Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
77/16.7T8PCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTRATO DE CHEQUE
OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS
FALSIFICAÇÃO DE CHEQUE
RESPONSABILIDADE CIVIL DO BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENACOVA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 3º DA LUS/CHEQUES. INSTRUÇÃO N.º 8/2018 DO BANCO DE PORTUGAL, ANEXO IV. ARTºS 483º E 563ºDO C. CIVIL.
Sumário: I – O depósito bancário pode ser caracterizado como o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.

II - O contrato ou convenção de cheque caracteriza-se como sendo um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação, sinalagmático, no âmbito do qual o banco acede a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão, mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, e por sua vez o banco vincula ao respectivo pagamento (cfr. art. 3.º da Lei Uniforme Sobre Cheques – LUCH).

III - Sendo a convenção de cheque fonte de obrigações recíprocas para ambas as partes que nela intervêm, uma dessas obrigações é a que impende sobre o banco de proceder ao pagamento dos cheques que lhe sejam apresentados na sequência do contrato de abertura de conta que celebrou com os seus clientes, naturalmente desde que haja provisão bastante e não exista qualquer vicissitude anómala no cheque, como falsificação.

IV - Como bem se refere no Ac. STJ de 22/10/2013, se o Banco pagar cheques falsificados por (outro) terceiro, incumpre o contrato de cheque, só se libertando da responsabilidade para com o seu cliente se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

     Proc. n.º 77/16.7T8PCV.C1

     1. -Relatório

1.1.- F..., Lda instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Banco B..., S.A. peticionando a condenação deste no pagamento à A. da quantia de €7.000,00, respeitante ao pagamento indevido do cheque nº ..., quantia esta acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24/01/2014 até integral e efectivo pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que emitiu o mencionado cheque sobre o Banco B..., S.A., no valor de €7.000,00, tendo esse cheque sido emitido sobre a conta que a A. é titular no referido Banco; que preencheu integralmente o cheque em causa, designadamente quanto ao beneficiário do mesmo, J..., tendo-lhe entregue o mesmo para pagamento de uns eucaliptos que lhe houvera adquirido, no pressuposto dos meus serem seus; que o cheque em apreço é não endossável e cruzado; que tendo apurado que os ditos eucaliptos não pertenciam ao referido J... dirigiu-se ao Banco para proceder ao cancelamento do cheque em causa, tendo tido conhecimento que o mesmo houvera já sido pago a M..., nome este entretanto acrescentado, por aquele, pelo seu próprio punho, no lugar destinado ao beneficiário, extravasando a linha existente para o efeito.

            1.2. – citada a Ré contestou a acção, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. Alegou, em síntese, que o cheque não continha qualquer rasura, emenda ou alterações que suscitasse dúvidas quanto à genuinidade da indicação do nome da beneficiária, inexistindo, por isso, qualquer situação que obstasse ao seu pagamento.

Além do mais, a Ré deduziu ainda incidente de intervenção acessória provocada de M... e de J..., o qual foi admitido por decisão datada 15/09/2016

1.3. - Designada data para o efeito, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento da causa, conforme consta das respectivas actas.

            Após procedeu-se á prolação da sentença tendo sido julgada a ação procedente e  em consequência, condenou o R. Banco B..., S.A. a proceder ao pagamento à A. da quantia de €7.000,00 (sete mil euros), a que acrescem juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 24/01/2014 até integral e efectivo pagamento.

Custas pelo R.

            1.4. Inconformado com tal decisão dela recorreu o R. – Banco B..., S.A -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            ...

            1.5. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. não houve resposta.

                        1.6. - Colhidos os vistos cumpre decidir

                         2 – Fundamentação

A) Factos Provados

Com relevância para a presente decisão, mostram-se provados os seguintes factos:

1. A autora tem por objecto social, além do mais, a exploração florestal e actividades complementares relacionadas com a compra e venda de madeira e limpeza de florestas;

2. No desenvolvimento do seu objecto social a autora negociou com J..., residente no lugar e freguesia de ..., aquisição de eucaliptos e outras árvores em diversos prédios rústicos de que este se arrogava dono;

3. No início de Janeiro de 2014 a autora deslocou-se aos referidos prédios com o mencionado J...;

4. Este indicou os limites dos prédios que dizia ser de sua pertença, exibindo mesmo documentação alegadamente demonstrando serem referente a aqueles;

5. Após negociação entre as partes, a autora acordou adquirir as árvores existentes nos citados prédios pelo preço global de €7.000,00 (Sete mil euros);

6. E no dia 24 de Janeiro de 2014 a autora emitiu o cheque número ..., sobre o Banco B..., SA, aqui réu, no montante de €7.000,00 (Sete mil euros);

7. O referido cheque foi emitido sobre a conta que a autora é titular no referido banco, com o número ...;

8. O cheque em causa foi totalmente preenchido pela autora indicando o montante, o local de emissão, a data de emissão, quem era beneficiário e o valor do mesmo;

9. O cheque em questão fazia parte de um livro de cheques emitidos pelo réu com duplicados, permitindo que com o preenchimento do original, com os elementos identificativos supra referidos, ficassem estes gravados no respectivo duplicado;

10. O mencionado cheque foi entregue ao referido J... tendo este assinado o respectivo recibo de quitação com o número 0119, com a data mesma data, isto é, 24 de Janeiro de 2014;

11. O cheque emitido e identificado em 6 a 8 não é endossável;

12. E é um cheque cruzado;

13. Após a entrega do cheque ao referido J..., este ou alguém por ele acrescentaram, pelo próprio punho, “ou M...”;

14. Tal alteração extravasou as linhas existentes para indicar o beneficiário do cheque;

15. Nestas condições, no dia 27/01/2014 o aludido cheque foi apresentado para depósito por M..., junto da agência de  S... do Banco R., para crédito na sua conta bancária no ...;

16. E o R. descontou-o;

17. Acontece que a autora veio a verificar que os prédios que lhe foram indicados pelo referido J... não lhe pertenciam;

18. Tendo sido impedida de proceder ao corte e abate das árvores que alegadamente havia adquirido ao legítimo dono;

19. Na sequência de tal facto dirigiu-se à agência do réu onde estava sedeada a sua conta bancária, então sita em ..., para cancelar o cheque que emitira;

20. Aí, a A. foi informado que o cheque já havia sido pago;

21. O A. solicitou cópia do mesmo e quando lhe foi fornecida tal cópia verificou que o cheque preenchido e assinado pelo gerente da autora fora acrescentado “ou M....”.

22. O referido “aditamento” foi realizado numa letra que a “olho nu” se constata que não é a do gerente da autora;

23. E ultrapassa a linha existente para mencionar o beneficiário do cheque;

24. Tais elementos do cheque e a forma como mesmo fora preenchido deveria ter constituído um sinal de alarme para o funcionário incumbido de validar os elementos constitutivos do cheque e nomeadamente a letra e assinatura de quem preencheu o cheque, aconselhando alguns cuidados acrescidos;

25. Bastaria a simples comparação das assinaturas em questão, a olho nu, sem utilização de qualquer equipamento específico, logo revelava estar-se na presença de letra bem distinta;

26. O que justificava, desde logo, que à cautela se fizesse um simples telefonema para o titular da conta, indagando o que se passava;

27. Após o pagamento do cheque, M... efetuou um levantamento avulso da quantia de €6.000,00;

28. No seguimento daquela exposição efetuada pela ora A., por carta de 29.01.2014, o R. contactou a M... e titular da conta bancária onde havia sido depositado o cheque junto da agência de  S..., tendo a mesma referido ao Banco R. que o primeiro beneficiário do cheque, J..., é seu tio, a quem tinha emprestado €1.000,00 e que, para pagamento dessa dívida, o aludido J... lhe entregou o cheque em causa nos autos preenchido nos termos em que o apresentou para depósito no Banco R.;

29. E lhe transmitindo que poderia apresentar o cheque a pagamento, por ser também beneficiária do cheque;

30. Mais esclareceu que o montante de € 6.000,00 que levantou após o pagamento daquele cheque, entregou-o ao seu tio, primeiro beneficiário do cheque, já que, após o pagamento da referida dívida, tal importância lhe pertencia;

31. No dia 03.02.2014, na agência de ... do R., M... entregou uma declaração subscrita por J..., datada de 27.01.2014 e com a assinatura do mesmo reconhecida na mesma data;

32. Por carta de 24/03/2014, o R. informou a A. de que, concluída a análise da situação exposta na carta de 29.01.2014, o Banco considerava “(...) que o pagamento do supra referido cheque foi efectuado regularmente, porquanto não existia qualquer impedimento ao pagamento do mesmo à data da apresentação, a Lei Uniforme Relativa ao Cheque não determina que um cheque “não à ordem” não possa ser emitido a favor de mais do que um beneficiário e que a inscrição do nome dos dois beneficiários nele constantes esta efectuada de modo legível e sem rasuras.”

            B) Factos não provados

Com relevância para a boa decisão da causa dão como não provados os seguintes factos:

i. Do aludido cheque não resultam diferenças do tipo de letra visíveis “a olho nu” ou quaisquer adulterações que suscitassem dúvidas quanto à genuinidade da indicação do nome da beneficiária portadora do cheque;

ii. da invocada análise cuidada do cheque, verificam-se de facto diferenças no tipo de letra aposta no local de emissão/valor em numerário/data de emissão, por um lado, na assinatura do representante da sacadora, aqui A., por outro, e por último, na identificação dos beneficiários e na quantia por extenso;

iii. O cheque não foi preenchido e assinado pelo seu gerente, já que são bem visíveis as diferenças no tipo de letra entre o preenchimento do cheque e a assinatura aposta pelo gerente.

Os restantes factos constantes dos articulados da A. e do R. não foram tidos em consideração ou por consubstanciarem matéria de facto irrelevante para a boa decisão da causa, ou pura e simplesmente se tratarem de factos conclusivos e/ou matéria de Direito.

            3. Motivação

3.1. Em principio, é pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Assim as questões a decidir são:

a)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC.

            b)- Se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

            c)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o R. recorrente do pedido.

            Tendo presente que são três as questões a decidir por uma questão de método cabe apreciar cada uma de per si.

a)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação do art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC.

Segundo o recorrente a sentença é nula por violação do preceituado no art.º 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do C.P.C., na medida em que houve omissão de pronúncia quanto a um dos pressupostos da sua responsabilização, mais concretamente, o nexo de causalidade adequada entre a actuação do Banco e o dano invocado pela A., questão essa expressamente suscitada pelo ora Recorrente na sua contestação e sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, já que, segundo o mesmo, a fundamentação de direito da sentença recorrida apenas se convoca e conhece os pressupostos da ilicitude e da culpa, concluindo-se pela indubitabilidade da verificação do nexo causal quando foram alegados e demonstrados factos que a infirmam. E sobre esta questão – a existência de outros factos, contemporâneos, adequados a produzir o mesmo dano na esfera jurídica da A. - o Tribunal não se pronuncia.

O Tribunal “a quo” no despacho que recebeu o recurso pronunciou-se pena sua não verificação (cfr. fls. 177), referindo se ter pronunciado quanto ao invocado nexo causal.

Vejamos

O n.º 1 do artigo 615.º do CPC, no que aqui releva, prescreve o seguinte:

1)- É nula a sentença quando:

         d) – O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A omissão e o excesso de pronúncia colocam-se em termos das questões a decidir, como sejam as pretensões deduzidas, consubstanciadas nos respetivos pedidos e causas de pedir, ou as exceções e seus fundamentos, deduzidas pelo réu ou que sejam de conhecimento oficioso. Já no âmbito do recurso, os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia são configuráveis em função dos erros de direito ou de facto que tenham sido invocados.

Nessa linha de entendimento, não constituem omissão, por exemplo, o não atendimento de factos que se encontrem provados ou a não apreciação de determinados argumentos das partes, no perímetro das questões invocadas, consistindo, quando muito, em erros de julgamento ou em fundamentação medíocre ou insuficiente. Também o atendimento de factos não alegados pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso não se reconduz ao vício de excesso de pronúncia, podendo consistir sim em erro de julgamento.

            Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

Operando à leitura da sentença recorrida não vislumbramos onde o tribunal “a quo” não tenha tomado posição sobre tal matéria – nexo causal-.

Na verdade na mesma a fls. 156 a 158, dos autos refere-se “Por sua vez, resultando provado que aquando da entrega do cheque ao beneficiário, J..., este era o único nome aí aposto, tendo, em momento posterior, sido acrescentada, sem conhecimento e sem autorização do sacador, no local atinente ao beneficiário, a expressão “ou M...”, extravasando-se em muito a linha reservada para esse efeito e sendo visível a olho nu tratar-se de uma letra diferente da restante letra aposta dos outros dizeres constantes do cheque, crê o Tribunal ser inegável que o comportamento do R. foi violador do estabelecido na mencionada Instrução do Banco de Portugal, Anexo IV (“Procedimentos relativos à compensação de cheques”), designadamente no que concerne à sua responsabilidade pela verificação, para todos os cheques e documentos afins que lhe sejam apresentados, da regularidade do seu preenchimento, com exceção da data de validade do impresso cheque.

Assim, encontrando-se provado não só que a olho nu é possível verificar que a letra respeitante ao já mencionado acrescento (“ou M...”) era diferente ao da assinatura do gerente da A., bem como e ainda sendo flagrante que o mesmo extravasou, em muito, as linhas existentes para indicar o beneficiário do cheque, consubstanciando um acrescento efectuado em momento posterior ao preenchimento inicial do dito cheque, crê-se que, efectivamente o R. não procedeu com a diligência devida ao permitir o depósito de um cheque nessas condições, pelo que, na dúvida deveria o mesmo ter procedido, junto da A., sua cliente, ao esclarecimento do dito acrescento, de modo a verificar a legitimidade da posse do título antes de proceder ao seu pagamento. Não se trata de qualquer emenda ou rasura, mas sim pura e simplesmente num acrescento, não consentido pelo sacador, do nome de outrem, acrescento esse que permite contornar ilegitimamente a circunstância de se tratar de um cheque não à ordem/não endossável.

(…)

Efectivamente, além de resultar provado o cometimento de um ilícito contratual, envolvendo a desconformidade entre o comportamento devido, esperado e necessário (assegurar a regularidade e veracidade do cheque em apreço) e o comportamento se verificou em concreto por parte do R. (débito, na conta da A., do montante titulado por cheque adulterado/falsificado, já que houve o pagamento de um título cambiário decorrente de um preenchimento abusivo do mesmo, pelo seu beneficiário ou alguém a seu mando, concretizado num acrescento, sem autorização e conhecimento do sacador, de mais um nome como beneficiário), mas também resulta provada a culpa do R., sob a forma de negligência, porquanto antes de proceder ao pagamento do cheque, não tomou as precauções que se lhe impunham, concretamente verificar da sua regularidade, mediante o exame do impresso e todos os requisitos do cheque, evitando, assim, a concretização de um endosso encapotado, num cheque não à ordem.

(…)

Deste modo, não tendo conseguido o R. elidir a presunção de culpa, com base na demonstração da sua diligente actuação, e não resultando provado qualquer facto que imputasse ao autor qualquer actuação negligente ou violação do dever de zelar pelo bom preenchimento do cheque em causa, razão pela qual é de imputar ao R. o prejuízo sofrido pela A. que corresponde ao valor do cheque adulterado e indevidamente pago, verificando-se inegavelmente um nexo causal entre o facto praticado pelo R. e o dano em causa, dano este que a A. não teria sofrido se não fosse a conduta negligente daquele (art.º  563.º, do C.Civil)”.

Pode concordar-se ou não com a existência do nexo causal, não pode é dizer-se que a sentença recorrida é omissa sobre tal matéria, quando na mesma se refere expressamente “razão pela qual é de imputar ao R. o prejuízo sofrido pela A. que corresponde ao valor do cheque adulterado e indevidamente pago, verificando-se inegavelmente um nexo causal entre o facto praticado pelo R. e o dano em causa, dano este que a A. não teria sofrido se não fosse a conduta negligente daquele”.

Assim, nesta vertente, a pretensão do recorrente não pode proceder.

                                               *

b)- Se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

...

 Assim, face ao exposto esta pretensão do recorrente não procede.

c)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o R. recorrente do pedido.

Segundo o recorrente a sentença recorrida deve ser julgada improcedente, desde logo por o pagamento do cheque ao beneficiário J..., aposto pela A., sempre ocorreria, fosse pela via da apresentação a pagamento do cheque noutro banco tomador onde aquele beneficiário o apresentasse a pagamento, fosse pela via do depósito na conta bancária junto do ora Recorrente, como efetivamente ocorreu, desde logo, por o pagamento do cheque em questão nos autos, emitido no dia 24.01.2014, ter ocorrido em data anterior a qualquer reclamação da A., já que foi apresentado a depósito no dia 27.01.2014.

 Por outro lado, quem beneficiou do montante aposto no cheque foi a pessoa que a A. alega ter indicado como seu legítimo beneficiário – o referido J...

Assim, a actuação do Banco Recorrente em nada alterou ou alteraria o recebimento pelo efetivo beneficiário J... da quantia aposta no cheque, pelo que, a conduta do Banco não é causa adequada do dano invocado pela A. já que idêntico resultado ocorreria – recebimento pelo beneficiário da quantia titulada pelo cheque - caso aquele beneficiário o tivesse apresentado a pagamento naquela data noutra instituição de crédito, pelo que, refere o recorrente a situação sempre deveria situar-se na problemática da relevância negativa virtual, no sentido de que ainda que não ocorresse a conduta ilícita e culposa e realmente causadora do dano (causa real – a ilícita aceitação, pelo Banco, do cheque para depósito na conta da 2.ª beneficiária), ainda assim o mesmo dano viria a ocorrer, em consequência de outro evento (a apresentação a pagamento pelo próprio beneficiário), este virtual ou hipotético, a designada causa virtual.

Vejamos:

Como bem se refere na sentença recorrida no caso em apreço, estamos perante um contrato de depósito bancário e, concomitantemente, um contrato ou convenção de cheque tacitamente concluído com a entrega de cheques à Autora, o que não é posto em causa pelo recorrente.

A respeito escreve-se na sentença recorrida “Assim, o depósito bancário pode ser caracterizado como “o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante” (cfr. Alberto Luís in Direito Bancário, Almedina, 1985, pág. 165, e O Problema da Responsabilidade Civil dos Bancos Por Prejuízos Que Causem a Direitos de Crédito, na ROA, Ano 59, pág. 908).

Deste modo, este tipo de depósito consubstancia um depósito irregular a que são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas ao contrato de mútuo (arts. 1185.º, 1205.º e 1206.º do Código Civil).

Já quanto ao já mencionado contrato ou convenção de cheque, o mesmo caracteriza-se como sendo um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação, sinalagmático, no âmbito do qual o banco acede a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão, mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, e por sua vez o banco vincula ao respectivo pagamento (cfr. art. 3.º da Lei Uniforme Sobre Cheques – doravante LUCH)”.

Sendo a convenção de cheque fonte de obrigações recíprocas para ambas as partes que nela intervêm, uma dessas obrigações é a que impende sobre o banco de proceder ao pagamento dos cheques que lhe sejam apresentados na sequência do contrato de abertura de conta que celebrou com os seus clientes, naturalmente desde que haja provisão bastante e não exista qualquer vicissitude anómala no cheque, como falsificação.

Ora, na concretização dos deveres que impendem sobre o cliente e o banco e das consequências emergentes da sua violação, a sentença é bem explícita, segmento que se transcreve por se concordar com ele: “Ora, é precisamente nesta relação estabelecida entre banco – cliente, decorrente da mencionada convenção de cheque, que se definem e impõem um série de direitos e deveres, entre os quais, no que releva para a apreciação do presente caso, por um lado o direito do cliente emitir cheques sobre os fundos de que dispõe, sabendo que o banco os pagará, e paralelamente a obrigação/dever de se assegurar do estado da sua conta, antes de emitir tais cheques, de os preencher ou guardar cuidadosamente, por forma a obviar que os mesmos possam ser objecto de apropriações ilegítimas e/ou de eventuais falsificações, devendo, nesses casos, dar logo conta ao banco desse tipo de situações ilícitas, e por outro lado, no que à entidade bancária diz respeito, o dever de proceder ao pagamento daquela ordem dada pelo cliente, através do cheque, bem como e ainda, não menos relevante, entre outros deveres laterais, o dever de, antes de proceder a esse pagamento, de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados, de não os pagar em dinheiro para levar em conta e eventualmente de informar o cliente/sacador sobre o destino e tratamento do cheque, especialmente sobre a pessoa do apresentador.

Ora, como bem se refere no Ac. STJ de 22/10/2013, se o Banco pagar cheques falsificados por (outro) terceiro, incumpre o contrato de cheque, só se libertando da responsabilidade para com o seu cliente se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação.

É precisamente aqui, quanto a este dever lateral da entidade bancária de verificar cuidadosamente o cheque antes de proceder ao pagamento, que se encontra o cerne da questão em causa no presente processo.

A este propósito concorda-se na íntegra com o entendimento propugnado por Sofia Galvão, quando defende que, por se estar perante um negócio de massas, apesar de não se poder exagerar no dito controlo sobre a emissão e preenchimento do cheque, “em qualquer caso, o Cliente nunca pode ser prejudicado por um abrandamento do cumprimento das obrigações do Banco que seja, meramente, ditado por objectivos de redução de custos ou de celeridade de trânsito. Assim, de um modo geral, o Banco cumpre o seu dever de fiscalização quando se convence, de um modo que corresponde às exigências do trânsito em massa, que o cheque, pela sua aparência global exterior, dá impressão de ser verdadeiro. Expressão decisiva deste dever é um outro dever essencial. O de verificação da assinatura. Este é verdadeiramente absoluto. O Banco só se liberta da responsabilidade se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação” (cfr. O contrato de cheque, ed. Lex, 1992, págs. 67 e 68). – nosso sublinhado.

Deste modo, é precisamente na violação de deveres contratuais, quer seja do dever principal (de pagamento do cheque), quer dos deveres acessórios a que, por via do contrato de depósito e da respectiva convenção de cheque, a entidade bancária está vinculada, a que se aludiu anteriormente, que se terá naturalmente que apurar a responsabilidade contratual.

A este propósito seguimos o entendimento propugnado no Ac. TRL de 11/03/2010, proc. no 5161/06.2TVLSB.L1-2, onde se refere que “muito embora para imputar ao banco/sacado a responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados se possa seguir três distintas teorias: Teoria do Risco, Teoria do Risco Profissional e Teoria da Culpa, será nesta que se irá centrar a nossa apreciação. Ora, a existência da obrigação de indemnizar a cargo da ré depende da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil. Tem, assim, de existir o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano”.

Tendo por base os ensinamentos supra, entendeu-se na sentença recorrida que o recorrente seria responsável perante a A., aqui recorrida, na medida em que do acervo de factos dados como provados ser manifesto que se está na presença de uma viciação de um cheque, através da adulteração do seu conteúdo inicial, ou seja um flagrante acrescento ao conteúdo atribuído/definido pelo sacador, sem conhecimento e autorização do mesmo, havendo uma espécie de endosso, o qual não era de todo autorizado, atenta a natureza do cheque (não à ordem).

Pois embora a Lei Uniforme do Cheque não estabelece qualquer regime específico para a falsificação dos títulos, limitando-se a dar preponderância ao princípio da autonomia do título em situações de assinaturas falsas, não se pode de forma alguma olvidar que existe uma regulamentação administrativa relativa aos procedimentos de liquidação financeira interbancária de cheques, a que os Bancos estão vinculados enquanto participantes no Sistema de Compensação Interbancária (SICOI), regras estas que reflexamente protegem também interesses particulares, tutelando os direitos subjetivos de todos os intervenientes nas relações cartulares. Neste âmbito releva a Instrução n.º  8/2018 do Banco de Portugal, concretamente o seu anexo IV.

Nessa anexo IV, ponto 1. estatui-se que “Os participantes não devem apresentar neste subsistema os cheques ou os documentos afins que:

1.1.1. Contenham emendas ou rasuras em qualquer das menções pré-impressas no respetivo suporte físico, salvo se as mesmas forem motivadas pela emissão de cheque "não à ordem";

1.1.2. Contenham emendas ou rasuras na menção pré-impressa "não à ordem";

1.1.3. Tenham anteriormente sido objeto de três devoluções pelo participante sacado, por falta ou insuficiência de provisão;

1.1.4. Tenham sido objeto de colocação de “alongue”, independentemente dos motivos que lhe deram origem”.

Por sua vez, refere-se no ponto 6.3 que “o participante tomador é responsável:

a) Pela deteção das situações a que se refere o ponto 1.1. do presente Anexo;

b) Pela verificação, para todos os cheques e documentos afins que lhe sejam apresentados, da regularidade:

 do seu preenchimento, com exceção da data de validade do impresso cheque;

 da sucessão dos endossos, apondo no verso, nos casos em que não exista endosso, a expressão “valor recebido para crédito na conta do beneficiário” ou equivalente;

c) Pela colocação de “alongue”, no momento da terceira devolução por falta ou insuficiência de provisão, em todos os cheques e documentos afins devolvidos;

d) Pela colocação da informação prevista no ponto 8.3. do presente Anexo em todos os cheques e documentos afins devolvidos ao beneficiário, bem como nos “alongues”, aquando da terceira devolução por falta ou insuficiência de provisão;

e) Pela retenção e guarda de todos os cheques e documentos afins apresentados e não devolvidos ao beneficiário e das respetivas imagens, de acordo com a legislação em vigor;

f) Pelo envio ao participante sacado das imagens de cheques e de documentos afins, de acordo com o disposto nos pontos 2. e 4. do presente Anexo;

g) Pela boa qualidade das imagens enviadas ao sacado”.

Sendo que a inobservância destas prescrições legais é suscetível de fazer constituir as instituições bancárias em responsabilidade civil, desde que verificados os pressupostos do artigo 483.º e seguintes do Código Civil.

E estes, refere a sentença recorrida, verificam-se, desde logo por resultar provado que aquando da entrega do cheque ao beneficiário, J..., este era o único nome aí aposto, tendo, em momento posterior, sido acrescentada, sem conhecimento e sem autorização do sacador, no local atinente ao beneficiário, a expressão “ou M...”, extravasando-se em muito a linha reservada para esse efeito e sendo visível a olho nu tratar-se de uma letra diferente da restante letra aposta dos outros dizeres constantes do cheque, crê o Tribunal ser inegável que o comportamento do R. foi violador do estabelecido na mencionada Instrução do Banco de Portugal, Anexo IV (“Procedimentos relativos à compensação de cheques”), designadamente no que concerne à sua responsabilidade pela verificação, para todos os cheques e documentos afins que lhe sejam apresentados, da regularidade do seu preenchimento, com exceção da data de validade do impresso cheque. Assim, sendo, diz-se na sentença recorrida que o R. não procedeu com a diligência devida ao permitir o depósito de um cheque nessas condições, pelo que na dúvida deveria o mesmo ter procedido, junto da A., sua cliente, ao esclarecimento do dito acrescento, de modo a verificar a legitimidade da posse do título antes de proceder ao seu pagamento.

Não se trata de qualquer emenda ou rasura, mas sim pura e simplesmente num acrescento, não consentido pelo sacador, do nome de outrem, acrescento esse que permite contornar ilegitimamente a circunstância de se tratar de um cheque não à ordem/não endossável.

Assim, citando o Ac. do S.T.J. de 11/07/2017 (relator Alexandre Reis), onde se refere que “perante o risco exponencial de adulteração dos cheques e do progressivo aperfeiçoamento das técnicas nela usadas, é inconciliável com o grau de diligência atualmente exigível a um banco prudente e zeloso a ideia de que o cumprimento das legis artis bancárias e das mencionadas regras sobre a regulação, fiscalização e promoção do bom funcionamento do sistema de pagamento de cheques satisfaz com a deteção “a olho nu”, antes se impondo que a respetiva organização disponha de meios técnicos (e humanos para os manusear) próprios para o efeito, dum patamar bem mais elevado.

Afirma a sentença recorrida que na relação contratual fundada na aludida convenção de cheque, em que a A. ficou vinculada, entre outros deveres, ao dever de zelo e diligência, e o R. ficou vinculado, entre outros, aos de fiscalização e de competência técnica, resultam preenchidos todos os pressupostos exigidos para que o R. seja responsabilizado pelo pagamento indevido daquele cheque, tanto mais, como decorre do artigo 799.º do Código Civil, existe uma presunção de culpa do devedor na responsabilidade contratual, razão pela qual sendo o aqui R., em princípio, responsável pelos prejuízos decorrentes de ter debitado o cheque adulterado, incumbia-lhe, por forma a eximir-se à responsabilidade pelos prejuízos sofridos pela A., sua cliente, demonstrar que o cumprimento defeituoso não se ficou a dever a culpa sua, o que de todo não sucedeu no caso em concreto. De facto, o R. não logrou demonstrar que a sua funcionária tenha atuado com a diligência devida e exigida no caso em concreto, já que nem sequer contactou o seu cliente para apurar se o dito acrescento foi por ele efetuado, sendo certo que não só o acrescento extravasava e muito a linha respeitante à aposição do nome do beneficiário, encontrava-se a olho nu com uma letra e com uma cor de caneta diferentes, mas também tratava-se por se tratar de um cheque não à ordem, estando aí aposta uma expressão alternativa “ou M...”.

Deste modo, não tendo conseguido o R. elidir a presunção de culpa, com base na demonstração da sua diligente atuação, e não resultando provado qualquer facto que imputasse ao autor qualquer atuação negligente ou violação do dever de zelar pelo bom preenchimento do cheque em causa, razão pela qual é de imputar ao R. o prejuízo sofrido pela A. que corresponde ao valor do cheque adulterado e indevidamente pago, verificando-se inegavelmente um nexo causal entre o facto praticado pelo R. e o dano em causa, dano este que a A. não teria sofrido se não fosse a conduta negligente daquele (art. 563.º do C.Civil).

É precisamente aqui que o recorrente discorda da sentença recorrida, referindo não existir nexo causal entre a sua conduta e o prejuízo da A., desde logo por quem beneficiou do montante aposto no cheque foi a pessoa que a A. alega ter indicado como seu legítimo beneficiário – o referido J..., mesmo a entender-se haver nexo causal sempre o recorrente deveria ser absolvido do pedido, face à relevância negativa virtual, no sentido de que ainda que não ocorresse a conduta ilícita e culposa e realmente causadora do dano (causa real – a ilícita aceitação, pelo Banco, do cheque para depósito na conta da 2.ª beneficiária), ainda assim o mesmo dano viria a ocorrer, em consequência de outro evento (a apresentação a pagamento pelo próprio beneficiário), este virtual ou hipotético, a designada causa virtual.

 Como se sabe a exigência do nexo de causalidade vem estabelecida no art.º 563.º do CC, nos termos do qual “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Defende-se na doutrina mais consagrada que o nexo de causalidade deve mostrar-se estabelecido de acordo com a teoria da causalidade adequada, em que o facto será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência típica ou normal daquele.

Assim, a ocorrência do dano há-de ser previsível como consequência natural ou como efeito provável da prática do facto. De modo que o facto deixará de constituir causa adequada se, de acordo com a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias excecionais, extraordinárias ou anómalas que hajam ocorrido (formulação negativa) – (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., págs. 881 e ss.).

Reportando-nos ao caso dos autos, é facto incontestado que o banco, ao pagar o cheque, apesar de viciado, colocou à disposição de M... o montante inscrito no mesmo (7.000,00€), do qual entregou 6.000,00€ ao legitimo portador do cheque J..., que tinha procedida à venda de eucaliptos, que não eram, sua pertença á A.

Temos para nós que o banco ao proceder ao pagamento do cheque, encontrando-se este viciado, como supra referido, causou um prejuízo à A. desde logo, por ter feito sair da conta desta o montante de 7.000,00€, pagando um cheque falsificado, quando sabia não o dever pagar. É certo que o R. ao proceder ao pagamento do cheque desconhecia, ou pelo menos não resulta provado, o que nem foi alegado, que o J... teria vendido á A. eucaliptos que não eram seus, mas a questão, quanto a nós, passa pelo facto do recorrente ter pago o cheque falsificado, fazendo sair, como já dissemos 7.000,00€ da conta da A., indevidamente, empobrecendo-a nesse montante, pois sabia que ao proceder a tal pagamento estava a fazê-lo indevidamente, por o cheque se apresentar falsificado.

 Assim, nesta medida improcede a pretensão do recorrente, no que á falta de nexo causal diz respeito.

Dito isto, cabe analisar a relevância negativa da causa virtual, que o recorrente invoca.

Nesta temática teremos de deslocar o problema colocado (do nexo de causalidade) para o critério utilizado pela lei no art.º 566.º, n.º2 do C.Civil - para o cálculo da indemnização -, e que é a da “diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano” (Antunes Varela, “Das obrigações em geral”, vol. I, 4ª edição, pág. 814).

Entramos então no domínio da relevância (positiva ou negativa) da causa virtual.

O dano patrimonial mede-se, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo (artº 566º, nº 2, do CC). Deve apurar-se a diferença entre a situação real e a hipotética actuais do património do lesado, sendo que o montante da indemnização deve apagar ou compensar a exacta separação entre elas (M. J. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 687-688).

Consagrou a nossa lei no artº. 563º do Código Civil, a teoria da causalidade adequada, não tomando, porém, partido por nenhuma das suas duas formulações: positiva ou negativa.

Segunda a formulação positiva, o facto será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação, enquanto que na formulação negativa o facto só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

Não tendo a lei adoptado nenhuma destas formulações, goza o interprete de inteira liberdade para optar pela solução “que, em tese geral, se mostre a mais defensável, dentro do espírito do sistema”, nos termos do artº. 10º, n.º 3, do C. Civil, e como a “doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual), é a da formulação negativa” será essa a posição que deve, em princípio reputar-se adoptada no nosso ordenamento jurídico(A. Varela, in Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, p. 930).

O saber se a causa hipotética do dano pode exonerar ou excluir a obrigação de indemnização que impende sobre o autor da causa operante é, assim, de tratar na dogmática da relevância negativa da causa virtual (cf., Prof. Pereira Coelho, in “O problema da causa virtual na responsabilidade civil.”, 7; Prof. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., 418 e Prof. Manuel de Andrade – “Teoria Geral das Obrigações”, 358).

Como refere Antunes Varela (obra citada, pág. 827), “o critério que o artigo 566.º n.º2 utiliza para a solução do problema do cálculo da indemnização, recorrendo à diferença entre a situação real presente do lesado e a situação hipotética atual, levanta imediatamente, com grande acuidade, a questão da relevância da chamada causa virtual ou hipotética do dano”.

Precisa aquele mesmo autor (ob. cit., pág. 830), discernindo sobre o campo de aplicação da chamada causa virtual, que nas situações em que a mesma se pode pôr “há uma causa real, efetiva, do dano; e há, ao lado dela, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real”, podendo relevar este último – a causa virtual – em termos de levar à exoneração ou redução da responsabilidade do autor da causa real (é a chamada relevância negativa da causa virtual)”.

Conclui, assim, o autor citado, mais à frente (pág. 834), que “a sede própria do problema da relevância negativa da causa virtual se situa, não no domínio do nexo causal, mas no capítulo da extensão do dano a indemnizar”.

A respeito desta matéria refere-se no Ac. desta Relação datado de 16/3/2010, proc.º n.º 339/08.7TBSRE.C1, relatado por Manuel Capelo, citando Almeida Costa «A propósito da relevância negativa da causa virtual, resumindo-se nesta designação a questão de saber se o autor da causa real pode exonerar-se da obrigação de indemnização, no todo ou em parte, invocando a causa virtual que produziria o mesmo dano, escreve Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª ed., págs. 636/637): “Reconduzindo o problema a uma questão da causalidade, há que apurar se a causa real pode considerar-se efectivamente causa do dano, sendo certo que ele sempre se produziria em resultado da causa virtual. E a resposta é a de que a referida causalidade existe. A causa virtual não possui a relevância negativa de excluí-la, pois em nada afecta o nexo causal entre o facto operante e o dano: sem o facto operante o lesado teria dano idêntico, mas não aquele preciso dano.

Daí que exista, em princípio, a obrigação de indemnizar.

Assim se conclui no domínio da causalidade.

Todavia, encarando o problema noutro plano, o de isenção ou atenuação da obrigação indemnizatória, verifica-se que pode, excepcionalmente, ser tomada em linha de conta a circunstância de que o dano viria a produzir-se como consequência da causa virtual ou hipotética - que nessa medida apresenta relevância negativa (arts 491, 492, nº1, 493, nº1, 616, nº2, 807, nº2 e 1136, nº2, do C.C.”.

Em todos os casos citados nesses preceitos, que sendo excepcionais não comportam aplicação analógica, para a produção do dano concorrem não só o facto (presumivelmente culposo) da pessoa em princípio responsável, mas também o facto de terceiro ou um facto acidental, (abalo sísmico, explosão de coisa perigosa, etc,)».

No sentido da irrelevância negativa da causa virtual, ressalvados alguns casos excecionais de culpa presumida, podem citar-se: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, págs. 639 e segs e 954 e segs ; Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 7) ; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 418 e segs.

No mesmo sentido Ac. da Rel. do Porto de 29/4/2002, proc.º n.º 250464, relatado por Caimoto Jácome, onde se escreve “…No concurso virtual de causas do mesmo dano existe uma causa real, efectiva, do dano e, a par desta, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real.

(…)

Para o Prof. I. Galvão Teles, in Direito das Obrigações, 7ª ed, pag 410 não é legítimo atribuir à causa virtual relevância positiva, no sentido de responsabilizar o seu autor, pois isso equivaleria a fazê-lo responder por um dano que ele de facto não provocou. Responsável único é o autor da causa real.

A causa virtual torna irresponsável o autor da causa real (relevância negativa da causa virtual)? Quem der origem a a determinado prejuízo deixa de responder por ele se for certo que, sem a sua actuação, o dano ocorreria de todo o modo, em consequência de outro facto?

Salvo casos excepcionais que a lei manda ter em conta (v.g. arts. 491º, 492º, n.º 1, e 493º, n.º 1, do CC), ponderando-se a função reparadora mas igualmente sancionatória da responsabilidade civil, também não é de atender à relevância negativa da causa virtual”.

Tendo presente este enquadramento legal na hipótese que nos interessa, entre o pagamento do cheque falsificado que constitui um facto ilícito e o seu pagamento (dano) existe um nexo causal (como já referimos), nem se diga como faz o recorrente, para procurar a relevância negativa da causa virtual que o cheque em causa sempre seria pago, em consequência de outro evento (a apresentação a pagamento pelo próprio beneficiário), este virtual ou hipotético, a designada causa virtual.

Não nos parece que assim seja, por um lado por o recorrente não alegar e provar que assim seria, por outro, como já referimos o cheque em causa encontrava-se falsificado, razão pela qual, quanto a nós, não se pode afirmar que o cheque seria pago ao J... se este o presentasse a pagamento, no estado em que se encontrava, o que teria de ser alegado e provado, ao que acresce não estarmos perante qualquer situação aludidas nos art.ºs arts 491.º, 492, nº1, 493, nº1, 616, nº2, 807, nº2 e 1136, nº2, do C.C, que a doutrina e a jurisprudência atribuiu relevância à causa virtual negativa.

Assim, face ao exposto também nesta vertente improcede a pretensão do recorrente.

                                               4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

Julgar improcedente o recurso interposto e manter a sentença recorrida nos seus termos.

Custas a cargo do recorrente.

Coimbra, 25/5/2020

Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Jaime Ferreira (adjunto)