dizer: em todas estas situações nunca se pode falar na existência de duas sentenças ou de dois despachos decisórios
Existe um(a) só, como é evidente, no processo
Quaisquer alterações posteriormente feitas, sem ser evidentemente em sede de recurso são sempre meros complementos dela e que nela se integram.
Em nosso modesto entender, quando o legislador refere no mencionado artº 342º nº 2 a sentença, não pode querer significar a decisão definitiva do processo ou da providência.
Se não fora assim então o incidente de oposição seria de admitir enquanto a decisão não transitasse em julgado.
Ora como se sabe tal não é manifestamente possível.
Daí que este nº 2 , a nosso ver só pode ser interpretado no sentido de que, a tempestividade do incidente em causa tem que se aferir relativamente á existência( ou não) de uma decisão, embora que esta possa ainda a vir a ser alterada, mesmo que essa alteração não dimane de um tribunal superior.
Sendo assim, como entendemos que é - e não estando em questão que aquando da dedução do incidente em causa, já havia despacho a decidir a providência cautelar - foi aquele deduzido extemporaneamente.
Pelo que, teria que ser como foi, rejeitado liminarmente, mesmo que se admita a possibilidade da sua existência nos procedimentos cautelares.
Termos em que e por todo o explanado se nega provimento ao agravo.
Custas pelo impugnante