Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
446/08.6TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
REINTEGRAÇÃO DE TRABALHADOR
ABUSO DE DIREITO
SALÁRIOS EM ATRASO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 01/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV- AVEIRO- J TRABALHO - 2º S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 435º, Nº 1, 437º, Nº 1, E 443º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 334ºDO C.CIV.
Sumário: I – O artº435º, nº 1, do Código do Trabalho estabelece que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada por Tribunal em acção intentada pelo trabalhador.

II – Significa isto que só a partir da data da prolação da declaração judicial da ilicitude do despedimento é que o contrato de trabalho revive, nomeadamente para efeitos de reintegração no posto de trabalho.

III – Declarada a ilicitude do despedimento por sentença transitada em julgado, a entidade patronal fica obrigada a pagar ao trabalhador ilicitamente despedido as retribuições que este tenha deixado de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, de acordo com o preceituado no artº 437º, nº 1, do Código do Trabalho.

IV – Não é uma qualquer forma de posterior disponibilidade da entidade patronal (recuo/arrependimento) para receber o trabalho do trabalhador (ilicitamente) despedido que inverte as posições (como que passando a imputar-se ao trabalhador as consequências da ilícita disposição da primeira – o despedimento, enquanto declaração negocial unilateral receptícia, pôs termo ao contrato).

V – O instituto do “abuso de direito”, plasmado no artº 334º do C. Civ., serve de válvula de segurança do sistema, para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.

VI – A postulada “boa fé” aí prevista mais não é do que a esperada honestidade e lealdade de comportamento, com o que não se compadece a assunção de uma súbita postura, contraditória ou incompatível com conduta anterior, que frustre a legítima expectativa ou confiança criada a outrem, constituindo a sua manifestação mais típica o “venire contra factum proprium”, que a exigência do princípio não consente.

VII – Não há “abuso de direito” na conduta de um trabalhador despedido ilicitamente que recuse retomar o seu posto de trabalho sem que assim seja jurisdicionalmente determinado.

VIII – Dispõe o artº 443º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho que a resolução do contrato com o fundamento nos factos previstos no nº 2 do artº 441º (salários em atraso) confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

IX – Esta indemnização tem uma natureza híbrida (de indemnização/sanção): por um lado, uma vocação sancionatória, ao estabelecer um mínimo independentemente da demonstração de qualquer dano; por outro lado, deixa de compensar danos (patrimoniais e/ou não patrimoniais) comprovados que excedam o “plafond” máximo.

Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                    I –

                                        RELATÓRIO

1.

A....., ...., demanda «B....., S.A.», com sede ....., pedindo a condenação da Ré a reconhecer a licitude da resolução do contrato de trabalho pela verificação dos pressupostos da justa causa invocada e a condenação da Ré a pagar a quantia global de € 69.690,85 relativa à indemnização devida pela resolução do contrato e créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

2.

Realizada sem êxito a Audiência de Partes, foi a Ré notificada para contestar, o que fez, aduzindo argumentos de facto que, em seu entender, deveriam conduzir à improcedência da acção.

3.

O despacho saneador conheceu parcialmente do mérito da acção – alíneas c), d) e e) do pedido – decidindo que o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessou em 18.4.2008 por rescisão operada pela A., com justa causa, e condenando consequentemente a R. a pagar àquela o montante global de € 43.118,23, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

4.

Ordenou-se a prossecução dos Autos para conhecimento dos restantes pedidos, mas entretanto veio a R. interpor recurso do saneador-sentença.

Arguindo desde logo a sua nulidade, alegou e concluiu, a final, assim:

[………………………………………………………………]

5.

Não vimos que tivesse sido oferecida contra-alegação.

Prosseguiram os Autos a demais tramitação, proferindo-se finalmente sentença, a fls. 604/ss., em que se decidiu condenar a R. nos montantes aí discriminados, a que nos reportamos.

6.

A R., inconformada, veio impugná-la.

Alegando, concluiu:

[…………………………………………………………………]

7.

A recorrida respondeu, rematando, em síntese útil, que a R. omite dos factos provados que a viatura se manteve no uso da A. enquanto a mesma se encontrava suspensa, apenas tendo sido solicitada a sua devolução aquando do seu despedimento. Se a manteve consigo então, para uso exclusivo na sua vida pessoal, é evidente a primazia e âmbito dado à entrega da dita à A.

A viatura foi entregue à A. com a clara intenção de a mesma ser usada pela A. na sua vida pessoal, suportando a R. todos os custos relacionados com a mesma, no seguimento da acordada assumpção da A. nas novas funções e responsabilidades na estrutura da empresa.

Constituía assim um benefício económico patrimonial para a A., com carácter regular, periódico e consolidado, devido em função do seu vínculo contratual/laboral.

Não tem sustentação a tese da inexistência de dados para a quantificação do benefício tido, existindo os elementos concretos adequados a tal apreciação, como decorre da sentença.

Contrariamente ao pretendido, os juros são contabilizados a partir do vencimento de cada uma das prestações, que são valores remuneratórios mensais.

O facto de a R. não concordar com os valores ou carácter das prestações não implica que, definido o seu vencimento, os juros se contabilizem a partir de então, como doutamente plasmado na sentença ‘a quo’.

                                                    ___

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir seu proficiente Parecer, a fls. 680-682, a que não foi oferecida reacção – cumpre decidir.

                                                    II –    

                              FUNDAMENTAÇÃO

· DOS FACTOS.

Vem assente a seguinte factualidade:

[……………………………………………………………..]

                                                   

· CONHECENDO.

- Do recurso interposto do saneador-sentença.

A Apelante suscita desde logo um vício da decisão que, na sua perspectiva, constituirá uma nulidade da sentença, ‘ex vi’ do disposto no n.º1, c), do art. 668.º do C.P.C.…e que se analisa na contradição entre o facto dado como assente e a decisão relativa ao montante da indemnização.

Isto porque se deu como estabelecido que a A. auferia uma remuneração mensal bruta de € 3.289,06 e, depois, se usou tal valor como sendo de retribuição-base, calculando e decidindo o valor da indemnização em função disso.

Cautelarmente – …e nos mesmos termos da fundamentação da invocada nulidade – pretendeu impugnar-se a matéria de facto, enquanto configurando manifesto erro de julgamento, como se vê do ponto II da motivação, invocando um excerto da fundamentação de Direito da decisão em que o Tribunal erra manifestamente ao afirmar que tal matéria não fora impugnada pela R…quando o foi expressamente no art. 19.º da contestação.

Conferimos que assim aconteceu na verdade.

A matéria relativa ao alegado montante da retribuição foi efectivamente impugnada, como se vê do confronto entre o articulado da A. e o contraposto pela R. na sua defesa.

Íamos providenciar em conformidade, quando constatamos que o Exm.º Julgador se deu disso conta na sentença subsequente, a fls. 605 v.º, assumindo o erro, em nota prévia.

Aí se consignou justamente que...Do teor da contestação verifica-se que a matéria alegada no artigo identificado pela A. (na P.I.) com o número 19 está impugnada…

E embora daí não retire imediatamente qualquer consequência, em sede de facto, acaba por consignar-se mais adiante (fls. 608, in fine) que …a retribuição da A. é composta (…além do mais), por ‘retribuição-base de € 2.200’…

Não vimos que a recorrida tenha repudiado, insinuadamente sequer, este entendimento das coisas, pelo que, sem outras despiciendos justificativos, se confere razão à impetrante, neste ponto, imprimindo-se à decisão da matéria de facto, nos termos legalmente consentidos, a devida alteração.

O questionado item de facto passa a ter a seguinte redacção:  

À data da cessação do contrato a A. auferia uma remuneração mensal bruta no total de € 3.289,06, correspondente à soma de diversas parcelas, nomeadamente - 1) Retribuição-base de € 2.200,00; 2) ’…

Esta alteração de facto terá necessariamente repercussão no valor encontrado, a final, como correspondente ao montante da indemnização de/por antiguidade, já que o referencial de cálculo é, para o efeito, não a remuneração mensal bruta de € 3.289,06, mas sim a retribuição-base vezes o tempo de serviço (…13 anos e 40 dias, de acordo com os termos usados no cômputo).

Isto posto, avancemos para as questões que nos vêm propostas, que a Apelante inventaria como sendo, no mínimo, as que discrimina a fls. 516-518.

Seguiremos, metodologicamente, o guião constante do elenco conclusivo, sem perder de vista o teor da decisão impugnada, cujo objecto se circunscreve ao conhecimento parcial do pedido, concretamente o plasmado nas alíneas c), d) e e), ou seja, a justa causa da resolução, a indemnização de antiguidade e a compensação pelos danos não patrimoniais.

Ultrapassadas as primeiras quatro proposições de síntese, que se reportam ao problema vindo de tratar, vejamos então.

1. Pretexta a Recorrente que, ao contrário do sustentado na decisão sujeita, a ‘impossibilidade’ de a trabalhadora/A. realizar a sua prestação só se manteve efectivamente no período compreendido entre o despedimento e o dia 26 de Novembro de 2007, já que nesta data a ‘impossibilidade’ cessou, pois a R. confessou a ilicitude do despedimento e declarou aceitar expressamente a reintegração da A., como esta pedia, tendo-a até interpelado extrajudicialmente para retomar as suas funções no dia seguinte (27 de Novembro de 2007).

Assim – remata – se a A. não aceitou a reintegração e se não se apresentou ao trabalho no falado dia 27/11/07, tal ficou a dever-se apenas à circunstância de a recusar, alegando perda de ‘cordialidade e confiança’ relativamente à sua entidade empregadora.

Será?

Depois de delinear os contornos fundamentais do quadro normativo de significação atinente à justa causa de rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador – que ratificamos, na generalidade – a decisão ora ‘sub judicio’ considerou:

‘Na carta que remeteu à R. a comunicar a rescisão do contrato a A. começa por invocar factos ocorridos nas instalações da R., em Aveiro, em 23 de Março de 2007; relata depois a A. o processo disciplinar de que foi objecto na altura e a acção judicial que se lhe seguiu e o respectivo desfecho; e, finalmente, apresenta a sua versão das circunstâncias em que se verificou a sua reintegração na empresa, com a instauração de novo processo disciplinar.

Alega ainda o incumprimento da R. no que respeita ao pagamento de salários vencidos e entrega da viatura a que a A. entende ter direito.

Quanto aos factos alegadamente ocorridos na reunião de 30 de Março de 2007, parece-nos que os mesmos, ainda que provados, não constituiriam justa causa de rescisão do contrato.

Conforme referimos supra, a justa causa pressupõe um comportamento culposo da entidade patronal…

Ora, é a própria A., com o comportamento adoptado, quem revela que aqueles factos não tornaram imediatamente impossível a subsistência da relação laboral. Com efeito, se aqueles factos tivessem assumido a gravidade que a A. agora lhes pretende emprestar, teria peticionado na acção a que faz referência a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração.

E a verdade é que a A. peticionou expressamente a reintegração.

Já quanto ao incumprimento das retribuições enquanto fundamento para a rescisão, parece-nos que a A. tem razão.

Reportando-se à posição assumida pelas partes nos seus articulados e à factualidade fixada em conformidade, cita a Jurisprudência constante de dois Arestos (um o do S.T.J., de 13.4.2005, disponível em www.dgsi.pt, e outro da Relação de Lisboa, de 30.4.1997, também acessível no mesmo sítio) para concluir (…e reproduzimos):

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa…a declaração de rescisão do contrato de trabalho é uma declaração receptícia que só surte efeito quando chega ao conhecimento do declaratário.

Mas, a partir do momento em que chega ao conhecimento do seu destinatário, torna-se perfeita. E a partir daí só a declaração de ilicitude pode fazer reviver o contrato de trabalho.

Os efeitos decorrentes da declaração de ilicitude, nomeadamente a reintegração, apenas se produzem a partir da data da sentença que a declarou.

Significa isto que só a partir da data da prolação da presente decisão é que a A. deve ser reintegrada no seu posto de trabalho – isto sem prejuízo de eventuais recursos que venham a ser interpostos da presente decisão e dos efeitos que venham a ser atribuídos aos mesmos – vídeo o identificado Acórdão do S.T.J.

Nessa medida, e conforme tivemos oportunidade de referir na decisão proferida no Processo n.º 627707.0TTAVR, desta Secção, supracitado, a declaração directamente feita pela R. à A. não produziu, por isso, quaisquer efeitos.

Aliás, esta solução resulta expressamente da Lei, já que é o art. 435.º/1 do Código do Trabalho que estabelece que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada por Tribunal Judicial em acção intentada pelo trabalhador.

E, não tendo aquela notificação produzido quaisquer efeitos, a R. estava obrigada a pagar à A. as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, de acordo com o preceituado no art. 437.º, n.º1, do Código do Trabalho.

Quanto à natureza jurídica desta obrigação, entendemos que se trata de uma verdadeira contraprestação do trabalho – …que só não foi realizado por facto imputável à entidade empregadora – e não de uma indemnização.

Conforme ensina Pedro Furtado Martins (‘Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva – Contributo para o estudo dos efeitos da declaração de invalidade do despedimento’), ao despedir o trabalhador ilicitamente a entidade patronal impossibilita o trabalhador de realizar a sua prestação. E tendo a prestação do trabalhador um momento de execução temporalmente fixo, é irrecuperável.

E mais adiante:

De tudo o exposto concluímos que a R. estava obrigada a pagar à A. as retribuições vencidas desde o despedimento até 3 de Abril de 2008, data que não coincide com o trânsito em julgado da decisão que condenou a R. na reintegração, mas que corresponde à data em que as partes foram notificadas do despacho que atribuiu efeito meramente devolutivo ao recurso da A. daquela decisão e que em consequência impôs às partes o seu imediato cumprimento.

A verdade é que a R. não pagou à A. as retribuições referentes aos períodos de 27 a 30 de Novembro de 2007, Dezembro de 2007, Janeiro a Março de 2008 e 1 a 6 de Abril de 2008.

Por fim:

A A. resolveu o contrato de trabalho por escrito e com indicação expressa da falta de pagamento das retribuições como fundamento, entre outros, para a cessação do contrato com justa causa, cumprindo assim o procedimento consagrado no art. 442.º, n.º1, do Código do Trabalho.

Este comportamento consciente d ar., pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não sendo exigível à A. manter, nestas circunstâncias, o vínculo laboral.

Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 441.º, n.ºs 1 e 2, a); 442.º, n.º1 e 396.º, todos do Código do Trabalho e 308.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, concluímos que a A. rescindiu com justa causa o contrato de trabalho que a ligava à R. (grifados agora).

 Tudo ponderado, diremos que a solução eleita – assentando numa análise e interpretação dos factos relevantes na perspectiva que temos por consentânea com a dimensão normativa do quadro legal de subsunção – reflecte, nos pontos revistos, sensibilidade e bom senso, colhendo, por isso, no essencial, o nosso sufrágio.

Fica, por isso, postergada a tese da recorrente, (…respeitável embora), vertida nas conclusões 5.ª a 9.ª do alinhamento final, que pretendia ver a ‘impossibilidade’ de a A. realizar a sua prestação temporalmente circunscrita ao momento da sua (dela, R.) confessada ilicitude do despedimento, inconsiderando que a sua actuação posteriormente à decisão/comunicação do despedimento é juridicamente ineficaz, para o efeito, ante a evidência de que não consta, legalmente reconhecido, o direito do empregador ao arrependimento – como bem lembra o Exm.º P.G.A. no seu proficiente Parecer – …susceptível de eliminar as consequências do despedimento ilegal.

Ficarão (…) implicitamente prejudicadas as demais questões (…que, cremos, o não são ‘proprio sensu’, pois não constituem reacção a uma qualquer determinação jurisdicional, já que sobre elas não versa o dispositivo…) que a recorrente enumera, a seguir, numa subsidiariedade em cascata, como se vê de fls. 517-18, depois repercutidas nas asserções conclusivas sob os n.ºs 10.ª a 16.ª …e seguintes!

Ainda assim, consideram-se, nestes sucintos termos:

- Pretexta a recorrente que o Tribunal errou ao entender que a obrigação da R. de pagar as retribuições mencionadas na sentença que deferiu a reintegração da A., ficou vencida logo em 3 de Abril de 2008.

Acha que tal vencimento não ocorreu antes de 18 de Abril de 2008, ou seja, no dia imediatamente a seguir ao trânsito em julgado do despacho que admitiu o recurso (da A.) e lhe fixou o efeito e o regime de subida, e também o dia em que a A. veio desistir do referido recurso, pois até então o despacho continuava em aberto, passível de arguição de nulidade, aclaramento ou reforma ou de reclamação para o Presidente da Relação.

Não tem razão.

Quando aprecia e fundamenta a decisão relativamente à invocada falta de pagamento pontual das retribuições enquanto motivo da resolução com justa causa, o Exm.º Julgador ‘a quo’ escreveu a fls. 476:

‘No caso em apreço verifica-se claramente falta de pagamento pontual das retribuições referentes a Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro a Março de 2008.

No entanto, a obrigação de pagamento das retribuições apenas se venceu em 3 de Abril de 2008, data em que, como já referimos, a obrigação de reintegração e, obviamente, de pagamento das retribuições se tornou definitiva…

Com o devido respeito, são coisas distintas a decisão, em sentido próprio, e o momento a partir do qual a mesma se considera estabilizada, passando em julgado, como se sabe, logo que não é susceptivel de reclamação ou recurso ordinário.

A eficácia do seu conteúdo dispositivo não é diferida para um qualquer momento posterior, aleatoriamente coincidente com trânsito em julgado.

O decurso do prazo de impugnação da decisão apenas significa que o que nela se dispõe se tornou indiscutível.

- Invoca ainda a Apelante – sob a epígrafe ‘Prazo de pagamento das prestações salariais’/’Período de 60 dias’ – que a partir do trânsito em julgado da sentença que determinou a reintegração da A., ainda dispunha, pelo menos, de mais dez dias para liquidar e executar a sentença e comprovar o pagamento à A. das retribuições nela fixadas, pelo que a interpelação da A., feita pelo fax de 8 de Abril de 2008, para efectuar o pagamento imediato das retribuições devidas por força da sua reintegração, foi manifestamente precipitada, sendo que, quando esta rescindiu o contrato, em 18 de Abril, ainda não se verificava qualquer falta de pagamento pontual das retribuições referentes a Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro a Março de 2008, pelo que a rescisão contratual carece de justa causa.

Também sem razão, com o devido respeito.

Ao versar esta perspectiva do problema, consignou-se na decisão em crise, nomeadamente:

…’A R. estava obrigada a pagar à A. as retribuições vencidas desde o despedimento até 3 de Abril de 2008, data que não coincide com o trânsito em julgado da decisão que condenou a R. na reintegração mas que corresponde à data em que as partes foram notificadas do despacho que atribuiu efeito meramente devolutivo ao recurso da A. daquela decisão e que, em consequência, impôs às partes o seu imediato cumprimento.

A verdade é que a R. não pagou à A. as retribuições referentes aos períodos de 27 a 30 de Novembro de 2007, Dezembro de 2007, Janeiro a Março de 2008 e 1 a 6 de Abril de 2008.

Estabelece o art. 308.º/1 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que…

Depois de ter reconhecido que entre a data da vencimento da obrigação de pagamento das retribuições em falta (de Abril de 2008) e a data da rescisão operada pela A. não decorreram os 60 dias a que a Lei alude, o Exm.º Decisor ‘a quo’ ponderou que:

‘Porém, o n.º2 do citado art. 308.º dispõe que o direito de resolução do contrato pode ser exercido antes de esgotado o período referido no número anterior, quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento, até ao termo daquele prazo, do montante da retribuição em falta.

Ora, está assente que a A., por fax de 8 de Abril de 2008, pediu à R. o pagamento das retribuições devidas por força da sua reintegração, ‘sob pena de se configurar uma situação de salários em atraso’- doc. de fls. 393, cujo teor se dá  por integralmente reproduzido.

E a esse fax respondeu a R. afirmando que o salário é contrapartida do trabalho prestado e que, por isso, só é devido a partir de 7 de Abril, uma vez que, por razões exclusivamente imputáveis à A., esta não prestou qualquer serviço na sequência da decisão da R. em reintegrá-la…

…Posição que a R. renovou na sua contestação quando nos artigos 46 e 47 alega que não tem a obrigação de pagar os vencimentos referentes aos períodos de 27 a 30 de Novembro de 2007, Dezembro de 2007, Janeiro a Março de 2008 e 1 a 6 de Abril de 2008.

Assim, informando a R., por escrito, que não pretende pagar as retribuições em falta, não estava a A. obrigada a aguardar pelos 60 dias de mora, podendo rescindir o contrato antes de esgotado aquele período’.

Ratificamos inteiramente o assim ajuizado, ficando por isso ultrapassadas as correspondentes asserções conclusivas, incluídas as 17.ª e 18.ª.

- Por tudo quanto acima se disse – e com inteira adesão ao que adrede se expendeu na decisão sujeita – não podem acolher-se as aliás doutas razões que enformam a motivação relativamente aos pontos sintetizados nas asserções conclusivas sob os n.ºs 19.º a 21.º

Como se deixou dilucidado, não é a posterior disponibilidade da R. (=…recuo/’arrependimento’) para receber o trabalho da A. que inverte as posições, passando, como se pretendia, a imputar-se à A. as consequências da ilícita disposição da primeira (o despedimento, enquanto declaração negocial unilateral receptícia, pôs termo ao contrato).

Não colhe consequentemente a doutrina adiantada sobre o nexo de reciprocidade entre o trabalho e a remuneração, que, sendo perfeita, em tese, se torna aqui imprestável, face ao descrito contexto fáctico-jurídico.

- São igualmente inanes os aduzidos argumentos segundo os quais o pagamento das prestações devidas implicava a definição prévia dos respectivos montantes, dependendo ainda a respectiva liquidação nomeadamente de informação da A., face às deduções impostas pelo art. 437.º do Código do Trabalho…

…Que não se justifica sequer considerar/refutar, ‘hic et nunc’, já que – como acima se disse – a decisão em crise se limita a reconhecer e proclamar que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. cessou em 18.4.2008, por rescisão operada pela A., com justa causa, e a condenar a R. a pagar à A. o montante global de €43.118,23, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

(Vencidas ficam, pois, as conclusões 22.ª a 27.ª).

- A actuação da A. não configura qualquer abuso do direito.

Como é sabido – e disso dá nota a própria impetrante – o instituto do ‘abuso do direito’, plasmado no art. 334.º do C.C., (É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito), serve de válvula de segurança do sistema, para ao casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, de normas legais, obstando a injustiças clamorosas, que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado (cfr. Vaz Serra, in BMJ n.º85/326 e M. Andrade, in RLJ, Ano 87/307).

A postulada boa fé mais não é do que a esperada honestidade e lealdade de comportamento, com o que não se compadece a assunção de uma súbita postura, contraditória ou incompatível com conduta anterior, que frustre a legítima expectativa ou confiança criada a outrem, constituindo a sua manifestação mais típica o ‘venire contra factum proprium’, que a exigência do princípio não consente, pois.

Ora, não é disso, do pretenso abuso do direito, que se trata.

Despedida ilicitamente, como se reconheceu, não era exigível à A. que retomasse o seu lugar sem que assim fosse jurisdicionalmente determinado, como já se deixou explicitado, não se vendo que o não acatamento da reintegração, a pedido da R., nas faladas circunstâncias, possa identificar-se com o exercício contraditório de um direito, e, menos, que, depois de a haver ilicitamente despedido, a R. pudesse legitimamente esperar/confiar que a A. se conformasse com o seu recuo posterior …mesmo considerando que, face ao novo cenário, a A. tenha rectificado a sua disposição e optado afinal pela indemnização de antiguidade.

Não vemos que, neste contexto, se possa falar, com propriedade, da protecção de quaisquer expectativas juridicamente relevantes ou da confiança do declaratário/empregador, com prevalência sobre o exercício de um direito, cujos limites, prevenidos na dimensão da norma legal (art. 334.º do C.C.), não foram de modo nenhum excedidos.

(Ultrapassamos assim as conclusões 28.ª a 30.ª, sendo que a matéria a que respeitam as 31.ª a 35.ª já foi oportunamente tratada).

                                                    ____

2.

Por fim, insurge-se a Apelante, Sob a epígrafe ‘Grau de ilicitude do despedimento ou de culpa da Empresa’, contra o juízo relativo à medida da indemnização que foi estabelecida por reporte a 30 dias de retribuição-base.

Na sua perspectiva, há elementos que apontam para uma actuação de baixa ilicitude/com culpa reduzida, devendo ponderar-se os dados que adianta com vista à fixação da indemnização com referência, não a 30, mas a 15 dias de retribuição-base.

Dispõe-se no art. 443.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho que a resolução do contrato com o fundamento invocado (factos previstos no n.º2 do art. 441.º) confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

No caso de fracção de ano o valor de referência previsto na segunda parte do número anterior é calculado proporcionalmente…

 Para a fixar no valor intermédio, (30 dias), considerou-se, na decisão sob protesto, a inexistência de elementos que permitissem concluir pelo (…maior ou menor) grau de ilicitude do despedimento ou de culpa da entidade empregadora.

E, tudo ponderado, não vemos razão bastante para nos afastarmos de tal juízo, pese embora a pretensa bondade das circunstâncias ‘atenuantes’ invocadas pela recorrente.

Com efeito:

Como já se escreveu noutro lugar – entendimento que se mantém – a prevista indemnização tem uma feição específica, que não se contém nem limita no âmbito dos danos ponderáveis do credor/trabalhador.

Assume por um lado uma vocação sancionatória, ao estabelecer um mínimo independentemente da demonstração de qualquer dano; deixa de compensar, por outro, danos (patrimoniais e/ou não patrimoniais) comprovados que excedam o ‘plafond’ máximo.

Esta sua natureza híbrida, com características de ‘indemnização/sanção’, implica, ao que cremos, que na sua graduação se considere fundamentalmente a maior ou menor gravidade da ilicitude e da culpa do empregador e, em alguma medida, os danos sofridos.

(Sobre a crítica às limitações e dificuldades operatórias trazidas pela norma em causa, vide anotação no ‘Código do Trabalho’, Pedro Romano Martinez e Outros, 5.ª Edição, pg. 766-7).

E a verdade é que não há, objectivados, indicadores relevantes, num ou noutro sentido.

As circunstâncias invocadas com vista à pretendida demonstração do reduzido grau de ilicitude e culpa patronais são reversíveis, com o devido respeito: Instaurar um procedimento disciplinar, sancionar um trabalhador com o despedimento e reconhecer depois a sua ilicitude, sem se explicar porquê, está longe de deixar presumir que tal reconhecimento o tenha sido por razões meramente formais…

…E, mesmo que o tenha sido, não deixará de ser pouco animador ver-se que, depois de tudo isso, (…e de verificada finalmente a reintegração da A.), a R. determine, em 4 de Abril de 2008, a instauração de novo procedimento disciplinar à A., com intenção de despedimento – cfr. fls. 381.

Considerando, pois, todo esse atribulado quadro relacional, que, além do mais, precipitou as razões que caucionaram a resolução do contrato, com as implicitadas instabilidade, tensões e consequente desgaste, afigura-se-nos ponderada a decisão que fixou a indemnização por referência ao valor intermédio dos 30 dias de retribuição-base por cada ano de antiguidade ou fracção.

                                                                       III –

É nestes termos que se delibera julgar parcialmente procedente o recurso interposto do saneador/sentença, concretamente no que tange à alteração imprimida à decisão de facto, conforme sobredito.

Assim, confirmando o mais decidido, fica a R. condenada a pagar à A., a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de 28.841,00.

Custas em função do decaimento.

                                                    ________

- Da Apelação interposta da sentença.

Tendo prosseguido os Autos, como a subsequente tramitação patenteia, para conhecimento dos demais pedidos formulados, proferiu-se por fim decisão em que, julgando parcialmente procedente a acção, se condenou a R. a pagar à A.:

- …o montante de € 14.141,37, a título de salários desde Julho de 2007 a 18 de Abril de 2008, incluindo o subsídio de Natal de 2007, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada um dos salários e até efectivo e integral pagamento;

- …o montante de € 3.105,20, a título de diferenças de férias e de subsídio de férias vencidas em 1.1.2008, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada um das prestações e até efectivo e integral pagamento;

- …o montante de € 2.927,34, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2008, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento (18.4.2008) e até efectivo e integral pagamento.

Na sequência do alinhado historial das vicissitudes maiores por que passou a relação juslaboral aqui em causa, a Apelante propõe-nos como questões a dirimir – 'ut' acervo conclusivo final, por onde se afere e delimita, por via de regra, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso – as seguintes:

1 - Será devido à A. o pagamento dos salários referentes ao período entre 27 de Novembro de 2007 e 6 de Abril de 2008, como vem decidido?

A resposta foi já dada acima, no recurso interposto do saneador/sentença, aquando do tratamento da problemática relativa ao pretenso termo da ‘impossibilidade’ de a A. realizar a sua prestação funcional, que a R. entendeu – sem fundamento bastante, como cremos ter ficado claramente dilucidado e ora se reitera – fazer coincidir com o momento em que confessou a ilicitude do despedimento e declarou aceitar a imediata reintegração da A.

Contrariamente à tese da Apelante – …que insiste em que a dita ‘impossibilidade’ consequente ao despedimento só se manteve desde a data deste até ao dia em que a R. reconheceu a respectiva ilicitude, ou seja, até 26.11.2007 – as consequências da ilicitude do despedimento perduram, em bom rigor, até à sua proclamação jurisdicional, indiferentes à circunstância de o empregador vir depois a assumir que o cominou erradamente, confessando que o mesmo foi ilícito.

São-lhe pois imputáveis até ao momento em que se declare, na acção intentada para o efeito pelo trabalhador, a ilicitude do despedimento – art. 435.º/1 do Código do Trabalho – vindo factualmente assente que a R. não pagou à A. qualquer quantia referente ao período decorrente entre 27 de Novembro de 2007 e 6 de Abril de 2008.

A resposta é, pois, afirmativa.

2 - As parcelas integrantes da retribuição/’salários’.

Discorda a recorrente apenas de que a retribuição da A. seja também integrada pelo montante de €600,00, referentes ao valor do uso da viatura.

Terá razão?

A busca da solução certa demanda particular ponderação.

Sendo tão concisos quanto possível, vejamos então.

 A dificuldade maior consiste, pois, em saber se, no caso, o uso do automóvel .... por parte da A., nas descritas circunstâncias, constituiu um mero benefício económico ou configura – antes e para além disso – uma obrigação/contrapartida que deva haver-se por contratualmente assumida, destinada a remunerar a prestação do trabalho.

Como se sabe, o art. 249.º do Código do Trabalho contém os princípios gerais da retribuição.

Como reza o seu n.º1, só se considera retribuição aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

 O legislador, sensível às conhecidas dificuldades de prova nesta matéria, estabeleceu a favor do trabalhador uma presunção, ilidível embora, que naturalmente o liberta do ónus de demonstrar a natureza retributiva de certas variáveis como integrantes da noção de retribuição.

Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador – n.º3 da identificada norma – afora as prestações expressamente excluídas dessa categoria, como, v.g., as ajudas de custo e outros abonos, as gratificações, em sentido amplo, e a participação nos lucros da empresa.

Ora, não tendo a A. demonstrado que a atribuição do automóvel para seu uso na vida privada foi uma obrigação contratualmente negociada e aceite pelo empregador como contrapartida da prestação da sua actividade, aquando da outorga do contrato – limitou-se a alegar que tal viatura era parte integrante da sua retribuição, destinando-se ao seu uso pessoal e profissional, 'ut' item 260.º da P.I.resta averiguar se, beneficiando dessa presunção legal ‘juris tantum’, se pode concluir dos factos assentes que esse benefício visou remunerá-la pelo trabalho prestado, ou antes, se deles resulta que a R. logrou contrariar o alcance da presunção.

Vem factualmente estabelecido que:

- A A. foi admitida ao serviço da R. em Março de 1995 para o exercício das funções de consultora.

- Em 2005 desempenhava as funções de Direcção da Área de Recrutamento e Selecção nos escritórios da R. em Aveiro.

- A partir de Março desse ano passou a acumular essas funções com as de Direcção da Área de Trabalho Temporário da ‘Tutela, Empresa de Trabalho Temporário, Ld.ª’, empresa do Grupo B....

- A partir de Março de 2005 a A. passou a usar um veículo de marca ..., modelo ..., fornecido pela empresa Ré, que era quem suportava todas as despesas com revisões, seguros, inspecções e ALD.

- O veículo em causa foi adquirido pela R. em Fevereiro de 2003, pelo preço de € 30.000, em regime de ALD, pelo qual a R. pagava mensalmente a quantia aproximada de € 700,00.

- A R. entregou o veículo ... à A. para que esta o utilizasse no exercício do seu trabalho mas também na sua vida pessoal (férias, fins-de-semana, passeios com a família, compras, deslocações de casa para o trabalho e vice-versa, etc.).

- Sempre que necessário, e quando o .X... existente nos escritórios de Aveiro não estava disponível, o veículo ... foi utilizado por outros funcionários da R. no exercício das respectivas funções. Para esse efeito o funcionário interessado pedia as chaves do carro à A., que as guardava consigo.

Na sentença ‘sub judicio’ – raciocinando sobre a mesma moldura de facto e sob o invocado quadro normativo a que fizemos alusão, acima – adiantou-se que, numa primeira abordagem, poderia ser-se levado a afastar o carácter retributivo da utilização do veículo, por se constatar que o mesmo fora entregue à A. para que esta o utilizasse no exercício do seu trabalho…e que era também utilizado por outros trabalhadores da empresa.

Mas logo a seguir – e apenas por que, de facto…a R. entregou o carro não só para uso profissional mas também para que a A. o utilizasse na sua vida pessoal (férias, fins-de-semana, deslocações de casa para o trabalho e vice-versa, etc.) – concluiu-se que …Este foi um dos objectivos que presidiu à entrega do carro à A. por parte da R., o que aliás explica o diferente regime de utilização que o veículo possuía…

Rematando-se assim:

E, embora constituindo instrumento de trabalho da A. e, quando necessário, de outros trabalhadores da R., foi entregue à A. com a clara intenção, manifestada pela R., de ser usado pela A. na sua vida pessoal…

Pelo exposto, o valor correspondente ao uso da viatura integra o conceito de retribuição.

Com o devido respeito, discordamos deste entendimento.

E convocamos, como respaldo do juízo que alcançámos, a fundamentação constante do Acórdão do S.T.J. de 17.10.2007, publicado na C.J./S.T.J., Ano XV, Tomo III, pg. 277, em que se conheceu de um caso com contornos muito próximos do que hoje nos ocupa, e em cuja bondade nos louvamos.

Em suma:

Da utilização pessoal do veículo, nas sobreditas circunstâncias, (era primordialmente um instrumento de trabalho, nem sequer no serviço exclusivo da A., como se retira dos pontos de facto enfatizados supra, sendo lícito admitir que a sua utilização pela A., só a partir de Março de 2005, (o veículo já tinha sido adquirido pela R. em Fevereiro de 2003), tem a ver mais com a circunstância de ter passado a acumular funções, e não propriamente com a necessidade de remunerar a sua eventualmente acrescida disponibilidade, já que, concomitantemente com a acumulação, lhe foi actualizado o seu salário mensal, que passou então a ser de € 2.200, como se fixou nas alíneas D. e E. do alinhamento da matéria de facto), não pode concluir-se, com segurança bastante, pela sua natureza ou vocação retributiva.

A sê-lo – e não é possível asseverar que a parte do uso relativo à sua vida privada constituísse uma contrapartida remuneratória do seu trabalho, como se disse – sê-lo-ia apenas residual e reflexamente, enquanto mera vantagem económica, cuja expressão pecuniária não se mostra sequer susceptível de uma qualquer quantificação minimamente objectiva.

Do facto de a A. ter passado a usar um veículo, que a Ré lhe disponibilizou para que o utilizasse no exercício do seu trabalho mas também na sua vida pessoal, nas descritas circunstâncias – …precisamente na altura em que se acertou/actualizou a sua retribuição, com o aumento do seu salário-base mensal…a que se somavam outras componentes –, deixa justamente perceber que se terá tratado de uma regalia acrescida, com carácter de liberalidade em função do estatuto, retirando-lhe a pretendida natureza remuneratória.

Como se ajuizou no referido Aresto do S.T.J., também cremos que, aqui, por paralelismo de razão, se mostra ilidida a falada presunção.

Termos em que, nesta parte, se acolhem os fundamentos que sustentam a reacção da recorrente.

Por fim:

Como se infere do sentido da anunciada solução, prejudicada fica a questão da específica contagem dos juros de mora tocantes à viatura da R. (sic, na minuta, a fls. 620).

No mais, quanto à sua contagem sobre as restantes prestações salariais, a pretensão da recorrente não procede.

O motivo do não pagamento pontual das mesmas está identificado…e é diverso do ora pretextado, não impendendo propriamente sobre o trabalhador, contrariamente ao alegado, o dever/obrigação de informação a que se alude, com vista à dedução a que se refere o n.º2 do art. 437.º do C.T.

Na dúvida – e à míngua de indicação preceptiva – parece-nos que a dedução só deverá acontecer se o devedor da prevista compensação/das retribuições vincendas, o empregador, (o único interessado, afinal), tiver concluído comprovadamente que o trabalhador obteve, com a cessação ilícita do contrato, outros proventos, que não teria recebido se não fora o despedimento.

Embora o trabalhador não deva beneficiar – por óbvios motivos de justiça – da realização tardia da prestação, pretendendo-se apenas que enquanto lesado fique sem dano, (o que não sucederá se, recebendo por inteiro a compensação correspondente aos proventos que teria obtido se a relação contratual não tivesse sido ilicitamente interrompida a puder cumular com os rendimentos de uma outra actividade, que não colheria se não tivesse sido despedido), não vemos que, forçado a buscar outra forma de subsistência, em consequência de uma determinação ilícita do empregador, se lhe possa pedir e dele esperar a ‘espontânea’ informação em causa…

…O que, aliás, constitui um quadro diverso da hipótese prevista na convocada norma do art. 573.º do C.C.

A obrigação de informação existe, como aí se dispõe, quando o titular de um direito tenha fundada dúvida acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.

Não é disso que se trata.

Os juros de mora sobre prestações salariais vencidas são devidos nos termos ajuizados.

Assim, por força da eliminação, como componente retributiva, do valor de uso do automóvel, há que recalcular as importâncias liquidadas a favor da A.

1 – Quanto aos salários referentes aos meses de Junho de 2007 a Abril de 2008.

A retribuição que lhe era devida é, pois, composta pela retribuição-base de € 2.200,00. acrescida de € 150,00, identificados nos recibos como ‘kms’ e de € 302.60, identificados nos recibos como ‘prémio’.

Seguindo a lógica e aritmética usada na decisão em crise, que não foi contrariada, encontramos os seguintes valores:

- As retribuições vencidas de Julho de 2007 a 18 de Abril de 2008, incluindo o subsídio de Natal de 2007, perfazem o total de € 28.117,60.

- O montante a deduzir, correspondente às faltas dadas pela A. no período que mediou de 21 de Janeiro a 5 de Abril de 2008, é de € 6.719,90.

- O valor em dívida é, assim, de € 21.397,70.

- A esse título a R. pagou à A. a quantia de € 12.097,27, ficando em dívida a quantia de € 9.301,50.

2 – Quanto ao pagamento devido por férias e subsídio de férias vencidos em 1.1.2008 e férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2008, conferimos que não foi levada em consideração, no respectivo cômputo, o estimado valor do uso do automóvel, servindo-se apenas dos valores mensais identificados nos recibos e que são, além da retribuição-base, os referentes a ‘prémio’ e ‘kms’, ou seja, € 302,60 e € 150,00, respectivamente.

Não há por isso que imprimir qualquer rectificação aos valores finais encontrados como sendo devidos a tal título.

Tudo tratado, vamos terminar.

                                                    ___

                                                    III –

Em conformidade com os fundamentos expostos, delibera-se julgar parcialmente procedente a Apelação e – revogando o decidido quanto à composição da retribuição, concretamente no que tange ao valor conferido ao uso da viatura fornecida pelo empregador e, consequentemente, o constante do ponto 1. do dispositivo – condena-se a R. a pagar à A., a título do aí discriminado, a quantia de € 9.301,50, no mais se confirmando a decisão impugnada.

Custas em função do decaimento.