Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3147/08.1TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
PRESTAÇÕES DEVIDAS
VENCIMENTO
JUROS
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 781º DO C.CIV.; 2º, Nº 1, AL. A), DO D. L. Nº 359/91, DE 21/09
Sumário: I – O vencimento antecipado das prestações de um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, por falta de pagamento de uma delas, não importa, salvo convenção em contrário, o vencimento dos juros remuneratórios incorporados nessas prestações subsequentes àquela que não foi paga e que determinou o dito vencimento antecipado.

II – A cláusula inserida em contrato de crédito ao consumo, donde conste que “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes” deve ser interpretada no sentido de que a falta de pagamento de uma mensalidade não implica a obrigação do pagamento dos juros remuneratórios que nasceriam até ao termo do prazo contratual inicialmente acordado, por ser este o sentido que um declaratário normal lhe daria.

III – Considerando-se essa cláusula contratual ambígua, sempre valeria aquele sentido interpretativo, por nos termos do nº 2 do referido artº 11º do D.L. nº 446/85, de 25/10, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO


Banco A... , com sede na Rua ...., Lisboa, instaurou a presente acção especial para pagamento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra B... e mulher, C... , residentes na Rua ...., Coimbra, alegando, em síntese:

No exercício da sua actividade comercial, por contrato datado de 06 de Junho de 2006, concedeu aos RR. crédito pessoal directo, tendo-lhes emprestado a importância de 6.000,00 €, com juros à taxa nominal de 15% ao ano, devendo a importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão com imposto de selo, o imposto de abertura de crédito e os prémios do seguro de vida, ser pagos em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 30.06.2006, e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes;

Segundo o acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato das restantes;

Mais foi acordado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 15% – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 19%;

Os RR. não pagaram a 17ª prestação e seguintes, com vencimento, a primeira, em 30.10.2007, vencendo-se então todas as demais prestações, no valor total de 6.587,68 € (149,72 € cada uma).

 Em consequência, pede a condenação solidária dos RR. a pagar a quantia de 6.587,68 €, acrescida de 1.028,76 € de juros vencidos até 25.08.2008, mais 41,15 € de imposto de selo sobre os juros e ainda os juros que se vencerem sobre a dita quantia de 6.578,68 €, à taxa anual de 19%, desde 26 de Agosto de 2008, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Citados pessoalmente, os réus deduziram oposição, alegando, em síntese, que o autor nunca os informou objectivamente de todas as questões de juros, nunca tendo sido explanada de forma clara todas as repercussões que teria em caso de não pagamento, sendo que, logo que não cumpriu a primeira prestação, o réu contactou o autor tentando renegociar o empréstimo, mas o mesmo nunca demonstrou a mínima sensibilidade.

Concluem pela improcedência parcial do pedido, por o valor requerido a título de juros ser exagerado, não correspondendo ao valor real em dívida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a acção a ser julgada parcialmente procedente, condenando os réus a pagarem ao autor:

- a quantia de 149,72 € (correspondente à  17ª prestação), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de tal prestação, e até integral pagamento, à taxa acordada de 19%, acrescida do respectivo imposto de selo incidente sobre os juros, à taxa de 4%.

- a quantia que vier a ser liquidada (ao abrigo do disposto nos arts. 661º nº2, por via do incidente de liquidação previsto no art. 378º, ambos do CPC) e referente ao capital correspondente a cada uma das demais prestações (18ª a 60ª) – excluindo de tais prestações a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros –, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 30.10.2007 e até integral pagamento, à taxa de juro acordada de 19%, acrescida do respectivo imposto de selo, à taxa de 4%.

 Quanto ao mais peticionado foram os réus absolvidos.

Inconformado, apelou o autor que das suas alegações tira as seguintes conclusões:

1. É errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer.

2. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário.

3. A Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145º do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147º do referido Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”

4. É pois manifestante errado o referido “entendimento” expendido na sentença da 1ª instância, pois que se já o era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal “entendimento” constitui uma evidente violação do principio da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil.

5. Acresce, ainda que, como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros, actualmente os juros de juros, adquiriram estatuto de um uso bancário, permitido pelo nº 3 do artigo 560º do C. Civil e que o artigo 5º nº 6 do Dec-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro consente para período não inferior a três meses.

6. Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.

7. É, pois, inteiramente válido, legitimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida na sentença recorrida que, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236º, 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou.

8. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, proferir-se acórdão que revogue a sentença recorrida substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando os RR ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado, como é de inteira JUSTIÇA.

Os réus não contra-alegaram.

Foram colhidos os vistos legais.


ª

Tendo em conta que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas (arts. 684º nº3 e 690º nº 1º do Cod. Proc. Civil), a única questão proposta para resolução traduz-se em saber se o vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo em apreço, pela falta de pagamento de uma delas, abrange tão só a parcela respeitante ao capital ou importa também o vencimento dos juros remuneratórios que nas prestações foram incluídos referentes a prazo que ainda não tinha decorrido à data daquele vencimento antecipado.



                                                                   ª

II-FUNDAMENTAÇÃO


DE FACTO

Foram considerados provados os factos seguintes:

1. No exercício da sua actividade comercial, por contrato datado de 06 de Junho de 2006, junto a fls. 12 e 13, e cujos termos aqui se dão por reproduzidos, o A. concedeu aos RR. crédito pessoal directo, tendo-lhes emprestado a importância de 6.000,00 € (acordo);

2. Nos termos de tal contrato, o A. emprestou aos RR. tal quantia, com juros à taxa nominal de 15% ao ano, devendo a importância do empréstimo, os juros referidos, a comissão de gestão com imposto de selo, o imposto de abertura de crédito e os prémios do seguro de vida, ser pagos, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 30.06.2006, e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes (acordo).

3. Segundo o acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato das restantes (acordo).

4. Mais foi acordado entre o A. e os RR. que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada de 15% - acrescida de 4%, ou seja, um juro à taxa anual de 19% (acordo).

5. Das prestações referidas, os RR. não pagaram a 17ª prestação e as seguintes, vencida a primeira em 30 de Outubro de 2006 (acordo).

6. O valor de cada prestação era de 149,72 (acordo).

ª



 DE DIREITO

Como acima dissemos, a única questão que o banco recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal é a de saber se o vencimento antecipado de todas as prestações posteriores à 17ª, de um total de 60, por os réus não terem pago esta prestação incumprindo o contrato de mútuo que com ele celebraram, determina que além do pagamento do capital correspondente às prestações vencidas, tenham também que lhe pagar os juros remuneratórios que estavam, igualmente, incluídos nos montantes dessas prestações.

Trata-se de questão já largamente debatida nos nossos Tribunais Superiores e que deles tem merecido solução praticamente unânime, como deu a saber o STJ em seu recente aresto de 10/07/2008, Proc. 08A1267, disponível em www.dgsi.pt, no qual referiu que, a essa data, em mais de vinte acórdãos proferidos por todas as secções cíveis daquele Tribunal, só num deles, o de 22/02/2005, Proc. 3747/04-1, houve divergência. Todos os acórdãos do STJ posteriores a 22/02/2005[1] e os acórdãos que se conhecem desta Relação, pelo menos os de 21/10/08, Proc.901/08.8TJCBR.C1, 2/12/08, Proc.1354/08.6TJCBR.C1 (de que o ora relator também foi subscritor), e de 1/04/09, Proc. 3816/06, o primeiro com publicação no sítio www.dgsi.pt, se pronunciaram no sentido de que “o vencimento antecipado de todas as prestações do contrato de mútuo oneroso de crédito ao consumo, pela falta de pagamento de uma delas, não implica, salvo convenção em contrário, o vencimento imediato dos juros remuneratórios incorporados em cada uma das prestações acordadas e referentes a prazo ainda não decorrido ao tempo do vencimento antecipado” (sumário do Ac. do STJ de 10/07/2008, supra referenciado).

Por isso, e pela clareza e força dos argumentos desenvolvidos nesses arestos, a cuja fundamentação aderimos plenamente, contrários à tese aqui defendida pelo banco apelante, poderíamos limitar-nos à prolação de decisão sumária nos termos permitidos pelo art. 705º do CPC.

No entanto, ainda que sucintamente, aproveitamos para vincar algumas ideias chave da solução que vem merecendo acolhimento nesta Relação e no STJ.

Todavia, ainda antes de se entrar propriamente nessa análise importa para cabal elucidação do recorrente que se faça uma chamada de atenção. Ao longo do corpo das suas alegações tece um conjunto de considerandos em torno do art. 781º do Cod.Civil e a desnecessidade de interpelação do credor ao devedor para o fazer operar totalmente deslocadas e desapropriadas para a questão a apreciar tal como ela se apresenta perante a matriz da decisão recorrida[2]. É que não interessa aqui convocar o regime legal supletivo acolhido no art. 781º do Cod.Civil, relativo aos pressupostos de vencimento antecipado das prestações de dívida, em virtude de o regime de vencimento se encontrar validamente convencionado e como tal haver sido reconhecido na sentença da 1ª instância, cuja validade nessa vertente não se questiona.

Passemos então ao que importa.

Não há dúvida que as partes celebraram um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, previsto no art. 2º nº 1 al. a) do DL 359/91, de 21/09, que o define como “o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”, e regulado pelos arts. 362º e 394º a 396º do Cod.Com., 1142º a 1151º do Cod.Civil e, bem assim, por se tratar de mútuo remunerado (art. 395º do Cod.Com.), que os juros são elemento essencial do próprio contrato. Por isso mesmo é que os contraentes estipularam uma taxa de juros remuneratórios (juros destinados a remunerar o capital emprestado) de 15% fixa ao longo de todo o período do contrato, como expressamente consta do documento junto a fls. 12.

Entende o banco recorrente que o art. 1147º do Cod.Civil lhe confere o direito a exigir dos demandados os juros que seriam pagos se o contrato fosse cumprido, com as prestações que se venceram por causa do não pagamento da 17ª prestação e que o contrário coloca o devedor relapso em melhor posição que aquele que cumpre o contrato até ao fim.

Como se ponderou na sentença recorrida, os juros “são os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis (em regra valores pecuniários), que representam o rendimento de uma obrigação de capital. São, por outras palavras, a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária de certo capital ”. Tais juros, que pela sua finalidade de rentabilização do capital se designam de remuneratórios, são determinados em função de três factores: a) do valor do capital cedido/devido, no caso o mutuado; b) do tempo de duração do respectivo reembolso, isto é, do tempo durante o qual se mantém a indisponibilidade do capital por parte do credor mutuante; c) da taxa de remuneração que é estabelecida entre os contraentes, ou fixada por lei[3].

Sendo então os juros remuneratórios calculados em função do tempo de duração do contrato, o respectivo crédito vai nascendo à medida que o tempo do contrato vai decorrendo e mantém-se até ao momento do vencimento da obrigação de restituição do capital.

Na prática bancária, estes juros estão pré-calculados e incluídos, com o capital, nas prestações estabelecidas no pressuposto do cumprimento integral do contrato, “que consiste em o mutuário ir liquidando prestações constantes, diluindo e antecipando o pagamento dos juros remuneratórios desde o momento em que passa a dispor do capital ”. Mas tal prática não contém a virtualidade de retirar a estes juros “a sua natureza de frutos civis (art. 212º-2 C. Civ.) representativos do preço de utilização do capital, sempre relacionados com o tempo dessa utilização”, e como rendimento financeiro do capital “geram-se em função do decurso do tempo do mesmo modo que só se mantêm até ao momento de restituição do capital que se destinam a remunerar[4].

Pedindo-se todo o montante dos juros remuneratórios com a antecipação do vencimento resultante da falta de pagamento de uma das prestações, eles que foram calculados para todo o período de vigência do contrato, não encontrariam correspondência ou proporcionalidade com o tempo decorrido até à exigibilidade do pagamento do capital, por perda do benefício do prazo, e a natureza retributiva indexada ao tempo que aqueles encerram.

 Assim, quando o art. 781º do Cod.Civil prevê que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas implica o vencimento imediato das restantes, fá-lo no sentido de vencimento da parcela do capital mutuado, não tendo aplicação quanto à parcela respeitante a juros.

No caso em apreço, demonstra-se o vencimento de todas as prestações pela falta de pagamento de uma delas, como as partes acordaram no contrato em apreço e como prevê, supletivamente, o art. 781º do Cod.Civil. A dívida de capital tornou-se imediatamente exigível pela totalidade das prestações vencidas, porque a obrigação, única, embora com cumprimento escalonado, existe e é líquida.

Mas quanto aos juros remuneratórios que deveriam ser pagos conjuntamente com as prestações que se venceram antecipadamente, precisamente por serem calculados para todo o período de vigência do contrato, é que a antecipação do vencimento da dívida, por falta do pagamento de uma determinada prestação, não pode levar ao seu vencimento, e consequente exigibilidade do pagamento.

E convém não esquecer que apesar da acessoriedade da obrigação de juros em relação à dívida de capital, tais obrigações são ainda assim autónomas, como resulta do disposto no art. 561º do Cod.Civil, podendo o credor ceder, no todo ou em parte, o seu crédito de juros e conservar o crédito relativo ao capital, ou, pelo contrário, ceder a outrem o crédito de capital e manter para si, no todo ou em parte, o crédito dos juros vencidos, e até mesmo “é perfeitamente possível (…) que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegro o primeiro[5].

Portanto, o banco recorrente apenas tem direito a exigir dos réus os juros remuneratórios incluídos nas prestações que se venceram até àquela que ficou por pagar, a 17ª. Não já os que estavam incluídos nas prestações seguintes, pois com a antecipação da data do vencimento da dívida deixou de haver fundamento legal para que o banco lhes possa exigir juros remuneratórios como se o capital ainda estivesse indisponível pelo prazo inicialmente previsto para a duração do contrato e amortização da dívida.

Nem a objecção que o recorrente suscita com a comparação do cumprimento antecipado do art. 1147º do Cod.Civil procede, porquanto se trata de situações bem distintas. “Enquanto que no cumprimento antecipado pelo mutuário, o mutuante não se pode opor, já o vencimento imediato das prestações por falta de uma delas depende da vontade do mutuante, que não está obrigado a exigir imediatamente o pagamento de todas elas”[6].

A ser como pretende o banco recorrente então a resolução do contrato seria mais vantajosa e apetecível para o financiador do que o próprio cumprimento do mesmo. Realidade que oportuna observação feita na sentença recorrida “explica porque o mesmo se apressa a considerar vencidas as demais prestações – no preciso dia do vencimento da 17ª prestação, no valor de 149,72 €, única prestação então em atraso, num contrato de 60 prestações mensais”, quando poderia até tolerar o atraso ocorrido continuando a manter o direito a receber os juros pela quantia mutuada ainda não restituída.

E foi no sentido exposto que decidiu a 1ª instância, negando ao autor direito aos juros remuneratórios desde a 18ª prestação, respectivo imposto e prémios de seguro de vida incluídos em tais prestações, com oportuno suporte na doutrina e jurisprudência, mas apenas aos juros moratórios sobre o capital em dívida, e como não é possível determinar o montante exacto destas prestações de capital por pagar, relegou para incidente posterior de liquidação tal tarefa.

O banco apelante controverte também a justeza desta decisão considerando que a mesma viola o que as partes expressamente acordaram no contrato, particularmente na alínea b) do art. 8º das condições gerais juntas a fls. 13, cláusula contratual em que as partes convencionaram que “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes” entendendo que nela estaria também incluído o direito ao recebimento dos ditos juros.

Esta questão também já foi apreciada em vários arestos, nomeadamente nos acórdãos do STJ de 27/11/2008 e de 14/11/2006, e desta Relação de 2/12/08 acima citados. Por isso, concordando com a posição aí perfilhada também no caso se poderá dizer que um declaratário normal, colocado na posição dos réus, interpretaria a dita cláusula no sentido de que a falta de pagamento de uma prestação implicava a perda do benefício do pagamento escalonado do capital emprestado, mas não no sentido de que a falta de pagamento de uma mensalidade implicaria o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim do contrato. Aquele é o efeito normal do não pagamento pontual do contrato, ao passo que este seria um efeito anormal ou excepcional e, como tal, teria que ser alegado e inequivocamente provado pelo banco ora apelante, o que não aconteceu.

Mas mesmo que se considerasse aquela cláusula como portadora de alguma ambiguidade, sempre teria que prevalecer o sentido mais favorável ao réu contraente, nos termos do nº 2 do art. 11º do DL 446/85, de 25/10, por o contrato em questão, de crédito ao consumo, onde tal cláusula está inserta, ser um contrato de adesão. “Estando…perante cláusulas predispostas, redigidas pelo mutuante, sem possibilidade de influência pelo aderente, sempre caberá àquele suportar os riscos de uma possível ambiguidade[7].

Por conseguinte, improcedem as conclusões do recurso.

ª

Resta sumariar em cumprimento do ordenado no nº 7 do art. 713º do CPC, a que se obedece nos seguintes termos:

I - O vencimento antecipado das prestações de um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, por falta de pagamento de uma delas, não importa, salvo convenção em contrário, o vencimento dos juros remuneratórios incorporados nessas prestações subsequentes àquela que não foi paga e que determinou o dito vencimento antecipado.

II - A cláusula inserida em contrato de crédito ao consumo, donde conste que “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes” deve ser interpretada no sentido de que a falta de pagamento de uma mensalidade não implica a obrigação do pagamento dos juros remuneratórios que nasceriam até ao termo do prazo contratual inicialmente acordado, por ser este o sentido que um declaratário normal lhe daria.

III – Considerando-se essa cláusula contratual ambígua, sempre valeria aquele sentido interpretativo, por nos termos do no n.º 2, do referido art.º 11º, do DL 446/85 de 25.10, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente.



III – DECISÃO


Na sequência do que ficou dito, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada.

            Custas pelo apelante.


[1] Além do supra citado de 10/07/2008, cfr. os de 12/09/2006, Proc. 06A2338, de 14/11/2006, Procs. 06A2718 e 06B2991, de 23/09/2008, Proc. 08B3923 e de 27/11/2008, Proc. 07B3198, todos disponíveis no sítio www.dgsi.pt.
[2] Poderá ter origem no facto de se ter adoptado um modelo alegatório para os muitos recursos em que já se percebeu estar o recorrente interessado, e não ter havido o cuidado de atentar nas particularidades de alguns deles.
[3] Veja-se Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pg. 898.
[4] Ac. do STJ de 10/07/2008, supra citado.
[5] Antunes Varela, obra e vol. cit., pgs. 903 e 904.
[6] Ac. desta Relação de 1/04/09 acima citado.
[7] Ac. desta Relação de 2/12/08 já citado.