Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
66-G/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: PROCESSO ESPECIAL EXECUTIVO PARA VENDA DE BENS ADJUDICADOS EM INVENTÁRIO
DATA DE INÍCIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 882º, Nº 2, E 1378º, Nº 3, DO CPC, DL Nº 38/2003
Sumário: I – Enquanto na anterior formulação do nº 2 do artº 882º do CPC a data limite para a apresentação de requerimento para pagamento em prestações da dívida exequenda, subscrito por exequente e executado, era a da notificação do despacho a ordenar a realização da venda, com a alteração introduzida pelo DL nº 38/2003 nesse dito preceito tal data limite passou a ser a da transmissão do bem penhorado, ou no caso de venda mediante propostas em carta fechada a da aceitação da proposta apresentada .

II – O novo regime do DL nº 38/2003 apenas é aplicável aos processos iniciados em 15/09/2003, mas deve-se entender que a venda a que alude o nº 3 do artº 1378º do CPC configura uma forma de execução especial enxertada no processo especial de inventário, destinada à venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor e até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, cujo inicio processual (fase executiva) apenas tem lugar com o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha no inventário de tal incidente executivo simplificado.

III – Deste modo, deve entender-se que a tramitação deste processo executivo destinado a dar realização material coactiva ao crédito de tornas, deve seguir a disciplina de qualquer outra execução decorrente da sentença de partilhas que devesse ser instaurada após o trânsito em julgado dessa sentença, iniciando-se tal processo após despacho judicial a ordenar a venda do bem adjudicado, sem necessidade de qualquer prévio requerimento, em respeito pela legislação processual que vigore nessa data.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível da Relação de Coimbra:

I – No Tribunal Judicial de Vouzela correu termos um inventário para separação de meações na sequência de divórcio entre A... e B....
Depois de efectuada a conferência e determinada a forma à partilha, apurou-se serem devidas tornas pelo interessado B... ao ex-cônjuge A... requerendo esta que ele procedesse ao respectivo depósito.
O requerido porém não depositou, apesar de notificado, a importância em dívida, tendo por isso requerido a credora A... que transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, se procedesse no mesmo processo à venda do imóvel que lhe fora adjudicado e que consistia num pavilhão industrial, sito em Sagueiros ou Murigos, freguesia de Souto de Lafões, Oliveira de Frades, adquirido pelo requerido então casado e objecto de uma hipoteca.
Por despacho proferido a fls 66 dos ditos autos, com a data de 2/11/2004, considerou o Mmo Juiz estarem reunidas as condições para se determinar essa venda, prevista no artº 1378ºdo CPC e que disse, citando Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais Vol. II e um aresto da RL de 1968, constituir uma forma simplificada de execução, podendo ser iniciada com um mero requerimento e tudo se resumindo à tramitação da venda até onde se tornasse necessário para pagamento do débito do devedor de tornas, logo sem necessidade de citação do mesmo e da prévia nomeação de bens à penhora.
Na sequência e depois de ordenada a junção da certidão do registo do imóvel e o cumprimento do artº 864º do CPC, houve necessidade de se proceder a uma avaliação, por as partes divergirem quanto ao valor do mesmo, avaliação essa deprecada ao Tribunal de Oliveira de Frades.
Referindo não estar interessada na adjudicação do dito pavilhão pelo valor atribuído, requereu a “exequente” que os autos seguissem para a realização, com a devida publicidade, da venda judicial, mediante propostas em carta fechada, o que foi deferido.
Acontece que depois de deprecada, de novo, à comarca de Oliveira de Frades a sobredita venda vieram exequente e executado e por requerimento de 9/02/2005 dizer estarem acordados para o pagamento a prestações da dívida exequenda, pedindo a suspensão da instância .
Contudo e antes de se pronunciar sobre o pedido de suspensão, decidiu a Senhora Juíza, então titular da comarca por despacho certificado de fls 42 que se pedisse informação ao tribunal deprecado sobre o estado da venda, s designadamente se já tinha sido ordenada a mesma e notificados os interessados credora exequente e devedor executado.
Colhida a informação, acabou, no entanto, por indeferir o requerimento, visto já ter sido ordenada a venda e as partes notificadas e isso com fundamento no disposto no artº 882º, nº 2 do CPC, na redacção anterior à reforma da acção executiva iniciada pelo DLeinº 38/2003.
Inconformado com tal despacho, o devedor dele agravou, pedindo a imediata subida do recurso, em separado e a fixação de efeito suspensivo, o que foi deferido e determinou a ordem de devolução da carta no estado em que se encontrasse.
Nas alegações que produziu, disse o “executado” o seguinte nas conclusões :
1 – Em 15 de Setembro de 2003 entraram em vigôr as alterações ao CPC introduzida pelo DL 38/2003;
2 – Com a entrada em vigor dessas alterações, o artº 882º passou a ter nova redacção, sendo que a limitação temporal que existia para a apresentação do acordo relativamente ao pagamento das dívidas em prestações foi alterado, passando agora esse limite para a data da transmissão do bem penhorado ou a da aceitação da proposta em caso de venda mediante carta fechada.
3 – O processo de venda dos bens adjudicados ao vendedor que constitui uma forma simplificada de execução teve o seu início em Novembro de 2004.
4 – Assim sendo, é aplicável a tal processo o CPC com as alterações introduzidas pelo dito diploma.
5 – Logo, o requerimento apresentado pelas partes é tempestivo e devia ser admitido e consequentemente decretada a suspensão da instância.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação
Nesta instância , foram corridos os vistos legais.
Cumpre, pois, decidir.

II – O presente recurso versa uma questão puramente de direito e no precedente relatório, posto que decalcado dos factos constantes das certidões do processo de inventário e que incidiram apenas sobre o trâmite do processo iniciado após o trânsito, presume-se da sentença homologatória da partilha, constam os elementos suficientes para a precisa identificação da mesma.
No fim de constas, do que se trata é de saber se ao processo executivo especial, senão especialíssimo previsto no artº 1378º do CPC, inserido na regulamentação do processo de inventário - aplicável subsidiariamente ao inventário para separação de meações dos ex-cônjuges, por virtude de divórcio ex vi do artº 1404º nº 3 do CPC- porque iniciado no âmbito da vigência da lei de reforma da acção executiva é ou não aplicável a nova disciplina.
Com efeito, um dos preceitos alterados com essa reforma foi o nº2 do artº 882º, o qual se ocupa do incidente do pagamento em prestações.
Assim e enquanto na anterior formulação do preceito, a data limite para a apresentação de requerimento nesse sentido, subscrito por exequente e executado e contendo o plano de pagamento acordado por exequente e executado, era a da notificação do despacho a ordenar a realização da venda, com a alteração introduzida pelo artº 1º do DL , nº38/2003 passou a ser a da transmissão do bem penhorado ou no caso de venda mediante propostas em carta fechada ( como aqui ocorre) a da aceitação da proposta apresentada.
Ora, como bem se sabe, o novo regime do DL nº38/2003 apenas é aplicável aos processos iniciados em 15 de Setembro de 2003 e tudo pois reside em indagar sobre se tal execução especial conforma um processo executivo novo ainda que enxertado no processo especial de inventário e a que não repugne tratar com autonomia ou, ao invés, mais não representa do que um incidente do referido processo especial de inventário.
Vejamos.
Dispõe o artº 1378º do CPC, o seguinte :
1-Reclamado o pagamento de tornas, é notificado o interessado que as haja de pagar, para as depositar.
2 – Não tendo sido efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que as verbas destinadas ao devedor lhe sejam adjudicadas pelo valor constante da informação prevista no artº 1376º, as que escolherem ou sejam necessárias para preencherem as respectivas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que por virtude da adjudicação tenham de pagar(...)
3 – Podem também os requerentes pedir que transitado em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados até onde seja necessário para o pagamento das tornas. ( o negrito é da nossa responsabilidade)
4 ( ...)”
Reportando-se a este normativo, no tocante à opção do reclamante de tornas que não viu satisfeita a pretensão de obter o seu depósito no curso do inventário, de requerer a venda dos bens adjudicados ao interessados delas devedor, diz Lopes Cardoso ( in Partilhas Judiciais , Vol. II, 4ª ed., 452) que a lei veio aqui criar um novo, especial e prático processo executivo, embora especial.
E acrescenta, depois, o seguinte :
“ Regra geral, o direito definido executa-se com base em título idóneo a esse fim (atrtº 45º e ss do CPC e 813º aln a) e 815ººnº1 ) mediante formalismo próprio.
No caso considerado tudo é diferente, pois o credor de tornas limita-se a pedir em simples requerimento o que nº3 do artº 1378º se lhe consente.
Então, formulado tal pedido e transitada tal sentença homologatória da partilha procede-se à venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito e de nomear bens à penhora.”
Ora que estamos perante um processo executivo simplificado, mas a que se aplicam as normas respectivas em tudo que seja compatível com o carácter sumário do mesmo, disso não há dúvidas
O problema que se põe é de saber não se questionando que ele só pode iniciar-se com o trânsito da sentença homologatória, através do qual o bem a vender se considera como definitivamente adjudicado ao interessado devedor de tornas, poderá o mesmo ser tido como mero incidente do inventário e com aplicação do mesmo regime processual que a este seja aplicável, mesmo no que concerne à aplicação subsidiária das normas reguladoras do processo executivo ou ao invés como uma verdadeira execução autónoma ainda que correndo termos no processo declarativo em que foi proferida a decisão em que se funda a que seja aplicável na parte que interesse, a nova disciplina do processo executivo.
Julgamos que o entendimento mais correcto será o de ponderar que com o trâmite de venda do bem adjudicado, após findo o processo de inventário com o trânsito da sentença homologatória, se inicia de facto uma instância executiva.
Com efeito, a sentença homologatória de partilha, uma vez transitada e para qualquer outro efeito, designadamente para assegurar a efectivação dos direitos dos respectivos intervenientes no que respeita à fixação das respectivas quotas e dos bens que as preencham ou para determinação dos legados, no caso da as pessoas ou da cabeça de casal detentores dos bens se recusarem a entregar o mesmos ou os interessados não cumpram as determinações do testador quanto aos legados constitui título executivo, cabendo aos prejudicados socorrer-se dela para proporem a correspondente execução contra quem se recuse a entregar os bens ou a cumprir os legados e nos termos gerais previstos na lei.( v., neste sentido, além de Lopes Cardoso, op. cit, 534 e ss, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ªed., 49 e ss)
E com base nela, podem pois os interessados iniciar um processo executivo que sendo instaurado depois da entrada em vigor do novo regime definido por aquele diploma já nem sequer tem de ser apensado ao processo declarativo, sendo instaurado no mesmo tribunal em que a causa tenha sido julgada (em regra) mediante a apresentação do seu traslado, a menos que o tribunal que profira a decisão não detenha competência executiva específica ( cfr artº 90ºnºs 1 e 3 alns a) e b) do CPC)
Porém e no caso em apreço, dado o carácter em extremo simplificado do processo de execução destinado a dar realização material coactiva ao crédito de tornas, optou o legislador por prescindir dos trâmites da execução normal por quantia certa, sendo certo que a nova lei é omissa quanto à regulamentação do mesmo.
Deste modo, entendemos que a tramitação deste processo deve seguir a disciplina de qualquer outra execução decorrente da sentença de partilhas que devesse ser instaurada após a entrada em vigor da nova lei, na parte em que ela seja compatível com a dispensa das formalidades próprias destas. E isto vale por dizer que o processo se inicia precedendo despacho judicial a ordenar a venda do bem adjudicado sem a necessidade de qualquer prévio requerimento e no mais com aplicação ao trâmite da venda, do novo regime do processo executivo comum para pagamento de quantia certa, designadamente e na parte que ora interessa, respeitando a maior elasticidade do prazo para o requerimento do pagamento da dívida exequenda a prestações.
Digamos que não seria lógico, nem razoável que a lei pudesse prever regimes diferenciados de execução da sentença de partilha iniciados no mesmo momento, somente por uma execução, por mais simplificada correr nos próprios autos e outras em processos formalmente autónomos, com base no traslado.
Neste contexto, julgamos, pois nada obstar que ao processo executivo especialíssimo que a lei prevê no dito artº 1378º nº 3 se aplique na parte compatível com a sua tramitação própria, as normas reguladoras da venda do bem que garante o pagamento do crédito de tornas do actual regime da execução, desde que iniciado em 15 de Setembro de 2003 e não as normas que vigoravam aquando da instauração do processo declarativo, por estarmos perante a instauração de um verdadeiro processo de execução a que só não será aplicável o regime normal das execuções fundado em sentença por a lei prescindir de requerimento inicial e de nomeação de bens à penhora pelo exequente.
Julgamos, portanto, assistir razão ao recorrente em fazer prevalecer para a situação equacionada nos autos de uma execução especial da dívida de tornas, iniciada após a entrada em vigor do novo regime da acção executiva, este mesmo regime, no que respeita ao prazo mais alargado para a dedução do incidente do pagamento a prestações, o que determina que o douto despacho agravado se não pode manter.

III – Nos termos e pelas razões explanadas decide-se conceder provimento ao agravo, revogando-se a douta decisão, para em sua substituição, outra ser proferida a deferir o requerido pelas partes suspendendo-se a instância.
Não são devidas custas.