Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CALVÁRIO ANTUNES | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL PRISÃO POR DIAS LIVRES | ||
Data do Acordão: | 11/11/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 61º CP | ||
Sumário: | O disposto no artº 61º do Código Penal e o regime da liberdade condicional não se aplica às penas cumpridas de forma não contínua, mormente à pena de prisão por dias livres. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório: 1. No processo supra identificado, foi julgado o arguido, A..., solteiro, vendedor, residente em Q… e actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no artigo 347° do Código Penal e de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3° nºs 1 e 2 do DL 2/98. Após a realização do julgamento, o tribunal de primeira instância, decidiu: - Absolver o arguido A... da prática de dois crimes de resistência e coação sobre funcionário p. e p. no artigo 347º do CP, pelos quais vinha acusado. - Condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3° nºs 1 e 2 do DL 2/98 na pena de 11 (onze) meses de prisão, que cumpridos em dias livres, correspondem a 66 períodos (fins-de-semana). *** 2. Após promoção do M.P. a Juíza do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra proferiu o despacho de fls. 42, onde negou a apreciação da liberdade condicional ao arguido. Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso do despacho que negou a apreciação da liberdade condicional ao arguido, extraindo as seguintes conclusões: “1.Antes da última revisão do CPP apenas a prisão carcerária podia ultrapassar os seis meses 2. O regime de semi-detenção ou prisão por dias livres não podia ter duração superior a seis meses. 3. Não existia a pena de prisão domiciliária, cuja duração máxima pode ser superior a seis meses. 4. A todas as formas de cumprimento de pena de prisão com uma duração superior a seis meses, tem de se aplicar o instituto da liberdade condicional. 5. Não se vê a razão de ser de distinguir as diversas formas de cumprimento da pena de prisão para se concluir que apenas à prisão carcerária se aplica o instituto da liberdade condicional. 6. Aquilo que no espírito da lei releva é a privação drástica do bem jurídico que é a liberdade, não apenas que esta privação resulte da cadeia cumprida de forma contínua. 7. Foram violadas as normas dos artigos 61º e do Código Penal e 484º do Código do Processo Penal. Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se a apreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA! ” *** 3. Notificado da interposição do recurso, o condenado apresentou a resposta de fls. 71/75, apresentando as seguintes conclusões: “1°- A reforma legislativa de 2007 alterou o regime da prisão por dias livres, sendo, actualmente, aplicável em substituição de penas de prisão até um ano e sempre que ao caso concreto não deva ser aplicada pena de multa por se constatar que não estão devidamente acauteladas razões de prevenção geral. 2°_ Com tal alteração legislativa a prisão por dias livres sempre ultrapassará os limites formais para concessão de Liberdade Condicional. 3°_ A prisão por dias livres, muito embora seja uma pena substitutiva, é ainda, na sua génese, uma pena detentiva, castradora da liberdade, e à qual são associadas as mesmas conotações de severidade que estão associadas à prisão contínua. 4°_ A não apreciação de Liberdade Condicional nas penas de prisão por dias livres constitui uma subversão do sistema penal, pois pela substituição o condenado é prejudicado no cumprimento da mesma, uma vez que a sua execução se prolonga por um maior lapso de tempo do que a prisão contínua. 5°_ Ao negar a apreciação de Liberdade Condicional viola-se o princípio da "reformatio in pejus" pois, o arguido deixa de poder beneficiar de um instituto penal, legalmente consagrado e historicamente enraizado, do qual poderia usufruir caso a sua pena de prisão contínua não tivesse sido substituída. 6°_ Com a alteração legislativa de 2007 a pena de prisão evoluiu "do paradigma clássico do século XIX para novas formas" que podem, agora, ter duração superior a 6 meses, devendo, a todas elas ser aplicado o instituto da Liberdade Condicional, cumpridos que estejam os seus fundamentos e porque este instituto não pode já, nos tempos que correm, funcionar nos exactos termos em que foi historicamente concebido. 7°_ Violadas ficarão pois as normas constantes dos artigos 61° do C.P., 484° do C.P.P. e 27°, nº.5 da C.R.P. Termos em que, e aderindo às doutas conclusões da Exma. Sra. Procuradora Adjunta do Ministério Público, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ordenar-se a apreciação liberdade condicional do recluso, assim se fazendo, aliás, como sempre, JUSTIÇA! ” *** 4 - A Srª Juiz do T.E.P. admitiu o recurso e manteve a decisão, proferindo o despacho de sustentação que se segue, por transcrição: “DESPACHO NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 414º N° 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: * Recurso de folhas 44 e seguintes: Antes de sustentar a decisão recorrida, cumpre tecer algumas considerações, para melhor esclarecimento da matéria em causa. Assim, e dispensando-nos de aqui tecer considerações acerca dos termos e modo com a Ilustre recorrente se vem pronunciando a respeito da minha postura e pratica processual, com afirmações despidas de contexto e citando acórdãos de matéria diversa, imputando-me "incompetências e ignorâncias" que mantém, mesmo após confirmação por essa Veneranda Relação, da quase totalidade das minhas decisões, passo ao que realmente aqui importa: Nos presentes autos encontra-se o arguido a cumprir pena, em regime de prisão por dias livres. Assim e entendendo de acordo com as normas vigentes em tal matéria, que tal regime não é susceptível de execução por parte do TEP, (vd. artigos 487º e 488º, ambos do Código Penal) logo, não se lhe aplica o instituto da Liberdade Condicional, determinámos, nos termos do despacho de folhas 42, que se aguardasse a eventual revogação do citado regime, (cuja, implica o cumprimento, do tempo em falta, em prisão contínua, com a competente emissão, pelo Tribunal da condenação dos necessários mandados de captura), e, nada se alterando, desde logo determinámos o oportuno arquivamento dos autos. Notificada a Ilustre magistrada do Ministério Público, logo interpôs o presente recurso, nos termos melhor constantes de folhas 44 e seguintes. Entre outras coisas, convoca a máxima latina ubi lex non distinguit, nos distinguire non debemos. Porém, tal brocardo pressupõe, identidade ou paridade das realidades ponderadas, o que, com o devido respeito por opinião contrária, não é o caso em apreço. Senão vejamos: Desde logo a sistematização feita no Código Penal e Processual Penal; Por outro lado e ainda que assim se não entendesse, o facto do arguido só se encontrar no estabelecimento Prisional aos fins de semana, altura em que lá se não encontram Técnicos dos Serviços de Educação e Ensino, nem o Director, para o acompanhamento e elaboração de Plano de integração social, o que impede também que nos seja fornecido o Relatório e Parecer, imprescindíveis à apreciação da liberdade Condicional - vd. artigo 484° do CPP-; Anote-se ainda, que o arguido não foi conduzido ao Estabelecimento Prisional na situação de detido, mas ali se apresentou e dali se ausenta sempre, pelo seu próprio pé, - "Não são passados mandados de condução, nem de libertação", vd. artigo 488° nº2 do CPP -, não podendo libertar-se quem não está preso, aliás, a liberdade condicional, seria de certa forma, mais gravosa do que a situação em que se encontra, pois, se por um lado não iria para o EP aos fins de semana, já no período em falta para o fim da pena, teria obrigações várias, a condicionar-lhe a liberdade; Referimos ainda a jurisprudência, constante do acórdão da relação do Porto, proferido no recurso nº. 7119/08, no processo nº. 1852/07.9TXPPRT-A, de14/11/08, onde se pode ler " o facto do legislador, atenta a sistematização feita no CP e no CPP., das penas de prisão e de substituição da pena de prisão e da execução de cada uma delas, respectivamente, ter deixado claro, que o instituto da liberdade condicional, só está previsto para as penas de prisão, que não sejam prisão por dias livres, e em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, pois para estas estabeleceu um regime específico de execução, e que as penas aplicadas ao abrigo desses regimes só passam, em termos de execução, para o regime previsto para as penas de prisão, se o tribunal, depois de ouvido o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada ao cumprimento desses regimes (artigo 488° do CPP), ou considerar que o condenado praticou condutas integradoras das situações referidas nas alíneas a) e b), do nº.3 do artigo 44 do CP, e, por causa disso revogar aqueles regimes e condenar os infractores a cumprira pena em regime contínuo em Estabelecimento Prisional". * Porém, Vossas Excelências melhor ajuizarão. ”. *** 5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. *** 6. Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido não se pronunciou. Foram colhidos os vistos legais. Realizou-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir. *** II. Fundamentação. 1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso: É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Por isso, temos, como Questões a decidir: A questão colocada no recurso consiste em saber se o disposto no artº 61º do Código Penal e o regime da liberdade condicional se aplica às penas cumpridas de forma não contínua, mormente à pena de prisão por dias livres. * 2. Elementos relevantes para o recurso Para a apreciar da questão colocada, importa reter os seguintes elementos: i. Nestes autos, foi decidido condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3° nºs 1 e 2 do DL 2/98 na pena de 11 (onze) meses de prisão, que cumpridos em dias livres, correspondem a 66 períodos (fins-de-semana). ii. Após vista de 4/8/2008, foi proferido o despacho de 28/06/2009, foi liquidada a pena em 66 (sessenta e seis) períodos correspondentes a um fim-de-semana, com termo em 15/11/2009. iii. Em 01/10/2008 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor: “Aguarde eventual revogação do regime em que o arguido se encontra e, nada se alterando, oportunamente, arquive. DN.” *** 3. APRECIANDO Cumpre-nos agora, entrar na apreciação dos fundamentos do recurso. Diremos, desde já, que, salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos que estamos perante recurso sem razões para proceder. *** .................................................................... Calvário Antunes .................................................................... Mouraz Lopes |