Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1339/05.4TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INEPTIDÃO
ASSEMBLEIA DE CREDORES
Data do Acordão: 03/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 814.º; 816.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Para se apreciar da exequibilidade do título, mais não há que fazer do que verificar se a obrigação a executar se contém ou não no título executivo.
2. São elementos constitutivos da obrigação os sujeitos, o objecto e o vínculo.
3. Tanto a pessoa do credor como a pessoa do devedor têm de estar determinadas no próprio título executivo, pois que não se trata de algum dos casos especiais em que baste a simples determinabilidade, nem se trata de título ao portador em que credor é quem possua o título.
4. Tendo sido homologada a proposta aprovada pela assembleia de credores, sem dela constar a indicada obrigação da executada para com a exequente no pagamento de alguma quantia, a sentença não pode servir de base à execução para pagamento de quantia certa.
5. Não contendo o documento, sequer na aparência, a indicada obrigação exequenda, o vício não é de ineptidão por falta da causa de pedir mas sim de inexequibilidade do título, de modo que se não houve indeferimento liminar da execução pode na oposição o juiz conhecer do vício, ordenando o arquivamento da execução.
Decisão Texto Integral: I- Relatório:

A....instaurou aos 7-6-2005 acção executiva para pagamento de quantia certa, contra B....., com base na certidão que juntou, extraída do processo de recuperação de empresa nº 240/99 e contendo entre outras peças a sentença de 21-7-2000 que homologou a proposta (com alterações) aprovada em assembleia de credores e que transitou em julgado.
Indicou como título executivo tal sentença e alegou no requerimento inicial, em suma, que:
A executada obrigou-se a “tendencialmente dar igual tratamento aos trabalhadores das firmas L…. S.A. e T…. S.A.” (ponto 6 da dita proposta);
A executada liquidou os créditos salariais pela cessação dos contratos de trabalho dos trabalhadores da T….. S.A. e, do montante individual apurado, pagou a cada trabalhador 75% em Agosto de 2000, 75% que no caso da exequente correspondem a € 4 535,72 do devido pela cessação do seu contrato de trabalho e que apesar das sua insistências a executada não lhe pagou.
Pediu, consequentemente, o pagamento coercivo da quantia de € 4 535,72, bem como juros vencidos desde 31-8-2000 que liquidou e juros vincendos. Logo nomeou bens à penhora.
Oportunamente, a executada deduziu por apenso a sua oposição à execução, defendendo, em resumo, que não há contra si título executivo.
No despacho saneador, foi proferida a seguinte decisão:

«Em sede oposição invoca a oponente B…. a inexistência do título executivo, alegando, em síntese, que a pretensão da exequente não tem qualquer enquadramento na sentença, nomeadamente, dela não resulta que tenha sido condenada a pagar aos trabalhadores da T….. que não foram contratados qualquer quantia, porquanto, alega, no âmbito do Processo de recuperação da Sociedade T…., SA (ponto 1 al. d) da proposta, e face à alteração sugerida pelo credor A P…., expressamente consignou: o “desejo de tratar de forma igual os trabalhadores e T…., SA e L…., SA.” Obrigou-se, assim e apenas a contratar ou fazer contratar até cinquenta trabalhadores do universo das empresas L… e T….. A nada mais se obrigou.
«Respondeu a exequente, alegando, em síntese, que:
«A obrigação assumida pela executada reporta-se, sem dúvidas, ao tratamento salarial, pelo que mantém o alegado na exposição dos factos no requerimento inicial.
«Apreciando e decidindo:
«Nos termos do art.º 45 n.º 1 do C. P. Civil que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.



«Dispõe o art.º 814.º do Código de Processo Civil um dos fundamentos de oposição à execução fundada em sentença, é o da inexistência ou inexequibilidade do título.
«No caso dos autos, a sentença existe, todavia, o título (sentença) não é a causa de pedir, antes o documento / obrigação documentada; a causa de pedir é, assim, o facto documentado pela sentença.
«Ora, da análise da sentença homologatória (fls. 19) não resulta ter havido condenação da executada no pagamento de qualquer quantia à exequente, antes e apenas que a executada / oponente “…manifestou o desejo de tratar de forma tendencialmente igual os trabalhadores de T…. e L…, SA,” sendo que se não infere da sentença a que situações se reporta tal manifestação de vontade.
«Assim, entendendo, temos que não existe correspondência entre a execução e o título (entre o teor da sentença e a descrição fáctica vertida no requerimento executivo) pelo que se tem que concluir pela ineptidão do requerimento executivo.
«Face ao exposto, julgo procedente a invocada excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo e, em consequência, absolvo o oponente da instância executiva. Cfr. Art.º 193/1/2/a, 493/1/2 e 494/b todos do Código de Processo Civil. Custas pela exequente».

Desta decisão recorre a exequente, concluindo a sua alegação:

1) Resulta dos considerandos da proposta apresentada pela executada que esta engloba quer os trabalhadores da sociedade recuperanda quer os da sociedade L…, SA., que com ela ao longo dos tempos tem um forte relacionamento;
2) Resulta ainda do texto final da proposta integrada com as especificações aditadas pela sociedade A P…. SA. a conclusão vertida no ponto anterior;
3) Ou seja, não resulta em qualquer ponto da proposta a exclusão dos trabalhadores da sociedade L…., SA. de cujo o universo seriam escolhidos pela executada os que lhe interessavam na continuação da sua prestação laboral;
4) Resulta ainda da proposta aprovada a condição de todos os trabalhadores rescindirem os seus contratos de trabalho quer os trabalhadores da sociedade T…., SA, quer os trabalhadores da L…, SA.;
5) Da proposta em toda a sua extensão, resulta implicitamente a constituição de uma obrigação por parte da executada de pagar aos trabalhadores da sociedade L….,SA , de forma igual e proporcional do que pagou aos trabalhadores da sociedade T…., SA.;
6) A executada pagou aos trabalhadores não escolhidos da sociedade T…. SA., 75% dos créditos vencidos à data da cessação dos contratos de trabalho e não pagou qualquer quantia aos trabalhadores da sociedade L…., SA.;
7) A sentença recorrida viola, portanto, o artº 46º al. b) para além de todos aqueles com base nos quais, consequentemente, o Mº Juiz “ a quo “ julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo e absolveu a executada da instância executiva.

A recorrida contra-alegou, concluindo:

1. A força executiva de uma sentença provém das garantias que a mesma oferece como certificação da existência da obrigação, tal como está expressa no mencionado titulo.
2. Nos presente autos, a recorrente intentou a acção executiva, apresentando como titulo a sentença homologatória da medida aprovada na Assembleia de Credores, nomeadamente, a proposta apresentada pela recorrida.
3. Compulsada a proposta apresentada pela recorrida, constatamos que a única obrigação que a recorrida assumiu foi a de contratar ou fazer contratar, como aconteceu, até cinquenta trabalhadores do universo dos trabalhadores da L.... e da T.....
4. Mais se comprometeu a comprar o estabelecimento comercial da T.... por um determinado valor que pagou, sendo que era condição para essa aquisição que os trabalhadores da T…., que não fossem escolhidos para ficar a trabalhar ou que sendo escolhidos não aceitassem, tivessem terminado, como terminaram, os contratos de trabalho que tinham para com aquela.
5. Mais ainda se comprometeu a recorrida a pagar aos trabalhadores da T.... – por ela escolhidos, para ficarem a trabalhar e que aceitassem o “reconhecimento de a sua entidade patronal os poder transferir, provisória ou definitivamente, para as instalações de A P… S.A., bem como da mudança de categoria, horário de trabalho e funções (sem diminuição de ordenado) e ainda renunciar expressa e irrevogavelmente aos direitos resultantes da antiguidade” – uma quantia até 20.000.000$00.
6. A recorrida não se comprometeu a pagar qualquer indemnização aos trabalhadores, que de forma definitiva e irretratável, tivessem posto fim aos contratos de trabalho que tinham com a T.....
7. A recorrida propôs-se adquirir o estabelecimento industrial da T.... por um determinado valor, e os credores da T.... – credores comuns e trabalhadores - acordaram que esse montante – 130.000.000$00 mais 85.711$00 – seriam divididos de molde a que 130.000.000$00 fossem para os trabalhadores – pagando primeiro os montantes dos salários em atraso a todos os trabalhadores, e o remanescente fosse para pagamento das indemnizações pelo fim do contrato de trabalho e dividido entre aqueles que não fossem escolhidos ou que sendo escolhidos não aceitassem as condições para a escolha.
8. A recorrida comprometeu-se a dar aos trabalhadores da L.... que contratasse, condições proporcionais às que deu aos trabalhadores da T...., desde que, obviamente, as condições fossem as mesmas.
9. Nunca a recorrida se comprometeu a pagar aos trabalhadores da T...., que denunciaram os contratos de trabalho, e aos trabalhadores da L...., que não foram contratados, qualquer quantia.
10. Acontece que, tal como já foi referido, o montante de 130.000.000$00, que os credores da T.... afectaram a pagamentos aos trabalhadores, foi pago directamente pela sociedade que, indicada pela recorrida, adquiriu o estabelecimento industrial da T...., aos trabalhadores desta.
11. Mas esse pagamento foi feito por conta e ordem da própria T.... e não pela assunção da obrigação de pagamento de qualquer indemnização aos trabalhadores desta.
12. A recorrida não sabe, nem em ponto algum da proposta ou sequer no processo está fixado, que o valor recebido pelos trabalhadores corresponde a 75 % da indemnização ou de qualquer outra percentagem, aliás essa percentagem é impossível de realizar com os elementos que existem nos autos, pois só depois de se saber o montante que restava depois de retirado o valor do débito dos salários em atraso, diminuído de um conto de réis por cada trabalhador, se dividia o remanescente na proporção a que tivessem direito.
13. Desconhece a recorrida onde e como o exequente chega aos 75% que refere no seu douto requerimento executivo.
14. A única assunção para com os trabalhadores da T.... que a recorrida fez, foi aplicada nas mesmas condições aos trabalhadores da L...., que a P…, por indicação dela, contratou, sendo que estes preferiram não abdicar dos direitos resultantes da antiguidade, perdendo assim direito a qualquer indemnização.
15. A sentença homologatória não condena nem de forma directa, nem de forma indirecta, o pagamento pela recorrida à recorrente de qualquer quantia.
16. Assim, facilmente se conclui que a sentença não contém formalmente nenhuma condenação da recorrida no pagamento de qualquer quantia à recorrente, nem lhe impõe qualquer responsabilidade a esse respeito.
17. Tão pouco certifica ou declara que uma semelhante obrigação impendia sobre a recorrida, determinando o seu cumprimento.
18. Não existe qualquer correspondência entre o teor da sentença, apresentada como título executivo, e a descrição fáctica vertida no requerimento executivo.
19. Pelo que bem esteve o Meritíssimo Juiz a quo que julgou procedente a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo e absolveu a recorrida da instância executiva.

Foi sustentada tabelarmente a decisão impugnada.

II- Fundamentos:

Examinados os documentos juntos com o requerimento da execução e tudo ponderado, cumpre apreciar e decidir.
1. Perante as conclusões 5ª e 6ª da alegação da agravante pareceria que questão essencial é a de saber se «da proposta em toda a sua extensão resulta implicitamente a constituição de uma obrigação por parte da executada de pagar aos trabalhadores da sociedade L....,SA , de forma igual e proporcional do que pagou aos trabalhadores da sociedade T...., SA» e se «a executada pagou aos trabalhadores não escolhidos da sociedade T...., SA., 75% dos créditos vencidos à data da cessação dos contratos de trabalho e não pagou qualquer quantia aos trabalhadores da sociedade L...., SA», de modo que a 1ª instância não deveria ter julgado inepto o requerimento inicial, com absolvição da instância executiva.
Mas esta não é uma acção declarativa prévia à execução em que se houvesse de decidir se o direito de crédito invocado pela trabalhadora ora exequente deveria ou não ser declarado e ser objecto de condenação. Ou seja: não cabe nesta acção incidental à execução suprir eventual falta de acertamento do título executivo quanto ao direito de crédito invocado, acertamento que deve resultar sim do próprio documento que a exequente apresentou como título executivo.
É sabido, e tal resulta claramente da lei (comparem-se os artigos 813º a 815º do CPC quanto à extensão da defesa), que a sentença é, de entre os documentos ou actos admitidos por lei como títulos que podem basear uma acção executiva, aquele que mais garantias oferece quanto à existência de uma obrigação do executado para com o exequente. Daí que, em geral, a apresentação do título dispense a indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere ( Assim se escreveu no acórdão desta Relação proferido aos 22-01-2008 no agravo 1011/03-2ª secção com o mesmo relator:
«Vária doutrina refere que o título executivo é condição necessária e suficiente da acção executiva. Condição necessária porque não há execução sem título (documento). Condição suficiente porque a apresentação do título dispensa a indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere (cont. na fl. seg.).

«Se o credor dispõe de um título supostamente consubstanciando o direito mas o título é insuficiente, isto implica ter o credor o ónus de previamente recorrer à acção declarativa para obter sentença que reconheça o seu direito e condene o devedor na prestação, para com base na sentença instaurar depois a acção executiva.
«Para a lei, nem todos os documentos supostamente consubstanciadores dum direito permitem a imediata instauração de acção executiva neles baseada. É o legislador quem define o grau de certeza do direito, grau de certeza exigível para a admissibilidade de um documento como título executivo, através da tipificação do documento e da enunciação dos seus requisitos. Progressivamente, o legislador tem vindo a ser menos exigente nessa admissibilidade, assim ampliando o leque de documentos susceptíveis de basear uma execução. E quanto menor o grau de certeza exigível para a admissibilidade de um documento como título executivo, tanto maior a amplitude dos meios de defesa do executado (cf. art. 814º a 816º do CPC)».
[Note-se: esse grau de certeza nada tem a ver com a “certeza da obrigação” a que se refere o artigo 802º do CPC: embora uma sentença de condenação ofereça o maior grau de certeza do direito em comparação com outras espécies de títulos executivos, essa mesma sentença pode ter condenado em obrigação alternativa, e aqui não há obrigação certa. Cf. art. 803º do CPC e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 3ª ed, p. 70 e 74 s].
). Prévia à instauração da execução, entenda-se.
Mas se isto assim é em geral, a questão pertinente consiste em apreciar se, em concreto, do documento que a exequente apresentou como título executivo resulta a existência da obrigação exequenda, pois aqui reside, em substância, o fundamento da defesa vazada no requerimento de oposição. E dizer obrigação exequenda constante desse documento é dizer, necessária e evidentemente, o mesmo que obrigação—da executada para com a exequente—a fazer valer coercivamente através da presente acção a que foi apensada a oposição ( Dizemos «obrigação da executada para com a exequente», sendo aqui claro que não foi alegada qualquer sucessão ou transmissão da obrigação.). Obrigação exequenda há-de ser a obrigação que a exequente faz valer através da acção executiva e que esteja representada no documento apresentado com o requerimento inicial, consistindo essa obrigação, segundo o RI, em a executada dever pagar à exequente A....a quantia de € 4 535,72.
Como refere Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed, p. 72 e seg, são três os elementos constitutivos da obrigação: os sujeitos, o objecto e o vínculo. E a p. 75: «Só o credor tem direito à prestação, e esta só do devedor pode ser exigida» (sem prejuízo da persistência da obrigação apesar da alteração dos sujeitos na hipótese de transmissão).
Tanto a pessoa do credor como a pessoa do devedor têm de estar determinadas no próprio título, pois que não se trata de algum dos casos especiais em que baste a simples determinabilidade, nem se trata de título ao portador em que credor é quem possua o título. Não se concebe uma regular sentença de condenação (ainda que homologatória) sem que dela constem a identidade do credor e do devedor.
Atento o fundamento da defesa, a questão que a oposição colocou é a de saber se o documento apresentado como título executivo consubstancia a invocada obrigação, ou seja, relação obrigacional que conste do próprio documento (proposta e deliberação da assembleia e homologação) e de cujo conteúdo constem a exequente como credora e a executada como sua devedora. Só se assim for é que o documento cumpre a função de acertamento e de certeza jurídica que a lei em geral assina à sentença homologatória como título executivo.

Ora, a proposta aprovada pela assembleia de credores, que foi homologada, não contém qualquer obrigação da executada para com a exequente. Nem sequer a exequente é ali mencionada, nem ali aparece qualquer quantia a dever ser-lhe paga pela executada.
Há absoluta incerteza sobre a constituição ou existência da invocada obrigação, e sobre a titularidade do invocado direito e sobre a adstrição da executada, pois que não constam do título apresentado. Tudo o mais que a esse respeito as partes argumentem ou contra-argumentem é tempo perdido.
O título que a exequente apresentou como título executivo é a sentença homologatória da dita proposta, sentença que foi proferida 21-02-2000. De entre as peças que constam da certidão, consta na verdade uma relação de créditos de 18-6-2001 com o parecer final do liquidatário judicial no sentido de esses créditos serem reconhecidos, sucedendo que aí aparece a indicação da ora exequente como credora. Porém, não sabemos o que aconteceu na sequência desse parecer. Mais: a sentença homologatória não se reportou, nem podia reportar-se, a alguma ocorrência de data posterior àquela em que foi proferida. Nem sequer aí consta a ora executada como devedora.
A proposta homologada não quantificou qualquer obrigação, nem contém a indicação da ora exequente como credora (não consta lá algum nome de trabalhador), nem contém a indicação da ora executada como devedora de alguma quantia a favor de A…...
No documento apresentado não consta que B..... se tenha comprometido a pagar alguma quantia a uma trabalhadora de nome A….. Tal alegação da exequente não tem a mínima correspondência com o texto invocado que contém uma especificação de A P…. depois aceite pela ora executada e que é o seguinte: «....
Ora, igualizar não é pagar determinada quantia a alguém que ali esteja determinado.
Consequentemente, a sentença não constituiu nem reconheceu alguma obrigação de que sejam partes substantivas as partes da execução.

2. Assente que o documento não contém a obrigação exequenda indicada, coloca-se a questão de qualificar juridicamente o vício daí resultante.
A 1ª instância considerou que existia título, porque foi junta uma sentença. Mas concluiu pela ineptidão do requerimento de execução por falta de indicação da causa de pedir.
Não é assim.
Como é sabido, os fundamentos de indeferimento liminar em acção declarativa não têm necessariamente de valer também para a acção executiva.
O artigo 814º do CPC não refere em qualquer das suas alíneas a ineptidão da petição inicial, referindo pelo contrário, além da inexequibilidade do título, os demais pressupostos processuais.
O mesmo é dizer: a figura da ineptidão da petição não releva em si mesma na acção executiva, mas apenas enquanto constitui inexequibilidade do título ( Neste preciso sentido, ver Anselmo de Castro, A Acção Executiva…, 1977, p. 90 e 91.).
E para se apreciar da exequibilidade do título, mais não há que fazer do que verificar se a obrigação a executar se contém ou não no título executivo ( Cf. Anselmo de Castro, A Acção Executiva…, 1977, p. 90, e J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, p. 190 a 196).
Perante a inexequibilidade, se não houve indeferimento liminar da execução, pode na oposição o juiz conhecer do vício ( Cf., entre outros, E. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 1986, p. 99.).
No caso, houve indicação de uma obrigação de pagamento em quantia certa no requerimento executivo, simplesmente o documento que foi apresentado como consubstanciando essa obrigação não a consubstancia. Do que se trata é, pois, de inexequibilidade do título.
Não basta a um exequente apresentar uma qualquer sentença de condenação (ou ainda que homologatória) para que o título seja exequível. É necessário que do documento apresentado conste, desde logo por simples exame, e portanto na sua aparência, a obrigação que se pretende executar. Sem curar aqui de casos especiais, como o dos títulos ao portador, quanto ao sujeito activo da obrigação. E se o título, nem sequer na sua aparência, contém a invocada obrigação, é manifesta a sua inexequibilidade.
A qualificação jurídica do vício na 1ª instância não foi a correcta, pois o caso não é de ineptidão, mas sim de inexequibilidade do título em que se pretende basear a acção executiva. A sentença (que se apropria do conteúdo da proposta) não contém, sequer aparentemente, a obrigação que era suposto conter.
Deverá proceder, consequentemente, a oposição deduzida pela executada, ao defender que “contra si” não há título executivo. Melhor diria: o título é inexequível, quanto à obrigação invocada. Deve proceder a oposição com o fundamento previsto no artigo 814º al. a) do CPC.
3. A restante argumentação contida nas conclusões da alegação é irrelevante, ficando o seu conhecimento prejudicado.

Em resumo e conclusão:
Instaurada execução para pagamento de quantia certa, alegadamente em dívida pela executada e de que a exequente se afirma credora, com base em sentença homologatória de deliberação de assembleia de credores, o título é inexequível porque não contém, sequer na aparência, a obrigação de pagar qualquer quantia nem a indicação dos sujeitos da obrigação.

III- Decisão:

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, na procedência da oposição à execução, ordena-se o arquivamento da execução.
Custas pela agravante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Coimbra, 2008-03-11