Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
153/06.4TRSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
PRESSUPOSTOS DA DECLARAÇÃO
INQUIRIÇÃO OFICIOSA DE PESSOAS EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 30º, Nº 1; 35º, Nº 2, DO CIRE; 645º, Nº 1, DO CPC
Sumário: I – Como decorre da letra do artº 645º, nº 1, do CPC, o tribunal poderá ordenar oficiosamente a inquirição de qualquer indivíduo (não indicado como testemunha), quando se convença, pelo depoimento de uma outra pessoa ou por outra via, que o mesmo tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa.

II – Nos termos do artº 30º, nº 2, do CIRE, cabe ao devedor provar a sua solvência, isto é, o ónus da prova da solvência cabe ao requerido e não ao requerente, pelo que provando o requerente a sua dívida passa a competir ao requerido provar a possibilidade de a solver.

III – O artº 35º, nº 4, do CIRE determina que o juiz deve ditar logo para a acta a declaração de insolvência se os factos alegados na petição inicial forem subsumíveis no nº 1 do artº 20º do CIRE, ou seja, quando exista suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas e quando exista falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ão de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A...., com sede na Rua do Ouro 88, 1100-063 Lisboa, veio requerer a insolvência de B.... e mulher C..., residentes em Viegas, Vila Cova à Coelheira, Seia, pedindo se declarem em estado de insolvência os requeridos e que seja verificado e graduado o seu crédito no montante de 15.132,82 euros.
Fundamenta o seu pedido, em síntese, dizendo que é credor dos requeridos da importância referida, sendo que pelas obrigações que estes têm e seu montante, revelam a impossibilidade de os mesmos satisfazerem as suas obrigações, não tendo, outrossim, bens suficientes penhoráveis para o pagamento do seu crédito.
1-2- Citados os requeridos, vieram deduzir oposição, sustentando, em síntese, que não estão numa situação de impossibilidade de satisfazer as suas obrigações e que os seus bens são superiores ao passivo, razão por que não estão numa situação de insolvência.
Terminam pedindo a improcedência da acção, não se devendo considerar reconhecida a situação de insolvência.
1-3- Realizada a audiência de julgamento, verificou-se que, devidamente notificados, os requeridos nem compareceram nem se fizeram representar por quem tivesse poderes especiais para transigir. Assim, ao abrigo do disposto no artº 35º, nº 2 do C. I. R. E., consideraram-se confessados os factos alegados na petição inicial.
Mais se considerou, dada esta posição, que não tinha relevância o requerimento que havia dado entrada nesse dia, relativo à justificação da ausência das testemunhas arroladas pelos requeridos e pedido de adiamento da audiência, na medida em que se deveriam ter como confessados os factos alegados na petição inicial e os mesmos se subsumiam no disposto nas als. a) e b) do nº 1 do artº 20º do C. I. R. E. ( designadamente os referidos nos artºs 3º, 8º, 15º e 22º da petição inicial ). Acrescentou-se ainda que, mesmo que assim não fosse, o requerimento em causa não mereceria também provimento, por falta de fundamento legal bastante, atenta a natureza urgente do processo de insolvência, onde se consagra o dever de apresentação das provas ( artº 25º, nº 2 do C. I. R. E.) e a proibição genérica da suspensão da instância ( com raras excepções, cfr. artº 8º nº 1 do código citado ).
Em consequência, ao abrigo do disposto no artº 35º nº 4 do C. I. R. E., declarou-se a insolvência dos requeridos, B... e de .
1-4- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os requeridos, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-5- Os requeridos alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- No caso em análise e não obstante a falta de fundamento legal para o pedido de adiamento da diligência, poderia e deveria o tribunal suspender a audiência afim de ouvir as testemunhas indicadas pelos recorrentes, já que as mesmas tinham conhecimento dos factos discutidos e o seu depoimento era importante com vista à boa decisão da causa.
2ª- Competia ao requerente provar a não viabilidade económica dos requeridos.
3ª- No caso tal prova não foi feita, o que implicaria necessariamente a improcedência da acção.
4ª- A decisão recorrida não apresenta uma fundamentação que tivesse fundamentado ou justificado a decisão jurídica proferida.
5ª- A sentença recorrida violou os arts. 645º e 668º nº 1 al. b) do C.P.Civil, 205º da Constituição, 342º do C.Civil e 1º, 2º e 3º do CPERFE.
1-8- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ). Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar:
- Aplicação, ou não, ao caso vertente, do disposto no art. 645º nº 1 do C.P.Civil.
- Ónus da prova sobre a situação de insolvência dos requeridos.
- Nulidade da sentença.
2-2- Como se vê, os recorrentes começam por sustentar que no caso, não obstante a falta de fundamento legal para o pedido de adiamento da diligência, poderia e deveria o tribunal suspender a audiência afim de ouvir as testemunhas indicadas pelos recorrentes, nos termos do art. 645º nº 1 do C.P.Civil, já que as mesmas tinham conhecimento dos factos discutidos e o seu depoimento era importante com vista à boa decisão da causa. Ou seja, os recorrentes aceitam que não existia fundamento legal para adiamento da audiência de discussão e julgamento. Assim sendo, como poderia o tribunal, por um lado não adiar a diligência e pelo outro proceder à audição das testemunhas em julgamento ? É pergunta para a qual não achamos resposta, sendo certo que os recorrentes nas suas alegações também o não dizem. Sublinhe-se que uma qualquer suspensão da diligência, seria equivalente, como nos parece óbvio, ao adiamento do julgamento.
O art. 645º nº 1 do C.P.Civil ( que estabelece que “quando no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor”), tem um âmbito de aplicação diferente do preconizado pelos recorrentes. Com efeito, como se depreende da sua enunciação, o tribunal poderá ordenar oficiosamente a inquirição de qualquer indivíduo ( não indicado como testemunha ), quando se convença, pelo depoimento de uma outra pessoa ou por outra via, que o mesmo tem conhecimentos de factos importantes para a decisão da causa. Isto é, para aplicação do dispositivo será necessário que, elementos probatórios e outros, inculquem ao tribunal, a necessidade da inquirição de pessoas não indicadas para depor.
Ora, no caso vertente, nada disto se passou. Não só as pessoas em causa foram indicadas como testemunhas, como também não resultou de qualquer elemento, a necessidade premente da audição dessas pessoas, com vista à boa decisão da causa.
A posição assumida pelo Mº Juiz foi, pois, correcta.
Sustentam depois os recorrentes que competia ao requerente provar a não viabilidade económica dos requeridos. No caso vertente, tal prova não foi feita, o que implicaria, necessariamente, a improcedência da acção.
Mais uma vez os recorrentes carecem de razão, já que nos termos do art. 30º nº 2 do C.I.R.E. ( Dec-Lei 53/2004 de 18/3, alterado pelo Dec-Lei 200/2004 de 18/8), aplicável ao caso, dada a data da entrada em juízo da p.i. - 27-2-2006 -)[11 O CPEREF, que os recorrentes invocam, foi expressamente revogado pelo art. 10º do Dec-Lei 53/2004 de 18/3, continuando-se a aplicar as normas da lei antiga, tão só, aos processos pendentes à data da entrada em vigor do ( novo ) Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas ( art. 12º nº 1 do mesmo Dec-Lei ), o que se não verifica no caso vertente. ], cabe ao devedor provar a sua solvência. Isto é, o ónus da prova da solvência cabe ao requerido e não ao requerente, como defendem os recorrentes. Assim sendo, provando o requerente a sua dívida, competiria aos requeridos, no caso, provar a possibilidade de a solver, o que não fizeram.
Mas mesmo que assim não fosse, dado que os factos alegados pelo requerente foram dados como confessados, todos eles se devem ter como assentes. Ora desses factos resulta a insolvência dos requeridos ( isto é, a situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas ) pelo que o próprio requerente logrou provar o elemento em causa. Veja-se a propósito os factos alegados na p.i. sob os arts. 17º, 18º e 22º.
Sustentam também os apelantes que a decisão recorrida não apresenta uma fundamentação que tivesse fundamentado ou justificado a decisão jurídica proferida.
Chamam aqui à colação o vício da sentença, a que alude o art. 668º nº 1 al. b) do C.P.Civil.
Nos termos desta disposição a sentença será nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem da decisão”. Esta nulidade, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência[22 Ver entre muitos, Acs. Do STJ de 26-2-2004 Proc. 03B3798/ITIJ/Net e de 13-1-2000; Sumários 37º, 34).], só ocorre quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a justificação seja apenas deficiente.
Segundo os recorrentes, essa deficiência da sentença ocorre porque o Mº Juiz não faz qualquer motivação da própria decisão, ou seja não apresentou uma especificação fundamentada quanto aos meios de prova que fundamentaram ou justificaram a decisão jurídica proferida. Embora os factos alegados na p.i. se considerem confessados, a verdade é que se impunha uma fundamentação, já que matéria alegada na p.i. não poderia de modo algum conduzir à procedência da acção. A mesma decisão é omissa quanto aos fundamentos de direitos, já que apenas invoca o preceito legal que declara a insolvência dos recorrentes.
Na douta decisão da recorrida, sobre o assunto, exarou-se:
Ao abrigo do disposto no artº 35º, nº 2 do C. I. R. E., consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial” sendo que os mesmos “se subsumem no disposto nas als. a) e b) do nº 1 do art. 20º do C.I.R.E. (designadamente artºs 3º, 8º, 15º e 22º da petição inicial ) e mais adiante “pelo exposto, ao abrigo do disposto no artº 35º, nº 4 do C. I. R. E. declara-se a insolvência de B... e de C...”.
Quer dizer, quanto à matéria de facto no aresto deu-se como provada, por confissão, todos os factos alegados na petição inicial. Como fundamento jurídico de procedência da acção, deu-se o disposto o art. 35º, nº 4 do C. I. R. E..
Diga-se desde já que esta disposição legal determina que o juiz deve ditar logo para a acta, a declaração de insolvência, se os factos alegados na petição inicial forem subsumíveis no nº 1 do art. 20º, ou seja, quando exista “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” e quando exista “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Ora, tendo-se o Mº Juiz baseado nesta disposição e considerando que os factos alegados na p.i. ( designadamente os que evidenciou ) se encontravam confessados e eram subsumíveis ao disposto nas als. a) e b) do nº 1 do art. 20º do C.I.R.E., está a fundamentar a decisão, não só sob o ponto de vista factual mas também sob o ponto de vista jurídico.
Claro que poderia ter elaborado uma melhor fundamentação, designadamente dizendo por que razões os factos evidenciados integravam as ditas causas de insolvência. Mas como já dissemos acima, a irregularidade da sentença de que vimos falando só existe quando haja uma total ausência de fundamentação e já não quando a justificação seja deficiente.
Assim, podemos concluir que não existe a invocada nulidade da decisão.
Mas mesmo que assim não fosse, nem assim os recorrentes retirariam qualquer proveito da situação, visto que, como se sabe, nos termos do art. 715º nº 1 do C.P.Civil, este tribunal não poderia deixar de conhecer do objecto da apelação, colmatando, assim, a nulidade cometida.
Para que não fiquem dúvidas diremos que os factos dados como assentes, indiciam que os requeridos deixaram de efectuar, generalizadamente, os pagamentos das suas dívidas ( como demonstram os factos alegados nos arts. 15º e 16º da p.i. ) e dado o montante em dívida aos seu credores ( que os arts. 8º e 21º provam da p.i. ), à duração da mora e dada a insuficiência do património que garanta o património coercivo ( que os arts. 17º, 18º e 22 º da p.i. demonstram ), pode-se, igualmente, concluir que está indiciada a impossibilidade dos requeridos em satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações. Estão pois integrados os fundamentos de insolvência a que alude o art. 20º nº 1 als. a) e b) do C.I.R.E.
O recurso é improcedente in totum.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.