Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2485/03.4
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
MORA
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 01/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 484.º, N.º 1 E 563.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. É indiferente, para a mora do promitente-vendedor, que se tenha provado que o promitente-comprador tivesse conhecimento do atraso na construção e que não se tivesse provado qualquer diligência ou iniciativa sua, junto do promitente-vendedor, com vista a incitá-lo ao cumprimento.
2. Estando perante obrigações com prazo certo, o promitente-vendedor entra em mora independentemente de interpelação, não sendo exigível ao promitente fiel que, continuamente, insista com o promitente faltoso com vista ao cumprimento.
3. Não estando antecipadamente fixada a indemnização, através de estipulação de cláusula penal, compete ao autor o ónus de alegação e prova dos danos ou prejuízos que a mora lhe causou.
4. Nos casos em que o promitente-vendedor está em mora e o promitente-comprador pretende ser ressarcido dos danos provocados pelo atraso na realização da prestação, não se pode considerar equivalente a situação do promitente comprador à do proprietário ou do legítimo possuidor que, ilegitimamente, foi privado da coisa, porquanto não está em causa a violação do direito de propriedade, na sua vertente do direito de uso e fruição.
5. Por isso nunca o promitente-comprador pode fazer equivaler o valor dos prejuízos ao montante correspondente ao valor locativo do imóvel prometido vender.
6. Não tendo o promitente-comprador alegado nem provado quaisquer factos donde se possa extrair ter sofrido prejuízos em virtude da mora no cumprimento da obrigação, por parte do promitente-vendedor, não lhe é lícito concluir, abstractamente, pela verificação de prejuízos apenas porque está provado o cumprimento retardado.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I-RELATÓRIO
A..e mulher B.., residentes na Rua da Maritona, nº 20, Oliveirinha, Aveiro, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra Construções e Imobiliária, Ldª, com sede em Marco, Mamarrosa, Oliveira do Bairro, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 42.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até ao pagamento.
Para fundamentar a sua posição invoca, em síntese, que em 25-11-1998, celebraram com a Ré quatro contratos-promessa de compra e venda, obrigando-se esta, através deles, a vender-lhe quatro apartamentos tipo T-3, a entregar-lhe o mais tardar até 31-08-2000, mas a Ré apenas marcou as escrituras relativa a uma das fracções para 09-01-2003 e as das restantes para 10-01-2003, tendo ela estado em mora todo esse tempo, o que lhe causou a si prejuízos, dado terem estado impedidos de usufruírem tais fracções, valendo cada uma mensalmente € 375,00, valor por que seria facilmente arrendada, tendo sofrido um prejuízo global de € 42.000,00.
Contestou a Ré, alegando, em síntese, que os Autores não desencadearam o mecanismo legal para o incumprimento no prazo estipulado, pelo que decorrido o mesmo os contratos-promessa caducaram, sendo certo que o não cumprimento pontual da sua parte se deveu a atrasos por parte do empreiteiro da obra, de cuja situação o Autor marido sempre foi conhecedor, além de que isso não lhe causou qualquer prejuízo, uma vez que o deferimento da realização das escrituras significou igual deferimento do pagamento do preço, mantendo os mesmos interesses na outorga daquelas, como aconteceu, concluindo pela improcedência da acção.
Os Autores replicaram, referindo que não existe caducidade dos contratos-promessa e que as excepções devem ser julgadas improcedentes.
Foi proferido despacho saneador e seleccionados os factos considerados assentes e aqueles que haveriam de integrar a base instrutória.
Procedeu-se a audiência e respondeu-se aos quesitos.
Proferiu-se sentença, que julgou a acção improcedente absolvendo-se a Ré do pedido deduzido pelos Autores.
Os Autores apelaram, formulando as seguintes conclusões: Que, por falta de concisão, não se reproduzem integralmente
Exarou-se na douta sentença que aos autores: “não basta alegar que essas fracções teriam o valor de € 375,00 mensais no mercado de arrendamento, mas sim e também que os Autores, caso tivessem ficado na disponibilidade dessas fracções em 31-08-2000, as teriam efectivamente arrendado a partir daí por esse valor, o que não ocorreu. Na realidade, apenas se apurou que cada uma das quatro fracções referidas teria, na data que foi acordada para a sua entrega aos Autores (31-08-2000), um valor locativo da ordem dos € 375,00 mensais”;
Os recorrentes consideram que esta tese não tem fundamento, porque o prejuízo dos autores resulta automaticamente da provação dos bens que tinham direito a usufruir desde 231.08.2000 e de que só puderam dispor em 09.01.2003 e 10.01.2003;
O dano que os autores sofreram é conatural à privação dos imóveis, independentemente de se destinarem ao arrendamento ou a qualquer outro fim, sem necessidade de alegação dos factos concretos de que resulta o dano.
Trata-se de facto notório que quem é privado do uso de uma sua fracção sofre danos (cfr. nº2 do artigo 257º do C.C. e nº1 do artigo 514º do C.P.C.);
Qualquer cidadão que seja privado de uma sua casa, seja a primeira, a segunda ou a terceira, tem danos.
O critério mais adequado, em termos de justiça e equidade, para se avaliar a indemnização correspondente aos danos, é o valor locativo da(s) casa(s);
É também criticável a tese segundo a qual, por não se ter alegado nem provado que alguma vez os recorrentes tenham interpelado a recorrida ou insistido com ela para que a obra fosse concluída, tal omissão indicaria que a situação de mora que ocorreu entre Agosto de 2000 a Janeiro de 2003 se arrastou com a condescendência daqueles;
Por outro lado, é inaceitável pretender-se que o cumpridor tenha de andar atrás do inadimplente, ainda mais inaceitável se afigurando que se possa concluir que, por não se ter provado que os recorrentes tenham insistido para que a obra fosse concluída, que tenham condescendido com a mora da recorrida; Trata-se de juízo que tem implícito uma completa inversão de princípios e valores, que pode ser entendido como legitimação do desrespeito pelo que se contrata, da violação da lei e do desprezo pela probidade;
Saliente-se que a recorrida, para prova da matéria das alíneas f), g) e h) dos factos provados, autuou o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2006, do qual resulta que, em reconvenção, obteve ganho parcial de causa contra o empreiteiro, que foi obrigado a indemnizar a recorrida, por mora. Lê-se nesse douto acórdão “#Na contestação, a ré alega que o autor se atrasou na conclusão da obra, em mais de dois anos, deduzindo reconvenção, em que pede a condenação do autor a reconhecer, por via da compensação, o crédito da ré sobre aquele, no montante de €79.111,31, incluindo nos juros legais, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento.”
Verifica-se, pois, que a ré é implacavelmente rigorosa para o seu empreiteiro que se atrasou em mais de dois anos, ao qual reclamou 79.111,31€, mas desdenha do seu atraso de dois anos e quatro meses na entrega de quatro fracções aos recorrentes;
Assim, a douta sentença violou designadamente o disposto nos artigos 804º, 805º e 483º do C.C., tendo em atenção a jurisprudência citada nestas alegações;
A apelada contra alegou.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

11- FUNDAMENTOS DE FACTO
Está provada a seguinte factualidade:
Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes:
a) Em 25-11-1998, os Autores celebraram com a Ré quatro contratos-promessa de compra e venda, nos termos dos quais a Ré se obrigou, além do mais, a vender aos Autores, ou a quem por eles viesse a ser indicado, 4 (quatro) apartamentos do tipo T-3, correspondentes às fracções “O”, “P”, “I” e “J”, do prédio urbano a construir no lote é sito em Azurva, freguesia de Eixo, Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob a ficha respectiva nº 01769/010688, pelo preço de 14.100.000$00 (€ 70.330,50) cada, a entregar aos Autores o mais tardar em 31-08-2000, data até à qual deviam ter sido feitas as escrituras, que deviam ter sido marcadas, como foram, pela Ré.
b) A Ré marcou a escritura de uma das fracções para 09-01-2003, data em que foi celebrada, e marcou a escritura das outras três fracções para 10-01-2003, data em que foram celebradas, tendo procedido, por acordo, à substituição da dita fracção “P”, pela fracção “S” do mesmo prédio.
c) Cada uma das fracções têm uma área de cerca de 130 m2, e uma garagem, e têm uma qualidade geral normal.
d) Azurva é uma localidade que dista cerca de cinco quilómetros de Aveiro.
e) Em função das suas características e localização, cada uma das quatro fracções referidas (em a) e b) dos supra) teria, na data que foi acordada para a sua entrega aos Autores (31-08-2000), um valor locativo da ordem dos € 375,00 mensais.
f) A Ré, para a edificação do prédio a que respeitam as aludidas fracções, celebrou um contrato de empreitada que previa para a conclusão da obra prazo compatível com a data estipulada nos contratos-promessa para a realização das escrituras.
g) A estipulação do prazo para aquela realização, quer quanto às fracções prometidas vender aos Autores, quer quanto a todas as demais, ocorreu de acordo com essa circunstância e nesse pressuposto.
h) Tal contrato não foi cumprido pelo empreiteiro, sendo a obra em causa entregue à Ré em Setembro de 2002.
i) Só em 19-09-2002 viria a ser atribuída pelo Município de Aveiro a respectiva licença de utilização.
j) O Autor era conhecedor do atraso na conclusão da obra.
l) Na escritura de aquisição das referidas fracções “I”, “S” e “J” figurou como compradora a sociedade “Santos & Couteiro – Compra e Venda de Imóveis, Ldª”, da qual o Autor A,,,,, é sócio-gerente, tendo sido declarado que tais fracções se destinam a revenda, e na escritura de aquisição da referida fracção “O” figurou como comprador João Carlos Miranda Távora.
m) O Autor, além de outra actividade comercial que exerce, dedica-se à aquisição de imóveis para revenda, inicialmente a título pessoal e depois através da referida sociedade Santos & Couteiro – Compra e Venda de Imóveis, Ldª”, ou mesmo intermediando a venda directamente a terceiros.
n) Foi por isso que nos respectivos contratos-promessa se consignou que as escrituras das fracções seriam feitas aos ora Autores ou a quem os mesmos viessem a indicar.
o) Além das fracções referidas (em a) e b) supra), o Autor ainda negociou com a Ré a aquisição da fracção “G”, incluída na dita escritura de 10-01-2003.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664 do C.P.C..
Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente, da verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização na sequência da mora do promitente vendedor em outorgar a escritura prometida.

2. Não se discute que em 25/11/1998 as partes celebraram quatro contratos promessa de compra e venda relativos a fracções autónomas a construir, resultando das cláusulas fixadas pelas partes – similares em todos os negócios –, no que ao caso interessa, o seguinte:
a) foi fixado o prazo para a celebração do contrato prometido, uma vez que se estipulou a outorga da respectiva escritura de compra e venda até 31/08/2000, incumbindo à promitente vendedora, recorrida, a obrigação acessória de marcação da escritura e prévia comunicação desse facto aos apelantes, promitentes compradores (cláusula 2ª, alíneas a) e d);
b) o contrato prometido podia ser celebrado com os promitentes compradores, recorrentes, ou com terceiros, indicados por aqueles (cláusula 2ª, alínea f).
É também incontornável que se verificou um retardamento no cumprimento da obrigação, imputável à promitente vendedora (mora), uma vez que se provou que as escrituras de compra e venda foram outorgadas muito depois do prazo fixado – uma delas em 09-01-2003 e as outras em 10-01-2003, salientando-se a alteração aceite pelas partes e relativa à identificação de uma das fracções objecto dos contratos – porquanto as fracções não estavam ainda construídas nas datas previstas, tendo o empreiteiro com quem a recorrida contratou entregue a obra apenas em Setembro de 2002, sendo que só em 19-09-2002 viria a ser atribuída pelo Município de Aveiro a respectiva licença de utilização.
Avança-se já que concordamos com algumas das conclusões enunciadas pelos recorrentes. Assim, para o caso, é indiferente que se tenha provado que os promitentes compradores tivessem conhecimento do atraso na construção e que não se tivesse provado qualquer diligência ou iniciativa sua, junto da promitente vendedora, com vista a incitá-la ao cumprimento. Efectivamente, estamos perante obrigações com prazo certo, pelo que a promitente vendedora entrou em mora independentemente de interpelação, não sendo exigível ao promitente fiel que, continuamente, insista com o promitente faltoso com vista ao cumprimento. Acresce que nenhum elemento permite ou suporta a conclusão vertida na decisão, quando o Sr. Juiz refere que:
“Aliás, os Autores nem alegaram (nem resultou da discussão da causa) que alguma vez tenham interpelado a Ré ou insistido junto dos seus legais representantes para que a obra fosse concluída, com vista à celebração das escrituras no prazo prometido, o que dá a indicação de que a situação se arrastou com a sua condescendência, desde Agosto de 2000 a Janeiro de 2003”.
No mais, concorda-se inteiramente com a posição do tribunal de 1ª instância, aderindo-se aos fundamentos constantes da decisão e justificando-se apenas breves considerações, tendo em conta as conclusões apresentadas pelos recorrentes.
Compulsando a petição inicial verifica-se que os apelantes se limitam a invocar, em sede de prejuízos, para fundamentar a pretendida indemnização, no valor de €42.000, o valor locativo mensal de cada fracção, e que cada uma delas “seria facilmente arrendada, se colocada no mercado para este fim”, fazendo depois equivaler esse valor – ponderando o período de tempo decorrido entre a data prevista para a outorga da escritura e a data em que a mesma se efectuou –, aos danos alegadamente causados pela ré aos apelantes.
Ora, levada tal factualidade à base instrutória – “Tendo em conta as suas características e situação, cada uma das ditas fracções valia mensalmente €375, valor por que cada uma seria facilmente arrendada, se colocada no mercado para este fim”? – o respectivo quesito mereceu resposta restritiva, tendo-se provado apenas que “em função das suas características e localização, cada uma das quatro fracções referidas (em a) e b) dos supra) teria, na data que foi acordada para a sua entrega aos Autores (31-08-2000), um valor locativo da ordem dos € 375,00 mensais”.
Tem, pois, inteira razão a 1ª instância, quando refere que essa factualidade é insuficiente para fundamentar a pretendida indemnização, ponderando o disposto nos arts. 804º, nº1 e 563º do C.C., de sorte que, não estando antecipadamente fixada a indemnização, através de estipulação de cláusula penal, competia aos autores o ónus de alegação e prova dos danos ou prejuízos que a mora da recorrida lhe causou, o que, manifestamente, não lograram satisfazer.
Em sede de alegações, os recorrentes socorrem-se, fundamentalmente, da tese sustentada por Abrantes Geraldes, no seu livro Temas da responsabilidade Civil, I vol. – Indemnização do dano da privação do uso. Almedina, 3ª edição. A propósito, especificamente, do contrato promessa de compra e venda, vd. págs. 96 a 100.
Permitimo-nos discordar de algumas considerações aí feitas a propósito do contrato promessa de compra e venda, e não pode deixar de se notar que nem aquele autor vai tão longe quanto os apelantes pretendem.
Nos casos em que o promitente vendedor está em mora e o promitente comprador pretende ser ressarcido dos danos provocados pelo atraso na realização da prestação, dificilmente poderemos considerar equivalente a situação do promitente comprador à do proprietário ou do legítimo possuidor que, ilegitimamente, foi privado da coisa, porquanto não está em causa a violação do direito de propriedade sobre as fracções aludidas – na sua vertente do direito de uso e fruição –, direito cuja titularidade, no caso em apreço, nem sequer chegou a integrar a esfera jurídica dos apelantes – veja-se a factualidade enunciada sob as alíneas l) , m) , n) e o).
Efectivamente, o contrato promessa não tem eficácia translativa do direito de propriedade para o promitente comprador, gerando apenas a obrigação de concluir um contrato futuro, o contrato definitivo, esse sim translativo do direito de propriedade. “Não há qualquer impossibilidade ontológica de que o contrato prometido seja acto devido e negócio jurídico: enquanto cumprimento da obrigação de contratar nascente do contrato promessa, o contrato prometido é acto devido, desempenhando função solutória, nada impedindo que o resultado desse cumprimento seja um negócio jurídico (função negocial)”. Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 1987, p .178.
Acresce que nas situações em que o contrato de compra e venda do imóvel (contrato prometido) é celebrado entre o promitente vendedor e um terceiro, indicado pelo promitente comprador – possibilidade que esteve sempre presente no espírito dos contraentes, constando, expressamente, das cláusulas do contrato promessa –, formulando o promitente comprador pedido de condenação no ressarcimento dos danos provocados pelo atraso na realização da prestação, nunca esses prejuízos podem passar pelo factor “privação do uso”, tendo de fundamentar-se a indemnização, necessariamente (diríamos que, naturalmente) noutro tipo de prejuízos. A este propósito ressalta do texto de Abrantes Geraldes, obra profusamente citada pelos apelantes, a seguinte passagem, a pág. 99, que, cremos, é significativa: “Resulta da matéria de facto provada que o promitente vendedor se atrasou culposamente na celebração da escritura, privando o promitente-comprador da utilização da fracção autónoma. Na medida em que nada nos permite afirmar tratar-se de uma aquisição com puros intuitos especulativos ou que o promitente-comprador rejeitasse qualquer utilização corrente do bem em causa, justifica-se, em nossa opinião, o reconhecimento do direito a uma indemnização capaz de ressarcir os prejuízos causados. Adoptamos para o caso a mesma solução que seguiríamos se, em vez de responsabilidade contratual, estivéssemos perante uma situação de ocupação abusiva de um prédio que privasse o seu titular da fruição que exclusivamente lhe pertencia, nos termos do art. 1305º do C.C.”.
Daí que não seja admissível aplicar-se ao caso em apreço a argumentação expendida nos acórdãos citados pelos apelantes, cuja ratio é completamente diferente. Aliás, as situações aí objecto de análise são perfeitamente consensuais e não são similares à dos autos. Tratam-se de casos em que o proprietário de imóvel se vê privado de o usar, por ocupação indevida de outrem e entrega tardia do imóvel e de caso em que o dono de um veículo ficou privado de o usar, na sequência de acidente de viação.
Noutro contexto e conforme se salientou na decisão recorrida, nunca se poderia fazer equivaler o valor dos prejuízos ao montante correspondente ao valor locativo dos imóveis, quando é certo que os recorrentes nunca despenderam o remanescente da quantia necessária para pagamento do preço, sob pena de enriquecimento injustificado.
Por último, não tem qualquer fundamento a conclusão vertida nas alegações e alusiva à circunstância da promitente vendedora (aí réu reconvinte) ter obtido ganho de causa no pedido formulado contra o empreiteiro em virtude da mora deste na conclusão e entrega da obra correspondente à construção das fracções – “verifica-se, pois, que a ré é implacavelmente rigorosa para o seu empreiteiro que se atrasou em mais de dois anos, ao qual reclamou 79.111,31€, mas desdenha do seu atraso de dois anos e quatro meses na entrega de quatro fracções aos recorrentes” referem os apelantes.
Os apelantes esqueceram-se de enunciar o conjunto de factos que, no aludido processo, constam da factualidade dada por assente e que constituiu causa de pedir da indemnização peticionada e atribuída, a saber, conforme documento junto a fls. 134 a 145 dos autos:
“O atraso na conclusão da obra acarretou para a ré prejuízos decorrentes do não recebimento de valores remanescentes das prometidas vendas de fracções, que foi contratando, nas datas estipuladas nos contratos, sendo que nos contratos promessa foi considerada, para efeitos de celebração de contrato prometido, a data de cerca de dois anos, após o tempo acordado do início da obra – 18º.
A Ré viu adiado o recebimento de tais valores, em montante não apurado, até ao tempo da conclusão da obra, valores esses cuja disponibilidade era susceptível, por aplicação financeira, durante o período em causa, ter rendido à ré um montante, também, não apurado – 19º.
E o atraso na conclusão das obras acarretou para a ré prejuízos decorrentes dos encargos bancários acrescidos que teve de suportar, junto da banca, pela prorrogação do crédito à construção solicitado pela obra em causa e que não pôde liquidar na data prevista – 20º.
A ré suportou, até á conclusão da obra e referentes a esta, encargos bancários acrescidos, sendo de 9.431,96€, em 19 de Fevereiro de 2001, 10.262,50€, em 19 de Maio de 2001, 9.999,81€, em 19 de Agosto de 2001 (…) – 21º”.
Fácil é concluir que, no caso em apreço e ao contrário do que sucedeu no aludido processo, os apelantes não alegaram nem provaram quaisquer factos dos quais se possa extrair terem sofrido prejuízos em virtude da mora no cumprimento da obrigação, por parte da recorrida, não sendo lícito concluir, abstractamente, pela verificação de prejuízos apenas porque está provado o cumprimento retardado – estamos perante uma causa de pedir complexa e esse é apenas um dos elementos constitutivos do direito dos apelantes.
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.