Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1830/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
CURA CLÍNICA
Data do Acordão: 10/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: BASE XXXVIII, Nº 1, DA LEI Nº 2127, DE 3/8/65; ARTS. 7º E 35º DO REGULAMENTO APROVADO PELO DEC. Nº 360/71, DE 21/8 .
Sumário: I – O direito de acção respeitante às prestações fixadas na LAT caduca no prazo de um ano a contar da data de cura clínica, ou, se do evento resultou a morte, a contar desta .
II – É entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime o de que o prazo de caducidade do direito de acção só começa a correr depois da efectiva entrega ao sinistrado do boletim da alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe foi conferida a alta .

III – Correspondendo a cura clínica à situação em que as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, só pelo boletim de alta, a entregar ao sinistrado, e naturalmente pela data nele aposta como sendo a da cura clínica, se poderá, válida e eficazmente, aferir o início do decurso do prazo de caducidade .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Finda, sem êxito, a fase conciliatória do processo, veio A..., casada, com os demais sinais dos Autos, demandar, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, com mandatário constituído, as RR. ‘...B’ e Companhia de Seguros ‘C....’, pedindo, a final, a sua condenação, na medida das respectivas responsabilidades, no pagamento da pensão anual e vitalícia de € 213,17, calculada com base no salário anual e na IPP de 6% a partir de 18.7.1999.
Alegou para o efeito, em síntese útil, que exerce ao serviço da R. patronal as funções de servente de metalúrgico com o salário anual de Euros 6.049,59.
Em 24.5.99 no exercício das suas funções sofreu um acidente de trabalho ao sair da casa de banho, do qual lhe resultaram lesões no nariz.
À data do acidente vigorava entre as RR. um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 190000008694319, através da qual a primeira havia transferido para a segunda a sua responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de trabalho abrangendo a própria A.
Não foi aceite todavia pelo representante da R. Seguradora a incapacidade atribuída no exame Médico do tribunal, por considerar que a A. ficou curada sem incapacidade, além de invocar o prazo de caducidade do direito de acção por alegadamente terem decorrido cerca de três anos desde a data da cura clínica da sinistrada.
A co-R. litiga de má fé.

2 – Citadas, veio contestar desde logo a co-R. Seguradora, fazendo-o por excepção e por impugnação, a que respondeu a A.
A co-R. patronal alegou a sua ilegitimidade e a total transferência da sua responsabilidade para a Seguradora.

3 – Condensada, foi aí absolvida da instância a co-R. patronal e julgada improcedente a excepção da caducidade arguida pela R. Seguradora.

4 – A co-R. Seguradora reagiu, interpondo recurso do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de caducidade, impugnação que se mandou subir diferidamente, conforme despacho de fls. 156.
Aí alegou e concluiu:
- Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador que julgou improcedente a excepção da caducidade deduzida pela Recorrente na sua contestação;
- Entende a Recorrente que na decisão ora posta em crise se fez indevida interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito, donde resulta a necessidade e propriedade do presente recurso;
- Vem expressamente confessado que a sinistrada A... teve alta no dia 17 de Julho de 1999 – facto que expressamente a ora recorrente aceitou na sua contestação para os devidos e legais efeitos;
- Ora, nos termos do preceituado no n.º1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127, de 3.8.65, o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta Lei caduca no prazo de um ano a contar da data da cura clínica, ou seja, do acto formal da alta medica definitiva;
- Pelo que, fundando-se a pretensão da sinistrada na Base IX da referida Lei, irrecusável e pois que, tendo já decorrido mais de 2 anos sobre a data da cura clínica – 17.7.99 – o eventual direito que tivesse com fundamento no invocado sinistro, há muito que caducou;
- A data da alta foi inequivocamente invocada e expressamente confessada pela sinistrada no n.º 13 da Petição Inicial, onde claramente se refere que a alta ‘lhe foi dada em 17.7.99’;
- Deste modo não pode questionar-se sequer a comunicação formal da data da alta, através da entrega do respectivo boletim de alta, a qual tem, como é sabido, a exclusiva finalidade de dar conhecimento ao sinistrado de que está clinicamente curado e de que a partir desse momento fica habilitado a exercer os seus direitos para a hipótese de se não conformar quer com a cura clínica quer com a desvalorização que lhe foi atribuída;
- Decorre dos Autos que a alta ocorreu em 17.7.1999, facto que de resto transitou para a alínea C) dos Factos Assentes, uma vez que a sinistrada expressamente o confessou;
- A mencionada confissão de tal facto, aceite pela parte contrária, tem como irrecusável consequência que o mesmo deva considerar-se assente nos Autos, isto é, que a alta ocorreu em 17.7.1999 e indiscutivelmente determinar-se a procedência da excepção que a recorrente deduziu;
- Tem de ter-se como completamente falacioso e irrelevante o argumento utilizado na decisão recorrida de que não obstante o acidente ter ocorrido em 24.5.99 a instância se ter iniciado em 25.3.2002 e a A. ter tido alta clínica em 17.7.99 não se encontra documentada a sua comunicação à A.;
- Não se tratando de formalidade ad substantiam, é manifesto que, mesmo que não tivesse sido efectuada a aludida comunicação, a mesma encontra-se ‘absorvida’ pela declaração expressa da A. de que dela teve conhecimento em 17.7.99;
- Deste modo, decidiu incorrectamente o despacho 'sub judice' ao julgar improcedente a excepção da caducidade invocada pela Recorrente, violando entre outras o preceituado no n.º 1 da Base XXXVIII da Lei 2127, de 3.8.65.
5 - Respondeu a recorrida, pugnando pela confirmação da decisão impugnada.

6 – Instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente, com condenação da R. Seguradora a pagar à A. a pensão anual e vitalícia de € 106,58, obrigatoriamente remível, 'ut' dispositivo a fls. 193.

7 – Apelou a R., alegando e concluindo, depois de lembrar, em termos de questão prévia, ser este o momento certo para o conhecimento do recurso de agravo oportunamente interposto:
- Vem o presente recurso deduzido da decisão de fls. …que julgou a acção por provada e procedente e em consequência condenou a Recorrente no pagamento da pensão anual e vitalícia de € 106,58;
- Na decisão ora posta em crise o Mm.º Juiz 'a quo' parte de um pressuposto errado, fazendo indevida interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito, justificando-se assim a interposição do presente recurso;
- No caso 'sub judice' vem expressamente aceite pela A. que esta teve alta no dia 17 de Julho de 1999 – facto por ela confessado na tentativa de conciliação e reiterado no art. 13.º da Petição Inicial – o que expressamente a ora Recorrente aceitou na sua contestação para os devidos efeitos legais;
- Ora, nos termos do preceituado no n.º1 da Base XXXVIII da Lei n.º 2127, de 3.8.65, o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta Lei caduca no prazo de 1 ano a contar da data da cura clínica, ou seja, do acto formal da alta médica definitiva – vide a este propósito o Ac. do S.T.J. de 30.6.99, 'in' endereço electrónico www.dgsi.pt.;
- Assim, fundando-se a pretensão da A. na Base XIX da referida Lei, irrecusável é pois que, tendo já decorrido mais de dois anos sobre a data da cura clínica – 17 de Julho de 1999 – o eventual direito que pudesse arrogar-se, decorrente do invocado sinistro, há muito que tinha caducado quando a recorrida deu início à lide;
- Dos Autos decorre claramente que a alta ocorreu em 17 de Julho de 1999, facto que de resto transitou para a alínea C) dos factos assentes, uma vez que a sinistrada expressamente o confessou;
- Deste modo, a decisão ora posta em crise ao julgar a acção por provada e procedente e em consequência ao condenar a R. na pensão peticionada fez uma inadequada aplicação do direito uma vez que o eventual direito a tal pensão decorrente do sinistro invocado nos presentes Autos já caducara, defesa por excepção que a ora Recorrente invocou em devido tempo;
- A sentença 'sub judicio' fez assim errada interpretação dos factos e incorrecta aplicação da Lei, designadamente da Base XXXVIII, n.º1, da Lei n.º 21217, que violou, devendo ser revogada e substituída por outra que, aplicando o referido preceito, absolva a R. do pagamento de qualquer pensão à A.

7 – Respondeu a recorrida, concluindo, por sua vez, em síntese, que o acidente ocorreu em 24.5.99 e a instância teve o seu início em 25.3.02, devendo ser aplicada ao caso a Lei n.º 100/97 e não a Lei 2127, nos termos de cujo art. 32.º/1 o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta Lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado…
Sendo que a A. não foi formalmente notificada da alta clínica, nunca esteve curada clinicamente, como ainda não está.

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir o douto Parecer de fls. 239-240 – cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – DE FACTO
Vem assente a seguinte factualidade:
· ‘B...’, no exercício da sua actividade industrial consistente no fabrico de esquentadores e outros electrodomésticos, celebrou com a A. em 10.10.96 um contrato de trabalho efectivo e por tempo indeterminado, atribuindo-lhe a categoria profissional de servente de metalúrgico que esta exerce sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante a atribuição de um salário anual de € 6.040,50;
· No dia 25.9.1999, no exercício das suas funções e dentro das próprias instalações da R. patronal, a A. sofreu um acidente de trabalho ao sair da casa de banho;
· Em virtude de tal acidente, a A. sofreu lesões físicas, tendo-lhe sido dada alta clínica no dia 17.7.99, tendo sofrido ITA de 27.05 a 30.09.99 e ITP de 10% de 14 de Junho de 99 a 30.06.99 (…);
· À data do acidente a A. auferia o vencimento anual de € 6.040,59;
· Por contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 190000008694319, a ‘B...’ transferiu para a R. Seguradora ‘C...’ a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho quanto à remuneração acima referida;
· Como consequência directa e necessária do acidente atrás referido a A. ficou afectada com IPP de 3%.

2 – O DIREITO
1. Como se refere na ‘questão prévia’ suscitada no requerimento de interposição de recurso da sentença, a fls. 199, a apelação motiva a subida e consequente conhecimento da impugnação retida, oportunamente deduzida contra a decisão proferida no despacho saneador relativa à excepção da caducidade.
Por aí se começará, pois – arts. 710.º/1 e 748.º do C.P.C.
Pelas conclusões respectivas – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso – facilmente se alcança que é questão posta a de saber se efectivamente ocorreu ou não a caducidade do direito de acção exercitado pela A. nos termos constantes.
Deixando desde já a nota de que o caso sujeito há-de ser dirimido à luz da legislação infortunística que integrava a Lei n.º 2127, de 3.8.65, e seu Regulamento, (o acidente em causa aconteceu em 24.5.99, dispondo expressamente o art. 41.º da NLAT, aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que a mesma só produziria efeitos à data da entrada em vigor do diploma que a regulamentar, aplicando-se apenas aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor, o que aconteceu, como se sabe, apenas em 1.1.2000, ‘ex vi’ do D.L. n.º 382-A/99, de 22 de Setembro, que alterou a redacção do art. 71.º do D.L. n.º 143/99), vejamos da bondade das razões esgrimidas pela Recorrente.

2. Lembre-se entretanto, como referencial normativo, a regra ínsita na Base XXXVIII, n.º1, da LAT:
‘O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta Lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica, ou, se do evento resultou a morte, a contar desta’.
Importará ainda conferir as noções legais de cura clínica e do modo por que se torna certo o momento do seu conhecimento pelo sinistrado – arts. 7.º e 35.º do Regulamento da LAT, o Dec. n.º 360/71, de 21 de Agosto.

3. A essência e solução do problema tem a ver com a determinação do ‘dies a quo’ (do início) do falado prazo de um ano – como se infere aliás dos fundamentos da decisão sob censura e dos termos da reacção da impetrante – pressupondo a excepcionada caducidade a extinção do direito pelo seu não exercício atempado …por causa imputável ao sinistrado ou resultante de negligência sua.

4. Compulsando os Autos, em breve recensão, constata-se que os seus termos são despoletados por um requerimento da sinistrada, dirigido ao MºPº junto do Tribunal do Trabalho de Aveiro, com data de entrada de 2 de Abril de 2002, em que se requer Exame Médico de revisão e se participa simultaneamente a ocorrência de um acidente de trabalho no dia 24.5.99, por efeitos do qual sofreu lesões ao nível do nariz…
Mais aí se consignou que …A Entidade Patronal tinha a sua responsabilidade infortunístico-laboral transferida para a Companhia de Seguros’C...’, tendo-lhe sido dada alta em (1?/17) de Julho de 99, com a qual não concorda por se ter agravado o seu estado de saúdesublinhado agora.

A Seguradora, logo na primeira intervenção nos Autos após a notificação do MºPº para proceder à junção de toda a documentação clínica e nosológica, cuidou de mencionar que tinham decorrido cerca de três anos ‘desde a data da cura clínica do sinistrado’… – fls.10.

(Note-se que de toda a documentação junta não consta todavia qualquer descrição ou referência dos respectivos serviços médicos relativa ao termo do tratamento da sinistrada ou da passagem de boletim de alta, com menção dos dizeres devidos).

No Auto de Exame Médico de fls. 21 consignou-se que ‘A sinistrada refere ter feito traumatismo nasal, tendo-lhe sido dada alta, curada sem desvalorização’.
Referindo no entanto obstrução nasal, com a respectiva dificuldade respiratória, foi solicitada pelo Exm.º perito do Tribunal observação e parecer do Médico de ORL.

No Auto de fls. 28 foi ainda determinado se pedissem à Seguradora os elementos/exames complementares efectuados, com resposta a fls. 34, em cujos termos não foram efectuados exames complementares à sinistrada, encontrando-se já no processo toda a documentação clínica concernente.

No Auto de Exame Médico, a fls. 37, foi arbitrada à sinistrada a IPP de 6%, registando-se como data da alta o dia 17.7.1999.

Na Tentativa de Conciliação, a fls. 39, consta que a sinistrada concorda com a descrição das sequelas de que ficou afectada em consequência do participado acidente, concordando também com a desvalorização por IPP arbitrada, de 6%, desde 17.7.1999.

Na Petição Inicial, concretamente no item 13.º, a sinistrada alegou que…apesar da alta que lhe foi dada em 17.7.99, a A. não se encontra curada das lesões sofridas…
…E, na resposta à excepção da caducidade deduzida pela R. Seguradora, sempre referiu que a R. não apresentou exames médicos credíveis que demonstrassem a tal cura clínica, nunca tendo concordado com a alta que lhe foi atribuída pela R. em Julho de 1999, antes vendo agravar-se progressivamente o seu estado de saúde em consequência das lesões sofridas no acidente, pelo que veio requerer exame Médico de revisão… – fls. 74-75.

Por fim ficou registado na alínea C) dos Factos Assentes que ‘Em virtude de tal acidente a A. sofreu lesões físicas, tendo-lhe sido dada alta clinica no dia 17.7.1999.

Tudo visto:
Na decisão sob protesto buscou-se a solução na Nova LAT e considerou-se que, nos termos da previsão do seu art. 32.º, é a partir da notificação ao sinistrado da alta clínica que se inicia a contagem do prazo de um ano para ser instaurado o processo emergente de acidente de trabalho.
Não resultando dos Autos que a R. Seguradora em alguma data tenha formalmente comunicado à A. a alta clínica, terá de concluir-se, como se concluiu, que a acção foi proposta dentro do prazo legal, não tendo caducado o direito que a sinistrada pretendeu fazer valer.

Sendo embora aplicável ao caso apreciando a Lei n.º 2127, (sua Base XXXVIII/1), como acima se disse, ainda assim não é despiciendo, em termos hermenêuticos adjuvantes da solução que buscamos, atentar na disposição homóloga da NLAT, (o falado art. 32.º), segundo o qual o prazo de caducidade de um ano se conta …’da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado’.
Ou seja, o legislador da Nova LAT, mantendo no essencial os termos da previsão relativa à caducidade do direito de acção, foi mais além e precisou, no que tange ao respectivo ‘dies a quo’, que o prazo em causa se conta da data da alta/cura clínica…formalmente comunicada ao sinistrado.

Consagrou-se assim, em texto de Lei, o entendimento doutrinal e jurisprudencial anteriormente sustentado e largamente seguido – de que daremos nota mais circunstanciada, na sequência – segundo o qual o prazo de caducidade do direito de acção só começava a correr depois da efectiva entrega ao sinistrado do boletim de alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe fora conferida a alta.

Com efeito, é argumento-chave da Recorrente que, sendo de um ano o prazo do respectivo direito de acção – e tendo sido expressamente confessado pela sinistrada que teve alta no dia 17 de Julho de 1999 – este caducara já quando a instância se iniciou em 25.3.2002.
Assim seria de facto, por via de regra, se pudesse linearmente entender-se e aceitar-se, como juridicamente bastante para o efeito, o simples conhecimento por banda do sinistrado da determinada situação da alta/cura clínica (noções que, em bom rigor conceptual, não são propriamente coincidentes, apesar de serem correntemente usadas indiscriminadamente…).
É indiscutível que a A. alegou desde o primeiro momento que lhe foi dada alta (clínica) em 17.7.99… com ela não concordando todavia.
Não se sabe, porém, como tal informação lhe chegou ao conhecimento e por que meio ou forma!

Correspondendo a cura clínica à situação em que as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, (art. 7.º do Dec. n.º 360/71), só pelo boletim de alta, (que o Médico assistente estava obrigado a passar em duplicado quando terminado o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, entregando-se um exemplar ao sinistrado, nos termos prescritos pelo art. 35.º, n.ºs 2 e 3, do Dec. n.º 360/71, de 21 de Agosto), a entregar ao sinistrado, e naturalmente pela data nele aposta como sendo a da cura clínica, se poderá, válida e eficazmente, aferir o início do decurso do prazo de caducidade.
Não tendo sido entregue (não se tendo feito prova da entrega) ao sinistrado do ‘boletim de alta’, o prazo de caducidade não chega a iniciar-se.
Assim se doutrinou, v.g., nos Acórdãos do S.T.J. de 8 de Junho de 1995, publicado no BMJ 448/243 (e também na C.J./S.T.J. Ano III, Tomo II, pg. 296), e de 3 de Outubro de 2000, publicado na C.J./S.T.J., Ano VIII, Tomo III, pg. 267, com fundamentação cuja bondade não vemos por que enjeitar.
Na realidade, ter-se notícia de que lhe foi dada alta clínica pelos serviços médicos da responsável Seguradora não significará – e menos necessariamente – que o sinistrado passou ter pleno conhecimento da sua situação clínica.
Esta só pelo teor do ‘boletim de alta’ é objectivamente conferível.
Como se escreveu no acima identificado Aresto do S.T.J. de 3.10.2000, citando Carlos Alegre, (vide ora a sua reflexão plasmada na nota ao art. 32.º da NLAT, 2.ª Edição), a declaração médica de cura clínica constitui, por força da Lei, um acto formal, constante de um documento chamado ‘boletim de alta’, do qual um exemplar deve ser entregue ao sinistrado.
A cura clínica, formalmente consubstanciada no falado ‘boletim’, não é algo – como judiciosamente aí se diz – que se presuma ou de que se tome conhecimento por uma qualquer outra forma.

Por isso – e em remate – há que retirar a conclusão, (que se tem como a que melhor corresponde à ‘ratio’ e economia da norma interpretanda), de que a data da cura clínica que serve de momento temporal/início da contagem do prazo em causa se entende como a da alta clínica devidamente comunicada/notificada ao sinistrado, através e pela forma legalmente prescrita, ou seja, mediante a entrega do duplicado do ‘boletim de alta’.

Constituindo a invocada caducidade matéria exceptiva, sempre seria ónus de prova da R. a sua alegação e cabal demonstração – art. 342.º/2 do Cód. Civil.
A R. Seguradora não alegou e não vem provado – nem dos Autos isso resulta documentado por forma minimamente segura – que tenha sido oportunamente passado o devido ‘boletim de alta’ referente ao termo do tratamento e situação do sinistrado e, menos, que um seu duplicado tenha sido entregue ao sinistrado, como prescreve a Lei (n.ºs 2 e 3 do falado art. 35.º do Dec. 360/71).
Não se verificou pois a caducidade.
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Sempre se dirá, a finalizar – ‘ex abundante’ – que a sinistrada, ao requerer, simultaneamente à participação do acidente, Exame Médico de Revisão, estava a suscitar o incidente de revisão, (art. 145.º e seguintes do C.P.T.), cuja sequência se entendeu não tramitar, antes se optando pela sequência processual documentada.
Verificados os pressupostos respectivos, (ou seja, que se trate essencialmente de um acidente de trabalho de que tenham resultado lesões geradoras de alguma incapacidade), previstos na Base XXII da Lei n.º 2127, (não obstando a que o incidente de revisão seja admissível as circunstâncias de não ter sido fixada pensão nem a pretensa cura clínica sem desvalorização, já então subentendida, e agora com expressa previsão no n.º7 do art.145.º, em que a responsável é uma seguradora e o acidente não foi participado ao Tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem desvalorização – vide nesse sentido o Acórdão desta Relação, 'in' C.J. 1997, IV, 67 e os Acs. da Relação de Lisboa de 6.12.2000 e de 18.12.2002, 'in' C.J. Ano XXV, Tomo V, pg. 171 e Ano XXVII, Tomo V, pg. 161), a questão da suscitada caducidade certamente não se colocaria, ante o dilatado prazo de dez anos dentro dos quais a revisão sempre poderá ser requerida.
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As asserções conclusivas da apelação interposta da sentença final reeditam no essencial os fundamentos da impugnação deduzida contra o despacho saneador.
Ante a claudicação destes, aquelas improcedem necessariamente.

É por tudo quanto atrás se expendeu que improcedem as aliás doutas conclusões dos recursos apresentados pela Recorrente Seguradora.
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III –
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento aos recursos interpostos, confirmando inteiramente as decisões impugnadas.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,