Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
121/08.1GCGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º,45º 70º E 71º DO CÓDIGO PENAL, 3º, Nº 1 E Nº 2 DO DL Nº 2/98, DE 03/01
Sumário: 1. A prisão por dias livres tem por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação continuada da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.
2. Não obstante a condenação por três crimes de condução sem carta ,mostra-se correcta a opção pela prisão por dias livres, a arguido que se encontre inserido social e profissionalmente.
Decisão Texto Integral: No processo sumário, acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou o arguido PM, devidamente identificado, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art 3º, nº 1 e nº 2 do DL nº 2/98, de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, sendo que na respectiva motivação conclui:

1) A sentença recorrida baseou a aplicação, de uma pena de prisão efectiva de sete meses, na ponderação dos seguintes factores: grau de ilicitude do facto, existência de dolo directo, e exigências ditadas pela necessidade de prevenção.

2) Não pretendendo negar essa necessidade de prevenção, consideramos ser desproporcionada e desadequada a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efectiva.

3) A prisão efectiva poderá produzir efeitos viciosos, de dimensões imprevisíveis, e tendo em conta a idade do arguido, apreciando ainda que o Tribunal a quo, deu como provado

que este se encontra familiar, social e profissionalmente integrado, deveria ter equacionado a opção pelas medidas substitutivas da pena de prisão, no entanto, o Tribunal a quo, ficou-se apenas pela possibilidade da sua eventual suspensão, mas o nosso ordenamento jurídico-penal prevê outras penas de substituição.

4) A lei prevê o poder - dever do Tribunal equacionar quer pela suspensão da execução da pena, quer pela sua substituição, nomeadamente pela aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade, estabelecida no artigo 58º do Código Penal.

5) O Tribunal a quo deveria ter equacionado a possibilidade de aplicação de uma pena de substituição, estando por isso em clara violação dos artigos 58º e 70º do Código Penal.

6) O Tribunal a quo, tinha o dever de analisar a possibilidade de substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho, e consequentemente, tinha o dever de indagar da sua aceitação pelo arguido, no entanto, o arguido presta expressamente o seu consentimento, o que aliás resulta da pretensão do recorrente formulada no presente recurso.

7) Com efeito, as finalidades da punição realizam-se plenamente com a aplicação dessa medida punitiva, e o aqui recorrente vai sentir, o carácter punitivo desta pena, que implica um considerável sacrifício por parte do arguido, vendo-se privado do seu tempo livre trabalhando de forma gratuita.

8) A referida pena de substituição, não compromete em relação á comunidade a confiança e a reafirmação da validade da norma violada, a prestação de trabalho a favor da comunidade tem um conteúdo social positivo, e a sociedade beneficia do trabalho prestado pelo arguido.

9) Por outro lado, as necessidades de prevenção especial não justificam, a aplicação de uma pena de prisão efectiva, que irá afastar o arguido da vida em sociedade.

10) A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade cumpre assim integralmente as finalidades de prevenção geral e especial da punição.

Nestes termos e com o mui Douto suprimento de V. Ex.a, deve conceder-se integral provimento ao recurso, modificando-se a decisão do Tribunal a quo, optando-se pela aplicação, in casu, de uma pena de substituição de trabalho a favor da comunidade em conformidade com o disposto no artigo 58º do Código Penal, assim se fará justiça!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta, no sentido de a pena ser cumprida sob o regime de prisão por dias livres.

Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso é restrito à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do nº 2 do art 410 do Código Processo Penal.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. No dia 02-07-2008, pelas 11: 15 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de Passageiros com a matricula XX-00-00, junto às bombas de combustível em Vila Fernando, na via pública, concelho e comarca da Guarda.

2. Tripulava tal veículo sem que fosse titular de carta ou licença de condução que o habilitasse à condução de tal veículo na via pública.

3. O arguido agiu com intenção de conduzir, sem causa justificativa, o referido veículo, não obstante saber que era imprescindível ser titular de documento que o habilitasse a guiar tais veículos na via pública emitido por entidade oficiais.

4. O arguido não obstante saber que tal era punido por lei como crime, agiu de forma consciente e voluntária.

5. O arguido foi condenado numa pena de 80 dias de multa pela prática em 13-05-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 31-05­ 2002, a qual se encontra extinta pelo pagamento.

6. O arguido foi condenado numa pena de 100 dias de multa pela prática em 27-01-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 11-02­ 2003, a qual se encontra extinta pelo pagamento.

7. O arguido foi condenado numa pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano pela prática em 17-10-2006, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 10-12-2007.

8. O veículo em causa pesar de se encontrar registado a favor de terceiro é de propriedade do arguido que o havia adquirido há cerca de 15 dias.

9. O arguido possui como habilitações académicas o 3º ano de escolaridade.

10. Vive com uma companheira e um filho com 3 anos de idade, numa casa que é propriedade do sogro.

11. Do trabalho aufere em média a quantia de €15,00 dias por cada dia de trabalho, e a esposa é doméstica.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa

Motivação do tribunal:

Para formar a sua convicção o tribunal fundou-se na confissão integral e sem reservas do arguido, que abrangeu todos os factos da acusação e do auto de notícia, que foi sincera e espontânea.

Quanto aos antecedentes cnmma1s o CRC de fls. 22 a 25 de onde resultam as condenações.

Quanto à situação económica e social do arguido o tribunal fundou a sua convicção nas declarações do mesmo.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:

- Se é de aplicar ao arguido uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade;

No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.

Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.

Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.

“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.

Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.

(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”

O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).

Na decisão recorrida foram ponderados, devidamente, todos os factos que atenuam ou agravam a responsabilidade criminal do arguido.

Contra o arguido há a considerar a gravidade objectiva e subjectiva dos facto; a ilicitude e a intensidade do dolo que é directo.

A favor do arguido militam a confissão dos factos, embora sem grande relevância, já que foi detido em flagrante delito e o facto de estar socialmente integrado.

As necessidades de prevenção especial são prementes, como são as necessidades de prevenção geral.

O recorrente foi condenado como autor de um crime de condução sem habilitação legal na pena de sete meses de prisão.

Optou bem o Tribunal a quo pela aplicação de pena efectiva de prisão em detrimento de pena não detentiva da liberdade, pois face ao quadro factico apurado, só a primeira pode realizar as finalidades da punição, nomeadamente tendo em atenção que o arguido fora já condenado três vezes pelo mesmo ilícito.

O arguido já teve tempo, atendendo ao seu passado criminal de interiorizar, pelas anteriores condenações, que não pode conduzir veículos automóveis sem que para tal, esteja devidamente habilitado. O factos de o arguido estar inserido a trabalhar, não o tem impedido de praticar este ilícito de forma reiterada sendo certo que as penas de multa que lhe foram aplicadas bem coma a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada não foram suficientes para o afastar da respectiva prática, pelo que a pena efectiva de prisão é a única que responde à violação das normas legais vigentes.

Tendo em consideração a moldura penal abstracta aplicável, a pena concreta encontrada, de sete meses de prisão, mostra-se adequada.

Do exposto temos de concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos para uma suspensão de execução da pena, já que se tornou evidente que a simples censura do facto e a ameaça da pena não são suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.

Também a prestação de trabalho a favor da comunidade – art 58 do CPenal – não se mostra a reacção penal adequada à forma como o arguido tem reiterado na sua conduta delituosa, já que o seu comportamento reicidivo revela uma falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente.

Dispõe o art 58, nº 1 do Cod Penal, “Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como pressuposto formal para aplicação de PTFC temos que ao “agente deve ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos...”.

Como pressuposto material temos que “por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Portanto e como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime), “que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar – e, no limite, alcançar – a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico”.

Como vem referido no Ac da RE de 24/5/1983, CJ, VII, Tomo III, pg 337, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só deve ser aplicada, não só quando estiverem criadas as necessárias condições externas de apoio social ao infractor, como quando este não revele ter, pelo seu comportamento anterior recidivo e pelas manifestações anti-sociais da sua conduta actual, uma nítida falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente. Também neste sentido Ac da RP de 17/11/2004, rec nº 0415662, i, dgsi.pt.

No caso vertente o arguido teve as seguintes condenações anteriores:

- Foi condenado numa pena de 80 dias de multa pela prática em 13-05-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 31-05­ 2002, a qual se encontra extinta pelo pagamento.

- Foi condenado numa pena de 100 dias de multa pela prática em 27-01-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 11-02­ 2003, a qual se encontra extinta pelo pagamento.

- Foi condenado numa pena de cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano pela prática em 17-10-2006, de um crime de condução sem habilitação legal, cuja decisão transitou em julgado em 10-12-2007.

Estas condenações são suficientes para nos elucidar da ineficácia das chamadas penas de substituição com que os tribunais foram contemplando o arguido, fazendo-lhe sucessivos juízos de prognose favoráveis.

O arguido tem ignorado todas as advertências que lhe têm sido feitas, mostrando completa indiferença pelas normas e pela ordem jurídica, o que o leva a cometer novos crimes, atentando contra o mesmo bem jurídico. É de notar que o arguido cumpria o período de suspensão da execução da pena de prisão quando praticou os factos por que agora foi condenado.

Tudo ponderado leva a afastar a possibilidade de substituição da pena de prisão aplicada por uma pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade.

No entanto, tal não significa que a pena imposta deva ser executada de forma contínua.

A prisão por dias livres tem por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação continuada da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.

Como refere o Juiz Conselheiro Maia Gonçalves:

(...) o que no fundo se pretende com a prisão por dias livres é adaptar a pena à vida familiar e profissional do condenado e criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o delinquente. É, antes de mais, indesejável que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, a ponto de se dizer que “une peine de prison cloclochodise la famille”, sendo ainda indesejável a ruptura prolongada com o meio profissional e social (...).

E o Supremo Tribunal de Justiça, considerou:

(...) Sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter, em grande parte, as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional (...).

Do exposto e atendendo a que o arguido encontra-se inserido profissional e socialmente afigura-se-nos que a execução da pena de prisão por dias livres tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa, assim satisfazendo as exigências de prevenção geral e facilitar a ressocialização do arguido, e sem provocar ruptura na sua rotina profissional, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.

De acordo com o disposto no nº 1 do art 45 do CPenal “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, o que manifestamente acontece no caso “sub judice”, em que a vertente da mera advertência individual é, de entre as dimensões da prevenção especial, a determinante.

Assim, aquela pena de 7 (sete) meses de prisão deve ser cumprida, de acordo com a citada disposição legal e os arts 487º e 488º do CPP, em 42 (quarenta e dois) períodos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração máxima de 48 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

Do exposto julga-se parcialmente procedente o recurso determinando que a pena de 7 (sete) meses de prisão que foi aplicada ao arguido seja cumprida em em 42 (quarenta e dois) períodos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração máxima de 48 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 7 ucs.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade