Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2760/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: CONTUMÁCIA
VALIDADE DO TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 11/05/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 196.º C. P. P.
Sumário:
O arguido que prestou Termo de Identidade e Residência, nos termos do disposto no art.196° do C. P. Penal, na redacção dada pelo D.L. 320-C/2000 de 15/12 e verificando-se, posteriormente, mudança de residência sem comunicação ao processo, legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais em que tenha o direito ou dever de estar presente, ou seja, legitima, em relação ao arguido não cumpri dor das obrigações assumidas, a prática de todos os actos processuais posteriores à prestação de TIR.
Face ao descrito, inexistem diligências praticadas por éditos em relação ao arguido, o que equivale a dizer que ao mesmo não se aplica o regime da Contumácia.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 2760/03
Processo nº 99/01.2GDAND-A, do 1º Juízo, da Comarca de Anadia
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado, no qual é arguido José Júlio M..., foram proferidos despachos, a fls. 101 e 113 (do processo principal):
“Uma vez que o paradeiro do arguido é desconhecido dou sem efeito a presente audiência, adiando a mesma sine die.
Notifique o arguido editalmente para se apresentar em juízo dentro do prazo de 30 dias, contado da afixação do último édito, sob pena de, não o fazendo, ser declarado contumaz, nos termos do disposto no art. 335, nº 1 e 2 do CPP”.
“Fls. 111:
Pese embora a interpretação defendida em outros processos pendentes no 1º juízo a verdade é que no caso em apreço a situação reveste contornos distintos já que não se trata apenas de o arguido ser representado por defensor em “…todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e de poder ser julgado na sua ausência…” circunstâncias das quais a subscrição do “T.I.R.” o fez e faz estar ciente.
Na verdade no caso em apreço o arguido não está notificado da acusação (vd. fls. 61-62 e ainda promoção de fls. 67).
Assim sendo, pese embora a grosseira violação das obrigações constantes do “T.I.R.” afigura-se-nos que o despacho de fls. 101 não merece reparo”.
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o Mº Pº.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso e que delimitam o âmbito do mesmo:
1- O arguido José Júlio M... prestou T.I.R., nos termos do art. 196 do CPP, na redacção introduzida pelo Dl. 320-C/2000, de 15-12, em 21 de Junho de 2001 e em 7 de Dezembro de 2001.
2- Tendo sido proferido despacho de acusação contra o referido arguido e inexistindo receptáculo na morada por si indicada no segundo T.I.R. prestado, encetaram-se diligências no sentido de o arguido ser notificado por contacto pessoal, através da G.N.R. de Águeda, que remeteu informação aos autos da qual constava que " Após diligências efectuadas por pessoal deste posto, informo V. Ex.ª que a pessoa acima referida já não reside na morada indicada no ofício de referência, desconhecendo--se o seu actual paradeiro, motivo pelo qual não foi possível a sua notificação".
3- O processo foi distribuído e foram designados os dias 21-01-2003 e 28-01--2003 para realização da audiência de julgamento, tendo sido enviada ao arguido, para a morada indicada no primeiro T.I.R., carta por via postal registada com aviso de recepção, a qual foi devolvida pelos serviços postais com a menção "Desconhecido em morada indicada - 15-10-2002".
4- A G.N.R. de Sangalhos e a de Águeda informaram que o arguido já não residia na área de jurisdição daqueles comandos, desconhecendo-se o seu actual paradeiro.
5- O arguido violou, assim, grosseiramente, as obrigações que sobre ele impendiam depois de ter prestado T.I.R. e de ter sido advertido das mesmas.
6- Na segunda data designada para o julgamento, foi a audiência adiada SINE DIE com o fundamento de que o paradeiro do arguido era desconhecido, tendo a M.mª Juiz remetido os autos para o regime da contumácia.
7- O regime da contumácia, desde as alterações introduzidas no C.P.P. pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000 de 15 de Dezembro, aplica-se exclusivamente às situações em que o paradeiro do arguido é desconhecido, não tendo este prestado T.I.R., nos termos do art. 196° do C.P.P., alterado pelo referido diploma legal.
8- Na situação de que nos ocupamos, em que a residência indicada pelo arguido não possui o referido receptáculo, o que obrigou a que o mesmo fosse tentado notificar por contacto pessoal, este não deve, por esse simples facto (inexistência de receptáculo), ter um tratamento de favor relativamente a situação de o receptáculo existir, nem tal interpretação se coaduna com o espírito da norma.
9- Na génese da nova construção legal do procedimento de notificação dos arguidos em processo penal, encontra-se o objectivo de evitar que os mesmos obstaculizem a acção da justiça, levando a cabo uma verdadeira chicana processual, na prossecução da qual era, dantes, fácil evitar a notificação judicial.
10- De resto, é o que resulta da alínea d) do n.º 3 do art. 196° do C.P.P., nos termos da qual o arguido, ao prestar T.I.R., é advertido de que o incumprimento das obrigações a observar, em função da sujeição a tal medida de coacção "legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º".
11- Não colhe o argumento utilizado pela M.ma Juiz a quo no despacho recorrido, de que a situação constante nos presentes autos teria contornos diferentes de outros processos pendentes no 1 ° Juízo deste Tribunal, em que tem sido adoptado o entendimento ora defendido, por o arguido não estar notificado do despacho de acusação, conforme se pode constatar, a título exemplificativo, no Processo Comum Colectivo n.º 96/02 (NUIPC 89/02.2 GDAND) do 1° Juízo (cfr. certidão anexa ao presente recurso).
O despacho recorrido violou, assim,, o disposto nos arts. 196º nº3, alínea d) e 335° nº 1 do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V.as Ex.as, deve o presente Recurso merecer provimento, revogando-se o despacho recorrido, que manteve o despacho proferido a fls. 101, na parte em que ordena a afixação de editais para que o arguido se apresente em Juízo sob pena de ser declarado contumaz e ordenando-se que seja proferido outro, que repare o referido despacho proferido a fls. 101 e que designe data para julgamento, da qual o arguido deverá ser notificado mediante via postal simples para a morada por ele indicada no T.I.R. prestado em último lugar.
SO ASSIM SE F ARA A DESEJADA JUSTIÇA.
Não houve resposta.
Foi tabelarmente sustentado o despacho recorrido.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto concorda com a argumentação, pronunciando-se pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Conhecendo:
A questão a decidir, é a da validade do Termo de Identificação e Residência, medida de coacção admissível nos termos do art. 196 do CPP.
O arguido prestou termo de identidade e residência, constando do mesmo os direitos e obrigações que lhe resultavam.
Sendo enviada carta de notificação da data de julgamento, a mesma não foi entregue por falta de receptáculo, e a informação da autoridade policial é a de que o arguido já não reside naquela morada e se desconhece o seu paradeiro.
Não residindo lá, não deixou o receptáculo para a correspondência.
O arguido tinha a obrigação de não mudar de residência, e sabia que as notificações processuais posteriores à prestação do termo lhe seriam feitas por via postal simples para a sua morada escolhida, a qual não alterou no processo.
O incumprimento, mudança de residência sem comunicação ao processo, legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais em que tenha o direito ou dever de estar presente, e legitima a realização da audiência de julgamento na sua ausência.
O que quer dizer que legitima, em relação ao arguido não cumpridor das obrigações assumidas, a prática de todos os actos processuais posteriores à prestação do referido TIR.
O que equivale a dizer que, por norma, inexistem diligências praticadas por éditos em relação ao arguido que prestou termo de identidade e residência.
Ou seja, o regime da contumácia não tem aplicação ao arguido que prestou TIR nos termos actualmente em vigor- art. 196 do CPP, na redacção dada pelo Dl. 320-C/2000 de 15-12.
O que se verifica em relação ao arguido nos presentes autos.
Pelo que se encontrava legitimada a realização da audiência, nos termos do art. 333 do CPP (na ausência do arguido), conforme preceitua o art. 196 nº 3 al. d).
Assim, entendemos que o recurso merece provimento, revogando-se o despacho recorrido que manteve o despacho de fls. 101 (do processo principal), devendo o mesmo ser substituído por outro que determine a prossecução dos autos.
Decisão:
Face ao exposto, na procedência do recurso, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que dê andamento ao processo.
Sem custas.