Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2523/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Data do Acordão: 12/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTº 1º DA LCT E ARTº 1152º DO C. CIV.
Sumário: I – Essencial para a definição de um contrato como sendo de trabalho é a posição de subordinação jurídica em que o dador da força de trabalho se encontra perante o credor dessa prestação .
II – Deparando-se-nos uma situação de colaboração mútua entre litigantes, em consequência de um relacionamento amoroso duradouro, muito próximo do conceito de união de facto, não pode entender-se que tenha ocorrido uma situação de subordinação jurídica de um para o outro .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., intentou acção emergente de contrato de trabalho, contra B..., pedindo que este seja condenado a pagar- lhe a quantia de € 75.047, 71, sendo € 28. 296, 53 a título de diferenças salariais, € 1666, 57 de salários relativos ao trabalho prestado em Agosto e Setembro de 2002, € 1. 422, 57 de férias vencidas nesse mesmo ano e respectivo subsídio, € 1422, 57 de férias vencidas em 2001 e respectivo subsídio, € 2044, 93 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de cessação do contrato, € 35. 039, 94 relativo a trabalho suplementar, bem como a quantia de € 3. 912, 94 de indemnização por antiguidade, quantias essas a que acrescerão juros moratórios até integral pagamento.
Alegou para tanto e em suma
- foi admitida em princípios de Agosto de 1997, para sob as ordens, fiscalização e direcção do R, prestar trabalho no estabelecimento denominado “ Clínica Médica Dentária”, tendo- lhe sido atribuída a categoria profissional de assistente de direcção, mediante o pagamento de uma retribuição que à data da rescisão contratual era de € 498, 80,/mês, acrescidos de € 4, 99 de subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho
- Pôs por sua iniciativa termo a tal contrato em 15/12/02 em virtude de não lhe terem sido pagas diversas remunerações;
- Atendendo às funções que exercia dever- lhe- ia ter sido conferida a categoria profissional de chefe de serviços( superior àquela em que se encontrava) e que também prestou trabalho suplementar que nunca lhe foi pago.
Frustrada a audiência de partes, contestou o R, invocando em suma, que nunca existiu entre ele e a A qualquer vínculo laboral antes, tendo ocorrido entre ambos uma relação amorosa, tendo vivido juntos em, comunhão de mesa, leito e habitação, de modo que toda a actividade que a A desenvolvia na clínica, se desenrolava como consequência de tal vivência, sendo certo que a A se pagava a si mesma e autodeterminava-se em todos os aspectos profissionais, sendo reconhecida como “ patroa”
Concluiu pedido a declaração da improcedência da acção
Prosseguindo o processo seus normais termos, veio a final a ser proferida decisão que determinou a total absolvição do demandado e a condenação da A em multa, como litigante de má- fé.
Discordando apelou a demandante, alegando e concluindo:
A)- A douta sentença recorrida, devido a irregularidades cometidas ao nível da apreciação da matéria de facto, encontra-se totalmente inquinada no que se refere à sua validade;
B) Na verdade, matéria substancial considerada como provada e com relevância para a decisão da causa, são meras conclusões, não são factos, são juízos de valor e por isso a factualidade inerente deve ser considerada como não escrita;
C) Depois a mesma factualidade não é minimamente fundamentada por nenhuma prova haver sido produzida, em manifesta violação do disposto no nº2 do artº 653º do CPC;
D) A matéria relativa ao contrato de promessa e da intervenção da recorrente no mesmo contrato e regime de trabalhadora independente com emissão de recibos “ verdes” é factualidade cuja prova só é admissível por documentos, em conformidade com o disposto no artº 346º do CCv;
E) É contraditória a matéria de facto, quando se afirma que a A “ geria as receitas no seu exclusivo critério” com aquela outra onde se refere que a A " fazia o apuro diário das receitas, depositando-as na conta bancária do R e da sua exclusiva titularidade”
F) É obscuro dizer- que a A “ se pagava a si mesma em valor não concretamente apurado” quando o próprio A afirma, em documento junto aos autos após a cessação do contrato, que o salário mensal é de € 498, 80 acrescido de subsídio de alimentação por cada dia útil de trabalho;
G)- Portanto, além de serem excluídas da matéria de facto elencada as conclusões, ou juízos de valor e a matéria que só por via documental pode ser demonstrada, deve alterar-se a matéria relativa à retribuição da recorrente em conformidade com o disposto no artº 712º do CPC;
H) De igual modo deve considerar-se, em consequência das conclusões que antecedem, como não provada a factualidade de que “ a A nunca recebeu ordens do réu, nem de quem que fosse”
I)- A existência de uma relação amorosa entre empregador e empregada não ´e incompatível com uma relação de trabalho;
J) E no caso dos autos é evidente a conclusão de que entre A e R vigorou um contrato de trabalho subordinado, nos precisos termos em que é definido pelo artº 1º do D. L. 49. 408 de 24/11/69 e artº 1152º do CCv, pois estão preenchidos os requisitos caracterizadores daquele tipo de contrato: a subordinação económica do trabalhador, e a subordinação jurídica, resultante da prestação da actividade sob a ordem, direcção e fiscalização do empregador;
K) Com efeito a A cumpriu um horário de trabalho, tinha uma retribuição, exercia uma função típica de trabalho subordinado, em local e estabelecimento do próprio R e no desenvolvimento de uma actividade lucrativa que a este aproveita em exclusivo
L)- Pois nenhuma prova se produziu da existência de uma qualquer sociedade, o que efectivamente descaracterizaria a relação jurídica de trabalho subordinado;
M) Finalmente a conduta processual da A/ recorrente, não é de molde a considerar-se como litigante de má-fé: exerce o direito de acção constitucionalmente garantido, defende uma tese temerária e até ousada, mas que não tem carácter doloso. A condenação não tem por isso qualquer fundamento legal
N) Assim não tendo decidido o Tribunal de 1º instância, foram violadas as disposições legais supra mencionadas e as disposições processuais da alínea b) e c) do artº 668º do CPC
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância.
1- O R e A tiveram uma relação amorosa;
2- Em 1997 passaram viver juntos, como se de marido e de mulher se tratasse;
3- Desde então até Setembro de 2002 a A e o R viveram em condições em tudo análogas às dos cônjuges;
4- Na verdade, a A e o R comiam e dormiam juntos, partilhavam rendimentos e despesas;
5- A A era considerada por exemplo na clínica , por pacientes, como a esposa do Dr. B..., ora R;
6- O R e a A tinham um projecto de vida comum, no âmbito do qual decidiram comprar as instalações onde presentemente está instalada a Clínica Médica Dentária
7- O contrato promessa de compra e venda do imóvel onde está a clínica foi celebrado pela A e R, na qualidade de promitentes compradores;
8- Na escritura de compra e venda só o R figurou como comprador, porque houve um desentendimento com a mãe da A, a propósito dos valores com que ela ia contribuir para o pagamento do preço;
9- A A começou a frequentar a Clínica Médica Dentária, desde a sua inauguração, no verão de 1997 até que a abandonou em Setembro de 2002;
10- Na mencionada clínica eram A e R que davam ordens aos sucessivos trabalhadores, com predominância da A, visto que o R estava na maior parte das vezes a atender e a tratar os pacientes;
11- A A nunca recebeu ordens do R, nem de quem quer que fosse;
12- A A em função de um desentendimento com uma das empregadas da clínica, agrediu-a, tendo aquela outra se despedido;
13- A A pagava- se a si mesma, em valor não concretamente apurado.
14- Desde Abril de 2000 a final de Março de 2001, a A e R decidiram que aquela passaria a emitir recibos verdes, para efeitos contabilísticos e desta forma rentabilizar o relacionamento do ponto de vista fiscal, com a anuência do contabilista da clínica;
15- A partir de Março de 2001 e até que se ausentou da clínica, em Setembro de 2002, a A com a anuência do R, decidiu passar um talão de féria semelhante aos que passa para os trabalhadores subordinados, para efeitos contabilísticos e fiscais e também para beneficiar da Segurança Social;
16- Desde o início do funcionamento da clínica até ao momento em que a mesma a abandonou, em nada se alterou a sua relação com o R, sempre a A desenvolvendo as suas tarefas , independentemente, sem receber ordens daquele;
17- Todos os meses a A pagava aos trabalhadores da clínica em numerário, porque ela geria as receitas, no seu exclusivo critério;
18- A A pagava às empregadas da clínica, a si própria e também a fornecedores, desde o início, porque era ela que fazia a administração da receita que diariamente a clínica gerava, entregando o remanescente ao R;
19- No período de Agosto a Setembro de 2002, o R deslocou-se ao Brasil, após o regresso do qual se registou a ruptura do relacionamento amoroso, tendo ambos deixado de viver juntos e a A abandonado a clínica, enviando baixas médicas;
20- Durante os meses de Agosto e Setembro de 2002 a A foi recebendo as quantias devidas pelo atendimento dos pacientes, levada a cabo por outros médicos que não o R, quer em cheques, quer em dinheiro, em quantias médias de € 250 a €
500 diários, tendo em 6/9/02 emitido o cheque cuja cópia se acha junta a fls. 93, com vista ao pagamento da remuneração devida à funcionária Elsa Marisa Pinto Monteiro, na qual se incluía metade do subsídio de férias devido;
21- No período entre o verão de 1997 e setembro de 2002, a A atendia clientes, marcava consultas, fazia acompanhamento de doentes, adquiria os materiais e equipamentos necessários ao funcionamento da clínica, bem como orientava e fiscalizava o respectivo pessoal, planeando as actividades deste;
22- A A remeteu ao R a carta cuja cópia se acha a fls. 17, que seguiu sob registo;
23- Na sequência da solicitação da A e para o efeito o R subscreveu a declaração cuja cópia se acha a fls. 20.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que, no essencial importa aqui dilucidar se demonstrado está que entre A e R existiu um vínculo laboral, sendo que como se sabe, o ónus de alegação e prova a tal conducentes, está a cargo da A( artº 342 nº1 CCv).
Depois será também de analisar a problemática relativa à condenação desta em multa, por ter litigado de má- fé, devendo ainda este tribunal pronunciar-se sobre o facto de a recorrente ter alegado que a sentença recorrida padecia de nulidade, nos
termos do artº 668º nº 1 º b) e c) do CPC.
Ora e relativamente a este último item, dispõe o artº 77º nº 1 do CPT( em total consonância aliás com o que já prescrevia o artº 72º nº 1 do anterior diploma adjectivo laboral) que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso( itálico nosso).
Não pode por isso ser considerada a que se faz nas respectivas alegações ainda que estas sejam apresentadas conjuntamente com aquela.
E a razão de ser deste regime é simples.
E que enquanto o requerimento de interposição de recurso é dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão, as alegações destinam-se ao tribunal superior que apreciará a impugnação.
Pelo que, o desrespeito por tal comando, implica a inatendibilidade da arguição feita.- neste sentido que constitui jurisprudência fiem do nosso mais Alto Tribunal, cfr. por todos C.J/STJ, 10, 1, 261 e a abundantíssima jurisprudência aí citada -.
Ora no caso concreto a Ré não deu cumprimento a tal determinação, como se alcança pela simples leitura do requerimento de fls. 126.
Pelo que não se pode conhecer do(s) pretenso(s) vício(s).
Decidida esta questão passemos agora á análise dos restantes pontos que fundamentam a censura feita à sentença proferida na 1ª instância.
Pretende a apelante que existirá erro na indicação de alguma factualidade descrita, nomeadamente porque existe em parte dela contradição e obscuridade e porque foram dados como provados factos que apenas admitiam prova documental, que não foi a propósito produzida.
Refere-se ela especificamente á fundamentação de facto elencada sob os nºs 7, 8, 13 , 14 e 17( parte final).
Bom.
Demos de barato, que assiste total razão à a, neste ponto.
E consideremos como não escritas as respostas dos nºs 7,8, 14 e 17( parte final) e admitamos que a A pagava-se a si mesma no valor constante do doc. fls. 20( o qual se encontra assinado pelo R).
Seria isso suficiente para que a pretensão da A procedesse?
Ou dito de outra maneira: restringida e alterada assim a matéria de facto, tal conduziria á demonstração dos elementos típicos de um contrato de trabalho?
Antes de se responder a esta questão, será talvez conveniente tecer umas breves considerações teóricas acerca da caracterização de um contrato de trabalho.
É o que iremos fazer de imediato.
Dispõe o art.º 1º da LCT- coincidindo aliás sob o ponto de vista literal com o art.º 1152º do CCv- que “ contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
Conceptualização de aparência fácil, mas que e como se sabe, se apresenta por vezes eivada de imensas dificuldades aquando da tentativa da sua integração em situações de facto da vida real, dada sua proximidade com outro tipo de convénio como seja p. ex. o contrato de prestação de serviços, definido pelo artº 1154º também do CCv, como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar á outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Cremos todavia que são hoje doutrina e jurisprudência assentes que o ponto fundamental para a caracterização de um contrato como tendo natureza laboral consiste na existência do elemento “ subordinação jurídica “ .
Do modo que quando ela existe, nos deparamos com um contrato de trabalho; a sua ausência consubstancia( naturalmente preenchidos os restantes elementos) a celebração de um outro tipo de vínculo contratual- neste sentido e entre muitos outros, cfr. CJs 1985, 4º 113 , XXV, IV, 246 e BMJ 447º/308-.
Menezes Cordeiro, in Manual do Direito de Trabalho, 1991, 520 escreve.” .... no contrato de trabalho se refere o prestar uma actividade”.
Mais impressivamente e a este propósito Galvão Telles, in BMJ 83º, 165, expõe:” Todo o trabalho conduz a algum resultado e este não existe sem aquele. O único critério legítimo está em averiguar se a actividade é ou não prestada sob a direcção da pessoa a quem ele aproveita, que dele é credora. Em caso afirmativo, promete-se o trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante ténues, dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução dos resultados que se propõe”.
Como já supra se referiu o ponto essencial, para a definição do contrato de trabalho é a posição de subordinação jurídica, em que o dador da força de trabalho( predominantemente manual ou intelectual), se encontra perante o credor dessa prestação.
Da obtenção, por força de um vínculo laboral, da disponibilidade da força de trabalho alheia, resulta para a entidade patronal uma certa autoridade sobre as pessoas dos trabalhadores admitidos- cfr. M. Fernandes, Dtº do Trabalho, 9ª ed., pág. 239.
Este poder de direcção, desdobra-se :
a)- num poder determinativo da função, em cujo exercício é atribuído ao trabalhador, um certo posto ou categoria, na organização concreta da empresa, equivalente a um tipo de actividade que se define que se define pelas necessidades da mesma empresa e pelas aptidões( ou qualificação ) do trabalhador
b) num poder conformativo da prestação, que já se exprime pela possibilidade de dar ordens e de fazê-las obedecer;
c) num poder regulamentar, referido à organização em globo, mas naturalmente projectado também sobre a força de trabalho disponível que nela se comporta;
d) num poder disciplinar que se manifesta tipicamente pela possibilidade da aplicação de sanções internas aos trabalhadores cuja conduta se revele desconforme com o ordenamento da empresa- cfr. A e ob. citadas em último lugar, págs.239/240-.
Contudo a existência deste quadro conceptual, terá que ser deduzida de elementos de facto em que se concretiza o desenvolvimento das relações contratuais entre os outorgantes.
E assim, a jurisprudência tem apontado como dados caracterizadores de um vínculo laboral, o local de trabalho, o horário de trabalho, o controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a modalidade de remuneração, a propriedade dos meios de produção, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios de trabalho por conta de outrem - cfr. p. ex. C.J. XXV, IV; 246-.
Ora vertendo estes princípios e não olvidando que o ónus de alegação e prova da existência de um vínculo laboral, porque elemento constitutivo do direito alegado, compete à A ( art.º 342º n.º 1 CCv) para o caso concreto o que é que encontramos?
Pois que perante a matéria de facto dada como assente( mesmo aceitando as modificações acima mencionadas)- nenhum elemento fáctico está elencado que conduza à conclusão que na relação existente entre apelante e apelada aquela se encontrava numa posição de subordinação jurídica perante aquele
Existe uma total ausência de qualquer indicação de um mínimo poder de direcção, tal como acima e oportunamente se definiu, em todas as suas vertentes.
O quadro que se nos depara é de uma situação de colaboração mútua entre os litigantes, em consequência de um relacionamento amoroso( aliás algo duradouro) muito próximo se não mesmo integrando o conceito de “ união de facto” e em naturalmente a A tomava até atitudes próprias de quem se considera – também- como proprietário ainda que somente “ de facto” da clínica em causa.
O que é suficiente para que se considere que não logrou a apelante provar como- repete-se – era seu ónus( artº 342º nº citado), o facto jurídico ( causa de pedir)em que funda o seu pedido- ou seja que estava vinculado ao A por um contrato de trabalho -.
É certo que existe um doc. – fls. - 20- que foi assinado pelo R e que poderia à primeira vista implicar a prova do dito contrato.
Na verdade e tratando-se de documento particular emitido pelo aqui apelado e por ele assinado, poder-se-ia dizer que o mesmo faria prova plena não apenas das declarações nela contidas , mas também dos factos compreendidos na declaração que fossem contrários aos interesses do declarante- artº 376º nºs 1 e 2 do CCv- .
Todavia e se assim fosse, nunca poderia deixar de tomar-se em conta, que, nos termos deste último nº, a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a confissão
Ou seja, desde logo a A teria que aceitar a facticidade que desse documento consta e que lhe é desfavorável( p. ex. no que concerne á data do início do pretendo convénio, do pagamento da remuneração do mês de Setembro de 2002 etc.)- porque não logrou provar a sua inexactidão( cfr. artº 360 do CCv -.).
Mas salvo o devido respeito por entendimento diverso “ in casu” tal documento não tem a mencionada força probatória.
Na realidade e como já foi afirmado no douto acórdão do STJ de 26/2/82 in BMJ 318/415, citado por J. Gonçalves Sampaio, in “ A prova por Documentos Particulares”, 1987, págs. 86 ( nota 48), “ O documento só faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrários aos interesses dos declarantes; nessa medida , o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário contra o declarante; em relação a terceiros , tal declaração não tem eficácia plena , valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente”.( itálico nosso).
Cremos que no mesmo sentido vai o igualmente douto acórdão do nosso mais Alto Tribunal, publicado in B. M. J. 268/204.
As mesmas razões levam à conclusão de que se o documento é apresentado por um terceiro em lide contra o autor de uma declaração contida num documento particular, não pode ele invocar a aludida força probatória plena contra este último, para fazer vingar a sua pretensão.
Em suma: a força probatória em análise, só existirá se o documento for apresentado contra a parte que emitiu a declaração nele constante e pelo declaratário desta( ou quem legalmente ocupe a sua posição).
Não é a nosso ver, o que se passa com o referido documento de fls. 20.
Em tal tipo de documento, embora a declaração nele emitida provenha do empregador não se destina ao trabalhador, no sentido de lhe conferir qualquer direito negocial; mas sim a um organismo do Estado e com finalidades públicas de segurança social( eventual atribuição pela colectividade um subsídio de desemprego).
Vale isto dizer que no caso concreto tendo sido o dito documento apresentado pela A ( que não é declaratária, como se mencionou, mas antes terceiro) a respectiva força probatória é de libre apreciação pelo Tribunal( cfr. artºs, artºs 655º do CPC e 389º, 391º e 396º do CCv).
E assim também por esta via não pode considerar-se como demonstrado o contrato invocado pela recorrente.
Finalmente insurge- se esta contra a condenação como litigante de má- fé, a que foi sujeita.
Salvo o devido respeito, também aqui sem razão.
Na verdade e conforme as diversas alíneas do artº 456º nº 1 do CPC e em síntese quem tiver litigado de má-fé será condenado em multa e indemnização à parte contrária se esta o pedir, entendendo-se como litigante de má-fé todo aquele que dolosamente ou com negligência grave, venha a juízo utilizar de forma manifestamente reprovável os meios processuais ou o processo em si mesmo ou que tenha alterado conscientemente a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou ainda quem tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Ora basta cotejar o alegado pela A na sua douta p. inicial e a fundamentação de facto contida na sentença da 1ª instância( mesmo não contando com aqueles que a recorrente ora impugna), para se concluir que aquela omitiu factos fundamentais para a decisão da causa, vindo a juízo peticionar aquilo a que efectivamente não tinha direito.
E contrariamente ao que aduz na sua douta impugnação, nos termo do citado artº 456º, não é sancionável somente a conduta dolosa, mas também a negligência grosseira.
Por isso correcta se mostra a punição aplicada.
Apenas deve ponderar-se e tendo em conta os limites estabelecidos no artº 102º do C.C.J., que (e com todo o respeito o dizemos) esta peca por excesso, indo com alguma intensidade além do que é comum em decisões judicias em casos similares.
Assim julga-se como proporcional à gravidade da conduta processual da A, a aplicação da multa de € 500.
Termos em que , por todo o expendido, se julga parcialmente procedente a apelação e consequentemente condena-se a A como litigante de má- fé , na multa de € 500, mantendo-se no todo restante a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Custas por A e Ré, na proporção do vencimento