Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
574/06.2TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: DIREITO DE AUDIÇÃO E DEFESA DO ARGUIDO
INDICAÇÃO DOS FACTOS NA ACUSAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
NULIDADE DA ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 02/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 50º DO RGCO (D. L. Nº 433/82, DE 27/11).
Sumário: I – No direito das contra-ordenações o princípio do contraditório e da audiência tem tradução no artº 50º do RGCO.

II – Constando da notificação da acusação feita ao arguido que, além dos factos objectivos e das normas jurídicas violadas, a infracção é imputada a título de negligência, fica assegurado o direito de audiência e de defesa do arguido.

III – A expressão “negligência” – com o sentido de “falta de cuidado”- é suficientemente clara no uso vulgar de cada cidadão para que o arguido possa saber do que se trata.

IV – Do Assento do STJ nº 1/2003, publicado no D.R. de 25/01/2003, não decorre a obrigatoriedade de especificação dos factos concretos em que se traduz a negligência.

V – Esse Assento considerou, no entanto, que mesmo verificando uma nulidade por falta desses tipo de elementos na acusação, a dita seria sanável (nulidade sanável), arguível pelo interessado/notificado no prazo de 10 dias após a notificação e perante a própria administração, ou judicialmente no caso de impugnação.

VI – Mas, verificando-se a nulidade, apenas se a impugnação se limitar a arguí-la o Tribunal deverá invalidar a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa.

VII – Se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada – artº 121º, nº 1, al. c), do CPC.

Decisão Texto Integral: Recorrente: A...
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida, agora recorrente, condenada – pela Inspecção-Geral do Trabalho - na coima de € 610,00 pela prática de contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 179º nº 1 do Código do Trabalho, 180º nº 1 da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho (Regulamento do Código do Trabalho) e 620º do Código do Trabalho.
Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Leiria, o qual veio a ser julgado improcedente.
É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. É indispensável para que possa exercer cabalmente o seu direito de defesa, previsto nos Artºs 50° do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro e 634° do Código do Trabalho, que o arguido conheça os factos que lhe são imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda qualquer circunstância relevante para a aplicação da norma aplicável, como decidiu o Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2003, publicado no Diário da República, I Série A, de 25 de Janeiro de 2003.
2. No caso sub judice, a notificação e o Auto de Notícia a ela anexo são absolutamente omissos quanto à existência de factos que permitam imputar ao Arguido uma conduta a titulo de negligência ou dolo, isto é, são absolutamente omissos quanto aos elementos subjectivos da contra-ordenação.
3. Foi violado o direito de defesa da Arguida, consagrado no Artº 32°, nº 10, da CRP, e concretizado nos Artºs 50° do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, 634° do Código do Trabalho, sendo, consequentemente, nula a instrução, nos termos do Artº 283°, nº 3, do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações.
4. Refere a douta Sentença recorrida que não poderia a entidade instrutória fazer um “pré-juízo quanto à questão da culpa”. Contudo, não pretenderia nunca a Arguida que esse pré-juízo fosse feito, mas apenas e tão só que, antes da Decisão administrativa, lhe fosse dada oportunidade de se pronunciar acerca dos elementos subjectivos que lhe são imputados! - o que não sucedeu, in casu.
5. Salvo o devido respeito, que é muito não se pode nunca argumentar que a nulidade em causa já não é arguível, uma vez que é o próprio Assento do STJ citado pela Sentença recorrida que refere que tal nulidade poderá ser impugnada judicialmente, após a Decisão administrativa.
6. Ao decidir como decidiu, não considerando nula a instrução, nos termos do Artº 283°, nº 3, do Código de Processo Penal e 41°, nº 1, do regime geral das contra­-ordenações violou, pois, a douta Sentença recorrida os Artº 32°, nº 10, da CRP, Artºs 50° do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, 634º do Código do Trabalho.
Acresce que:
7. Ao não proceder à elaboração e afixação do Mapa de Horário de Trabalho, em conformidade com as exigências legais, o trabalhador responsável pela realização do mesmo na agência autuada não cumpriu as instruções expressas da Entidade Patronal.
8. A obrigação de efectuar o Mapa de Horário de Trabalho cabe, dentro de cada uma das agências da sociedade autuada, aos respectivos responsáveis, que para tal foram internamente sensibilizados, pela via hierárquica, nomeadamente através da Direcção de Recursos Humanos, de forma a procederem ao cumprimento das regras legais e internas quanto à elaboração e afixação dos Mapas de Horário de Trabalho - cfr. o citado Doc. 1.
9. Verifica-se, assim, que a Entidade Patronal diligenciou no sentido de serem cumpridos todos os normativos legais referentes à elaboração do Mapa de Horário de Trabalho, pelo que, da sua parte, não existiu qualquer comportamento negligente que permita imputar-lhe a prática de qualquer contra-ordenação.
10. Estatui o Art.o 616.0 do Código do Trabalho que “a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível” sendo, contudo, absolutamente necessário que esses pressupostos subjectivos se verifiquem na pessoa colectiva autuada.
11. E no caso sub judice verifica-se que, da parte da entidade patronal, não existiu comportamento negligente, tendo esta, pelo contrário, dado instruções expressas para que os seus empregados cumprissem as obrigações legais relativas à elaboração dos Mapas de Horário de Trabalho.
12. Nestes termos não pode a presente contra-ordenação ser imputada ao Banco Arguido - neste mesmo sentido, veja-se o Parecer da Procuradoria Geral da República de 7.7.94, publicado no Diário da República, II Série de 28.4.95.
13. A norma que corresponde ao revogado Artº 4º da Lei nº 116/99, é o Artº 617º do Código do Trabalho, que dispõe em termos diversos quanto aos sujeitos das contra-ordenações laborais.
14. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença do Tribunal de 1ª instância os arts. 616° e 617° do Código do Trabalho.
15. Tal como decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra entende a Recorrente que, pelo facto de o art.617° do Código do Trabalho não conter a responsabilização da entidade patronal que anteriormente existia, e porque o art.614° do mesmo Código se limita a definir como contra-ordenação laboral "todo o facto ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com coima”, para que possa haver a responsabilização da entidade empregadora, é exigível que quer o auto de noticia, quer a participação, contenham materialidade fáctica que impute directamente a prática do ilícito à empregadora, quer seja a nível de exclusiva autoria, quer de co-autoria, quer de cumplicidade (cfr. arts. 26° e 27° do C. Penal, aplicáveis aos ilícitos contra­ordenacionais laborais. por força do disposto nos arts. 32º do D.L. 433/82 de 27/10 e 615° do C. Trabalho).
16. A noticiada infracção, para poder, de algum modo, implicar a responsabilidade do empregador, deveria conter, no momento da autuação, à luz do quadro legal ora vigente, indícios de facto de que o trabalhador actuou por determinação e em obediência ao cumprimento de ordens claras do empregador no sentido do comportamento desviante/ infraccional constatado,
17. O que aconteceu foi que inexistiu o nexo de imputação subjectiva necessário para a responsabilização do Arguido.
18. E, assim, impõe-se concluir que, por falta de preenchimento do elemento subjectivo, o Arguido não praticou a infracção que lhe foi imputada.
19. Assim sendo, verifica-se que à luz da lei nova, tendo por base os factos constantes dos autos, não pode a entidade patronal ser responsabilizada pela prática da contra-ordenação em causa.
20. A entidade patronal só pode ser responsabilizada se se provar que deu instruções ao trabalhador no sentido de não cumprir essas mesmas obrigações legais.
21. Porquanto, tendo em conta o teor do art. 614° do Código do Trabalho, o trabalhador pode ser responsabilizado pela prática da contra-ordenação em causa.
22. Tendo tudo isso em conta, não pode ser imputada a prática de uma infracção à entidade patronal, sem sequer se alegar quais os factos que permitem imputar-lhe essa mesma infracção, sob pena de ser violado o princípio da presunção de inocência.
23. Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, o Arguido entende que não foi produzida nem carreada para os autos prova suficiente para o condenar.
24. O facto de a Arguida não ter apresentado prova de que a falta do mapa de horário não lhe é imputável não deve sujeitá-la às consequências desfavoráveis da falta de prova.
25. Não pode a Arguida ser condenada por facto que deveria constar da acusação, e não consta.
26. O entender da Arguida é o de que o artigo 616° do Código do Trabalho, quando interpretado no sentido de que basta que se prove que o agente actuou contra a lei para imputar a contra-ordenação em causa à sua entidade patronal é inconstitucional, por violar claramente o artigo 32º nº 5 e 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
27. Interpretação essa que foi dada pela douta Sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser revogada, com a consequente absolvição dos presentes autos.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer manifestando-se no sentido que o recurso não merece provimento.
Corridos os vistos cumpre decidir.
*
II- São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo:
1- O arguido dedica-se à actividade bancária e tem uma agência na Avª Marquês de Pombal, nº 31, em Leiria.
2- Nesta agência, no dia 24/01/2006, além de outros, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do arguido, a assistente comercial, Paula Cristina da Encarnação Lopes, admitida ao serviço em 21/02/2005.
3- No entanto, no mapa com o horário de trabalho afixado naquela agência bancária no referido dia 24/01/2004, não constava o nome da aludida trabalhadora, Paula Cristina da Encarnação Lopes.
4- No ano de 2005, o arguido teve um volume de negócios de €: 10,000.000,00.
5- O arguido divulgou pelos seus serviços um memorando normativo no qual definiu que os responsáveis de Direcções do Grupo ou de Sucursais, Lojas e Agências “devem possuir nas Unidades Orgânicas, a fim de serem facultados, quando solicitados, aos Inspectores do I.D.I.C.T., os seguintes elementos físicos:
Horário de Trabalho – afixado em local visível”.
6- O arguido podia e devia ter incluído no aludido mapa do horário de trabalho o nome da trabalhadora, Paula Cristina da Encarnação Lopes, bem como os seus períodos de descanso, só não o tendo feito devido, no mínimo, à falta de cuidado dos seus representantes, encarregados de o fazer.

III- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
Decorre do exposto que, em face das conclusões do recurso, as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- ocorreu nulidade consistente na notificação para oferecimento da resposta escrita, por falta de indicação dos factos que integram o elemento subjectivo?
- caso assim não se considere, no caso dos autos observa-se conduta culposa da recorrente consistentes com a condenação decidida pela 1ª instância?
- ocorreu uma interpretação inconstitucional do artigo 616º do Código do Trabalho, violadora dos artigos 32º nº 5 e 32º nº 2 da CRP?

1ª questão:
Tal como decorre das conclusões do recurso, cumpre saber se, através da notificação de fls. 11/12, foi adequadamente cumprido o direito de audição e defesa do arguido previsto no artigo 50º do RGCO (DL nº 433/82, de 27/11, com as alterações introduzidas pelo DL nº356/89, de 17/11, pelo DL nº244/95, de 14/9 e pela Lei nº 109/01, de 24/12).
O Banco recorrente entende que a notificação e o auto de notícia a ela anexo são absolutamente omissos quanto à existência de factos que permitam imputar-lhe, nas suas palavras, “uma conduta a titulo de negligência ou dolo, isto é, são absolutamente omissos quanto aos elementos subjectivos da contra-ordenação”.
Vejamos:
É sabido que no direito das contra-ordenações o princípio do contraditório e da audiência tem tradução naquele artigo 50º do RGCO. No quadro do que estabelece o nº10 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa (“Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”).
Ou seja, o artigo 50º diz-nos o seguinte: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Assento 1/2003 (in DR, I-Série A, de 25 de Janeiro de 2003, referido no recurso e na sentença da 1ª instância, veio a fixar jurisprudência nos seguintes termos:
Quando, em cumprimento do disposto no art.50º, do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe oferecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, na prazo de 10 dias após a notificação, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa”.
A notificação em causa, ao Banco arguido, para cumprimento desse direito de audição, apresentou-lhe o auto de notícia de fls. 4, no qual, para, além dos factos objectivos (afixação de um mapa do qual não constava o nome de uma trabalhadora) e das normas jurídicas violadas, consta que a infracção é imputada à arguida a título de negligência.
É certo que a tradução factual do conceito de negligência – sempre referente a uma genérica “falta de cuidado” – não consta do mesmo auto.
Contudo, não vemos que o direito de audiência e de defesa tenha ficado, em concreto, prejudicado. A expressão negligência é suficientemente clara no uso vulgar de cada cidadão para que a arguida pudesse saber do que se tratava.
E, tal como referiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-06-2007 que aqui seguimos, concordando com o seu entendimento de caso similar, (consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/0166a288b3daf7f480257316006086a2?OpenDocument), “não impondo o artigo 50º (…) a necessidade de “descrição dos factos imputados”, só estatuindo a necessidade de “...se ter assegurado ao arguido a possibilidade de ... se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”, entendemos que a existência de expressões conclusivas nessa notificação, desde que daí não resulte prejuízo para os direitos de defesa, não impede que se considere satisfeito o direito de defesa e audição prevista naquele preceito legal”.
Na verdade, do Assento 1/2003 não decorre a obrigatoriedade de especificação dos factos concretos em que se traduz a negligência, uma vez que só considera ferida de nulidade a notificação ao arguido que “...não lhe oferecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito...”
Este entendimento, foi mesmo considerado pelo STJ, em Acórdão da autoria do mesmo relator do Assento (Conselheiro Carmona da Mota) como não contrariando a sua estatuição. “O acórdão ora recorrido - ao entender, casuisticamente, que, na preparação da decisão administrativa final, determinada configuração da notificação ao arguido da projectada imputação dos factos acusados lhe «assegurou, de forma adequada, a possibilidade de exercer cabalmente os seus direitos de defesa» - não contrariou a necessariamente abstracta doutrina do assento 1/2003, no sentido de que, «em cumprimento do disposto no art. 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações», o órgão instrutor – quando optasse, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido - devia, na correspondente notificação, «fornecer-lhe todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito»”(Ac. do STJ de 19-06-2007, consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a48e1b410bc226b1802573cd0050ab4f?OpenDocument).
Daí que não entendamos verificada a arguida nulidade.
Em todo o caso, cumpre referir que, caso a mesma estivesse verificada nos autos, estaria já sanada.
Na verdade, o Assento em causa considerou que se tratava de nulidade sanável.
Salientou que, caso a notificação, tendo lugar, não fornecesse os elementos necessários para que o interessado ficasse a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício seria o da nulidade sanável, arguível (1) pelo interessado/notificado no prazo de 10 dias após a notificação perante a própria administração ou, (2) judicialmente, no acto da impugnação.
Ou seja, a arguição da nulidade – como é o caso dos autos – que tenha lugar apenas no acto de impugnação judicial é admissível.
Mas, verificando-se a nulidade, apenas se a impugnação se limitar a argui-la, o tribunal deverá invalidar a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa.
Ou seja, o Assento deixa bem esclarecido que se “o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada”. Como resulta do disposto no artigo 121º nº 1 al. c) do C. P. Penal, ex vi artigo 41º nº 1 do RGCO.
Foi o que sucedeu nos autos. A arguida, no acto de impugnação judicial, para além de arguir a nulidade, alegou que não agiu com negligência (v. p. ex. artigo 25º do articulado de impugnação – fls. 46), apresentando factos para tanto e apresentando prova testemunhal e documental. Por isso, prevaleceu-se da faculdade de defesa a cujo exercício o acto anulável se dirigia, estando, de qualquer modo, sanada a nulidade (artigo 121º nº 1 al. c) do C. P. Penal).
Improcedem, assim, nesta parte as conclusões do recurso.

2ª questão:
A 2ª questão colocada prende-se com a alegada inexistência de conduta culposa da recorrente.
Defende o recorrente que não agiu com culpa (com negligência, como foi considerado na 1ª instância), porque ao não proceder à elaboração e afixação do Mapa de Horário de Trabalho, em conformidade com as exigências legais, o trabalhador responsável pela realização do mesmo na agência autuada não cumpriu as instruções expressas da sua entidade patronal.
Ora, a matéria de facto dada como provada, pela 1ª instância, e à qual temos de nos cingir, nada nos diz sobre quem foi o trabalhador da recorrente responsável pela afixação do mapa de trabalho deficiente (no qual não constava o nome da aludida trabalhadora, Paula Cristina da Encarnação Lopes – v. facto 3.) e que ordens concretas lhe tinham sido dadas (o que implica o seu conhecimento das mesmas).
Apenas está estabelecido que o Banco arguido divulgou pelos seus serviços um memorando normativo no qual definiu que os responsáveis de Direcções do Grupo ou de Sucursais, Lojas e Agências “devem possuir nas Unidades Orgânicas, a fim de serem facultados, quando solicitados, aos Inspectores do I.D.I.C.T., os seguintes elementos físicos: Horário de Trabalho – afixado em local visível” (facto 5.).
Como se refere na sentença da 1ª instância, se é certo que se apura a divulgação esse “memorando”, dele não resulta expressamente a necessidade de manter aquele mapa actualizado. E, de algum modo, mesmo que estivesse, seria à arguida que competiria vigiar pelo cumprimento das suas próprias ordens, na medida em que a obrigação em causa é dela própria - uma obrigação do empregador e não dos trabalhadores.
E está mesmo estabelecido que “o arguido podia e devia ter incluído no aludido mapa do horário de trabalho o nome da trabalhadora, Paula Cristina da Encarnação Lopes, bem como os seus períodos de descanso, só não o tendo feito devido, no mínimo, à falta de cuidado dos seus representantes, encarregados de o fazer” (facto 6.). Sem que a recorrente tenha posto em causa a consignação desse facto, sendo certo que em matéria contra-ordenacional, o tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75º nº 1 do RGCO).
Ou seja, este último facto dá-nos a percepção da negligência da arguida.
Esta, contudo, nas conclusões de recurso defende que só pode ser responsabilizada se se provasse que deu instruções (ordens claras) ao trabalhador no sentido de não cumprir as obrigações legais pertinentes.
Ora, quanto a este último argumento, cumpre dizer que, se fosse esse o quadro (de obediência a “ordens claras” do empregador), ele situar-nos-ia no âmbito de uma conduta dolosa. Não foi dessa conduta que a arguida foi acusada e, por causa dela, condenada; foi-o no âmbito de conduta negligente.
Nos termos do artigo 8º do RGCO só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência. Sendo, que nos termos do artigo 616º do Código do Trabalho, nas contra-ordenações laborais a negligência é sempre punível.
Ora, como se sabe, age com negligência quem realiza um facto ilícito por não proceder com o cuidado a que, de acordo com as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz (artigo 15º do Código Penal).
Provou-se o comportamento subsumível ao tipo de ilícito.
A negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia. O traço fundamental situa-se na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de cada tipo profissional de homens) e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou justa previsão.
Para se determinar se é culposa uma conduta, deve aferir-se a mesma pelo conceito social sobre as condições de razoabilidade em que o agente procedeu, consideradas as circunstâncias da pessoa, do tempo e do lugar.
Ora, o quadro de facto que temos estabelecido, como ficou dito, só é explicável pela falta de cuidado, no caso de empresa com a dimensão organizacional da arguida, dos seus representantes. Neste caso, a previsibilidade e o dever de previsão que sempre, numa apreciação objectiva, limitam a negligência (v. Eduardo Correia, Direito Criminal, pag. 421 e segs.) eram uma realidade, de acordo com as regras de experiência (“tipo profissional de homem”) em contexto empresarial, e o resultado ilícito relaciona-se causalmente com aquelas realidades.
É o que basta, para retirar da matéria de facto a imputação à arguida de uma conduta negligente, como o fez a decisão recorrida. Tratando-se a arguida de pessoa colectiva empregadora, o resultado ilícito alcançado é-lhe imputado em função da actuação ou omissão da sua estrutura de comando, orgânica, nos termos do artigo 7º do RGCO e 617º do Código do Trabalho, no quadro consolidado da negligência acima apontado, em contexto, como se disse, de actuação empresarial.
Pelo que também aqui, improcedem as alegações do recurso.

3ª questão:
Finalmente, a arguida defende que “o artigo 616° do Código do Trabalho, quando interpretado no sentido de que basta que se prove que o agente actuou contra a lei para imputar a contra-ordenacão em causa à sua entidade patronal é inconstitucional, por violar claramente o artigo 32º nº 5 e 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa”.
Concordamos que assim é.
Essa interpretação, contudo, não é a que foi dada pela sentença da 1ª instância, pelo que nada acrescenta à possibilidade de procedência do recurso.
Por isso, improcederá o mesmo na totalidade.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando-se provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em cinco UC.
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Coimbra,