Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3444/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: IDENTIDADE DO ARGUIDO E REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º S 283 N° 3 AL. A) E 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário:
I - Constando da acusação e como identificação do arguido, unicamente o seu nome, verifica-se uma insuficiência das indicações tendentes à identificação do arguido, que deve ser suprida, nomeadamente através de consulta de outros elementos dos autos.
II - Pelo que não é motivo de rejeição da acusação, por falta de identificação do arguido.
III - Apenas se deve rejeitar a acusação, quando não há arguido, ou seja, a omissão completa da sua identificação.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 3444/03
Processo nº 175/02.4GDLRA, do 1º Juízo Criminal da comarca de Leiria.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu rejeitar a acusação particular.
Inconformada, a assistente Custódia J..., apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o âmbito do recurso:
1- No auto de inquérito que ora nos ocupa, o Arguido Victor Manuel F... está devidamente identificado.
2- E nos referidos autos, apenas o Victor Manuel F... foi constituído Arguido .
3- A Assistente, na sua peça processual de acusação particular, identificou o referido Victor Manuel F... como Argui-do e destinatário da acusação.
-4- O Mrmº Juiz do Tribunal "a quo", ao rejeitar a acusação par-ticular por ser, por força da alínea a) do nº 3 do artigo 311 do C.P.P., manifestamente infundada, não interpreta correcta- o espírito e a letra da mesma norma,
5- Uma vez que, nos autos, constam elementos suficientes para se proceder à identificação completa e exaustiva do Arguido, contra quem se deduz.
6- Bem assim, como elementos suficientes para não permitirem du-vidas quanto à identidade do Arguido.
NESTES TERMOS, e em outros do douto suprimento de Vªs Exªs e deste Tribunal, de-ve o presente despacho, de fls..., ser devidamente substituído por ou-tro que ordene o recebimento da acusação particular, deduzida pela Assis-tente, prosseguindo os autos os seus normais termos, pois, assim, farão Vªs Exªs e este Tribunal JUSTIÇA.
Na resposta apresentada o Mº Pº, entende que poderá assistir razão à assistente e o recurso merecer provimento.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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É do seguinte teor o despacho recorrido, na parte a analisar:
“Nos termos do disposto no artigo 311°, n.º 2, do Código de Processo Penal, «Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada».
Nos termos do disposto no n.º 3 do citado preceito, a acusação considera-se manifestamente infundada:
[...]
a) Quando não contenha a identificação do arguido».
No caso vertente, e compulsada a acusação particular que faz fls. 41 e ss., deduzida pela assistente CUSTÓDIA J... - não acompanhada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (cfr. fls. 47) -, constata-se que na mesma, no que respeita à identificação do arguido, consta apenas, no seu artigo 1°, o seguinte: «o Arguido Victor Manuel F..., identificado a fls. ...».
Ora, ainda que se admitisse que a não indicação no cabeçalho da pessoa contra quem a acusação em apreço é dirigida poderia ser suprida pela identificação contida no seu articulado, certo é em todo o caso que, conforme resulta claramente do mencionado preceito, a lei exige que a acusação contenha necessariamente - ainda que porventura no articulado - a identificação do arguido.
Com efeito, e como resulta claramente, além do mais, do disposto nos artigos 141°, n.º 3, e 342°, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, identificação é algo bem diverso de nome - o nome é apenas uma das indicações tendentes à identificação do arguido, mas por si só manifestamente não basta.
Assim sendo, logo avulta que a acusação particular que faz fls. 41 e ss. - que não contém a identificação do arguido - não pode ser recebida, por ser manifestamente infundada.
Destarte, e nos termos do disposto no artigo 311°, n.º 2, alínea a), e 3, do Código de Processo Penal, rejeito a acusação particular deduzida a fls. 41 pela assistente CUSTÓDIA J....
Custas a cargo da assistente - artigo 515°, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal -, mas sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que a mesma goza.
Notifique.”
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Conhecendo:
É certo que na acusação particular deduzida pela assistente Custódia Joaquina, a única referência ao arguido e tendente à sua identificação, é exclusivamente o seu nome, Victor Manuel F....
O art. 283, nº 3 al. a), aplicável ex vi art. 284 nº 2 (corpo), do CPP refere que, “a acusação contém, sob pena de nulidade, as indicações tendentes à identificação do arguido”.
O art. 311 refere que a acusação se considera manifestamente infundada, quando não contenha a identificação do arguido, e sendo manifestamente infundada o despacho é no sentido da rejeição da acusação.
A expressão do art. 311 não pode ser mais exigente que a do art. 283, sob pena de os preceitos se contradizerem.
Será que, in casu, pode considerar-se a acusação manifestamente infundada e rejeitar-se a mesma?
Entendemos que não, como salienta o Mº Pº em qualquer das Instâncias.
Mas também entendemos que a assistente tendo todos os elementos de identificação do arguido nos autos, deveria indicar na peça acusatória os elementos exigidos pelo art. 283 nº 3 al. a) do CPP.
A interpretação que tem sido seguida vai no sentido de apenas se rejeitar a acusação, quando não há arguido, ou seja, a omissão completa da sua identificação.
Neste sentido, o Ac. da Rel. de Lx. de 26-09-2001, citado por Maia Gonçalves em anotação ao art. 311, do seu Código de Processo Penal, anotado e comentado.
“Deve entender-se ser apenas caso de acusação manifestamente infundada a falta de arguido e não apenas a deficiência da sua identificação na acusação, quando suprível com outros elementos constantes dos autos”, Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 207.
Nos autos, nomeadamente a fls. 17, consta a identificação do arguido (e não há outro no processo), pelo que a insuficiência da identificação era perfeitamente suprível.
Pelo que entendemos verificar-se insuficiência (suprível) e não falta de identificação do arguido.
O Juiz ao proferir o despacho do art. 311, oficiosamente colmatava a deficiência, convidava a assistente a completar a identificação, ou remetia o processo para julgamento.
Não sendo motivo para se tomar a posição radical de rejeição da acusação.
Decisão:
Tendo em conta o exposto, acordam em dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido.
Sem custas.