Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
700/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
ACÇÃO SUMÁRIA
PRAZO
Data do Acordão: 04/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 325.º, N.º 1; 329.º; 660.º, N.º 2; 661.º; 664.º, N.º 3 E 690.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Tendo o réu-reconvinte deduzido o pedido de intervenção principal provocada, na sequência do articulado da resposta à reconvenção, em face da nova factualidade exceptiva neste contida, não podendo aquele apresentar um novo articulado, face à ortodoxia da acção sumária, deve suscitar o chamamento, em articulado próprio.
2. O prazo de apresentação do articulado próprio tem como limite temporal, não o da apresentação do articulado da contestação, mas antes o momento da prolação do despacho saneador, por ter sido apresentado antes deste.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A..., casado, residente em Vila do Mato, concelho de Tábua, interpôs recurso de agravo da decisão que, nos autos com processo sumário que contra si propôs B..., casado, residente no Largo de S. Salvador, nº 22, em Lisboa, não admitiu, por extemporâneo, o pedido de intervenção principal provocada passiva de C..., terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita o incidente da instância, com as seguintes conclusões:
1ª - Em sede de contestação, o réu, ora recorrente, deduziu pedido reconvencional contra o autor, para a hipótese de vir a ser julgada procedente a pretensão do autor e o réu ser condenado a devolver a propriedade da "Quinta" ao autor.
2ª-No pedido reconvencional subsidiário, o reconvinte, ora recorrente, pede a condenação do reconvindo a indemnizá-lo por todos os danos decorrentes da sua conduta violadora dos princípios fundamentais de boa-fé que devem nortear a conduta das partes na formação e celebração de contratos.
3ª-Como causa de pedir está o facto do autor inicialmente ter mandado o seu caseiro dizer ao réu que podia contar com o arrendamento da "quinta" para o próximo ano e posteriormente ter dado o dito por não dito e ter pedido a devolução da "quinta" ou em contrapartida um novo contrato de arrendamento com novas cláusulas totalmente desvantajosas para o réu/reconvinte.
4ª - Em contestação ao pedido reconvencional, o reconvindo vem alegar um facto totalmente novo, isto é que não mandou o seu caseiro dizer o que quer que fosse ao réu, pelo que não poderia responder por quaisquer danos e prejuízos.
5ª - Não obstante, tal alegação ter aparência de "desculpa de mau pagador", a verdade é que o reconvinte não pode deixar de equacionar a hipótese de tal alegação vir a ser julgada procedente e, nesse caso, ser o caseiro C... responsável pelo ressarcimento dos prejuízos causados ao reconvinte e não o reconvindo.
6ª - Assacado pela fundamentada dúvida acerca do sujeito passivo da relação material controvertida que apenas surge ao conhecer a contestação ao pedido reconvencional apresentado pelo reconvindo, ao reconvinte não resta outra hipótese que não seja, deduzir um incidente de intervenção principal provocada passiva do caseiro Teimo de Oliveira Bento, contra quem passa a dirigir subsidiariamente o pedido reconvencional formulado, para o caso do reconvindo lograr provar o que alegou.
7ª - Tal incidente não é admitido, pelo tribunal a quo, com fundamento no facto do artigo 329° dispor que os réus que mostrem interesse atendível em chamarem à acção condevedores ou o principal devedor, só o podem fazer, deduzindo tal incidente na contestação, concluindo que assim deveria ter procedido o réu/reconvinte.
8ª - No entanto e salvo o devido respeito, não poderia o tribunal a quo indeferir o presente incidente com tal fundamento, pois o requerente não pretendeu chamar à acção e para a sua posição processual, qualquer devedor ou condevedor, mas sim deduzir subsidiariamente o pedido reconvencional contra o, ora chamado, atenta a fundamentada dúvida criada pelo reconvindo, ao contestar tal pedido, acerca da legitimidade passiva para tal pedido reconvencional.
9ª - O pedido reconvencional reveste a qualidade de uma nova acção dentro do mesmo processo e nesse prisma não é o "réu" que requer o presente incidente, mas o reconvinte que perante o pedido reconvencional assume a posição de verdadeiro autor, passando o autor na acção a réu, enquanto reconvindo.
10ª - Pelo que, não podia o reconvinte ter chamado à acção o caseiro Teimo, logo na contestação, porque a fundamentada dúvida acerca do sujeito passivo da relação material controvertida só resulta da contestação apresentada pelo reconvindo ao pedido reconvencional.
11ª - Assim sendo, deveria o incidente de intervenção principal provocada passiva ser admitido, ou pelo menos, salvo o devido respeito, nunca poderia ter sido indeferido com fundamento no disposto pelo artigo 329°. do C.P.C, dado que tal incidente não foi suscitado pelo réu mas sim pelo reconvinte, figuras processuais distintas.
O autor não apresentou contra-alegações.
O Exº Juiz manteve a decisão questionada, não obstante não ser o autor da mesma, por entender que não foi causado agravo ao recorrente.
Com interesse relevante para a apreciação do mérito do agravo, importa reter a seguinte factualidade:
1 – Na acção em apreço, o autor pede a condenação do réu a restituir-lhe a posse do prédio e a pagar-lhe o montante com que este, injustamente, se locupletou, ou, em alternativa, que lhe seja reconhecido o direito à resolução do contrato de campanha agrícola que celebrou com o réu, e a condenação deste no pagamento da renda anual em atraso e dos prejuízos sofridos com a destruição da sua plantação de cedros pelo rebanho do réu.
2 – Na contestação, o réu sustenta a improcedência da acção, com a consequente absolvição dos pedidos e, em reconvenção, pede a condenação do autor no pagamento de uma indemnização, pelos danos patrimoniais sofridos, derivados da não manutenção do contrato com o réu.
3 – Na resposta, o autor alega que não pode ser responsabilizado pela não celebração do contrato, porquanto, além do mais, não tem obrigação de conhecer as conversas havidas entre o réu e o aludido C..., acerca da possibilidade de celebração de um contrato de campanha para o ano de 2002/2003, uma vez que este é, simplesmente, o caseiro da Quinta, e não representa o autor, em quaisquer negociações contratuais.
4 – Então, o réu, alegando que, a ser verdade o afirmado pelo autor, o C..., seu caseiro e ora requerido, lhe teria mentido, pretendendo e conseguindo, de forma intencional, causar-lhe danos, pois que o advertiu que precisava de saber se ficava ou não com as terras, para poder tomar de arrendamento outras, em caso negativo, sob pena de serem avultados os seus prejuízos, solicitou o incidente de intervenção principal provocada, a fim de dirigir, subsidiariamente, contra o mesmo o pedido reconvencional já formulado.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
E a única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se foi tempestivo o requerimento de intervenção principal provocada formulado pelo réu-reconvinte.

*

DO PRAZO DA DEDUÇÃO DA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA

O artigo 325º, nº 1, do CPC, demarca o âmbito da intervenção principal provocada, ao estatuir que, “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”, acrescentando o respectivo nº 2 que, “nos casos previstos no artigo 31º-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.
Ora, o artigo 31º-B, do CPC, introduzido pela Reforma do Processo Civil de 1995/96, consagrou a figura do litisconsórcio eventual ou subsidiário, que denominou de pluralidade subjectiva subsidiária, nos termos do qual “é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”, permitindo ao autor a formulação de um pedido principal contra quem considera ser o provável responsável, e de um pedido subsidiário contra o hipotético titular passivo da relação.
Com efeito, tendo o autor-reconvindo alegado factualidade pertinente no sentido de consubstanciar a dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, importa responder à questão de saber se a requerida intervenção principal provocada tem, obrigatoriamente, de acontecer, como se diz na decisão recorrida, no articulado da contestação-reconvenção.
A este respeito, dispõe o artigo 326º, nº 1, do CPC, que “o chamamento para intervenção [principal provocada] só pode ser requerido, em articulado da causa ou em requerimento autónomo, até ao momento em que podia deduzir-se a intervenção espontânea em articulado próprio...”.
Na hipótese em apreço, o réu-reconvinte deduziu o pedido de intervenção principal provocada, na sequência do articulado da resposta à reconvenção, a que alude o artigo 786º, do CPC, em face da nova factualidade exceptiva neste contida, sendo certo que a acção sumária em causa não consente o articulado da contra-resposta.
Assim sendo, não podendo o réu-reconvinte apresentar um novo articulado, atendendo à ortodoxia da acção sumária, socorreu-se de um articulado próprio heterodoxo, no qual suscitou o chamamento.
E o prazo de apresentação do articulado próprio para a dedução da intervenção principal espontânea activa tem como limite temporal, quando esta ocorre antes de proferido o despacho saneador, como acontece na hipótese em apreço, o momento da prolação deste, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 326º, nº 1 e 323º, nº 1, do CPC.
Efectivamente, ao contrário do defendido na decisão recorrida, é inaplicável, «in casu», o estipulado pelo artigo 329º, do CPC, que contempla o regime das “especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu”, sucessor do instituto do chamamento à demanda, cujo âmbito de incidência se circunscrevia às hipóteses em que o fiador demandado pelo credor podia chamar o devedor para com este se defender ou, com ele, ser, conjuntamente, condenado, a que se reporta o artigo 641º, nº 1, do Código Civil, ou em que o devedor solidário, demandado pela totalidade da dívida, quisesse fazer intervir os outros condevedores, a que acresce, outrossim, que o réu formula o pedido de intervenção principal provocada passiva, na qualidade de reconvinte e, portanto, como autor, enquanto que o supracitado normativo legal se reporta à situação processual do réu demandado, e não do réu, autor de um contra-ataque processual contra o reconvindo.
Assim sendo, o limite temporal para a dedução do pedido de intervenção principal provocada, no caso em análise, não é o da apresentação do articulado da contestação, mas antes o momento da prolação do despacho saneador.


CONCLUSÕES:

I – Tendo o réu-reconvinte deduzido o pedido de intervenção principal provocada, na sequência do articulado da resposta à reconvenção, em face da nova factualidade exceptiva neste contida, não podendo aquele apresentar um novo articulado, face à ortodoxia da acção sumária, deve suscitar o chamamento, em articulado próprio.
II - O prazo de apresentação do articulado próprio tem como limite temporal, não o da apresentação do articulado da contestação, mas antes o momento da prolação do despacho saneador, por ter sido apresentado antes deste.


DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar provido o agravo e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, devendo o Exº Juiz, observado que seja o disposto pelo artigo 326º, nº 2, do CPC, se ainda o não foi, decidir no sentido da admissibilidade do chamamento.
Sem custas – artigo 2º, nº 1, g), do CCJ.