Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
82/21.1GAPCV-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: NÃO PAGAMENTO DA MULTA SUBSTITUTIVA DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO DA PENA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE
EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
FORMA DE CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 05/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENACOVA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 43.º, N.º 1, E 45.º, N.º 2, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 1.º, ALÍNEA B), 4.º, N.º 4, E 7.º, N.º 2, DA LEI N.º 33/2010, DE 2 DE SETEMBRO
Sumário: I – Face à actual redacção do artigo 43.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, a execução em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa, previsto no n.º 2 do artigo 45.º do Código Penal, passou a ter uma dupla natureza, constituindo não apenas uma pena de substituição, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão

II – A aplicação deste regime exige da parte do julgador um juízo de prognose sobre a verificação das condições substantivas para o efeito, ou seja, que o tribunal conclua que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, bem como a verificação dos pressupostos formais referidos nos art. 4.º e 7.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.

III – É entendimento generalizado que a aplicação do regime de execução da pena no que respeita às situações das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal é feita na sentença, momento processual em que o tribunal deve ponderar a verificação das condições substantivas e, em caso positivo, deve também averiguar sobre a verificação das referidas condições formais, técnicas e consentimentos.

IV – Na situação da alínea c), in fine, do nº 1 do artigo 43º do Código Penal o tribunal terá que realizar o mesmo juízo de ponderação e verificação das condições substantivas e formais para a aplicação do regime de cumprimento da pena na habitação e o momento processual é aquele em que ele aprecia e decide a revogação da pena substitutiva de multa e, consequentemente, determina que o condenado terá de cumprir a pena de prisão inicialmente fixada.

V – Sendo o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação também forma de execução da pena de prisão resultante do não pagamento da multa substitutiva daquela, a sua aplicação poderá ser ponderada a requerimento do interessado, nomeadamente aquando da sua audição para pagamento da multa sob pena de cumprimento da pena de prisão fixada.

VI – A omissão da ponderação da aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, aquando da decisão de revogação da pena substitutiva de multa, não constitui nulidade insanável legalmente prevista, que possa ou deva ser conhecida a qualquer momento, pelo que transitando em julgado a decisão judicial que determinou o cumprimento da pena de prisão em consequência da multa não paga, fica precludida a possibilidade de apreciação da questão.

Decisão Texto Integral:
Relator: Luis Teixeira
1.º Adjunto: Vasques Osório
2.º Adjunta: Maria José Guerra

1. No processo supra identificado, requereu o arguido AA, ao abrigo do disposto no art.º 43.º n.º 1 al. c) do Código Penal, que a pena de prisão efetiva – de 7 (sete) meses – a que foi condenado, pudesse ser executada no seu domicilio em harmonia com o atual Regime de Permanência na Habitação.

             2. Por despacho de 02-03-2023, foi indeferida a pretensão do arguido.

            3. Não se conformando com a decisão, dela recorre o arguido formulando as seguintes conclusões:

            1. O Recorrente encontra-se atualmente recluso no Estabelecimento Prisional ... sob o n.º 562, para cumprimento de uma pena de prisão efetiva de 7 (sete) meses, inicialmente substituída por pena de multa, posteriormente revogada;

2. O Recorrente foi detido e preso no dia 30-01-2023;

            3. Através de requerimento datado de 08-02-2023 com a Ref.ª 4466654, requereu abrigo do disposto no art.º 43.º n.º 1 al. c) do CP ser sujeito ao Regime de Permanência na Habitação;

            4. O douto Despacho com a Ref.ª 90697137, datado de 02-03-2023, entende que o momento processual para realizar este pedido se encontra ultrapassado, devendo ter sido apresentado aquando da revogação da pena de substituição;

5. …

            6. O Recorrente nunca teve conhecimento da Promoção datada de 21-11-2022, com a Ref.ª 89835707 e do Despacho datado de 24-11-2022, com a Ref.ª 89851775 (Tribunal a quo):

            7. Id est, jamais teve conhecimento do indeferimento do pedido de pagamento da multa em prestações, que fez pelo próprio punho, no dia 18-11-2022, nem lhe foi comunicada, posteriormente, qualquer guia ou documento único de cobrança para pagamento da multa na sua totalidade conforme havia expressamente solicitado;

            8. Nem o seu Defensor à época nem o Tribunal a quo lhe comunicaram que teria escassos dias para liquidar a multa sob pena de ir preso. Não recebendo qualquer notificação ou contacto para liquidar o valor integral da multa, foi com enorme espanto confrontado com a sua detenção e subsequente prisão;

         9. Daí que o Recluso, … lançou mão do expediente legal previsto no art.º 43.º n.º 1 al. c) do CP, que estatui o seguinte: “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

   10. Venerandos Juízes Desembargadores, o Recorrente ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, entende que o instituto do Regime de Permanência na Habitação encerra em si mesmo mais do que uma pena de substituição, porquanto, assume vestes claras de uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão;

11. Assim sendo, o poder de conhecer sobre a aplicabilidade ou não deste regime não se esgota aquando da prolação da sentença ou aquando da revogação da pena de multa de substituição!

            12. Partilhamos do entendimento que o Tribunal da Condenação pode, enquanto a pena de prisão efetiva estiver em curso – a todo tempo – conhecer e aplicar este Instituto com previsão legal no art.º 43.º do CP;

            13. No mesmo sentido podemos observar douto Acórdão proferido por este Venerando Tribunal da Relação de ..., datado de 22-11-2017, no âmbito do processo n.º 55/16.6GDLRA.C1,

           

14. Neste sentido, não temos apenas o nosso entendimento e o pensamento deste Venerando Tribunal, porquanto, o Digníssima Relação do Porto já se pronunciou de igual modo, conforme podemos constatar através da consulta do acórdão datado de 07-03-2018, no âmbito do processo n.º 570/15.9GBVFR-A.P1 …

            …

17. A alteração legislativa ocorrida no ano de 2017 comportou consigo a ideia chave que as penas de prisão de curta duração deveriam ser evitadas, inclusive, saliente-se que os regimes de prisão por dias livres e de semidetenção foram abolidos, nessa mesma esteira de pensamento;

            18. … o aqui Recorrente requereu a aplicação do Regime de Permanência na Habitação;

            …

            20. Salvo o devido e merecido respeito cremos que no tratamento e apreciação do presente assunto, andou mal o douto Tribunal a quo, desde logo, por entender que o Tribunal competente para apreciação desta questão seria o Tribunal de Execução das Penas (doravante designado por TEP) de ..., cfr. Despacho com a Ref.ª 90520876, datado de 10-02-2023;

21. Em seguida, o digníssimo magistrado do Ministério Público do TEP ... entendeu – e diga-se: bem – que o requerimento efetuado ao abrigo do daquele normativo deve ser apreciado pelo Tribunal de Condenação;

            22. Contudo, dado que o Tribunal de Execução das Penas de ... não se pronunciou sobre o mérito do requerimento apresentado pelo Arguido, este reforçou a sua posição através de Requerimento datado de 28-02-2023 e, em resposta, veio o Tribunal a quo proferir o Despacho que aqui se recorre;

            …

           


*

4. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese:

7. Assim, bem andou o tribunal recorrido ao decidir como decidiu, indeferindo o requerimento do arguido.

            5. Junto desta Relação, o Exmº PGA, pelas razões expostas na resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

            6. O recorrente arguido veio responder reafirmando o que já dissera no recurso interposto e sustentando, mais uma vez, a procedência do mesmo.

            7. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.     


II

Questões suscitadas pelo recorrente:

1. O conhecimento, pelo arguido recorrente, do teor dos despachos de indeferimento do pedido de pagamento da multa em prestações sob pena de cumprimento da pena de prisão.

2. A tempestividade processual do pedido de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.


III

Tem o despacho recorrido o seguinte teor:

“Apreciando e decidindo.

Melhor analisada a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas, junta aos autos através de ofício de 22.02.2023, constata-se que, de facto, o Tribunal em apreço entendeu não ser o competente para apreciar o dito requerimento.

De facto, melhor analisado o requerimento apresentado pelo arguido a 08.02.2023, verifica-se não estar em causa uma das situações previstas nos artigos 118.º e seguintes bem como no artigo 138.º, n.º 4, alínea l), todos do Código de Execução de Penas, donde resulta que, a ser assim, compete a este Tribunal a apreciação do referido requerimento.

Ora, nos presentes autos, e por sentença transitada em julgado no dia 28.03.2022, foi o arguido AA condenado na pena de 7 meses de prisão substituída por 200 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, no total de € 1.600,00.

Por despacho datado de 23.06.2022 (referência n.º 88754754), com trânsito a 24.11.2022 e regularmente notificada ao arguido para a morada constante no TIR (cfr. prova de depósito de 21.10.2022), foi determinado o cumprimento pelo arguido da pena principal determinada em sentença, por falta de pagamento da pena de multa de substituição.

O arguido já após o trânsito em julgado das referidas decisões veio requerer aos presentes autos que o Tribunal modifique a pena de prisão aplicada, convolando para a execução em regime de permanência.

Dispõe o artigo 43.º do Código Penal, além do mais, que:

«1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: (….)

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º»

Como se depreende do aludido preceito, o requerimento é intempestivo, dado que o mesmo deveria ter sido apresentado, aquando da apreciação da revogação da pena de substituição, sendo que o arguido foi devidamente notificado para os termos do processo e tendo hipótese de suscitar a questão, não o fez, pelo que se encontra precludida tal possibilidade.

A ser assim, a pena aplicada ao arguido encontra-se definitivamente fixada, encontrando-se esgotado o poder decisório deste Tribunal, estando já o arguido em cumprimento de pena, não podendo ser deferida a pretensão do arguido por falta de fundamento legal (cfr. artigo 619.º e seguintes do Código Processo Civil aplicável ex vi artigo 4.º do Código Processo Penal).

Por fim, o arguido refere que nunca teve conhecimento do despacho de 24.11.2022, o qual indeferiu o pagamento da multa em prestações e admitiu o pagamento da mesma até ao trânsito da decisão que revogou a pena de substituição.

Contudo, compulsados os autos, verifica-se que o arguido foi, na pessoa do seu Ilustre Defensor, devidamente notificado do despacho (artigos 113.º, n.ºs 10 a 12 do Código Processo Penal).

Em face do exposto, este Tribunal indefere o requerido cumprimento da pena de prisão em regime de permanência em habitação”.


IV

Cumpre decidir:

1ª Questão: o conhecimento, pelo arguido recorrente, do teor do despacho de indeferimento do pedido de pagamento da multa em prestações sob pena de cumprimento da pena de prisão.

Desta síntese processual constata-se que foi o arguido notificado para efetuar o pagamento da multa substitutiva da pena de prisão de 7 meses (v. artigo 45º, nº 2, 1ª parte)  bem como para os termos do disposto no artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 45.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma legal[1].

Perante o não pagamento da multa bem como perante o silêncio do arguido sobre eventuais razões sobre o não pagamento, nomeadamente de que este não lhe é imputável, foi proferido despacho judicial em que foi determinado o cumprimento da respetiva pena de 7 meses de prisão, ao abrigo do artigo 45.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Penal.

Este despacho foi notificado quer ao arguido quer ao seu ilustre defensor.

A reação do arguido a este despacho foi requerer em 18.11.2022, o pagamento da multa em prestações ou, subsidiariamente, a emissão de guias para pagamento da referida multa.

A pretensão do arguido foi indeferida, pelos fundamentos que constam do respetivo despacho judicial de 24.11.2022 e que se reproduzem:

“Nos termos do artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal aplicável ex vi artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal, «[s]empre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.»

Acresce que sobre este concreto tópico que nos intercede foi proferido acórdão de fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2013, a 18.09.2013, (e publicado no Diário da República, 1ª Série, de 16 de outubro de 2013), no qual se escreveu, além do mais, que «[c]ondenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do art.º 43.º, do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do art.º 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do art.º 47.º n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (art.º 490.º,. do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do art.º 491.º n.º 1, do CPP, à execução patrimonial.»

Assim, nos termos do artigo 489.º do Código Processo Penal, «[a] multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais», prescrevendo, por sua vez, o seu n.º 2 que «[o] prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.»

No caso dos presentes autos, o arguido foi notificado da sentença a 24.02.2022, conforme decorre de ofício da GNR junto aos autos de 07.03.2022, sendo que o presente requerimento é de 18.11.2022, o que torna patente que o mesmo é extemporâneo.

De todo o modo, analisada a prova documental anexa ao dito requerimento, constata-se que a incapacidade temporária para o trabalho do arguido teve início a 26.10.2022, sendo que a este propósito refere-nos o Acórdão de fixação de jurisprudência acima identificado que «(…) se no caso de incumprimento da pena de multa a título principal faz sentido apelar à situação económica no momento do incumprimento, dado que o pagamento pode ter lugar a todo o tempo, já no caso de pena de substituição a consideração do momento temporal até ao qual o arguido pode justificar que o não pagamento não ficou a dever-se-lhe deverá ser o do termo do prazo para pagamento total da pena de multa de substituição ou da falta de pagamento de uma prestação, como permitido no art.º 489.º n.º 3, do CPP, se requerido.».

Do dito decorre, como bem assinalou o Ministério Público, que tal não é bastante para comprovar que o não pagamento não lhe é imputável.

Sem embargo, cremos que, nada obsta a que arguido proceda ao pagamento da multa a fim de evitar o cumprimento da pena de prisão principal, desde que o faça até ao último dia antes do trânsito em julgado da decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão fixada em sentença.

Na verdade, a decisão de 23.06.2022, apenas se considerada notificada ao arguido a 24.10.2022 – cfr. prova de depósito de 21.10.2022 – pelo que ainda não transitou em julgado.

De facto, da lei bem como do teor do referido Acórdão de fixação de jurisprudência não parece decorrer tal impossibilidade.

Ainda assim, dir-se-á não ser necessária a emissão de uma (nova) guia de pagamento, dado que o arguido poderá sempre proceder ao pagamento mediante DUC”.


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Sem prejuízo do indeferimento da pretensão do arguido pela sua intempestividade, como emerge do despacho judicial e de este despacho ter sido proferido exatamente no dia em que transitava em julgado o despacho de 23.6.2023, segundo o qual o arguido deveria cumprir a pena de 7 meses de prisão caso não pagasse a respetiva multa, tentou o tribunal a notificação do arguido, por via telefónica para o alertar desta situação, o que não foi possível por causa estranha ao tribunal – o arguido não atendeu as chamadas telefónicas tendo estas ido parar à caixa do correio.

De todo o exposto conclui-se que o arguido foi notificado e teve conhecimento pessoal das duas decisões efetivamente relevantes para o mesmo obviar ao cumprimento da pena de prisão pagando a respetiva multa de substituição. Referimo-nos às notificações de 20-05-2022, referência 88478747 e de 18.10.2022, referência 89532840.

Como se fundamenta no despacho judicial de 24.11.2022, que indeferiu o pagamento da multa em prestações – aquele que o arguido alega não ter tido conhecimento – o prazo legal para o arguido pagar a multa terminava nesse mesmo dia, 24.11.2022, data do trânsito em julgado do despacho que determinou o pagamento da prisão de 7 meses. Pelo que a única forma de o arguido obstar ao cumprimento imediato da pena de prisão era pagar efetivamente a multa até àquele prazo limite - 24.11.2022 - ou recorrer do despacho de 23.6.2022. O arguido nada fez, nem pagou a multa nem recorreu. Mais se acrescenta que o requerimento do arguido de 18.11.2022 para o pagamento da multa em prestações, não tem a virtualidade legal de suspender o prazo do trânsito em julgado do despacho de 23.6.2022, o que só poderia ocorrer com eventual recurso do mesmo, opção não tomada pelo arguido.

Não assiste, pois, razão ao arguido recorrente quanto a esta questão.


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2ª Questão: a tempestividade processual do pedido de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.

1. Partindo da dinâmica processual e cronológica narrada na apreciação da questão anterior, como consequência do indeferimento por despacho de 24.11.2022, do pagamento da multa pelo arguido em prestações (do qual o arguido não recorreu), face ao trânsito em julgado do despacho judicial de 23.6.2022 - que determinou o pagamento da prisão de 7 meses caso o arguido não pagasse a multa de substituição -, cumpridos os mandados de detenção então emitidos para o respetivo cumprimento daquela pena, foi o arguido detido em 30-01-2023. E por requerimento datado de 08-02-2023, ref.ª 4466654, requereu o arguido ao abrigo do disposto no art.º 43.º n.º 1 al. c) do CP a aplicação do Regime de Permanência na Habitação. Pretensão que foi indeferida por intempestividade, conforme teor do despacho recorrido e que constitui objeto do presente recurso.


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A posição do recorrente assenta no pressuposto de que, quando efetuou tal pretensão ao tribunal, ainda estava em tempo processual para o fazer e, consequentemente, de a mesma (pretensão) ser apreciada.

Manifestamente não lhe assiste razão.

O regime de permanência na habitação antes da entrada em vigor da Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, estava previsto e regulado pelo artigo 44º do CP. E, ao abrigo deste regime, era entendimento maioritário da jurisprudência que o mesmo tinha a natureza de pena de substituição, devendo os pressupostos da sua aplicação ser apreciados na respetiva sentença – v. ac. da RE de 14-04-2009, proc. nº 2388/08-1[2] e ac. da RC de 23-05-2012, proc. nº 492/10.0GAILH.C1 (relator Alberto Mira)[3]. Embora alguma jurisprudência já questionasse que nos casos de revogação da suspensão da pena, quando aplicada (a suspensão), como pena de substituição, não seria de ponderar a aplicação do regime de permanência na habitação no momento daquela revogação – v. ac. RC de22-11-2017 , proc. nº 55/16.6GDLRA.C1 (relator Brízida Martins)[4]     

Esta questão veio a ser ultrapassada com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, ao prever no atual artigo 43º, nº 1, alínea c), do Código Penal, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º. Mais se entendendo que este regime passou a ter uma dupla natureza, constituindo não apenas uma pena de substituição mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão – v. ac. da RP de 07-03-2018, proc. nº 570/15.9GBVFR-A.P1[5] e ac. RC de 13-06-2018, proc. nº 14/11.5PEVIS.C1(relatora Alice Santos)[6].

Não sendo agora questionável a possibilidade do cumprimento da pena de prisão pelo não pagamento da multa (inicialmente aplicada em substituição daquela) em regime de permanência na habitação, é todavia questionável em que momento essa apreciação poderá/deverá ocorrer.

Com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica pretende-se evitar o mais possível os efeitos criminógenos e perniciosos de uma pena curta de prisão cumprida em regime fechado - Estabelecimento Prisional.

A aplicação deste regime de cumprimento da pena na habitação exige da parte do julgador a ponderação de um juízo de prognose sobre a verificação das condições substantivas para o efeito - o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão – bem como a verificação de alguns pressupostos formais:  a especificação da morada em que será executada, o consentimento do condenado ou outros legalmente exigidos bem como da existência de condições técnicas – v. art. 1.º, al. b), art. 7.º, n.º 2, art. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro.

É entendimento generalizado que a aplicação do regime de execução da pena no que respeita às situações das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal, é feita na sentença, momento processual  em que o tribunal deverá ponderar a verificação das condições substantivas, o dito juízo do tribunal sobre se por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. E, em caso positivo, deve também averiguar sobre a verificação das referidas condições formais, técnicas e consentimentos.

Na situação dos autos, o eventual cumprimento da pena de prisão pelo não pagamento da multa substitutiva – situação da alínea c), in fine, do artigo 43º, do Código Penal -  ocorre em momento posterior ao da sentença, que poderá ser mais ou menos distante da prolação desta, existindo mais ou menos alterações da situação fáctica do arguido, consoante o tempo entretanto decorrido. O que significa que o tribunal terá de realizar sempre o mesmo juízo de ponderação e verificação das condições substantivas e formais para a aplicação do regime de cumprimento da pena na habitação. E esse momento processual terá de ser aquele em que o tribunal aprecia e decide a revogação da pena substitutiva de multa e, consequentemente, determina que o condenado terá de cumprir a pena de prisão inicialmente fixada.

A aplicação deste eventual cumprimento da pena em regime de permanência na habitação pode desde logo ser apreciado a requerimento do interessado arguido, nomeadamente quando este é ouvido para pagar a multa sob pena de cumprimento da pena de prisão fixada. E constitui, em nosso entender, um poder/dever para o tribunal, na medida em que constitui um regime mais favorável para o arguido[7], porquanto está legalmente estipulado, não só como pena substitutiva da pena de prisão que pode ser aplicado na sentença mas também como forma de execução da pena de prisão resultante do não pagamento da multa substitutiva daquela.

Ora, nem o arguido requereu ao tribunal a execução da pena de prisão segundo este regime antes ou no momento em que lhe foi revogada a pena substitutiva de multa, nem o tribunal apreciou oficiosamente tal possibilidade.

No entanto, esta omissão do tribunal não constituiu nulidade insanável legalmente prevista, que possa ou deva ser conhecida a qualquer momento. Pelo que, tendo transitado em julgado a decisão judicial em que foi determinado o cumprimento da pena de prisão em consequência da multa não paga, encontra-se precludido o momento processual para apreciação da questão.

Mais entendemos que a jurisprudência do ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 12/2013 , DR, I Série de 16-10-2013, quando diz que “Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal”, tem igualmente aplicação para a presente situação de não apreciação da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, por tal despacho ter transitado em julgado.

Afigura-se de todo ilógico que, encontrando-se já o arguido a cumprir a pena de prisão, depois de cumpridas e observadas as formalidades legais para o efeito, devesse ser apreciada a pretensão do arguido para eventual alteração da forma de execução desta pena. Não se tratando de uma situação prevista no artigo 118.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a pretensão do recorrente é manifestamente intempestiva, devendo, consequentemente, improceder.


V

Dispositivo

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorrente AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.


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Coimbra, 12.5.2023.

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários





[1] Com o seguinte teor: “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”.
[2] “Os pressupostos de aplicação da pena de substituição a que alude o art.44.º do Código Penal – execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância – têm de estar reunidos à data da prolação da sentença condenatória”.
[3] “O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, como sucede com a prisão por dias livres ou com o regime de semidetenção, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.
E, se o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, não permite o artigo 44º, do C. Penal, que, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão, em caso de posterior revogação da referida pena, possa ser perspectivada a aplicação daquele regime”.
[4] “IV - As penas de substituição são aplicadas na decisão condenatória, pelo que o trânsito em julgado da respectiva decisão impede o julgador de, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada.
V - Se tal solução é de aplicar ao regime de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação mostra-se contudo discutível.
VI - Se entendermos estar perante uma “forma de execução” da pena, nada obsta a que o tribunal pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão”.
[5] “Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/8 o regime de permanência na habitação previsto no artº 43º CP passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão”
[6] “Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43.º do CP passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão”.
[7] Neste sentido se pronuncia, de certo modo, o citado ac. do TRC de 13-06-2018, proc. nº 14/11.5PEVIS.C1.