Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
79/03.3TBPPS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
REESTRUTURAÇÃO FINANCEIRA DE EMPRESA
DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
PEDIDO
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PAMPILHOSA DA SERRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTº 76º, Nº 1, AL. C), E 87º, DO CPEREF
Sumário: I. O dispositivo previsto no artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF aprovado pelo D. L. nº 132/93, de 23/04 e mantido na respectiva alteração levada a cabo pelo D.L. nº 315/98, de 20/10, insere-se no meio de recuperação de empresas denominada de “concordata”, dispondo o citado preceito que a sua aplicação se verificará em caso de “falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas na concordata” .

II. Embora não existe preceito idêntico quanto à medida de reestruturação financeira, tudo indica que aquele preceito deva ter aplicação quando se trate de aprovação desta medida (de reestruturação financeira), dada a semelhança existente e o fim visado com qualquer dessas medidas – a recuperação da empresa insolvente –, pese embora o disposto no artº 96º do citado CPEREF, tanto mais que no referido preceito se contempla ou faz aplicação concreta do regime geral do artº 8º, nº 3, do CPEREF .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Pampilhosa da Serra e por apenso ao processo especial de recuperação de empresa com o nº 79/03, no qual é requerida a sociedade “A...”, com sede em Portela do Armadouro, Pampilhosa da Serra, veio a Caixa Geral de Depósitos, enquanto credora desta firma, deduzir a presente acção de falência, com a qual pretende que seja declarada a cessação da medida de recuperação da empresa requerida – medida de reestruturação financeira - , aprovada no processo apenso, e que seja decretada a falência da requerida, com as devidas consequências legais .
II
Respondeu a Requerida defendendo que é inaplicável ao presente caso o disposto no artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF, pelo que deve ser liminarmente indeferida a pretensão da Requerente .
III
Foi então proferido o despacho de fls. 65 e 66, no qual foi decidido indeferir o requerimento da C.G.D., por se considerar que o dito carece de fundamento legal, com base na não aplicação do disposto no preceito supra referido à medida de reestruturação financeira .
IV
De tal despacho interpôs recurso a Requerente, recurso esse que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que oportunamente apresentou a Apelante concluiu do seguinte modo :
1ª - A Recorrente, credora no Processo Especial de Recuperação de Empresa, veio, por apenso aos autos de recuperação de empresa, requerer a falência da “A....”, ao abrigo do disposto no artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF, com os fundamentos constantes do seu requerimento .
2ª - Com o presente recurso pretende-se a revogação do despacho que decidiu indeferir o requerido .
3ª - Com efeito, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social requereu, em 26/08/2003, a aplicação à sociedade requerida de uma das medidas de recuperação previstas no D.L. nº 132/93, de 23/04, actualizado pelo D. L. nº 315/98, de 20/10 .
4ª - Após a normal tramitação desse processo de recuperação de empresa, … , foi, em Assembleia Definitiva de Credores, aprovada a providência de reestruturação financeira da empresa, nos termos da qual “a dívida à C.G.D. será regularizada mediante os pagamentos que forem sendo processados pelo cliente E.D.P. (facturas cedidas a esta instituição através de contrato de factoring)”, tendo, por sentença de 30/06/2004, sido homologada tal medida de recuperação, sentença essa que veio a transitar em julgado .
5ª - No que diz respeito à Requerente o plano encontra-se em total incumprimento, já que a EDP nunca processou qualquer pagamento a seu favor, pelo que o crédito reclamado e reconhecido se encontra totalmente por liquidar .
6ª - Nos termos da al. c) do nº 1 do artº 76º do CPEREF, os credores podem requerer a falência quando se verifique a falta de cumprimento de alguma das obrigações da concordata .
7ª - Atento o silêncio da Lei para as situações da reestruturação financeira, como é o caso dos autos, e tendo em conta as afinidades entre esta providência e a concordata, é aplicável, por analogia, o regime do artº 76º do CPEREF .
8ª - Com efeito, não seria compreensível que não se pudesse admitir ao credor a possibilidade de requerer a falência da empresa objecto de processo de recuperação, em caso de falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas, só porque tinha sido submetida à medida de reestruturação financeira e não à concordata, sendo certo que existem entre as duas medidas evidentes afinidades .
9ª - Em suma, o despacho recorrido fez errada interpretação da lei e viola as disposições dos artºs 9º do C. Civ. e 76º e 95º do CPEREF, pelo que deve ser revogado e ser substituído por outro que declare a cessação da referida medida de recuperação de empresa e decrete a falência da sociedade requerida ...
V
Foi o recurso aceite nesta Relação, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto .
Este objecto, dadas as conclusões apresentadas nas alegações de recurso, pode resumir-se à apreciação do disposto no artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF, no sentido de se apurar da sua aplicabilidade ou inaplicabilidade ao caso dos autos .
Não havendo dúvidas de que a C.G.D., requerente da presente falência, foi considerada e reconhecida como credora da requerida no processo de recuperação de empresas apenso, crédito esse no valor de € 393.961,89 e anterior à data da deliberação definitiva da Assembleia de Credores, a questão que se coloca neste recurso é a de saber se tal credor pode ou não requerer a falência da empresa em situação de recuperação económica, no caso de a medida de recuperação aprovada ser a reestruturação financeira – medida de recuperação prevista nos artºs 87º e seg.s do CPEREF - , medida essa que depois de homologada vale não só nas relações entre os credores (votantes ou não votantes da medida) e a empresa mas também relativamente a terceiros – artº 94º, nº 1, do CPEREF.
Resulta dos autos que como parte da medida de recuperação adoptada e homologada por sentença transitada em julgado – reestruturação financeira - foi aprovado, no plano da pagamentos a observar pela sociedade requerida, que “a dívida à C.G.D. ser(i)a regularizada mediante pagamentos a serem processados pelo cliente EDP (facturas cedidas a esta instituição através de contrato de factoring)”, verificando-se, no entanto, que não tem sido cumprido tal meio de liquidação desse débito, na medida em que a EDP se tem negado a saldar as facturas que lhe são apresentadas pela aqui Requerente para o referido efeito .
E uma vez contactada a sociedade em recuperação acerca de tal facto, por esta não foi dada qualquer informação à aqui Requerente, a qual reconhece ser-lhe impossível proceder ao pagamento da quantia em débito e até estar impedida de o fazer, na medida em que tal credor votou contra a aprovação da sua recuperação – fls. 48 destes autos e oposição deduzida pela Requerida .
Donde resulte que estará ainda em débito a totalidade do crédito reconhecido e aprovado em relação à Requerente, a qual não tem logrado ver satisfeito o modo da sua liquidação então aprovado .
Sendo assim, dúvidas não restam acerca da falta de cumprimento desse meio ou modo de pagamento à Requerente, pelo que se coloca a questão de se saber se tal credor pode ou não requerer a falência da empresa requerida, ao abrigo do artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF .
Tal dispositivo, previsto no CPEREF aprovado pelo D. L. nº 132/93, de 23/04 e mantido na respectiva alteração levada a cabo pelo D.L. nº 315/98, de 20/10 – legislação aplicável ao presente processo -, insere-se no meio de recuperação de empresas denominada de “concordata”, dispondo o citado preceito que a sua aplicação se verificará em caso de “falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas na concordata” .
Mas embora não existe preceito idêntico quanto à medida de reestruturação financeira, tudo indica que aquele preceito deva ter aplicação quando se trate de aprovação desta medida (de reestruturação financeira), dada a semelhança existente e o fim visado com qualquer dessas medidas – a recuperação da empresa insolvente – pese embora o disposto no artº 96º do citado CPEREF, tanto mais que no referido preceito se contempla ou faz aplicação concreta do regime geral do artº 8º, nº 3, do CPEREF – requerimento da falência por qualquer credor relativamente a empresas consideradas economicamente inviáveis, inviabilidade esta decorrente da falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas na medida de recuperação adoptada e reveladora da impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – vide Ac. STJ de 28/05/2002, in Rec. Revista nº 1434/02 . .
É o que também defendem Carvalho Fernandes e João Labareda in “CPEREF Anotado”, 1994, pg. 247 .
Esta Relação e nesta mesma secção já anteriormente apreciou e deliberou acerca desta problemática (em Acórdão de 1/03/2005, cujo relator foi o Dr. Garcia Calejo, editado em http://www.dgsi.pt ), onde se defende que “no caso de concordata, quando se achar incumprida a obrigação resultante da dita não é necessário apurar a situação de inviabilidade económica da empresa para poder ser decretada a sua falência, bastando a constatação do incumprimento de qualquer das obrigações assumidas (presunção de insolvabilidade definitiva da empresa), o mesmo devendo acontecer no que respeita às situações sujeição da empresa a medida de reestruturação financeira, em caso de falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas, por analogia”.
Por outras palavras, foi entendido nesse acórdão, que aqui seguimos de perto, por com ele concordarmos, que o disposto no artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF, integrado na secção relativa à “Concordata”, deve ter aplicação aos casos de reestruturação financeira, à falta de idêntica disposição nas normas que estabelecem o regime jurídico desta medida de recuperação de empresas, dadas as evidentes afinidades existentes entre as duas medidas, pelo que é possível ao credor de créditos anteriores à deliberação da assembleia de credores onde foi aprovada a medida de reestruturação financeira requerer a falência da empresa, desde que verificado algum dos pressupostos do artº 76º, nº 1, do CPEREF .
Logo, verificando-se que a EDP não pagou a dívida da sociedade requerida à C.G.D., reconhecida no processo de recuperação de empresa apenso, conforme bem resulta dos documentos de fls. 9 a 48, e está admitido até pela própria requerida a fls. 57 (no seu articulado apresentado ao abrigo do artº 76º, nº 2, do CPEREF), pagamento esse que faz parte (integra) da própria medida de reestruturação financeira aprovada, manifesto se torna que cumpre à C.G.D. requerer a falência da “A...”.
Concluindo, importa revogar (parcialmente) o despacho recorrido, na parte respeitante ao indeferimento do pedido de declaração de falência da sociedade requerida, no sentido de que se deve considerar como aplicável o artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF aos casos de aprovação de medidas de reestruturação financeira a sociedades em situações económicas difíceis, e em que se verifique algum dos casos aí previstos, face ao que importa ouvir o devedor EDP, nos termos do nº 2 do artº 76º citado, posto que cumpre decidir em conformidade acerca do requerimento de falência apresentado, uma vez seguidos os correspondentes termos processuais .
VI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em revogar parcialmente o despacho de fls. 65 e 66, na parte relativa ao pedido de declaração de falência da sociedade requerida, no sentido de que se deve considerar como aplicável o artº 76º, nº 1, al. c), do CPEREF aos casos de aprovação de medidas de reestruturação financeira a sociedades em situações económicas difíceis, face ao que importa ouvir o devedor EDP, nos termos do nº 2 do artº 76º citado, posto que cumpre decidir em conformidade acerca do requerimento de falência apresentado, uma vez seguidos os correspondentes termos processuais aplicáveis .

Custas pela parte vencida a final .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /