Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1327/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: FALÊNCIA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
EXTINÇÃO
HIPOTECA LEGAL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
SALÁRIOS EM ATRASO
Data do Acordão: 06/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 152º DO CPEREF (DL Nº 132/93, DE 23/04) E 377º DO NOVO CÓDIGO DO TRABALHO (LEI Nº 99/2003, DE 27/08) .
Sumário: I – É controvertida na doutrina e na jurisprudência a questão suscitada sobre se devem ou não considerar-se extintas, face ao preceituado no artº 152º do CPEREF aprovado pelo D.L. nº 132/93, de 23/04, na redacção introduzida pelo D.L. nº 315/98, de 20/10, as hipotecas legais de que os créditos das entidades aí referidas beneficiam .
II – Há quem entenda que a disposição do artº 152º se deve estender, para salvaguarda do seu efeito útil, às hipotecas legais, que devem, por isso e face à declaração de falência, considerar-se extintas .

III – Também se vem defendendo que não abrangendo o artº 152º outras garantias além dos privilégios creditórios não há que aplicar o regime por ele estabelecido às hipotecas legais constituídas a favor das entidades aí mencionadas, aplicando-se a elas o regime legal e geral .

IV – Parece-nos, no entanto, que o legislador do artº 152º do CPEREF apenas quis que se extinguissem, com a declaração de falência, os privilégios creditórios, tanto mais que a indicada norma legal é excepcional e, por isso, inaplicável, por analogia, às hipotecas legais atribuídas como garantia de créditos das entidades nela referidas – artº 11º do C. Civ. .

V – Havendo um único imóvel apreendido para a massa falida (um pavilhão destinado a unidade industrial) é lícito presumir que se trata do local onde o trabalhador prestava a sua actividade, pelo que os créditos dos trabalhadores da falida beneficiam do privilégio imobiliário especial conferido pelo artº 377º do novo C. Trabalho, já que se deve entender que apesar deste código ter entrado em vigor apenas em 1/12/2003 o disposto nesse preceito se aplica aos créditos constituídos antes dessa data, por força do artº 12º, nº 2, 2ª parte, do C. Civ. .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



1. RELATÓRIO
Decretada a falência de “A...” e após aberto concurso de credores, veio a ser proferida, em 21/10/2005, sentença de verificação e graduação de créditos, que considerou reconhecidos os créditos reclamados e procedeu à sua graduação sobre a massa falida, no que ora importa, pela forma seguinte:
Pelo produto da venda do prédio urbano descrito na C.R.P. de Sátão sob o nº 00849/020290:
Em 1 ° lugar - As custas da falência (...);
Em 2°lugar - Crédito do trabalhador B...;
Em 3°lugar - Crédito da C.C.A.M. de Sátão e Vila Nova de Paiva;
Em 4°lugar, rateadamente - demais créditos constantes da lista de fls.137.

Inconformada, apelou o credor/reclamante “Instituto de Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Segurança Social de Viseu”, que terminou a sua alegação com as conclusões seguintes:
1) O regime previsto no artº 152° do CPEREF, aprovado pelo Decreto-lei nº 132/93, de 23de Abril, não se aplica às hipotecas legais.
2) Efectivamente, o sentido daquela norma é o de extinguir os privilégios creditórios, sendo que as hipotecas legais são garantias reais das obrigações distintas daqueles.
3) É que, no uso de expressões de técnica jurídica, deve o intérprete presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artº 9º, nº 3 do C.C.).
4) Assim, a Segurança Social, ora recorrente, continua a gozar, após a declaração de falência e para os efeitos de graduação de créditos, da preferência que lhe confere a hipoteca legal constituída sobre o prédio descrito na C.R.P. de Sátão sob o nº 00849/020290, melhor identificado nos autos.
5) Ao decidir da forma como o fez, a douta sentença recorrida violou o artº 152º do CPEREF, aprovado pelo Decreto-lei nº 132/93, de 23 de Abril, revisto pelo Decreto-lei nº 315/98, de 20 de Outubro.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser alterada por forma a que o crédito da Segurança Social, ora Recorrente, seja graduado no lugar que lhe compete, tendo em conta a prioridade do registo, pelo produto da venda do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial de Sátão, freguesia de Sátão, sob o nº 00849/020290, melhor identificado nos autos, sobre o qual incide a hipoteca legal a seu favor, tendo em conta a referida garantia especial de que beneficia.
O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se o artº 152º do CPEREF, ao dispor que “com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência”, quis extinguir também eventuais hipotecas legais de que aqueles créditos, nomeadamente os das instituições de segurança social, beneficiassem.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Com interesse para a análise e decisão do presente recurso importa atender a estes factos:
3.1.1. O prédio urbano (pavilhão, destinado a unidade industrial) descrito na Conservatória do Registo Predial de Sátão sob o nº 00849/020290 está registado desde 05/03/90 a favor da falida “A...” e constitui a verba nº 1 do auto de apreensão de bens;
3.1.2. Obteve parecer favorável do liquidatário e foi incluído na lista dos créditos reclamados e reconhecidos (fls.137), o crédito reclamado pelo ora apelante “Instituto de Segurança Social, I. P.” (I.S.S.), no montante total de 247.777,59 €;
3.1.3. Para garantia do seu crédito, o reclamante I.S.S. constituiu a seu favor hipoteca legal sobre o mencionado prédio urbano, até ao montante de 14.671.877$00 (73.183,01 €), correspondente ao pagamento de contribuições dos meses de Janeiro de 1990 a Fevereiro de 1993 e juros de mora vencidos até Junho de 1993;
3.1.4. A hipoteca foi registada em 11/06/93;
3.1.5. Sobre o mesmo imóvel consta da respectiva descrição predial uma hipoteca voluntária, registada em 28/12/00, a favor da C.C.A.M. de Sátão e Vila Nova de Paiva, CRL, até ao montante máximo de 21.675.000$00.
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3.2. De direito
Em face das conclusões da alegação de recurso, acima transcritas, cumpre decidir se, com a declaração de falência, a hipoteca legal constituída a favor do apelante se extinguiu ou não, por força do artº 152º do CPEREF e, consequentemente, se foi ou não correcta a graduação como comum, no tocante ao pagamento pelo produto da venda do imóvel apreendido para a massa falida, do crédito por si reclamado.
Na sequência da interpretação que entendeu fazer do disposto no artº 152° do CPEREF, a sentença recorrida considerou que o crédito da segurança social não beneficia de qualquer privilégio ou garantia que lhe atribua pagamento preferencial.
A recorrente defende que a norma do citado artº 152° não se aplica às hipotecas legais, sendo propósito do legislador tão só o de extinguir os privilégios creditórios.
Vejamos.
Tem-se por aplicável ao caso em análise o C.P.E.R.E.F. aprovado pelo DL nº 132/93, de 23/04 (o C.I.R.E. aprovado pelo DL nº 53/04, de 18/03, não tem aqui aplicação atento o disposto nos seus arts.12°, nº 1 e 13°).
O aludido artº 152° do CPEREF de 1993 (na redacção introduzida pelo DL 315/98, de 20/10) veio dispor que «Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação ou de falência».
É controvertida na doutrina e na jurisprudência a questão suscitada sobre se devem ou não considerar-se extintas, face ao preceituado naquele normativo, as hipotecas legais de que os créditos das entidades aí mencionadas beneficiem.
Conforme resulta do nº 6 do preâmbulo do aludido DL nº 132/93, de 23/04 pretendeu-se com esse preceito inovador um novo tratamento aos titulares dos créditos privilegiados, que por tal facto não se sentiam grandemente motivados, nas deliberações da assembleia de credores, em promover a recuperação económica da empresa devedora; e também os credores comuns, sabendo de antemão que o património do falido não dava, as mais das vezes, para solver os créditos do Estado e da chamada segurança social, munidos de privilégios, a breve trecho se desinteressavam da sorte das operações.
Há quem entenda que a disposição do artº 152° se deve estender, para salvaguarda do seu efeito útil, às hipotecas legais, que devem, assim, face à declaração de falência, considerar-se extintas( Cfr. opinião de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em CPEREF Anotado, 3ª edição, pág. 404 e, entre outros, Acórdãos desta Relação de 23/01/01, in CJ, XXVI, I; 17 e da Rel. do Porto, de 15/11/2003, in CJ, XXVIII, V, 187.).
Também se vem defendendo que, não abrangendo o artº 152° outras garantias que não os privilégios creditórios, não há que aplicar o regime por ele estabelecido às hipotecas legais constituídas a favor das entidades aí mencionadas, aplicando-se a elas o regime legal e geral.
Esta é, de momento, a orientação prevalecente no Supremo Tribunal de Justiça( Cfr. opinião do Cons. Salvador da Costa, em O Concurso de Credores, pág. 329 e, entre outros, os Acórdãos do STJ de 03/03/1998, in BMJ, 475-548, de 18/06/2002, in CJ(STJ), X, II, 114, de 25/03/2003, in CJ(STJ), XI, I, 138, de 27/05/2003, in CJ(STJ), XI, II, 84; de 13/07/2004 (revista nº 1956/04), de 23/09/2004 (revista nº 1449/04), de 19/10/2004 (revista nº 3324/04), de 15/03/2005 (04A4136), de 16/06/2005 (05B1650) e de 21/02/2006 (05B2387), estes disponíveis em www.dgsi.pt/jstj. ).
Pela nossa parte não vemos razão para nos afastarmos da corrente jurisprudencial dominante do Supremo que vem decidindo no sentido de que o artº 152° apenas tem aplicação aos privilégios creditórios. Não foi essa, portanto, a posição adoptada na sentença sob recurso.
Com efeito, o legislador foi suficientemente claro ao referir-se exclusivamente aos “privilégios creditórios”. Se visasse também as hipotecas legais de que beneficiam as entidades a que se reporta o dito normativo tê-lo-ia escrito. Não houve omissão nem esquecimento. O legislador sabe distinguir essas duas garantias reais das obrigações.
Na verdade, embora próximos - ambos são concedidos em atenção à causa do crédito -, são distintos o “privilégio creditório” e a hipoteca.
Privilégio creditório é, segundo o artº 733° do CC, a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores de serem pagos, independentemente de registo, de preferência a outros. Por seu lado, nos termos do art.686º, nº 1 do mesmo diploma, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Ao contrário da hipoteca, o privilégio creditório não carece de ser registado. Enquanto aquela recai apenas em coisas imóveis ou equiparadas, este pode incidir tanto sobre valores imóveis como móveis. Uma outra diferença sensível é que o privilégio creditório é garantia mais forte do que a hipoteca, pois havendo concurso entre credores, os privilégios imobiliários preferem à hipoteca, assim como preferem à consignação de rendimentos e ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores( Cfr. Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 689.).
Sendo pois diferentes os universos de ambas as garantias apesar de resultarem da lei, se o legislador pretendesse tratá-las da mesma forma, extinguindo-as, tê-lo-ia dito expressamente. Mas não o fez, prevendo tão só a extinção dos privilégios creditórios, com a excepção da parte final do artº 152°.
Acresce que são excepcionais, e como tal insusceptíveis de aplicação analógica, as normas que concedem os privilégios em atenção à causa do crédito, face ao princípio da igualdade dos credores perante o património de devedor (artº 604°, nº 1 C.C.), como sejam os artºs 10° a 13° do DL 103/80, de 09/05, que garante privilégio mobiliário e imobiliário geral aos créditos das instituições de segurança social.
Parece-nos, pois, tal como acima se salientou, que o legislador do artº 152º do CPEREF apenas quis que se extinguissem, com a declaração de falência, os privilégios creditórios. Ademais, a indicada norma legal é excepcional e, por isso, inaplicável, por analogia, ás hipotecas legais atribuídas como garantia de créditos das entidades nela referidas (artº 11 ° do CC)( Neste sentido, o Ac. do STJ de 27/05/2003, já citado.).
Aliás, nem se compreenderia que o legislador, depois de uma época em que se abusou da concessão de privilégios creditórios, sobretudo na área da segurança social (nº 6 do preâmbulo do Dec. Lei nº 132/93), optasse por uma solução radical de sentido oposto, extinguindo também as garantias hipotecárias conferidas ás entidades aludidas no normativo em causa, colocando-as agora em situação claramente desvantajosa relativamente aos demais credores hipotecários.
Conforme se observou no Ac. STJ de 03/03/98, “(...) o legislador quis incentivar os entes públicos a lutarem também eles pela viabilização das empresas, mas não a qualquer preço. Ponderou certamente as vantagens e inconvenientes de ir mais ou menos longe”.
No sumário do Ac. STJ de 15/03/05 lê-se: “Só com o DL 53/04, de 18/03, que aprovou o C.I.R.E., o legislador passou a incluir as hipotecas legais, mas ainda assim mais restritivamente do que os privilégios creditórios. Teve mais uma vez em mente que são diferentes os regimes do privilégio creditório, que é uma perigosa garantia oculta porque não sujeita a registo, e o da hipoteca, garantia dependente de registo, que é constitutivo quanto a ela, o que a torna cognoscível para todos os credores pela garantia da publicidade”.
Em suma e sem necessidade de mais considerações, face ao disposto no artº 152°, com a formulação que lhe foi dada pelo DL nº 315/98, de 20/10, a declaração de falência determina, tão só, a extinção imediata dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social.
No caso dos autos, o credor “Instituto de Segurança Social, I. P.” reclamou e foi admitido um crédito no montante total de 247.777,59 € proveniente de contribuições em dívida e juros, que está garantido por hipoteca legal registada sobre o imóvel integrante da massa falida até ao montante de 73.183,01 €.
Não abrangendo, conforme dito, a letra e o espírito da norma do artº 152° as hipotecas legais, essas garantias não se extinguem com a declaração de falência do devedor. Deverá, portanto, pelo produto da liquidação do prédio urbano apreendido à massa falida, graduar--se, até ao montante garantido pela hipoteca, o crédito do ora recorrente como crédito privilegiado, nos termos dos artºs 686°, 687°, 688°, nº 1, al. a) e 693°, nºs 1 e 2, todos do C.C..

Há agora que determinar, no que tange ao pagamento pelo produto da venda do prédio urbano apreendido para a massa falida, qual o lugar que na graduação compete ao crédito do apelante, no confronto com os demais créditos reconhecidos.
Aparte as custas e despesas que, nos termos do artº 208º do CPEREF, saem precípuas de todo o produto da massa, na sentença recorrida graduou-se em primeiro lugar, relativamente ao imóvel, o crédito por salários em atraso do ex-trabalhador B..., por o mesmo beneficiar de privilégio imobiliário especial, nos termos do artº 377º do Cód. do Trabalho.
Estatui essa disposição legal:
1- Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2- A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747.° do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

Tal como foi entendido na sentença recorrida, afigura-se-nos que efectivamente o crédito do ex-trabalhador da falida, B..., beneficia do privilégio imobiliário especial conferido pela norma transcrita. Por um lado, sendo o único imóvel apreendido para a massa falida um pavilhão destinado a unidade industrial é lícito presumir que se trata do local onde o trabalhador prestava a sua actividade. Por outro, apesar de o Código do Trabalho ter entrado em vigor apenas em 01/12/2003 (cfr. artº 3º, nº 1 da Lei nº 99/2003, de 27/08, que o aprovou), entendemos que o artº 377º se aplica aos créditos constituídos antes dessa data.
Com feito, P. de Lima e A. Varela( Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 61.) ensinam que “a lei que regula em novos termos a garantia patrimonial de determinados créditos, criando, por exemplo, a seu favor, um privilégio creditório, deve aplicar-se retroactivamente”. E referem, nesse sentido, o Ac. do STJ de 29/05/80( BMJ, nº 297, págs. 278 e seguintes.), em cujo texto, embora tendo em mente o privilégio estabelecido no artº 2º do Dec. Lei nº 512/76, de 03/07, a favor dos créditos por contribuições do regime geral da previdência e respectivos juros, se escreve: “trata-se de um preceito que, dispondo directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas (...), abstrai dos factos que lhes deram origem, limitando-se a regular a garantia patrimonial de tais créditos, pelo que está abrangido pela 2ª parte do nº 2 do artº 12º do Código Civil”.
No mesmo sentido foi decidido no Ac. da Rel. de Évora de 12/07/79( CJ, IV, 4, 1323.), no Ac. do STJ de 05/06/96( CJ(STJ), IV, II, 112.) e no Ac. da Rel. de Lisboa de 28/01/98( CJ, XXIV, I, 95.), podendo ler-se, no texto deste último aresto, o seguinte: “Segundo João Batista Machado, nessa obra brilhante do chamado direito transitório que são os seus estudos «sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil», as leis relativas aos privilégios creditórios, quer estabeleçam novos privilégios, quer suprimam os anteriormente existentes, são sempre de aplicação imediata”.
Concordando com o entendimento referido, afigura-se-nos que, por força do artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Cód. Civil, o disposto no artº 377º do Cód. do Trabalho aplica-se a todos os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, mesmo que constituídos anteriormente à entrada em vigor do dito Código.
O crédito do ex-trabalhador B... deverá, pois, continuar graduado em primeiro lugar.

Relativamente ao crédito da CCAM de Sátão e Vila Nova de Paiva, garantido por hipoteca voluntária registada em 28/12/2000, terá de ficar graduado depois do crédito do apelante garantido por hipoteca legal registada em 11/06/1993 (prioridade de registo – artº 686º, nº 1 e 687º do C.C.).
Concluindo, o crédito (capital e juros) reclamado pelo recorrente (I.S.S.), até ao montante garantido pela hipoteca legal, será graduado, para ser pago pelo produto da venda do prédio apreendido, imediatamente após o crédito laboral e antes do crédito hipotecário da C.C.A.M.. Na parte excedente, graduar-se-á como comum, em paridade com os demais constantes da lista de fls.137.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando-se parcialmente a sentença impugnada, graduam-se os créditos reclamados e reconhecidos, no concernente ao pagamento pelo produto da venda do imóvel integrado na massa falida e acima referido (verba nº 1), pela forma seguinte:
a) Em 1º lugar, o crédito do ex-trabalhador B...;
b) Em 2° lugar, o crédito reclamado pelo apelante “Instituto de Segurança Social, I.P.”, até ao montante garantido por hipoteca;
c) Em 3° lugar, o crédito hipotecário da reclamante C.C.A.M. de Sátão e Vila Nova de Paiva, CRL;
d) Em 4° lugar, pelo remanescente, se o houver, rateadamente, os restantes créditos constantes da lista de fls.137, incluindo, na parte excedente, o crédito reclamado pelo apelante “I.S.S.”.
No mais, porque não objecto de impugnação, mantém-se a sentença recorrida.
As custas e despesas de liquidação do activo, incluindo a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa, nos termos do artº 208º do CPEREF.
A responsabilidade pelas custas recai sobre a massa falida.
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Coimbra, 2006/06/13