Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2624/15.2T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 36., 6, DA CRP
ARTIGO 1978.º, 1, D) E E) E 2 E 3, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 4.º, A); 31.º, 2, A) A C), E) E F); 35.º, G) E 38.º-A, DA LPCJP
Sumário: I. Não se mostra adequado ao superior interesse da criança a manutenção desta, por longo período, numa instituição, quando já está demonstrado que os pais e avós não têm competências nem vontade para dela cuidarem.
II. Pelo que se mostra preferível, em tal caso, por verificados os respectivos pressupostos legais, que se decrete a confiança judicial da criança, com vista a futura adopção.
Decisão Texto Integral:

Adjuntos: Henrique Antunes
                Cristina Neves

                    Pai: AA
                    Mãe: BB
Menor: CC

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Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Como consta do relatório da sentença que se passa a transcrever:
O Ministério Público requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção a favor da criança CC, nascida a .../.../2020, filha de AA e BB, solicitando, ao abrigo do disposto no art. 730 n.? 1 al. b) da Lei de proteção de crianças e jovens em perigo, a aplicação de medida de promoção e proteção.
A necessidade de intervenção surgiu na sequência de a progenitora ter à data 15 anos de idade e encontrar-se acolhida em residência de acolhimento, com vista à aquisição de regras e limites, evitar fugas constantes, bem como evitar a prática de delitos, em especial factos qualificados como crimes, designadamente tráfico de estupefacientes.
A jovem mãe foi colocada no Centro da Mãe, ..., pretendendo-se que recebesse as orientações necessárias para depois prestar de forma autónoma e adequada os cuidados à bebé CC.
Foram aplicadas medidas de promoção e proteção de apoio junto dos pais, concretizada na pessoa da mãe, com a obrigação de manutenção na residência de acolhimento onde se encontrava a mãe, medida de acolhimento familiar e medida de acolhimento residencial.
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Foi declarada aberta a fase de instrução, tendo sido realizadas as diligências entendidas como necessárias e oportunas.
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Foi determinada encerrada a fase da instrução, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 114º n.º 1 da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo.
Foram apresentadas alegações apenas pelo Ministério Público e foi indicada prova.
Foi designado dia para a realização de debate judicial e nomeados juízes sociais.
Procedeu-se à realização de debate judicial, com observância de todos os formalismos legais, tendo sido inquiridas as testemunhas arrojadas, bem como outras requeridas pelo Ministério Público e progenitora na sequência da realização do debate judicial.

Veio a ser proferida sentença com o seguinte segmento decisório:
Por tudo o exposto, acórdão os juízes que compõem este tribunal aplicar a CC a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à futura adoção, indicando-se para o efeito a instituição Centro de Acolhimento Temporário da "...", em ..., onde já se encontra acolhida.


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De acordo com o disposto no artigo 1978° A do Código Civil, ficam os progenitores AA e BB inibidos do exercício das responsabilidades parentais.
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Cessam também as visitas a CC por parte da família natural (artigo 62° A n.º 6 da LPCJP).
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Nos termos do artigo 62°A n.º 3 da LPCJP, nomeia-se como curadora provisória de CC, a Diretora do Centro de Acolhimento ... do "...".
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A presente medida dura até ser decretada a adoção.

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A mãe da menor interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Veio o Ministério Público requerer a abertura de processo judicial de promoção e proteção a favor da menor CC pugnado pela entrega da menor a instituição com vista a adoção.
2. Importante para o presente recurso são os factos provados constantes dos pontos a), c), h), i), j), m), x), y) quadrado 6, z) quadrado 9, aa) quadrado 14, bb) quadrado 12 e cc) quadrado 1, 2, 3, 12 factos provados que há luz da legislação em vigor e jurisprudência corrente e maioritária deveriam ter conduzido o Meritíssimo Juiz a quo a decisão diversa da que proferiu.
3. Da globalidade dos factos provados pode-se constatar que a menor CC nasceu a .../.../2022 na ..., onde a sua mãe BB estava institucionalizada desde 3 de novembro desse ano, a menor viveu nessa instituição com a sua mãe até maio de 2022.
4. Desde que nasceu a menor CC nunca viveu com o seu pai.
5. O progenitor nunca foi alvo de qualquer tipo de intervenção por parte do estado português com o objetivo de o dotar de competências para a paternidade.
6. O Tribunal a quo decidiu privar o progenitor dos seus direitos parentais, entregando a CC para adoção, sem lhe dar qualquer possibilidade de demonstrar que está a tentar mudar a sua vida, que trabalha, aufere rendimentos e que procura uma casa para si e para a sua filha.
7. Facilmente se constata que não existe qualquer elemento nos autos sobre a capacidade ou falta dela de o progenitor poder exercer as responsabilidades parentais, não há relatórios, não há acompanhamento especializado, não há nada.
8. Existiu todo um trabalho sobre a progenitora, mas nada com o progenitor, esta desigualdade no tratamento entre os progenitores viola claramente o princípio da igualdade de tratamento.
9. Assim, ao decidir da forma como decidiu, violou o Meritíssimo Juiz a quo o disposto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que se impõe decisão diversa a bem da segurança jurídica e da justiça.
10.O pai tem o direito de beneficiar das mesmas medidas de acompanhamento que foram proporcionadas à mãe, logo o progenitor não pode ser afastado da vida da sua filha sem ter tido todas as oportunidades e ajudas que o sistema legal prevê.
11.O progenitor poderia e deveria ter sido sujeito a uma medida de acompanhamento por um técnico especializado, ou poderia frequentar uma formação sobre parentalidade, também poderia ser-lhe facultado um apoio para autonomia de vida, ou qualquer outro que se pudesse entender adequado para a presente situação. Mas nada disso foi feito e assim o progenitor viu-lhe ser recusado viver com a sua filha, cuidar da menina, sustentá-la, alimentá-la, em suma, cuidar da menor…
12.O progenitor tem tanto direito a cuidar da sua filha como a mãe. Infelizmente o Tribunal a quo centrou-se de tal forma na progenitora que descuidou das suas obrigações para com o pai.
13.Sendo apenas isso que se pretende com o presente recurso, que se altere a decisão recorrida e que se obtenha uma em que se aplique medidas de promoção e proteção à menor CC, mas desta vez incidindo no progenitor, para que este tenha as mesmas oportunidades e possa praticar e melhorar a sua paternidade.
14.Assim, ao decidir da forma como decidiu, violou o Meritíssima Juiz a quo o disposto nos arts. 31.º, 35.º n.º 1, 39.º 41.º, 42.º, 45.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo que se impõe decisão diversa a bem da segurança jurídica e da justiça.
Termos em que deverá revogar-se a douta sentença quanto à matéria do recurso, substituindo-a por outra que permita ao progenitor aprender o que não lhe foi ensinado nos termos supra referidos, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA a que essa douta Relação já nos habituou!


O pai interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões:
a) O Recorrente é oriundo de uma família com múltiplas fragilidades, pais toxicodependentes, passado criminal, e com o único suporte a sua avó.
b) No entanto, o Recorrente tem 20 anos, e tem fortes possibilidades de refazer a sua vida e de corrigir atitudes e comportamentos.
c) Se lhe for dada essa oportunidade e o acompanhamento adequado e que permitirão refazer a sua vida junto da sua filha, o que é sempre o mais desejável para todos e principalmente para a menor CC, a possibilidade de crescer junto dos seus pais e do seu agregado familiar.
d) Atento o primado da família biológica, há efetivamente que apoiar as famílias disfuncionais, dando a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio.
e) A adoção deve ser a última medida, pois é a única que tem carácter definitivo e como tal deve ser a última solução a adotar, após serem definitivamente esgotadas todas as alternativas possíveis para a substituição do meio familiar da criança.
f) Deve-se privilegiar-se a permanência na família paterna, se necessário, com apoios de natureza psico-pedagógica, social ou económica, interessa procurar respostas criativas, usar recursos ainda não explorados e avaliar as ações e projetos de forma reguladora.
g) No vertente caso, poderá ainda ser possível a opção por uma medida de apoio junto da família alargada do recorrente, avó e tia.
h) Neste pressuposto, o Recorrente manifesta a sua expressa oposição à aplicação de medida de Confiança à instituição “...” para a Adoção.
i) Pois ainda se revelam, exequíveis e adequadas ao interesse que se pretende sempre salvaguardar, o da menor, a possibilidade de aplicação de outras medidas, que não a Adoção.
j) Porquanto, “Na aplicação de medidas de promoção e proteção de menores deve dar-se prevalência às soluções que permitam a integração na família natural; e só quando esta não se mostre viável se deverá optar por soluções institucionais, preferindo a estas a adoção;” (in Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2006).
k) Neste quadro circunstancial, impunha-se uma melhor averiguação das condições de vida do recorrente pai, dos seus tios paternos e da sua avó e por conseguinte devidamente ponderada a opção por uma medida de apoio junto da família, no limite de acolhimento residencial por um prazo legalmente estabelecido em conjunto com um plano de reinserção/ intervenção a ser decretado de modo a permitir o restabelecimento de vida do ora recorrente pai.
l) O que não sucedeu no presente caso, pois resulta evidente que, por um lado não foram devidamente averiguadas as condições de vida e competências da família alargada da menor CC, atenta a superficialidade das informações carreadas para os autos, relativamente à situação concreta e atual do ora apelante, e limitadas ao seu passado marginalizado, institucionalizado e registo criminal.
m) Por outro lado, durante todo o processo de institucionalização da menor e da sua progenitora, os serviços sociais nada fizeram para dotar o pai, ora recorrente ou até a família alargada deste, de competências parentais para receber a sua filha, através de programa próprio para este tipo de situação.
n) O que se considera uma questão essencial, por se entender que desde a institucionalização no “...” em Maio de 2022, os serviços do Estado nada fizeram para preparar o pai para "receber a filha", limitado a uma visita por parte da Segurança Social a casa do recorrente e sua avó DD, a um contacto telefónico com a sua tia EE, e nenhuma reunião com o aqui apelante, os quais foram manifestamente insuficientes.
o) Consideramos que, para além da progenitora, devia ter sido o pai, em concreto, acompanhado com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios para estas famílias – traduzidos num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias.
p) Neste caso salvo o devido respeito, que é muito por todas as entidades envolvidas, nenhuma destas procedeu com a devida diligência, atuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar também o pai, aqui recorrente, de competências parentais com vista a receber a sua filha após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (art.° 67° alínea c) d) e) da Constituição da República Portuguesa.
q) Por seu turno, o art. 69° da CRP, estabelece que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
r) Retirar-se as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família, não acautela este primado da constituição.
s) Ora, se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos pais, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar também o pai e a família para receber a filha? Aqui falhou, claramente o Estado!
t) Dando a lei, preferência a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, a decisão a proferir sobre a medida a decretar deve pressupor uma prévia exclusão de outras soluções, nomeadamente através da averiguação e apuramento de factos relativos aos elementos familiares adultos da criança que viabilizem a formulação de conclusão segura sobre se é, ou não, viável a sua participação em medida que, suprindo a incapacidade dos progenitores, obste ao rompimento da criança com a sua família natural.
u) A medida de confiança a instituição com vista a futura adoção (como a promovida pela decisão ora recorrida) só deverá ser adotada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art. 4º al. f) e g) da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afetivas.
v) O superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural, da família biológica e/ou alargada.
w) Nesse sentido e com o devido respeito pelo Tribunal e que é muito, a primeira opção não poderá ser a de aplicação imediata de medida de promoção e proteção da confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando-se que sejam averiguadas todas as condições objetivas e subjetivas que a avó paterna ou os tios paternos do ora apelante reúnem, ou no limite caso assim não se venha a entender, deverá ser aplicada a medida de acolhimento residencial por um prazo legalmente estabelecido em conjunto com um plano de reinserção/intervenção a ser decretado de modo a permitir o restabelecimento de vida do pai e que permite acautelar como se pretende o superior interesse da menor.
x) Não demonstra a decisão que o tenham sido - bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela manutenção da institucionalização da menor com vista à adoção;
y) A douta decisão proferida, não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efetivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso.
z) E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita o princípio da igualdade (art. 13º CRP) de oportunidades entre progenitores no que toca às medidas de acompanhamento e apoio social junto do pai, que foram inexistentes.
aa) É igualmente violadora do princípio da responsabilidade parental e da prevalência da família, da responsabilidade parental porque, face a tudo quanto coube exposto, não se encontra demonstrado que o pai é, atualmente, incapaz ou inepto para prover aos cuidados básicos da filha, seja de forma autónoma ou com intervenção e ajuda de terceiros e do princípio da prevalência da família, porquanto a avó paterna demonstrou ter vontade para acolher a menor e a tia paterna para apoiar o progenitor com a menor (art. 36º CRP).
bb) Não pode o Tribunal, com base no passado institucionalizado e marginalizado do recorrente, ou no seu registo criminal, desprovido de qualquer relatório psicológico ou social decidir pela ineptidão dele para acolher a menor.
cc) Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável - o que não se verificou, pois mesmo que se tenha considerado que não se tenha estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, a menor CC virá a ser adotada por quem não terá com ela qualquer vínculo.
dd) Além do mais, se a menor CC se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e, potenciar mais concretamente trabalhar com o progenitor e com a família alargada com vista a recebê-la desta feita com competências parentais reforçadas.
ee) A menor CC mantendo-se institucionalizada, vê minimizada, senão mesmo afastada, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
ff) Apesar da sua tenra idade, a mudança para uma casa distinta, por via da adoção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses.
gg) A institucionalização de crianças tem sido alvo de um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas um local de vida mais individualizado, afetivo e estimulante, o que passa pela diminuição do número de crianças internadas por unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família biológica ou outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade, existindo diversos estudos nesse sentido essa é, também, a filosofia consagrada na LPCJP: cfr. artigos 53.° e 58.°).
hh) A CC está bem integrado no “...” - sendo pois aconselhável que por ora se mantenha na aludida instituição por determinado prazo, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo art.° 62.° n.° 1 da LPCJP.
ii) Permitindo assim que, o pai adquira e fortaleça competências parentais nas diversas dimensões da vida familiar e que visem o regresso da criança ao seu meio familiar, através de uma intervenção focalizada e intensiva que pode decorrer em espaço domiciliário e ou comunitário (Portaria n.° 139/2013 de 2 de Abril - art. 8º).
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente, ordenando a revogação do Acórdão recorrido, aplicando à menor CC medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto do progenitor, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adotada de confiança a instituição com vista a futura adoção prevista no artigo 35.° alínea g) da L.P.C.J.P., pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais.

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela confirmação da sentença proferida.

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1. Do objeto do recurso
Tendo presente que o objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são:
A medida aplicada à menor não é a adequada?
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2. Os factos
Os factos provados são:
a) CC encontra-se registada como nascida a .../.../2020 e filha de AA e BB.
b) Nasceu na freguesia e concelho ..., tendo sido de imediato instaurado em seu beneficio processo judicial de promoção e proteção.
c) A mãe, BB, tinha à data 15 anos e estava a beneficiar de medida de acolhimento residencial em execução no Centro da Mãe, no ..., desde 03.11.2020.
d) A referida medida de colocação no ..., visou afastar a BB do meio desestruturado em que estava integrada.
e) Apesar de beneficiar de medida de acolhimento residencial por falta de resposta no seio familiar, BB vinha há mais de um ano a ausentar-se das Casas de Acolhimento em que era colocada, estando entregue a si própria, sem supervisão e orientação de um adulto, deambulando por locais desconhecidos, sem ir à escola e dedicando-se ao tráfico de estupefacientes.
f) Mesmo depois de grávida, BB mantinha um quotidiano desestruturado, gerindo o seu dia-a-dia como lhe convinha, dedicando-se a práticas ilícitas, o que fazia conjuntamente com o namorado AA (pai da CC), com a conivência e auxílio deste.
g) O pai, AA, de 18 anos, havia sido condenado, pouco tempo antes (12 de novembro de 2020), no Processo Sumário n.º 906/20...., por crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, cometido a 4 de outubro de 2020, em comunhão de esforços e intenção com a namorada BB, já gravida de sete meses.
h) Aberta a instrução, veio o SATT reportar a falta de condições para a BB regressar com a filha ao meio natural de vida e propor a aplicação à CC de uma medida de apoio junto da mãe, desde que se mantivesse acolhida no Centro da Mãe, a fim de avaliar o evoluir da situação e aferir a qualidade das suas competências e recetividade futura à intervenção da equipa técnica do Centro da Mãe.
i) Em conferência realizada a 03.02.2021, foi homologado acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada à CC medida de apoio junto da mãe, mantendo-se esta acolhida no Centro da Mãe, pelo período de seis meses, tendo tal acordo a concordância dos pais da BB, FF e GG.
j) À data, o pai da CC, AA, estava sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, aplicada no Inquérito n.º 60/20...., onde estava indiciado da prática de crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida.
k) No acordo subscrito, BB comprometeu-se a permanecer no Centro da Mãe, no ... e, ainda, a:
- Prestar à CC os cuidados de higiene, saúde e conforto, garantindo-lhe a satisfação as necessidades básicas;
- Garantir a satisfação das necessidades de saúde da filha;
- Garantir a satisfação das necessidades psicoafectivas da criança;
- Comparecer nas consultas que lhe fossem marcadas e seguir as prescrições médicas, quer para a CC, quer para a mãe, incluindo consultas de psicologia e outras que viessem a ser indicadas;
- Seguir as orientações da Segurança Social e do Centro da Mãe.
l) A 19.11.2021, em Informação Social junta ao processo, o SA TT veio dar conta da inconstância na prestação de cuidados à CC por parte da mãe, salientando que a BB:
- Demonstra graves dificuldades ao nível da sua autorregulação, incorrendo em comportamentos não compatíveis com a maternidade;
- Não aceita o acompanhamento pedopsiquiátrico, bem como a toma da medicação prescrita;
- Demonstra pouca tolerância à intervenção técnica, não cumprindo com as orientações transmitidas e dificultando a prestação de alguns cuidados básicos à CC;
- Tem apresentado comportamento instável, oscilando entre momentos de colaboração e outros de extrema agressividade e oposição, chegando mesmo, por vezes, a ameaçar a integridade física dos elementos das equipas que trabalham no Centro, bem como a sua e a da própria filha.
m) Mais deu conta a Técnica Gestora que o pai da CC, AA, continuava integrado no agregado familiar da sua avó materna, DD, onde estava a ser executada medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
n) Em Relatório, junto aos autos na mesma data, a Equipa Técnica da Casa da Mãe fez relato detalhado da vivência da criança junto da mãe, do qual se destaca o seguinte:
 (...) A BB, (...), é uma jovem que apresenta um padrão persistente de comportamento opositor/desafiante, principalmente no que respeita a figuras de autoridade e que de forma recorrente se recusa a seguir as orientações das equipas técnica e educativa da CA.
A mesma perde a calma e fica irritada à mínima frustração ou contrariedade, apresentando uma grande dificuldade de controlo dos impulsos e externalizando a sua agressividade para objetos e pessoas, quer através da destruição de bens próprios ou da CA, quer através de ofensas e ameaças à sua integridade física (...).
 (...) a BB (...) continua a priorizar o uso do telemóvel e o tabaco em detrimento das necessidades físicas imediatas da CC. No período da noite, os cuidados à bebé são maioritariamente assegurados pela equipa educativa da CA, pela dificuldade apresentada pela BB em acordar.
 (...) à medida que a criança tem vindo a adquirir um maior grau de autonomia apresentando, por conseguinte, um nível de exigência cada vez maior, a jovem pela sua intolerância à frustração, revela um nível crescente de impaciência e desatenção aos pequenos progressos da filha. (...) revela também dificuldade em interagir com esta de forma adequada e assertiva. (...) não consegue praticar nenhum tipo de atividade adequada à faixa etária da menina, apesar de todas as recomendações e orientações, chagando a afirmar que a CC não precisa de brincar;
A BB, quando orientada a fazer as tarefas diárias que lhe estão consignadas na CA, que englobam além dos cuidados à sua bebé, a preparação e confeção de refeições, higiene e limpeza do espaço de ambas e espaços comuns, tratamento e lavagem de roupa, entre outros, segundo a equipa educativa, utiliza na maior parte das vezes o argumento que cuidar da minha filha; para delegar as tarefas (...). Posteriormente, a equipa depara-se com a menina no chão da sala de estar da CA ao seu próprio cuidado, enquanto a BB se ausenta, sem avisar, na maior parte dos dias, para ir para varanda fumar e/ou para falar ao telefone com o AA, progenitor da CC. Ao ser confrontada com este facto, a BB não reconhece a sua gravidade e as potenciais situações de perigo em que coloca a criança, nesta fase de desenvolvimento, em que a menina já gatinha, já agarra os objetos, levando tudo à boca, na descoberta e exploração do mundo que a rodeia. A jovem, às orientações/chamadas de atenção por parte da equipa da CA responde com agressividade física e verbal.
A BB continua também a carecer de reforço diário e orientação, monitorização e supervisão da equipa da CA, de forma a garantir as lacunas inicialmente detetadas ao nível dos hábitos de higiene, alimentação, arrumação, seja para orientar a executar alguma tarefa, seja para incentivar a agir, por exemplo, tomar banho, lavar os dentes, fazer refeições saudáveis e a horas, tomar a sua medicação, garantir a ida às consultas, entre outros.
Em relação à CC, por exemplo, após ser dado o leite, não lava nem esteriliza o biberão, deixando-o sujo no sofá da sala ou no chão, na maior parte dos dias. Mais tarde, na hora da refeição, a CC tem de esperar com fome que a mãe vá fazê-lo, apesar das constantes chamadas de atenção da equipa nesse sentido. Existe registo de um episódio, em que a equipa encontrou um biberão na bolsa da bebé com restos de leite com bolor.;
 (…) Com as equipas técnica e educativa da CA, a comunicação e interação diária continua a ser pautada por muita agressividade verbal com utilização de gritos, palavrões, ameaças, insultos e em alguns momentos agressividade física (...).
 (...) A BB tem demonstrando ter pouco sentido crítico sobre o seu comportamento, mais especificamente, sobre a sua grande dificuldade de controlo dos impulsos, que tem potenciado uma escalada de violência com repercussões ao nível das suas capacidades e competências parentais.
“No dia 07.06.2021, num dos recorrentes momentos em que estava exaltada, porque um elemento da equipa educativa disse que tinha adormecido a menina, mas esta acordou quando colocada no berço, a BB arrancou a proteção lateral que protege o berço lateral da filha, destruindo os seus atilhos e puxou o berço que estava junto à cama com tamanha força que fez com que o mesmo se elevasse, sempre com linguagem imprópria e ofensiva para com os elementos da equipa educativa da CA e na presença da bebé, que se encontrava no quarto (...).;
No dia 20-06-2021 a BB deixou a filha no chão da sala para ir para a casa de banho, (...) e demorou muito tempo a regressar, pois estava ao telemóvel. (...), tem sido cada vez mais recorrente, a equipa deparar-se com a CC pelo chão da CA a brincar sozinha, ao seu próprio cuidado, enquanto a BB se ausenta e vai para casa de banho ou para a varanda falar ao telemóvel e/ou fumar sem informar, por longos períodos de tempo, ainda que alertada pela equipa para fazê-lo, de modo à criança não ficar sem a supervisão de um adulto.
A título de exemplo no dia 30.06.2020, a BB deixou a criança sozinha, sem supervisão e sem avisar que ia para a varanda fumar e ouvir música. A equipa encontrou a CC sozinha no chão da lavandaria com a esfregona na boca.
No dia 04.07.2021, a BB bateu com força excessiva na parede do seu quarto que fica ao lado da sala de estar da CA, para que as demais utentes e crianças que lá se encontravam se calassem. Seguidamente saiu do quarto furiosa em direção à sala. E, como fala num tom de voz muito elevado, a CC acabou por acordar, tal como acontece muitas outras vezes. A BB cheia de raiva, voltou para o seu quarto, onde se encontrava a menina, fechando a porta com tal força, que a forra e guarnição da porta de madeira se descolaram da parede.
No dia 20.07.2021 ao início da noite, segundo a equipa educativa da CA, a BB apresentava estar muito nervosa pelo facto da CC estar com dificuldade em adormecer, sendo que neste momento, tal como noutros em que tem vindo a revelar cada vez mais impaciência por esse motivo, fez verbalizações como: CC já chateias, vê se dormes minha menina. já metes nojo, sendo necessária a intervenção e presença no quarto de ambas, de algum elemento da equipa, de forma a adormecer a CC e acalmar a BB. O facto da CC combater o sono, tem vindo a provocar cada vez mais ansiedade na BB, que tenta colocá-la a dormir mesmo quando se verifica que ela não tem sono.
A jovem tem revelado também cada vez mais dificuldade em lidar com os desafios diários da maternidade, pois revela fatores pessoais que influenciam a capacidade e competências parentais. Por tudo o que foi acima referido, não se afigura como modelo parental positivo, capaz de responder autonomamente às necessidades físicas e desenvolvimentais da CC, garantindo a sua proteção e segurança.
o) Da avaliação psicológica realizada à BB, a 26.07.2021, pela Equipa da Madeira, da DGRSP, no âmbito do Processo Tutelar Educativo, que pende por apenso a estes autos, emerge, em suma, o seguinte:
- BB apresenta um processo de desenvolvimento marcado por elevados fatores de risco contra a integridade e amadurecimento pessoais, pelas experiências precoces de negligência e abandono, quer de desenvolvimento de uma personalidade criminal, pela exposição a modelos criminógenos por parte das suas figuras de referência familiar, afetiva, sociabilidades e vivências de rua;
- É mãe adolescente e vive com revolta o seu acolhimento residencial na Ilha ..., onde integra uma instituição direcionada para o acolhimento de jovens mães, e que a afasta do namorado e pai da filha, atualmente em situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, aguardando julgamento por tráfico de estupefacientes;
- A sua irmã e o companheiro desta estão presos preventivamente, não dispondo a jovem de outras figuras que constituam recursos para a sua integração;
- BB tende a desafiar regras e limites, mostrando-se pouco responsiva face às intervenções de que tem sido alvo, não reconhecendo no momento a existência de problemas e necessidade de mudança. Não cede ao controlo externo, não reconhecendo os adultos como figuras de autoridade, desvalorizando os perigos e minimizando a gravidade das suas condutas, que legitima e relata sem arrependimento ou censura;
- Como características da sua personalidade destacam-se o egocentrismo, a baixa tolerância à frustração e a dificuldade na regulação emocional, sendo recorrentes os acessos de cólera e as reações de hostilidade;
-  Evidencia uma deficiente integração dos valores sociojurídicos e ausência de plano de vida sustentado, reagindo predominantemente por impulso, de forma imediatista, manifestando défices ao nível da capacidade de antecipar, prever e ponderar escolhas e decisões.
p) A Casa da Mãe, a 21.03.2022, veio informar de que BB continuava:
- A incorrer em comportamentos comprometedores da segurança e proteção da filha;
- A adotar comportamentos de oposição e desafio à autoridade;
- A apresentar grave dificuldades de autorregulação e controlo dos impulsos, externalizando a sua agressividade para bens/objetos (por exemplo, batendo as portas violentamente, ao ponto de perturbar o sono da criança, que não consegue adormecer ou que desperta; batendo com o telemóvel no chão, entre outros) e pessoas, através do uso de uma linguagem desapropriada, com intimidação e ameaças recorrentes à sua integridade física e mental;
- A inviabilizar, pela sua conduta, qualquer intervenção da equipa do Centro da Mãe;
- A expor a filha a estes comportamentos agressivos, intempestivos e desadequados;
- A não se adaptar às exigências e aquisições da criança, mesmo com as recomendações e orientações diárias da equipa e não é capaz de interagir sensivelmente com a filha, promovendo momentos de brincadeira e de qualidade nesta relação.
q) Mais acrescentaram os Técnicos da Casa que se verificava uma escalada de comportamentos de agressividade por parte da BB, com repercussões ao nível das competências e capacidades parentais e que, mesmo com monitorização, diária e constante, a progenitora continuava a priorizar as suas necessidades, em detrimento das necessidades físicas e emocionais da CC, negligenciando diariamente os cuidados prestados à filha.
r) A CC, segundo a Casa, recorria cada vez mais à equipa técnica, no sentido de obter atenção, colo e afeto, pois era esta que garantia, quando a BB permitia, que todos os seus cuidados fossem assegurados.
s) Além disso, referiram que a progenitora continuava a ausentar-se, deixando a criança ao seu próprio cuidado pelos espaços comuns da CA, sem informar a equipa ou delegando-a aos seus elementos, para fumar ou estar ao telemóvel, por longos períodos de tempo, sem demonstrar reconhecimento sobre a gravidade e as potenciais situações de perigo em que colocava a filha e mesmo nos momentos em que se encontrava presente, a sua atenção é direcionada para o telemóvel ou para as conversas com outras utentes, enquanto a CC chora na tentativa de obter a sua atenção e conforto.
t) Ademais, salientou a equipa técnica do Centro da Mãe que:
- A BB não revela capacidade para conter a CC em momentos de dor e desconforto, estando a reproduzir na filha o padrão de vinculação inseguro por si interiorizado;
- É imprevisível na prestação dos cuidados e, por isso a CC apresenta cada vez mais necessidade de chorar e gritar para ser ouvida e atendida;
- Após mais de um ano de intervenção, BB continua a necessitar de reforço diário, monitorização e supervisão da equipa técnica, quer ao nível dos hábitos e atividades da vida diária quer na prestação dos cuidados à filha;
- BB mantém uma comunicação pautada por muita hostilidade e agressividade com as equipas técnica e educativa da CA, com recurso a palavrões, gritos e ameaças e confrontos físicos, muitos deles na presença de CC;
- CC aprecia e procura a atenção e o carinho da equipa da CA, mas nos momentos em que a BB está presente, a criança tem dificuldade em se afastar, ficando ao seu colo, sem explorar o meio, parecendo assustada e alheada, quando em contacto com alguns dos elementos da equipa;
- CC começa a modelar o seu comportamento ao comportamento da mãe: na relação com as outras crianças CC disputa os brinquedos, manifesta o seu desagrado gritando ou deitando-se em cima do amigo para conseguir o brinquedo, mostra o seu desagrado quando não consegue o que quer (...) tem dificuldade em ficar sentada a ouvir o adulto.
- BB encontra-se numa fase de rotura com o pai de CC. Nos momentos de raiva, zanga e ciúmes verbaliza que o AA não faz nada para mudar de vida e continua no tráfico e consumos;
-  A relação com a irmã HH deteriorou-se pela proximidade desta ao pai de CC. Segundo BB, HH encontra-se a coabitar com o AA e está envolvida sexualmente com este;
- BB continua a considerar a D. DD, avó do AA, a única alternativa viável ao acolhimento residencial da filha, pretendendo que esta assuma integralmente a guarda e responsabilidade dos cuidados pela criança.
u) As técnicas do Centro da Mãe explicaram várias vezes à BB que o acolhimento se destinava a dotar as jovens mães dos conhecimentos necessários para depois cuidarem de forma autónoma dos filhos.
v) Recusando as orientações, na parte final do seu acolhimento no Centro da Mãe a BB teve várias fugas da residência, algumas delas de vários dias, deixando a CC aos cuidados da equipa técnica, a quem chegou a ameaçar de morte, envolvendo-se com (outros rapazes no ..., suspeitando-se que estivesse grávida.
w) Foi entendimento unânime das técnicas do Centro da Mãe que a BB, não obstante o esforço da equipa técnica, não adquiriu as competências para cuidar autonomamente da CC, não tendo qualquer potencial de mudança, não reconhecendo as suas fragilidades, não aceitando a intervenção.
x) Perante tal circunstancialismo, foi aplicada à CC, a 07.04.2022, a título cautelar, medida de acolhimento residencial, que vem a ser executada no ..., em ..., desde 20.05.2022, depois de um curto período (alguns dias) de permanência no seio de uma família de acolhimento.
y) Sublinhou-se, então, o facto de:
- Mesmo em contexto protegido BB descurar os cuidados básicos e afetivos a prestar ou, devido ao seu padrão comportamental, não deixar que terceiros os prestem;
- Após mais de um ano não revelar competências para cuidar por si da CC, continuando a necessitar de supervisão e reforço diário nas atividades básicas diárias e na prestação dos cuidados à filha;
-  Expor a criança a situações de agressividade recorrentes, verificando-se que a CC começa a modelar o seu comportamento pelo da mãe;
- A própria BB não se ver como resposta futura para a filha, pugnando para que a bisavó paterna da criança assuma integralmente a sua guarda e cuidados;
- BB apresentar instabilidade comportamental e emocional, recusar acompanhamento pedopsiquiátrico, e não aceitar nem seguir as orientações dadas, apresentando uma atitude pouco responsiva face às necessidades da filha, designadamente as afetivas, deixando-a muitas vezes sem supervisão, ou priorizando as suas necessidades em detrimento das daquela;
- Não ser conhecida, no momento, resposta alternativa nas famílias de origem, capaz e segura para salvaguardar o integral desenvolvimento da CC.
z) A 07.07.2022, após avaliação das condições dos familiares da CC, veio o SATT informar de que:
-  DD, de 63 anos, bisavó paterna, reformada, foi assistente operacional na Câmara Municipal ..., onde exerceu funções nas piscinas municipais;
- Aufere uma pensão de 439€, trabalhando ainda umas horas no restaurante A... das 10h:00 às 16h:00, de segunda a sexta-feira e às vezes também aos domingos, recebendo cerca de 4,50€ por hora, perfazendo uma média de 27 € por dia. Recebe este montante no próprio dia;
-  II, de 63 anos, bisavô paterno, reformado por invalidez, trabalhava como varredor na Câmara Municipal ..., estando reformado há cerca de 15 anos, auferindo uma pensão de invalidez no montante de cerca de 375€ mensais;
- Tem vários problemas de saúde, nomeadamente ortopédicos, mentais (Alzheimer) e neurológicos (epilepsia), tomando medicação;
-  É acompanhado pela médica de família no Centro de Saúde ..., Dra. JJ, e nos Hospitais ...;
- II, segundo a mulher, terá no passado consumido álcool em excesso, mas, neste momento, já não consome bebidas alcoólicas;
- AA, de 20 anos, pai da CC, tem condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução e tem de cumprir horas a favor da comunidade;
- Falta muitas vezes ao trabalho comunitário, segundo a bisavó, por ter dores;
- Não aufere qualquer rendimento;
-  DD, II e o neto AA residem em casa própria, constituída por 2 quartos, sala, cozinha e casa de banho;
- Em visita domiciliária, constatou-se que a sala e o quarto onde habitualmente fica o AA estavam fechados à chave, não tendo sido possível visualizar estas divisões;
- A habitação encontrava-se com graves lacunas ao nível da higiene, salubridade e conforto;
- A casa é constituída por um primeiro andar, estando a cozinha na cave. O acesso à cozinha é efetuado por umas escadas que, à data da visita, não tinham luz nem qualquer proteção lateral. A equipa técnica utilizou a lanterna do telemóvel para se deslocar para a cozinha;
- A cozinha estava visivelmente desorganizada, com lixo fora do balde que lá existia para o efeito. No fogão eram visíveis tachos queimados com comida ressequida lá dentro, aparentando já ter vários dias;
- Em contexto de entrevista, DD justificou que a casa se encontrava desorganizada, pois não tinha tido tempo de a arrumar, uma vez que se desloca para ... diariamente para trabalhar, tendo ainda que cuidar do espaço exterior, pois pratica agricultura de subsistência e cria alguns animais para consumo próprio e reiterou o seu desejo em acolher a bisneta CC e assumir a responsabilidade por ela;
-  DD indicou a filha mais velha EE como alternativa, para o caso de lhe acontecer algum imprevisto;
-  KK, de 40 anos, avó paterna, alcoólica, não tem contactos regulares com o filho;
- Não cuidou do filho, que desde os 6 meses, assim como o irmão LL, de 19 meses, ficaram aos cuidados dos avós;
- LL, de 22 anos, tio paterno, está a viver com a namorada, em ...;
-  A casa onde vive pertence à namorada MM;
- EE, de 42 anos, tia-avó da CC (irmã de KK), casada, residente em ..., trabalha na Junta de Freguesia ... há quatro anos, fazendo ainda um part-time após o horário laboral;
- Tem um filho com 19 anos, estudante, a terminar o 12° ano na área de Desporto, tendo a pretensão de se candidatar ao ensino superior este ano letivo;
-  Referiu não ter disponibilidade para acolher a CC;
- GG, de 34 anos, avó materna, reside com o companheiro, NN, de 40 anos, numa habitação social, há cerca de um ano;
- Trata-se de um apartamento tipologia 2, pela qual pagam 17€ de renda por mês;
- No dia da visita domiciliária, sem agendamento prévio, a habitação encontrava-se limpa e organizada, apresentando boas condições de habitabilidade;
-  São ambos beneficiários de RSI no montante de 300€ mensais;
-  Não mantém contactos com a filha e neste momento não pretende assumir a responsabilidade de cuidar da CC.
aa) Volvidos 5 meses do acolhimento da criança, no ..., veio o SATI destacar que:
- A mãe apresenta falta de competências e imaturidade nas questões gerais da vida quotidiana, quer relacionadas consigo própria, quer nas que se relacionam com a criança;
- Nunca teve modelos parentais capazes de a proteger, pelo que reproduz as incapacidades de que foi vítima;
- Revela completa falta de aprendizagens adquiridas, mesmo com acompanhamento assertivo das equipas técnicas que até agora se esforçaram para que BB pudesse ainda munir-se de algumas competências pessoais e maternais;
- Foi exposta a modelos de comportamento desviante pelos pais e cuidadores, onde imperou a falta de respeito por todas as regras de cidadania e consequentemente a falta de respeito por si própria e pelos outros;
- O pai da CC cresceu junto da avó materna (bisavó da criança), como uma solução de proximidade da família biológica;
- Aos 13 anos de idade foi acolhido em instituição, no âmbito também de um Processo de Promoção e Proteção;
- Foi também alvo de medida tutelar educativa, até aos 17 anos de idade;
- Em 2018 voltou para casa dos avós;
- Cresceu no abandono dos progenitores, que vivenciaram problemáticas aditivas, com consumos de heroína, cocaína e álcool, não tendo sido alvo de maior negligência, por ter os cuidados básicos dos avós, com quem sempre viveu;
- Não houve, contudo, capacidade pessoal dos avós para prevenir os comportamentos delinquentes de AA, que o arrastaram para o tráfico de estupefacientes;
- AA vivia com BB em casa dos avós, ainda esta estava grávida, quando foi condenado por tráfico (factos que praticou conjuntamente com a namorada, como flui da Sentença proferida no Processo nº 60/20....);
- Por determinação judicial datada de 21/01/2021, ficou sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica;
- Tem ainda pena de prisão suspensa na execução até ao ano de 2026 (por ter sido condenado em pena única de 3 anos e dois meses de prisão, suspensa por 5 anos com regime de prova, pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade e de detenção de arma proibida, no Processo Comum Coletivo n.º 60/20....);
- AA não tem tido capacidade para manter um emprego, continuando a viver com os avós, que o sustentam tentando sempre fazer o melhor que podem e sabem;
- O único emprego que conseguiu em restaurante, manteve-o apenas uma semana, segundo diz porque “não gostava do ambiente”;
- Revela muita imaturidade no que diz respeito a aquisição de competências pessoais, sociais e interiorização de regras e valores de vida em sociedade;
- Assume uma posição de posse sobre a filha, em tom ameaçador para com os técnicos, mas sem se pronunciar em concreto e de forma proativa sobre os seus projetas futuros, nomeadamente no que toca a criação de condições logísticas e económicas, que o possam colocar em situação de poder interferir no projeto de vida da CC;
- Quanto à família alargada, subsiste a atualidade da história pessoal passada dos pais dos progenitores, sem informação de que os seus comportamentos disfuncionais se tenham invertido ou haja probabilidades de se virem a inverter num futuro próximo;
- Os avós matemos estiveram ambos detidos em estabelecimento prisional, por tráfico de estupefacientes e não têm com a filha contactos regulares;
- Os avós paternos são toxicodependentes;
- Ambos, avós matemos e paternos já não foram, por seu turno, capazes de acompanhar os filhos (pais da CC);
-  AA e BB reproduziram os comportamentos dos pais, num percurso de vida marcado pela criação em meio institucional e junto de outros familiares que também não se demonstraram capazes de lhes assegurar condições de vida securizantes;
- A bisavó paterna - DD - com quem reside o progenitor, é o único elemento da família alargada de ambos os progenitores, que pretende ficar com a CC a seu cargo;
- DD tem atualmente 63 anos de idade, torna conta do marido, que tem também 63 anos de idade e que é portador de problemas de psiquiatria e epilepsia, associados a outras problemáticas de ortopedia que lhe dificultam a mobilidade, andando com auxílio de canadiana;
- Residem na ..., em ... - ..., aldeia isolada, com condições de mobilidade reduzida, em termos de acessos e transportes públicos;
- Não existe no local qualquer serviço de apoio comunitário, a nível social, escolar de saúde ou outros;
- A freguesia mais próxima é ... e dista a cerca de 8 Km dali.;
- A casa é propriedade dos próprios, mas não tem condições de habitabilidade e de higiene para acolher uma criança;
 -  Possui dois quartos, um ocupado por AA e outro ocupado por DD e o marido, uma sala, que se encontra cheia de móveis, roupa, sapatos papéis, sacos, entre um enorme emaranhado de objetos, que impossibilitam sequer a entrada na divisão;
- DD acumula neste compartimento bens dos quais não se quer desfazer, mas a que também não dá utilidade, nem mantém limpos; mantém esta divisão fechada e transporta consigo a chave;
- No piso de baixo existe uma cozinha e uma casa de banho e um compartimento destinado a arrumos. O acesso é feito por uma escada ingreme, estreita e sem luz natural, sem condições de segurança.
bb) Mais referiu o SATT, na mesma data que:
- A mãe visita a filha às terças-feiras, das 11h00 às 12h00, cumprindo o calendário de visitas;
- Fora dos convívios BB não revela qualquer preocupação com a filha, não telefona a saber dela, não questiona nada sobre a sua evolução, limitando-se a cumprir o calendário das visitas;
- Inicialmente visitava a filha acompanhada de um membro da equipa da instituição onde se encontra, e atualmente desloca-se sozinha ao ...;
- Nas últimas visitas tem demorado o seu regresso ao lar, sendo que a equipa já teve que a vir buscar a ..., porque já era tarde e BB não tinha dinheiro para voltar para casa, porque o teria despendido noutras coisas;
- No fim de semana de 17 e 18 de setembro, BB foi passar o fim de semana com AA e com a sua irmã;
- Regressou no domingo ao Lar ... alcoolizada/em ressaca. Quando confrontada com a situação respondeu: acontece;
- Na instituição onde se encontra, a mãe da criança é um elemento desestabilizador, que não cumpre regras básicas como seja a entrega do telemóvel à noite;
- Quando contrariada faz birras e profere ameaças. Mantém comportamentos ambivalentes, entre a simpatia e a aceitação de algumas regras e a revolta generalizada contra tudo e todos;
- O Lar ... conseguiu integrar BB num trabalho, realizado das 07h30 às 10h30, na ..., ao qual a acompanhava, mas a jovem apenas se manteve neste trabalho de sexta a domingo, não tendo conseguido manter-se na tarefa;
- Confrontada disse que o trabalho era pesado e que o encarregado a mandava fazer muitas coisas, fora do trabalho da copa e que se sentiu mal-disposta;
- O pai e a bisavó paterna visitam a CC às segundas feiras, entre as 9 e as 10 horas, tendo cumprido todas as visitas previstas;
- A equipa do ... descreve as visitas do pai e da mãe, como decorrendo de forma adequada, sendo que os progenitores interagem com a criança de forma normal, ainda que reveladora de alguma imaturidade, sobretudo no caso da mãe.
cc) Conclui, propondo que seja aplicada à CC a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, acentuando o seguinte:
- Pai e mãe apresentam urna postura desprendida face ao seu futuro, eventualmente devido ao grau de imaturidade que ambos denotam;
- Revelam fragilidades ao nível das capacidades pessoais e emocionais, não apresentando um esforço necessário para aquisição de objetivos de vida, nomeadamente ao nível laboral;
- Ambos tiveram oportunidade e experienciar atividades profissionais, que nenhum deles conseguiu prosseguir;
- Manifestam incapacidade de se movimentarem no sentido da mudança, não reconhecem fragilidades no que respeita à gestão da vida da filha, cingindo tudo a um único fator: um sentido de posse, sem qualquer sentido e consciência das responsabilidades inerentes à criação de um filho;
- Apresentam percursos de vida similares, onde as figuras parentais, para além de não serem securizantes a nenhum nível, funcionaram ainda como exemplos negativos, em todas as questões de vida quotidiana e nas de particular importância;
- AA e BB, apesar de terem feito percursos de vida que passaram pela institucionalização, não retiraram desta situação oportunidades de trabalharem as suas competências e autonomia, no caso de BB, antes encetando por episódios de fuga, desobediência e libertinagem, que a impediram de fazer um corte com as problemáticas que já apresentava;
- A bisavó paterna, DD, não revela condições quer pessoais, quer logísticas, para se constituir como suporte na criação da bisneta;
- A permissividade e incapacidade desta avó, no acompanhamento do neto resultou na ineficácia da sua criação, como cidadão com regras de cidadania, existindo fortes probabilidades de o mesmo acontecer com outra criança à sua guarda;
- O pai e a mãe têm cumprido o calendário de visitas à filha, no CAT ..., onde, como em qualquer instituição, tudo está assegurado, em termos de conforto, higiene, bem-estar da criança;
- A sua tarefa, que apenas ocorre durante 1 hora, nos sete dias da semana, mostra-se facilitada, não se confrontando com as verdadeiras necessidades da filha, em termos de cuidados básicos e secundários;
- CC tem direito a um desenvolvimento normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de afeto e dignidade, condição da qual se encontra privada, desde que nasceu, na expetativa de que os progenitores mudem o seu rumo de vida;
- Considerando o tempo decorrido entre o nascimento da CC e as oportunidades que foram sempre dadas aos pais contra o tempo da criança (porquanto não são as crianças que têm de ser colocadas em espera para os pais se organizarem), importa definir o projeto de vida da criança;
- A adoção é uma forma adequada de proteção dos seus interesses, por lhe permitir o acesso a um ambiente familiar normal, onde as suas necessidades sejam satisfeitas e onde tenha acesso a um lar e uma família onde se sinta em segurança;
- O superior interesse da criança tem que prevalecer e o seu interesse passa obrigatoriamente por crescer num ambiente familiar de afetos e de atenções.
dd) Confrontados pelo tribunal na conferência datada de 18.10.2022 quanto ao projeto de vida proposto pelo SA TT e a possibilidade de a CC ser encaminhada para a adoção, BB e AA opuseram-se terminantemente.
ee) A mãe tem a correr o Processo Tutelar Educativo n.º 2624/1..., no qual lhe é imputada, não fosse a sua idade, a prática de factos consubstanciadores de crimes de dano (4), injúria (4), ofensa à integridade física (S), ameaça (3), furto (1), furto qualificado (1) e tráfico de estupefacientes (2), tendo proposta a aplicação da medida tutelar de Internamento em Centro Educativo, em regime semi-aberto.
ff) O pai por seu turno tem pendentes, no DIAP, os Inquéritos n.º 2943/21.... e 752/20...., nos quais se investigam crimes de dano qualificado e ofensa à integridade física qualificada.
gg) Foi alvo de Inquérito Tutelar Educativo, ainda na menoridade (PTE n.º 5640/14....), pela prática de factos que, se penalmente imputável, integravam a prática de crimes de violação, coação e ofensa à integridade física, sendo sujeito a medida tutelar educativa de acompanhamento educativo.
hh) Já na maioridade foi condenado, no Processo Sumário n.º 906/20...., a 12.11.2020, na pena de prisão de cinco meses, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, por crime de tráfico de menor gravidade, cometido a 04.10.2020;
ii) No Processo Comum Coletivo n. ° 60/20...., a 15.11.2021, na pena única de três anos e 2 meses de prisão, suspensa pelo prazo de 5 anos, com regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e um crime de detenção de arma proibida, cometidos a 20.01.2021.
jj) A 12.10.2022, no Processo Sumário n.º 294/22...., foi condenado na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.
kk) Não obstante não ter autorização da residência de acolhimento onde foi determinado o seu acolhimento, Lar ... e ..., na ..., e ter sido proferido despacho a proibir saídas não autorizadas aos fins de semana, a BB ausenta-se às quintas feiras de manhã e regressa no final da terça feira seguinte para visitar a filha às quintas e terças feiras.
ll) A residência onde foi determinado o acolhimento da BB procedeu à sua inscrição junto do IEFP da ... para as formações de Curso de Empregada de Mesa a iniciar em março e o de Empregada de Andares em abril.

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3. O direito aplicável
Com o presente recurso os Recorrentes visam a revogação da decisão profe­rida que aplicou à menor a medida de confiança judicial com vista à adoção e a substituição desta medida tutelar por outra que melhor salvaguarde o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto do progenitor, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adotada de confiança a instituição com vista a futura adoção prevista no artigo 35.° alínea g) da L.P.C.J.P., pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais.
Os fundamentos do seu recurso assentam unicamente na não verificação dos pressupostos que a lei exige para a aplicação da medida em causa, nomeadamente o superior interesse da menor.
Invocam ainda que o requisito exigido pelo art.º 1978º, n.º 1, do C. Civil – inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação – também não se verifica uma vez sempre mostraram interesse em manter laços de filiação e de afetividade com a menor, tendo-o sempre visitado.
O Ministério Público na sua resposta defende a confirmação da decisão re­corrida.
Não existem dúvidas, face aos factos apurados e que não foram impugna­dos que à menor deve ser apli­cada uma medida de promoção e proteção, importando tão só, apurar, entre as possíveis, qual a que se afigura mais adequada aos seus interesses.
Estão previstos na lei dois tipos de medidas – art.º 35º, da LPCJP:
        - medidas no meio natural e
        - medidas de colocação.
Na determinação de qual a medida adequada teremos que ter sempre pre­sente a prevalência que a lei confere à inserção do menor na família, quer como corolário dos seus direitos, quer dos direitos dos pais.
A decisão recorrida optou, face à factualidade apurada, por aplicar a me­dida de proteção de total afastamento da menor da família biológica – confiança a instituição com vista a futura adoção –, destacando:
 - a incapacidade dos pais para o exercício das funções parentais e para a prestação de cuidados necessários à menor
- a inexistência de alternativa junto da família alargada   quer por falta de condições.
A posição dos pais da menor é concordante no que respeita à desadequação da medida aplicada à menor, porquanto entendem que a menor deverá ser confiada ao pai ou mantida a sua confiança à instituição até que o pai disponha de competências para a ter consigo.
No que ao Recorrente respeita – única hipótese em discussão -  da factualidade provada resulta a ausência total de comprometimento com um projeto de vida para a menor, pois desde que esta nasceu – há dois anos - em nada mudou a sua vida, não trabalhando, nem tendo uma vida conforme os valores sociais, não interiorizando o desvalor das suas condutas, o que é revelado pelos seguintes factos:
j) À data [1], o pai da CC, AA, estava sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, aplicada no Inquérito n." 6üI20.8PFCBR, onde estava indiciado da prática de crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida.
m) Mais deu conta [2] a Técnica Gestora que o pai da CC, AA, continuava integrado no agregado familiar da sua avó materna, DD, onde estava a ser executada medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
ff) O pai por seu turno tem pendentes, no DIAP, os Inquéritos n.º 2943/21.... e 752/20...., nos quais se investigam crimes de dano qualificado e ofensa à integridade física qualificada.
z) …
- AA, de 20 anos, pai da CC, tem condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução e tem de cumprir horas a favor da comunidade;
- Falta muitas vezes ao trabalho comunitário, segundo a bisavó, por ter dores;
- Não aufere qualquer rendimento;
aa) …
- O pai da CC cresceu junto da avó materna (bisavó da criança), como uma solução de proximidade da família biológica;
- Aos 13 anos de idade foi acolhido em instituição, no âmbito também de um Processo de Promoção e Proteção;
- Foi também alvo de medida tutelar educativa, até aos 17 anos de idade;
- Em 2018 voltou para casa dos avós;
- Cresceu no abandono dos progenitores, que vivenciaram problemáticas aditivas, com consumos de heroína, cocaína e álcool, não tendo sido alvo de maior negligência, por ter os cuidados básicos dos avós, com quem sempre viveu;

- AA vivia com BB em casa dos avós, ainda esta estava grávida, quando foi condenado por tráfico (factos que praticou conjuntamente com a namorada, como flui da Sentença proferida no Processo nº 60/20....);
- Por determinação judicial datada de 21/01/2021, ficou sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica;
- Tem ainda pena de prisão suspensa na execução até ao ano de 2026 (por ter sido condenado em pena única de 3 anos e dois meses de prisão, suspensa por 5 anos com regime de prova, pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade e de detenção de arma proibida, no Processo Comum Coletivo n.º 60/20....);
- AA não tem tido capacidade para manter um emprego, continuando a viver com os avós, que o sustentam tentando sempre fazer o melhor que podem e sabem;
- O único emprego que conseguiu em restaurante, manteve-o apenas uma semana, segundo diz porque "não gostava do ambiente";
- Revela muita imaturidade no que diz respeito a aquisição de competências pessoais, sociais e interiorização de regras e valores de vida em sociedade;
- Assume uma posição de posse sobre a filha, em tom ameaçador para com os técnicos, mas sem se pronunciar em concreto e de forma proativa sobre os seus projetas futuros, nomeadamente no que toca a criação de condições logísticas e económicas, que o possam colocar em situação de poder interferir no projeto de vida da CC;

gg) Foi alvo de Inquérito Tutelar Educativo, ainda na menoridade (PTE n.º 5640/14....), pela prática de factos que, se penalmente imputável, integravam a prática de crimes de violação, coação e ofensa à integridade física, sendo sujeito a medida tutelar educativa de acompanhamento educativo.
hh) Já na maioridade foi condenado, no Processo Sumário n.º 906/20...., a 12.11.2020, na pena de prisão de cinco meses, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, por crime de tráfico de menor gravidade, cometido a 04.10.2020;
ii) No Processo Comum Coletivo n. ° 60/20...., a 15.11.2021, na pena única de três anos e 2 meses de prisão, suspensa pelo prazo de 5 anos, com regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e um crime de detenção de arma proibida, cometidos a 20.01.2021.
jj) A 12.10.2022, no Processo Sumário n.º 294/22...., foi condenado na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.
O percurso de vida do pai da menor é revelador de um crescimento, devido a todas as circunstâncias familiares, pouco acompanhado o que culmina na sua institucionalização até aos 17 anos. Deste percurso de vida, que se reconhece difícil, o pai da menor não mostra ter retirado qualquer aprendizagem para uma orientação e condutas dentro dos cânones de normalidade vigentes, que nos permita concluir pela sua competência para cuidar da filha, sendo manifesta o seu desfasamento das exigências de entrega e responsabilidade decorrentes da parentalidade.
A afetividade que tem pela menor só tem demonstração nas visitas que com uma regularidade semanal lhe efetua.
O seu passado no que à afetividade parental respeita também nada abona em favor dos laços que poderia criar com a filha, pois ele próprio nunca conheceu uma família estruturada, tendo, como se disse, estado institucionalizado entre os 13 e os 17 anos de idade.
Acompanha-se o que consta da decisão recorrida no que explana sobre o pai da menor:
AA, de 20 anos, pai da CC, já foi condenado por duas vezes por tráfico estupefacientes, bem como condução sem habilitação legal e detenção de arma proibida, sendo que um dos crimes de tráfico foi praticado juntamente com a BB quando esta já se encontrava grávida de 7 meses. Posteriormente ao nascimento da CC, AA praticou outro crime de tráfico de estupefacientes e outro de condução sem habilitação legal.
À semelhança da BB, não consegue manter um trabalho, referindo trabalhar umas horas para um senhor há vários anos em período coincidente com a prática de tráfico de estupefacientes. Condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução, tem a cumprir horas de trabalho a favor da comunidade.
AA reside e foi criado com avó DD que não evitou que o neto repetisse o percurso delinquente dos pais no tráfico de droga, sendo acompanhado em processo de promoção e proteção e depois tutelar educativo, desculpabilizando-o.
Como refere o Ministério Público nas suas alegações, decorridos mais de dois anos desde o seu nascimento, CC continua à espera que os pais se organizem e sejam capazes de assegurar os seus cuidados básicos, sustento, educação, estimulação, estabilidade, segurança, bem-estar e desenvolvimento integral.
Até agora, nada foi feito pelos pais para criarem as condições para a CC ficar aos seus cuidados, pois nos dois anos de vida da CC, BB não prosseguiu o trajeto escolar, apesar da baixa escolaridade, pretendendo ambos ingressar no mercado de trabalho, mas pouco ou nada fazem para isso, desistindo à menor contrariedade ou exigência.
Pai e mãe revelam fragilidades ao nível das capacidades pessoais e emocionais, não apresentando objetivos de vida reais e consistente com os interesses da filha.

Ademais, pai e mãe apresentam disposição para adotar condutas de risco e predisposição para a delinquência.
Não se consegue, assim, extrair dos factos que se apuraram que o pai da menor seja capaz de criar, com a mesma, laços próprios da filiação e contribuir para o seu desenvolvimento.
Os vínculos afetivos que obstam à aplicação da medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãe – filho, com a inerente auto-responsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas. [3]
Alega o pai da menor que não foi respeitado o princípio da igualdade entre os progenitores por não terem sido implementadas medidas de acompanhamento e apoio social junto de si.  Apesar de entendermos que não se poder, neste particular, convocar o aludido princípio, dir-se-á que pai e a mãe não se encontravam nas mesmas condições, pois enquanto que esta se encontrava sujeita a uma medida de promoção e proteção, aquele estava sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância eletrónica, o que inviabilizava a implementação de qualquer apoio potenciador do desenvolvimento do amor e responsabilidade paternais.
A factualidade apurada também é demonstrativa da inexistência de alternativa, junto da família alargada, para a menor, pois a única pessoa disponível para o efeito não reúne as condições necessárias para acompanhar o crescimento da menor.
Por sua vez, a manutenção da medida a que a menor estava sujeita, também não se revela adequada ao seu superior interesse, sendo impressivo o que a esta respeito consta da decisão:
CC tem direito a um ambiente familiar, onde as suas necessidades sejam satisfeitas e onde tenha acesso a um lar e uma família onde se sinta em segurança, não podendo ficar à espera que os pais se organizem quando não o fizeram desde que nasceu ou souberam que iam ser pais, mesmo com ajuda técnica e cientes dos olhos da Segurança Social e do Tribunal, atentos aos seus projetos de vida e competências para cuidar da CC.
Considerando a súmula dos factos ora apresentados, não obstante a integração e adaptação da criança à estrutura de acolhimento e à comunidade em que está inserida, onde se encontra já por longo período, esta criança necessita de uma família que lhe preste os cuidados e afetos necessários ao seu integral desenvolvimento e que seja uma referência positiva de parentalidade, colocando-a como especial e única, pelo que se toma premente a sua integração num espaço familiar que propicie a construção de relações e vínculos consistentes de afeto, cuidado e proteção.

A CC não pode ficar toda a vida entregue a uma instituição à espera que os pais adquiram competências e condições ou tenham vontade para dela cuidar, não se compadecendo o seu superior interesse com essa solução.
 Acompanhando o entendimento efetuado pela 1ª instância dos factos provados resulta que a situação se enqua­dra no art.º 1978º, n.º 1, d) e n.º 3, do C. Civil, atenta a sua manifesta falta de competência dos pais para o exercício da função parental.
São pressupostos da aplicação desta medida, os mesmos de que a lei faz depender a confiança judicial da menor com vista à futura adoção – art.º 38º-A, da LPCJP e 1978º do C. Civil.
No art.º 36º, n.º 6, da C. R. P., estabelece-se, a favor dos pais, uma garan­tia de não privação dos filhos, que é também um direito subjetivo daqueles, não podendo os filhos ser separados dos pais, exceto quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais que estão adstritos relativamente a eles, e sempre medi­ante decisão judicial.
De acordo com o preceituado no art.º 1978º, n.º 1, d) e e), do C. Civil, tendo em vista a futura adoção, o tribunal pode confiar o menor a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação se, objetivamente se verificar que os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puseram em perigo a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor, ou que, estando o filho acolhido, por particular ou instituição, revelaram manifesto desinteresse por ele, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precede­ram o pedido de confiança.
No apuramento da verificação de qualquer uma destas situações objetivas deve atender-se, prioritariamente, aos interesses do menor – art.º 1978º, n.º 2, do C. Civil e 4º, a), da LPCJP.
A criança considera-se em perigo quando se encontra numa situação que torne legítima a intervenção para a promoção dos seus direitos ou a proteção da sua pessoa, designadamente quando está abandonada ou vive entregue a si própria, sofre maus tratos físicos ou psíquicos, não recebe os cuidados e afeição adequados à sua idade e situação pessoal, está sujeita ou assume comportamentos que afetem gravemente a sua segurança e o seu equilíbrio emocional ou a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, respetivamente, sem que, no último caso, os pais se lhes oponham de modo adequado a remover a situa­ção - art.º 3 n.º1 e 2, a) a c), e) e f) da LPCJP.
Tendo-se presente que a colocação institucional, sobretudo de longa du­ração, da criança deve constituir a extrema ratio da intervenção de proteção, não existindo qualquer contexto alternativo no meio social e natural de vida da menor, outra solução não resta senão a confirmação da decisão recorrida quanto à medida adotada.
A institucionalização apresenta-se-nos como último recurso, mas não será o destino desejável para o menor, uma vez que o instrumento definitivo de proteção mais adequado, no caso, à situação da menor e que melhor valoriza o seu bem-estar é seguramente a adoção.
A adoção centra-se na defesa e na promoção do interesse da criança, constituindo, além de um instrumento de política de infância, uma tecnologia jurídica de proteção da criança desprovida de meio familiar normal, permitindo a constituição ou reconstituição de vínculos em tudo semelhantes aos que resultam da filiação biológica, de essencial relevância no contexto dos complexos processos de desenvolvimento de competências sociais e psicológicas, próprias da formação da autonomia individual.
Assim, a medida mais adequada à proteção da criança é a que foi apli­cada pela decisão recorrida.

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Decisão:
Nos termos expostos, confirmando-se a decisão recorrida julga-se impro­cedente o recurso.

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Sem custas nos termos do art.º 4º, n.º 2, f), do R. C. Processuais.

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                                                                     2.5.2023



[1] Em 3.2.2021

[2] Em 19.11.2021
[3]  Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27..2.2024, relatado por Jorge Leal e acessível em www.dgsi.pt.