Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2988/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 5º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 428º, 1221º, 1222º E 1223º, TODOS DO C.CIV. .
Sumário: I – Sendo seguro que o artº 428º do CC se aplica também ao contrato de empreitada e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento, a excepção do não cumprimento funciona quando há falta de cumprimento, na «modalidade de cumprimento defeituoso da prestação .
II – Deste modo, o dono da obra, face ao cumprimento defeituoso pelo empreiteiro, pode recusar o pagamento do preço, enquanto não forem eliminados os defeitos.

III – Porém, o regime próprio da empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a excepção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento – ordem estabelecida nos artºs 1221º, 1222º e 1223º do C. Civ . .

Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A autora, A..., instaurou contra a ré, B..., a presente acção declarativa condenatória, com forma de processo sumário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
No exercício da sua actividade comercial, a autora, a solicitação da ré, forneceu e montou-lhe uma cobertura autoportante e uma estrutura metálica, com determinada área, mas que depois foi aumentada, a pedido da última, para além daquela área que havia sido inicialmente estipulada, pelo preço global de € 12.341,18.
Muito embora tenho executado tal obra e o seu preço devesse ser pago a pronto pagamento, a ré, todavia, apenas liquidou, por duas vezes, a importância total de € 6.484,38, pelo que ficou ainda por pagar a quantia de € 5.856,80, que a ré se vem recusando a pagar e não obstante ter sido solicitada para o efeito.
Pelo que terminou a autora pedindo o pagamento de tal importância (€ 5.856,80), acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 12%, vencidos – no montante € 275,20 – e vincendos, até ao seu integral pagamento.

2. Na sua contestação, a ré defendeu-se alegando, no essencial, que não pagou o pretenso montante do preço em falta em virtude de, por um lado, a autora se ter recusado a fornecer-lhe o auto de mediação daquela obra que foi executada para além daquilo que inicialmente havia sido contratado, e, por outro, porque a obra executada por aquela apresenta deficiências, que ré denunciou oportunamente mas que a autora se recusou a reparar.
Pelo que, depois de considerar que só deveria pagar à autora o montante que resultasse do sobredito auto de medição e mesmo assim depois das alegadas deficiências da obra terem sido reparadas, acabou pedindo que “fosse absolvida da instância”.

3. No seu articulado de réplica, a autora, depois de negar que tenha executado a obra com deficiências ou que, pelo menos, aquelas que a mesma apresenta sejam da sua responsabilidade, alegou ainda, em síntese, que na altura da instalação da caldeira sugeriu à ré que a mesma fosse impermeabilizada com tela betuminosa, o mesmo sucedendo em relação às juntas, o que acarretaria um acréscimo de preço, sugestão essa que, todavia, não foi aceite pela última. E daí que seja perfeitamente normal a escorrência de águas, o que deixará de acontecer com a colocação da referida tela betuminosa naqueles locais.
Pelo que terminou pugnando pela procedência da acção.

4. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se depois passado à elaboração as selecção da matéria de facto, que não foi objecto de qualquer censura das partes.

5. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – sem a gravação da audiência, tendo-se no decurso da mesma ordenado oficiosamente a realização de uma perícia -, sem que as respostas depois dadas aos diversos pontos da base instrutória tivessem igualmente merecido qualquer reparo.

6. Seguiu-se a prolação da sentença, que, a final, acabou por julgar a acção integralmente procedente, condenando a ré a pagar à autora o montante total por si peticionado, acrescido do respectivos juros moratórios, às taxas legais ali fixadas.

7. Não se tendo conformado com tal sentença, a ré dela interpôs recurso, o qual foi recebido como apelação.

8. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentou, a ré concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1ª - Nos presentes autos estamos perante um contrato de empreitada;
2ª - A Ré denunciou atempadamente defeitos da obra à Autora, não tendo esta satisfeito a sua prestação sem vícios;
3ª - Provou-se não só que existia a entrada de água através da cobertura mas ainda que tal se ficava a dever à existência de falhas na junção da estrutura metálica e ainda a medidas incorrectas da caleira;
4ª - As falhas na junção da estrutura metálica e nas dimensões da caleira são defeitos de concepção, colocação ou assentamento dessa mesma estrutura e pela eliminação dos quais a Autora é a única e exclusiva responsável;
5ª - A Ré não tem que provar a origem dos defeitos pois, esta prova cabe à Autora que, para se poder eximir à sua eliminação teria que ter provado que os mesmos não eram da sua responsabilidade, o que não logrou fazer nestes autos;
6ª - Há contradição entre os fundamentos e a douta sentença proferida pela Meretíssima Juiz à quo, o que implica a sua nulidade;
7ª - A caleira foi feita com medidas não adequadas ao local, pelo que, a correcção deste defeito nunca podia passar pela aplicação duma tela betuminosa, mas sim, pela retirada de tal caleira e colocação duma outra com as medidas adequadas o que só à Autora caberá efectuar;
8ª - A estrutura encomendada pela Ré à Autora, conforme foi ajustada e decorre dos usos, serve para cobrir uma área protegendo-a dos factores naturais designadamente da água, da chuva, da neve, etc...;
9ª - Quem encomenda uma estrutura do tipo daquela que foi encomendada pela Ré não pretende que a mesma deixe passar água na junção das telhas umas com as outras pois, tal equivale a não proteger o espaço dos factores naturais, expondo os artigos que forem colocados debaixo dessa estrutura à acção da água e demais elementos naturais, com a consequente deterioração;
10ª - A cobertura fornecida pela Autora não é apta a satisfazer os fins para que se destina, pelo que, não pode a Ré ser condenada a efectuar-lhe o pagamento integral se a Autora não executou a obra a que se comprometeu isenta de defeitos;
11ª - A água retorna atrás nas telhas quando o vento sopra em sentido contrário ao sentido do escoamento da cobertura, entrando para o interior do pavilhão, o que se fica a dever ao deficiente assentamento das telhas e à pouca inclinação do telhado;
12ª - Só após a sua eliminação dos defeitos denunciados poderá a Autora exigir da Ré o respectivo pagamento;
13ª - A Ré provou a existência dos defeitos e a gravidade destes e a Autora tinha que provar que não é sua a culpa pelos defeitos, o que não terá logrado fazer nestes autos;
14ª - Deve ser revogada a douta sentença proferida em 1ª Instância, substituindo-a por outra onde de absolva a R e ora apelante do pedido;
15ª - Se assim não se entender, deve a douta sentença recorrida ser considerada nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão tomada;
16ª - A douta sentença ora recorrida, violou, entre outras, as seguintes disposições legais:
Artºs 428º, nº 1; 1.208º; 1.218º; 1.220º e 1.221º, todos do Cód. Civil;
Artºs 516º e 668º, nº 1, alínea c), ambos do Cód. Proc. Civil.
Nestes termos...
A) Deve a douta sentença recorrida ser considerada nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão tomada;
B) Revogar-se a douta sentença proferida em 1ª instância, substituindo esta por uma em que se absolva a R. ora apelante do pedido;
C) Se assim não se entender, deve a douta sentença ser alterada por forma a que a Ré apenas seja condenada a completar o pagamento após a autora ter eliminado todos os defeitos da obra”.

9. A autora contra-alegou, pugnando, a final, pela improcedência do recurso e pela, consequente, manutenção do julgado.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II-Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3, do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. nº 2 – finé - do artº 660 do CPC).
2. Ora calcorreando as conclusões do recurso, afigura-se-nos que, no essencial, as grandes questões que importa aqui apreciar e decidir são, no essencial, as seguintes:
a) Saber se a sentença recorrida enferma do vício de nulidade (por os fundamentos estarem em oposição com a decisão)?
b) Saber se, no caso em apreço, se verificam os pressupostos da excepção de não cumprimento aduzida pela ré?
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2. Os factos
Pela 1ª instância – e sem que a respectiva decisão tenha sido objecto de impugnação – foram dados como provados os seguintes factos:
2.1. A Autora exerce a actividade comercial, com fins lucrativos, de fabrico, comercialização e instalação de estruturas e coberturas autoportante metálicas (Al. A) dos factos assentes).
2.2. A solicitação da Ré, e mediante orçamento, a Autora forneceu-lhe e montou cobertura autoportante plana UNTP 750 galvanizado, mais estrutura metálica, com uma área total de 456 m2, conforme documento junto a fls. 6-8, que aqui se dá por reproduzido (Al. B) dos factos assentes)
2.3. No decurso dos trabalhos referidos em B), foi necessário aplicar mais área de cobertura que não constava de tal orçamento, solicitando a Ré à Autora a feitura da área a cobrir não abrangida pelo dito orçamento (Al. C) dos factos assentes).
2.4. A Autora enviou à Ré as facturas nº 84 e 190, datadas respectivamente de 03.09.2001 e 15.02.2001, nos valores respectivamente de 11.380,07 Euros e 961,11 Euros, nas quais consta como condição de pagamento a expressão “pronto pagamento”, conforme documentos juntos a fls. 10 e 11, que aqui se dão por reproduzidos (Al. D) dos factos assentes).
2.5. A Ré entregou à Autora um cheque no valor de 600.000$00 ou 2.992,79 Euros, sacado em 20.08.2001 (Al. E) dos factos assentes).
2.6. A Ré ainda entregou à Autora um cheque de 700.000$00 ou 3.491,59 Euros , sacado em 12/09/2001 (Al. F) dos factos assentes).
2.7. A Ré nada mais pagou à Autora (Al. G) dos factos assentes).
2.8. Em 21 de Novembro de 2001, a Ré remeteu para a sede da A., que a recebeu, a carta junta a fls. 20, que aqui se reproduz, comunicando «alguns defeitos de montagem na cobertura» que esta forneceu e referindo ser «muito importante (...) impedir toda e qualquer infiltração de água, o que não foi acautelado» (Al. H) dos factos assentes).
2.9. A área adicional de cobertura referida em C) foi de 38,75 m2 (resposta ao ponto nº 1 da base instrutória).
2.10. A cobertura metálica aplicada pela Autora não impede a entrada de escorrências de água quando chove (resposta ao ponto nº 4 da base instrutória).
2.11. Existem falhas nas junções da estrutura metálica, com o esclarecimento de tais falhas se explicam porque as telhas assentam umas sobre as outras e, na sobreposição das telhas, não está aplicada uma banda de tipo “contrabanda” ou similar (resposta ao ponto nº 5 da base instrutória).
2.12. A água entra por essas ligações e provoca escorrências de água (resposta ao ponto nº 6 da base instrutória).
2.13. Impedindo a Ré de colocar móveis sob aquela estrutura metálica, sob pena de deteriorar irremediavelmente as madeiras (resposta ao ponto nº 7 da base instrutória).
2.14. Aquando da instalação da caleira, a Autora sugeriu à Ré que a caleira fosse impermeabilizada com tela betuminosa, com o correspondente acréscimo de preço (resposta ao ponto nº 8 da base instrutória).
2.15. A Ré não aceitou tal sugestão (resposta ao ponto nº 9 da base instrutória).
2.16. O mesmo sucedeu em relação às juntas (resposta ao ponto nº 10 da base instrutória).
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3. O Direito
3.1 Quanto à 1ª questão
Da nulidade da sentença.
Entende a ré/apelante que a sentença deve ser declarada nula por os seus fundamentos estarem em oposição com a sua decisão.
Na verdade, estipula o artº 668, nº 1 al. c), que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juíz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto» (cfr. Prof. Alb. dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das permissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído (vidé ainda, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”).
Trata-se, pois, de um vício estrutural, intrínseco ou interno, da própria sentença.
Ora, calcorreando a decisão em apreço, afigura-se-nos que todas aquelas suas permissas e dados factuais e jurídicos em que assentou, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram clara e inequivocamente enunciados e externos.
Não existem nem contradição nem ilogicidade alguma. A decisão, depois de analisar, indagar e juridicamente balizar o “thema decidendum”, extraiu em conformidade o seu juízo jurídico-subsuntivo. Na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se detecta, pois, a nosso ver, qualquer oposição ou contradição.
Torna-se patente que a apelante não concorda com o sentido decisório a final extraído, mas o que não pode é apontar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.
Saber se a decisão (de mérito) final está ou não em conformidade com as regras do direito aplicáveis aos factos dados como provados, a ponto da solução final dever ser outra que não aquela que foi tomada, nada tem a ver com o aludido vício de nulidade.
Ou seja, o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir que, a esse propósito, não ocorreu qualquer construção viciosa da sentença.
Torna-se, assim, e salvo o devido respeito, dificilmente compreensível a invocação de tal pretensa nulidade da sentença como um dos fundamentos do recurso.
Não enferma, assim, a sentença do invocado vício de nulidade.

3.2 Quanto à 2ª questão
Da excepção de não cumprimento.
Como é sabido, o instituto da excepção de não cumprimento, também conhecido por “exceptio non adimpleti contratus”, encontra-se previsto no artº 428 do Código Civil (diploma esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).
Instituto esse que tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo, todavia, que se tome sempre em conta, na sua análise, o princípio da boa fé e bem assim ainda o instituto do abuso de direito (cfr. artºs 762, nº 2, e 334).
Tem sido dominantemente qualificado de excepção dilatória de direito material ou substantivo. É excepção material porque fundada em razões de direito substantivo, e dilatória porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente, funcionando como um meio de conservação contratual (cfr., por ex., profs. Almeida Costa, in “RLJ ano 119, pág. 114 e sgs.”; Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 329 e sgs.” e José Abrantes, in “A Excepção do Não Cumprimento, pág. 127 e sgs”).
Mesmo que o cumprimento das prestações esteja sujeito a prazos diferentes, a exceptio pode ser sempre invocada pelo contraente, cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não sendo admissível por aquele que deveria cumprir primeiro (cfr. profs. Vaz Serra, in “RLJ ano 105, págs. 283, 108 e 155” e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, 4ª ed., pág. 405”).
Sendo seguro que o artº 428 do CC se aplica também ao contrato de empreitada (cfr. prof. Vaz Serra, in “BMJ 67, pág. 26 e RLJ ano 105, pág. 287”) e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento (artº 798 e 799 CC), a excepção do não cumprimento funciona quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação.
Deste modo, o dono da obra, face ao cumprimento defeituoso pelo empreiteiro, pode recusar o pagamento do preço, enquanto não forem eliminados os defeitos (cfr., por ex., Ac. RP de 4/11/91, in “CJ ano XVI, TV - 179”; Ac. RC de 14/4/93, in “CJ ano XVIII, TII - 35”; Ac. RC de 6/1/94, in “CJ ano XIX, TI - 10” e Ac. RE de 26/9/95, CJ ano XX, TIV - 269”).
Porém, o regime próprio da empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a excepção do não cumprimento, pois, se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos artºs 1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, 1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos; 2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados; 3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato; 4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento, lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.
Como elucida Pedro Romano Martinez, (inCumprimento Defeituoso, 1994, pág. 328”) “A exceptio non adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem
Ora posto isto, e tendo presentes tais considerações, debrucemo-nos mais de perto, sobre o caso em apreço.
Face aos factos acima descritos - e não obstante os mesmos não serem, a esse propósito, muito abundantes -, não vislumbramos razões para discordarmos do tribunal a quo (com o que as partes, aliás, estão também em sintonia) ao caracterizar de contrato de empreitada a relação contratual estabelecida entre a autora e a ré (cfr. artº 1207 ess). Por isso, e por tal não se justificar, não iremos perder tempo em grandes considerações sobre tal figura contratual.
Para o efeito, e para já, apenas diremos que legalmente a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra mediante um preço (artº 1207); sendo que o empreiteiro deve executar essa obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (artº 1208).
Ora, e reportando-nos somente aquilo que está mais em causa no presente recurso, verifica-se, desde logo, por um lado, que a autora executou a referida obra, que entregou à ré, e, por outro lado, que esta apenas lhe pagou parte do preço devido, recusando-se a entregar o resto do preço em falta com a alegação de que a obra executada apresenta defeitos e enquanto esses defeitos não forem eliminados. Ou seja, a ré exige que, como condição de tal pagamento, a autora elimine os defeitos de que a ré entende padecer a obra executada.
Compulsando os factos descritos sob os nºs 2.10 a 2.12 dos factos assentes, verifica-se que, objectivamente, a obra se apresenta com defeitos, já que tratando-se, fundamentalmente, de uma cobertura metálica, que permite actualmente a escorrência e a entrada de águas (da chuva), é evidente que tais vícios reduzem claramente a aptidão do seu uso (cfr. ainda nº 2.13).
Desse modo, e considerando o facto o descrito sob o nº 2.8, ter-se-á, de concluir, por um lado, que a ré denunciou, oportunamente, os defeitos da obra à autora/empreiteira, exigindo-lhe ao mesmo tempo a sua eliminação, e, por outro lado, que, assim, se verificam, em princípio, os pressupostos da figura da excepção de não cumprimento, de que acima falámos. Excepção essa que muito embora não tenha sido invocada de forma expressa pela ré no seu articulado da contestação, todavia, face à alegação dos correspondestes factos (e que no essencial correspondem ao que supra se deixou expresso), ter-se-á de considerar que essa invocação foi feita de forma tácita ou implícita (cfr. art. 217, nº 1).
Como se infere do que acima deixámos expresso, por um lado, os elementos factuais carreados para os autos, no que concerne aos termos contratuais da execução do referido contrato, pecam por alguma escassez e clarividência, e, por outro (tal como resulta implícito no artº 1208), que o empreiteiro deverá sempre, em qualquer circunstância, actuar, na execução da obra, segundo as regras da (boa) arte e da boa fé (cfr., a propósito, e por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 706, nota 2”).
Porém, a questão que se cuida aqui de saber - face às alegações das partes e, sobretudo, aos factos dados como assentes – é se os referidos vícios são, ou não, subjectivamente imputáveis à autora?
Na sequência do que fora alegado pela autora, ficou provado o seguinte:
- Aquando da instalação da caleira, a Autora sugeriu à Ré que a caleira fosse impermeabilizada com tela betuminosa, com o correspondente acréscimo de preço (facto descrito sob o nº 2.14 e que resultou da resposta ao ponto nº 8 da B.I.).
- A Ré não aceitou tal sugestão (facto descrito sob o nº 2.15 e que resultou da resposta ao ponto nº 9 da B.I.).
- O mesmo sucedeu em relação às juntas (facto descrito sob o nº 2.16 e que resultou da resposta ao ponto nº 10 da B.I).
Todavia, estes últimos factos, a nosso ver, só por si não permitem, - pelo menos de forma clara e inequívoca, ou seja, sem margem para dúvidas – extrair a conclusão, em termos de nexo causal, se os defeitos ou vícios acima aludidos são, ou não, uma consequência ou decorrência normal do facto de a ré não ter aceite a sugestão da autora, ou seja, e por outras palavras, tais factos não permitem, só por si, extrair a conclusão de que a colocação das telas betuminosas de impermeabilização (nas caleiras e nas juntas) evitaria a escorrência e a entrada das águas que actualmente se verifica.
Importa, pois, saber se (tal como a esse propósito alegou autora – cfr. artºs 7º e 8º do seu articulado de réplica) sem a colocação das aludidas telas betuminosas (nas caleiras e nas juntas) a escorrência e a entrada de águas é normal que aconteça.
Daí que se imponha, para a boa decisão da causa, ampliar a base instrutória com tal matéria de facto.
E para o efeito sugere-se que seja aditado à base instrutória o seguinte ponto factual (ou outro com idêntico conteúdo e redacção): “A colocação de telas betuminosas de impermeabilização na caleiras e nas juntas impediria a escorrência e a entrada de águas referidas nas respostas aos pontos 4º e 5º da B.I.)?” ou então com a seguinte redacção: “Sem a colocação de telas betuminosas de impermeabilização na caleiras e nas juntas a escorrência e a entrada de águas (nomeadamente as referidas nas respostas aos pontos 4º e 5º) são normais?”.
Desse modo, e pelas razões expostas, ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 712 do CPC, e com vista a permitir a ampliação da matéria de facto nos termos atrás referidos, decide-se anular o julgamento e, consequentemente, a sentença proferida pela 1ª instância. Porém, a repetição do julgamento e a consequente produção de prova apenas deverá incidir sobre tais factos, dele se excluindo os restantes pontos factuais sobre os quais já houve decisão, a não ser que porventura se venha a concluir que tal se mostra necessário para evitar possíveis contradições na decisão (cfr. parte final do nº 2 do citado artº 712).
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III- Decisão
Assim, pela razões supra expostas, acorda-se em anular o julgamento levado a efeito pelo tribunal da 1ª instância e, consequentemente, a sentença por ele proferida, devendo o mesmo repetir-se (apenas) nos termos e para os efeitos atrás exarados.
Custas pelas partes vencidas a final (e na proporção em que o forem).

Coimbra, 2005/12/06