Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
220/07.7TBVZL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
CONTRATO DE TRANSPORTE
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 61º E 65º DO CPC
Sumário: I – A incompetência internacional é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da instância – art.º 101º, 102º, 493º e 494º, todos do C. P. Civil.

II - Dispondo o art.º 61º, do C. P. Civil que “os tribunais portugueses têm competência internacional quando se veri­fique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65º”, a incompetência internacional resultará da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas do referido art.º 65º.

III - Da leitura do art.º 65º do C. P. Civil resulta que são critérios aferidores da competência internacional dos tribunais portugueses, o domicílio do réu, a exclusividade, a causalidade e a necessidade, critérios estes que são entre si autó­nomos e independentes entre si, bastando a ocorrência de apenas um deles para se poder aferir a competência dos tribunais portugueses.

IV - Mais resulta deste artigo que, para a determinação da competência inter­nacional dos tribunais portugueses, é prevalecente o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

V - A competência fixa-se no momento da propositura da acção e afere-se nos termos em que a acção é proposta e não à luz dos factos ou razões aduzidas pelos demandados, não havendo, deste modo, motivo que justifique a sua apreciação à luz da versão da Ré, nem a relegação do seu conhecimento para final.

VI - São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.

VII - Na ordem jurídica portuguesa vigoram normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual, destacando-se:

- o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competên­cia judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1.3.2002;

- a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mer­cadorias por Estrada (CMR), concluída em Genebra em 19.5.1956 e entrada em vigor em 2.6.1961, que foi aprovada para adesão, em Portugal, pelo Decreto-lei n.º 46.235, de 18 de Março de 1965. Esta Convenção veio a ser alterada pelo Protocolo de Genebra de 5-7-1978, que foi aprovado pelo Estado Português para adesão pelo Decreto-lei n.º 28/88, de 6 de Setembro, tendo sido depositado o respectivo instru­mento de confirmação em 17-8-1989.

VIII - Estas normas de direito internacional prevalecem sobre as normas inter­nas reguladoras da competência internacional dos tribunais portugueses.

IX - Situando-se, segundo a alegação da Autora, o local previsto para a entrega da mercadoria transportada em Portugal, os tribunais nacionais têm compe­tência internacional para apreciar a correspondente acção.

X - Assim, tratando-se de matéria contratual – estando em causa o não paga­mento do preço de um contrato de transporte de mercadorias –, deve a acção ser instaurada no Estado-Membro onde essa obrigação deveria ser cumprida, tendo em atenção o conceito de cumpri­mento determinado no Regulamento, apenas para efeitos de determinação do tribu­nal internacionalmente competente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 30.532,04, acrescida de juros vencidos no montante de € 1.927,17 e vincendos até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese:
Ø Dedica-se à prestação de serviços de transportes de mercadorias em território nacional e internacional.
Ø No exercício da sua actividade prestou à Ré, a pedido e por encomenda desta, com espera de preço e por prazo certo, diversos serviços de transportes internacionais de mercadorias, nomeadamente com o roteiro Portugal – Espanha – Portugal.
Ø  A prestação desses serviços importou em € 30.523,04, conforme resulta da soma das diversas facturas que se venciam 30 dias após a sua emissão, conforme o convencionado.

Ø A Ré, apesar de interpelada para o efeito, não pagou.

A Ré contestou, no que a este recurso importa, excepcionando a incom­petência internacional dos tribunais portugueses, alegando:
Ø A Autora tem sede e domicílio em Portugal.
Ø A Ré é uma empresa espanhola com domicílio em Pontevedra.
Ø Não foi convencionada competência.
Ø Não se está perante um contrato de transporte, pois não há expedidor, nem transportador, nem destinatário, como o exige o art.º 366º e segs. do C. Comer­cial.
Ø Estamos na presença de um contrato de prestação de serviços que se concretizava na obrigação da Autora recolher e retirar das instalações da Ré produ­tos identificados que, posteriormente, transformava.
Ø A recolha e retirada daqueles produtos deveria ser feita diariamente, com excepção das quintas-feiras, domingos e feriados espanhóis, sendo facturados semanalmente e devendo a Ré proceder ao seu pagamento mensalmente.
Ø  De acordo com o disposto no art.º 5º, n.º 1, al. a) do Regulamento CE n.º 44/2001, o tribunal competente é o do lugar do cumprimento da obrigação, que no caso será aquele onde eram prestados os serviços – em Espanha –, dada a não existência de competência convencional.
Ø Também por aplicação do art.º 16º, n.º 2º, do mesmo Regulamento se chega à mesma conclusão, pois a Autora só pode intentar acção contra a Ré – consumidora – nos tribunais de Espanha.
Concluiu pela procedência da excepção.

Na réplica a Autora defende a competência dos tribunais portugueses.

Por sua vez, na tréplica a Ré, volta a defender que não celebrou qualquer contrato de transporte com a Autora,

No despacho saneador conheceu-se da excepção dilatória da incompetên­cia internacional, julgando-se a mesma improcedente.

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Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré, apresentando as seguintes conclusões:

1 – Como se vê dos artigos 1º a 40º da contestação de 15º a 36º da tré­plica, o contrato de transporte alegado pela recorrida foi expressamente impugnado pelo recorrente.
2 – Alegando-se, bem ao invés, que o contrato celebrado era de presta­ção de serviços.
3 – Concretizado na obrigação de a recorrida recolher e retirar das ins­talações daquela os subprodutos de origem animal (penas, cabeças, patas, vísceras, sangue, etc.) provindos do seu matadouro de frangos que faz parte da sua activi­dade de avicultura.
4 – Como a mesma recorrida reconhece na telecópia que, em 2007/11/27, enviou à recorrente, onde é perfeitamente clara ao dizer que “por motivos de remodelação de N/linha de transformação de subprodutos, somos pelo presente a informar a V/Exas que a partir desta data é-nos impossível continuar a recolher os subprodutos” (sic).
5 – Documento que nem foi impugnado, mas antes reconhecida a sua autoria.
6 – Pelo que faz prova plena quanto à declaração no mesmo inserta e atribuída à recorrida, nos termos dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.º 1, do C.C..
7 – Pelo que foi levada à matéria dada como assente sob a l. C).
8 – Não obstante tal expressa impugnação e prova documental apresen­tada, o M.mo Juiz a quo entendeu dar como assente que o contrato era de trans­porte, o que, a todas as luzes, é incorrecto.
9 – Com efeito, a recorrente provou documentalmente que o contrato não era de transporte, mas de prestação de serviços, como acima se deixa dito.
10 – E, por isso, dado o expressamente alegado nos referidos artigos 1º a 40º da contestação e 15º a 46º da tréplica, que, por uma questão de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos, a dita excepção deveria ter sido julgada procedente.
11 – Mas, quando, porventura, se entendesse que a referida prova docu­mental não é suficiente, então, certo é que estamos perante uma decisão prematura.
12 – Pois, se assim for, há que relegar o conhecimento da mesma excep­ção para final.
13 – Uma vez que o processo não fornece ainda todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa.
14 - Tendo o M.mo Juiz a quo deixado de pronunciar-se sobre as ques­tões suscitadas pela recorrente a tal respeito.
15 – O que integra nulidade do despacho em crise, nos termos dos arti­gos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do C. P. C..
16 – O M.mo Juiz a quo, decidindo esta questão, ignorou, pura e sim­plesmente, toda a impugnação da recorrente vertida nos ditos artigos 1º a 40º da contestação e 15º a 36º da tréplica, o que nem se compreende.
17 – Para além disso, entendeu-se no despacho em crise que o contrato de transporte é também um contrato de prestação de serviços, como é realmente.
18 – Pelo que, sendo assim, está a dita excepção, uma vez mais incor­rectamente decidida, dado o disposto no artigo 5º, n.º 1, al. b), do referido Regula­mento.
19 – Pois que a obrigação em questão, ou seja, a de transportar os ditos subprodutos das instalações da recorrente, como confessado na réplica, devia ser cumprida em Espanha.
20 – Uma vez que, nos termos do contrato, tal serviço devia aí ser pres­tado.
21 – É que, como tal delineou a Autora, ora recorrida, a relação mate­rial controvertida, através dos articulados por ela apresentados, resulta que a mesma diz respeito a contrato de transporte de subprodutos recolhidos nas instala­ções da Ré, aqui recorrente, com sede em Espanha.
22 – Pelo que, aferindo-se mesmo o pressuposto processual da compe­tência tal como configurou a primeira a dita relação, a conclusão só pode ser a de que o tribunal português é incompetente.
23 – Pois que, tal como estabelece o referido artigo 5º, n.º 1, al. b), do falado Regulamento, o mencionado serviço de transporte devia ser prestado no domicílio do recorrente, em Espanha.
24 – Sendo, portanto, competente o tribunal espanhol.
25 – Ao decidir-se como se decidiu no despacho em crise não se teve em conta tudo o que se vem de dizer, pelo que só por lapso manifesto na determinação da norma aplicável tal pode ter acontecido.
26 – Motivo pelo qual se vai requerer a reforma do mesmo, com base no disposto no artigo 669º, n.ºs 2, al. a), e 3, do C.P.C..
27 – Violou o M.mo Juiz a quo as normas dos artigos 5º, n.º 1, al. b), do Reg. CE n.º 44/2001, do Conselho, de 2000.12.22, 374º, n.º 1, e 376º, n.º 1, do C. C., 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. d),1ª parte do C.P.C..
Conclui pela procedência do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho de sustentação.

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1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações da recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
O tribunal português é internacionalmente incompetente para o julga­mento da acção que a Autora intentou contra a Ré?

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2. Os factos

Com interesse para a decisão deste recurso são de considerar os factos alegados pelas partes e constantes do relatório deste acórdão.

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3. O Direito

A incompetência internacional é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que determina a absolvição da instância – art.º 101º, 102º, 493º e 494º, todos do C. P. Civil.
Defende a Ré que o tribunal de Vouzela é internacionalmente incompe­tente para conhecer a acção que lhe foi intentada pela Autora.
Dispõe o art.º 61º, do C. P. Civil:
Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se veri­fique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65º.
Assim, a incompetência internacional resultará da impossibilidade de incluir a relação jurídica plurilocalizada na previsão de uma das normas do art.º 65º, do C. P. Civil.
No caso em análise, não há dúvidas que estamos face a uma relação jurí­dica plurilocalizada –Autora e Ré pertencem a ordens jurídicas diversas
Da leitura do art.º 65º, do C. P. Civil, resulta que são critérios aferidores da competência internacional dos tribunais portugueses, o domicílio do réu, a exclusividade, a causalidade, e a necessidade, critérios estes que são entre si autó­nomos e independentes entre si, bastando a ocorrência de apenas um deles para se poder aferir a competência dos tribunais portugueses.
Mais resulta deste artigo que, para a determinação da competência inter­nacional dos tribunais portugueses, é prevalecente o que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.
A competência fixa-se no momento da propositura da acção e afere-se nos termos em que a acção é proposta e não à luz dos factos ou razões aduzidas pelos demandados, não havendo, deste modo, motivo que justifique a sua apreciação à luz da versão da Ré, nem a relegação do seu conhecimento para final.
Assim, a determinação do tribunal internacionalmente competente está condicionada à natureza da relação jurídica configurada pelo Autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado [1].
Segundo a alegação da Autora, aquela obrigou-se, por solicitação da Ré, a transportar produtos de Espanha para Portugal, mediante o pagamento de um preço, sendo o pagamento deste que a Autora reclama na presente acção.
Tal factualidade configura a celebração de um contrato de transporte, definindo-se este como a convenção pela qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, a – por si ou por terceiro – levar ou conduzir pessoas e/ou coisas dum lugar para outro.
São normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.
Na ordem jurídica portuguesa vigoram normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual, destacando-se com interesse para o caso dos autos:
 - o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22.12.2000, relativo à competên­cia judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1.3.2002 e substituiu, entre os Estados Membros da União Europeia, – com excepção da Dinamarca – a Convenção de Bruxelas de 1968, sendo directamente aplicável a todos os Estados Membros, em con­formidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1°, 68° e 76° e, em Portugal, o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa);
- a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mer­cadorias por Estrada (CMR), concluída em Genebra em 19.5.1956 e entrada em vigor em 2.6.1961, que foi aprovada para adesão, em Portugal, pelo Decreto-lei n.º 46.235, de 18 de Março de 1965. Esta Convenção veio a ser alterada pelo Protocolo de Genebra de 5-7-1978, que foi aprovado pelo Estado Português para adesão pelo Decreto-lei n.º 28/88, de 6 de Setembro, tendo sido depositado o respectivo instru­mento de confirmação em 17-8-1989.
Enquanto o Regulamento (CE) n.º 44/2001 estabelece as regras gerais unificadoras de competência judiciária em matéria civil e comercial entre os países subscritores, a CMR, que tem por objectivo regular uniformemente as condições do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, em particular no que diz respeito aos documentos utilizados para este transporte e à responsabilidade do transportador, no seu artigo 31 define a competência judiciária para resolução de “todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção”.
Estas normas de direito internacional prevalecem sobre as normas inter­nas reguladoras da competência internacional dos tribunais portugueses.
O Regulamento (CE) n.º 44/2001 no art.º 71.º dispõe que o presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados-membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões, pelo que, relativamente às acções em que a CMR defina a competência judiciária, são aplicáveis as regras contidas nesta Convenção.
O art.º 31º da CMR define quais os tribunais competentes para conhecer das acções relativas a todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, estatuindo o art.º 1º da CMR, que ela se aplica a todos os contratos de transporte terrestre de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar de carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, e, independentemente do domicílio e nacionalidade das partes.
A causa de pedir na presente acção é o não pagamento pela Ré do preço acordado para o transporte terrestre de mercadorias contratado com a Autora, entre Espanha e Portugal.
Sendo aplicável a este contrato, nos termos do transcrito art.º 1º, a CMR, e visando esta acção o pagamento do preço aí acordado, a competência para a sua apreciação cabe no âmbito amplo do citado art.º 31º [2].
O facto da matéria relativa ao pagamento do preço não constar dos temas regulados pela CMR não parece ser um obstáculo a esta conclusão [3], uma vez que a finalidade daquele preceito convencional foi a de definir o foro de todas as acções onde o tipo de contratos a que a CMR é aplicável possa estar em discussão, uma vez que, reclamado o pagamento do preço, podem sempre os demandados excepcionar com defesas incluídas nas matérias inseridas no âmbito temático da Convenção, como sejam as vicissitudes que possam afectar as mercadorias transportadas durante o transporte ou o atraso deste.
O art.º 31º, n.º 1, da CMR dispõe que para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer…para a jurisdição do país no território do qual:
a) O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucur­sal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou
b) estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega,
e só poderá recorrer a essas jurisdições.
Situando-se, segundo a alegação da Autora, o local previsto para a entrega da mercadoria transportada em Portugal, o tribunal recorrido tinha compe­tência internacional para apreciar esta acção.
Mas mesmo que se entendesse que as regras constantes do art.º 31º, da CMR, não eram aplicáveis a esta acção, chegaríamos sempre à mesma conclusão,  por aplicação das regras do Regulamento (CE) n.º 44/2001.
Na verdade, nos termos deste Regulamento, em regra é competente o tri­bunal do domicílio do réu.
Dispõe no art. 2° n.º1:
Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domicilia­das no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.
Com a regra do domicílio do réu, concorrem os critérios especiais de competência legal estabelecidos na secção II do capítulo II, e não sendo a regra do domicílio absoluta, é possível, face ao preceituado no art.º 5º, que uma pessoa com domicílio num Estado-Membro possa ser demandada noutro Estado-Membro.
Nos termos do art.º 5º, n.º 1, a), do Reg. 44/2001:
Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.
Por sua vez as al. b) e c), do mesmo art.º dispõem:
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos ter­mos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
- no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
c) Se não se aplicar a alínea b) será aplicável a alínea a).
Assim, tratando-se de matéria contratual – estando em causa o não paga­mento do preço de um contrato –, deve a acção ser instaurada no Estado-Membro onde essa obrigação deveria ser cumprida, tendo em atenção o conceito de cumpri­mento determinado no Regulamento, apenas para efeitos de determinação do tribu­nal internacionalmente competente.
O contrato de transporte em termos civilísticos é um contrato de presta­ção de serviço [4].
Deste modo a Ré poderá ser demandada para pagamento do preço do ser­viço de transporte contratados nos tribunais do Estado onde, nos termos do contrato, deveria ser prestado o serviço – art.º 5º, n.º 1, a) e b), do Reg. (CE) 44/2001.
Ora, face aos factos alegados a obrigação para si decorrente do contrato celebrado com a Ré, só se cumpriria totalmente com a entrega no local do destino dos produtos a transportar [5], ou seja em Portugal, sendo pois, nos termos do citado art.º 5º, n.º 1, a) e b), do Regulamento (CE) 44/2201, tal como já havíamos con­cluído com a aplicação das regras da CMR, os tribunais portugueses internacional­mente compe­tentes para julgar o presente litígio.
Por estas razões deve ser negado provimento ao agravo interposto.
 
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Decisão
Nos termos expostos julga-se improcedente o presente agravo, confir­mando-se a decisão recorrida.

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Custas do recurso pela Recorrente.


[1] Neste sentido:
Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol 1º, pág. 129, ed. 1999, Coimbra Editora,
Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, pág. 157 e segs., ed. 2004, Colecção Teses, Almedina.
Ac. TRL, de 11.11.97, relatado por André dos Santos, CJ, Ano XXII, Tomo V, pág. 79,
Ac. TRG, de 11.2.04, relatado por António Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt , proc. 2336/03-2.
[2] Neste sentido, Jacques Putzeys, em Le transport routier de marchandises, pág. 373, da ed. de 1981, da Bruylant.

[3] Em sentido contrário o Ac. TRG, de 11.2.04, relatado por António Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt , proc. 2336/03-2.

[4] Neste sentido:
 Ac. TRP, de 8.2.96, relatado por Sousa Leite, CJ, Ano XXI, Tomo I, pág. 213,
 Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, I Volume, 2001, pag. 537, Almedina,
 Francisco Costeira da Rocha, in O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág. 46, ed. de 2000, Almedina.

[5] Como refere Francisco Costeira da Rocha o transportador cumpre o que lhe impõe o contrato de transporte com a entrega da mercadoria ao desti­natário, pág. 65 da ob. cit.