Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2067/17.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ANULAÇÃO
CONVOCATÓRIA
ABUSO DE DIREITO
DESTITUIÇÃO
PROCESSO ESCRITO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5 (EXTINTA)
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 25 C. COOPERATIVO, 334 CC
Sumário: I - Tendo sido entendimento da Ré ( sociedade cooperativa) por vários anos, sem oposição, corroborado pelos próprios Autores (na direção daquela), convocar apenas para as assembleias gerais da mesma os sócios tidos por efetivos, virem agora aqueles contrariar tal entendimento, reagindo contra a composição da Assembleia Geral, por não terem sido convocados para a mesma os outros cooperadores, estão a agir em abuso de direito quando pedem a nulidade ou anulação da deliberação social com o fundamento da falta de convocação dos outros cooperadores.

II - A perda de mandato na cooperativa constitui sanção disciplinar sobre o mandatário membro, exigindo a elaboração do processo escrito regulado pelo art 25º do Código Cooperativo.

III- A falta deste processo afeta a formação da deliberação, tornando esta anulável.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

E (…) e G (…) instauraram ação contra S (…) – Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, pedindo:

a) A nulidade ou, se assim não se entender, a anulabilidade de todas as deliberações aprovadas na Assembleia Geral Extraordinária da ré, realizada no dia 9 de Abril de 2017, constantes da respectiva acta nº 17/2017, a saber: 1. A eleição da cooperante da ré J (…), de nome completo J (…), como Secretária da Mesa da Assembleia Geral da ré; 2. A deliberação que aprovou a acta número dezasseis / dois mil e dezassete, referente à Assembleia Geral Extraordinária da ré de 12 de Março de 2017; 3. A deliberação de destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…) por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais; 4. A deliberação de destituição do Vogal do Conselho de Administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais;

b) A condenação da ré a pagar à autora, a título de abono por funções de administração, a quantia de € 330,43, correspondente a 19 dias do mês de Março e à totalidade do mês de Abril de 2017, e bem assim a quantia de € 200,00 por mês, 14 meses por ano, desde Maio de 2017 até a autora deixar licitamente de ser Presidente do Conselho de Administração da ré;

c) A condenação da ré a pagar ao autor, a título de abono por funções de administração, a quantia de € 330,43, correspondente 19 dias do mês de Março e à totalidade do mês de Abril de 2017, e bem assim a quantia de € 200,00 por mês, 14 meses por ano, desde maio de 2017 até o demandante deixar licitamente de ser Presidente do Conselho de Administração da ré.

Para tanto, os autores alegaram, em síntese:

A ré foi constituída em data anterior ao dia 10.03.1983, actualmente com o capital social de € 5.000,00 e regida actualmente pelos estatutos aprovados em Assembleia Geral Extraordinária de 04.11.2015.

São cooperadores da ré, detentores do capital social da mesma, no valor de € 75,00, cada um, sendo que a autora foi eleita presidente do conselho de administração da ré para o quadriénio 2016/2019 e o autor eleito para vogal do conselho de administração para o mesmo período.

Foram convocados para a Assembleia Geral Extraordinária que se realizou no dia 09.04.2017, tendo na mesma sido tomadas deliberações inválidas:

A convocatória apenas foi enviada a alguns cooperadores e não se encontravam presentes mais de metade dos cooperadores;

Na convocatória nada se diz sobre a nomeação da secretária da assembleia, a qual não constava da ordem de trabalhos, sendo que a mesma é vogal do Conselho Fiscal, a sua votação foi feita de braço no ar;

As deliberações foram mais vastas do que os assuntos que constavam da ordem de trabalhos, uma vez que desta não constava o direito do contraditório aos autores, razão pela qual não se prepararam; a autora ausentou-se da assembleia antes de lhe ter sido concedido o direito para o efeito, que desconhecia, não tendo o autor sequer comparecido a fim de exercer tal direito porque o desconhecia.

A destituição da autora do cargo de presidente do conselho de administração e a destituição do autor do cargo de vogal está sujeita a um processo escrito, o qual não foi observado.

A ré pagava a cada um dos membros do conselho de administração a quantia mensal de € 200,00, catorze vezes por ano, abono que continua a pagar aos demais membros da direcção, com excepção dos autores, a quem deixou de pagar desde 12 de Março de 2017.

Contestou a ré, em síntese:

Regem os Estatutos aprovados em Assembleia de 09.04.2017.

Existem 11 cooperadores, os quais foram todos convocados e se encontravam presentes na assembleia ou devidamente representados. Estranha esta invocação dos autores, uma vez que durante anos sempre as convocatórias foram expedidas ou entregues por protocolo às mesmas pessoas, além de que, sendo casados entre si e tendo sido membros do conselho de administração da ré, tal só seria possível pelo facto de a cooperativa ter menos de 20 cooperadores. Se é certo que a cooperativa teve em tempos outros cooperadores, este foram sendo excluídos ao longo dos anos, por nada terem que ver com os fundamentos da mesma.

A eleição da secretária da mesa da assembleia geral é meramente funcional e nenhuma capacidade deliberativa é conferida ou alegada.

Na assembleia que teve lugar em 12.03.2017, foi dado conhecimento aos autores dos factos que lhe eram imputados e documentos respectivos, tendo sido advertidos que estes seriam a base da acusação e que poderiam defender-se na altura, como posteriormente, na assembleia agora em causa, o que não fizeram porque não quiseram.

A obrigatoriedade do pagamento aos autores de um abono pelo exercício de funções no conselho de administração cessou pela suspensão de funções primeiro e depois pela destituição, razão pela qual nada lhes é devido.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados.


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            Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

(…)


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            As questões que importa resolver são as seguintes:

            A reapreciação de alguns factos não provados;

            A falta de convocação de todos os cooperadores;

            A falta de processo escrito para a destituição dos Autores dos cargos diretivos.


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            O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

1- Por escritura outorgada no dia 03.07.1978, na Secretaria Notarial de Leiria, foi constituída a ré sob a designação de S(…) – Cooperativa de Distribuição de Produtos Alimentares Anónima de Responsabilidade Ldª a qual tinha como objectivo a distribuição e comercialização de géneros alimentícios e quaisquer outros que entendesse distribuir e comercializar, bem como a promoção do desenvolvimento cultural, recreativo e social em geral e em especial o cooperativo dos seus associados.

2- A constituição da ré foi registada no dia 09.03.1983 sob a designação de S (…) – Cooperativa de Distribuição de Produtos Alimentares C.R.L.

3- Em 10.12.2007, a ré alterou a sua denominação social para S (…) – Cooperativa de Solidariedade Social CRL.

4- A ré actualmente rege-se pelos Estatutos aprovados em Assembleia Geral 09.04.2017, tem o capital social de € 5.000,00, consistindo o seu objecto social no seguinte: a) A prossecução, sem fins lucrativos, de objectivos de Solidariedade Social e de Ensino nomeadamente ligados ao apoio a crianças, jovens e respectivas famílias, através da manutenção de um estabelecimento destinado a ministrar o ensino compreendido no sistema educativo e estruturas sócio-educativas em áreas como a educação, aprendizagem e formação, acção social e intervenção comunitária. b) Apoio a grupos vulneráveis em especial crianças e jovens, pessoas com deficiências e idosos. c) Apoio a famílias e comunidades socialmente desfavorecidas com vista a melhoria da sua qualidade de vida e inserção sócio-económica. d) Apoio direccionado para grupos alvo, designadamente em situações de doença, velhice, deficiência e carências económicas graves. e) Promoção de acesso à educação, formação e integração profissional de grupos socialmente desfavorecidos. f) Apoio domiciliário, em especial a idosos e pessoas com deficiência. g) Desenvolver outras acções que apresentem uma identidade de objectos, e nos limites do código cooperativo, para prestar serviços a terceiros.

5- Os autores são cooperadores da ré, detendo, cada um, um título representativo de três títulos de capital, no valor de € 25,00 cada.

6- Na Assembleia Geral Extraordinária da ré de 21.12.2015 foram eleitos os órgãos sociais da ré para o quadriénio 2016/2019, tendo a autora sido empossada como Presidente do Conselho de Administração e o autor como vogal do Conselho de Administração.

7- Por cartas e convocatórias datadas de 16 de Março de 2017, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ré convocou os autores para uma Assembleia Geral Extraordinária da ré, a realizar no dia 9 de Abril de 2017, com a seguinte ordem de trabalhos:

1 – Leitura e aprovação da ata da reunião anterior;

2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais;

3 - Apreciação, discussão e votação de proposta de destituição do Vogal do Conselho de Administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais;

4 – Análise da justificação do Conselho de Administração para a não realização da Assembleia Geral Ordinária para a aprovação do relatório e contas referente ao exercício de 2016 no prazo estatutariamente previsto.

8- No dia 9 de Abril de 2017, pelas 18 horas, realizou-se essa Assembleia Geral Extraordinária da ré, da qual foi lavrada a acta número17/2017, assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária, do seguinte teor:

No dia nove de Abril de dois mil e dezassete, pelas dezoito horas, reuniu na sua sede social sita na Rua (…)  Urbanização de S (...) , a Assembleia Geral Extraordinária da S (…) – Cooperativa de Solidariedade Social, CRL, com a seguinte Ordem de Trabalhos:

1 - Leitura e aprovação da ata da reunião anterior;

2 - Apreciação, discussão e votação de proposta de destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais;

3 - Apreciação, discussão e votação de proposta de destituição do Vogal do Conselho de Administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais:

4 - Análise da justificação do Conselho de Administração para a não realização da Assembleia Geral Ordinária para a aprovação do relatório e contas referente ao exercício de 2016 no prazo estatutariamente previsto.

A Assembleia foi regularmente convocada, nos termos das disposições estatutárias aplicáveis, através de registo postal e protocolo, quando aplicável, e afixação de cópia no local usual da sede.

À hora marcada encontravam-se presentes os cooperadores (…). A cooperadora E (…) entrou pelas dezoito horas e quatro minutos, quando ainda se lia a ordem de trabalhos.

Uma vez que se encontravam presentes mais de metade dos cooperadores, estava assim satisfeita a exigência do n.º 7 do artigo 24.º dos estatutos e foi dado início à Assembleia assumindo a presidência da Mesa a respectiva Presidente, A (…)

Esta começou por referir que lhe tinha sido entregue uma carta da cooperadora E (…), devidamente assinada e identificada, e acompanhada por cópia do respectivo cartão de cidadão, onde esta diz querer fazer-se representar pela cooperante S (…), que poderá em seu nome intervir e votar como bem entender. Uma vez que julgou estar cumprida a exigência do número quatro do artigo vigésimo terceiro dos Estatutos decidiu admitir a representação requerida.

De seguida, esclareceu que a lista dos cooperadores continua a ser a mesma que foi utilizada nas assembleias anteriores, existindo neste momento onze cooperadores efectivos e com o capital integralmente subscrito, e que quaisquer outras pessoas teriam já perdido a qualidade de membros efectivos por não exercerem funções na cooperativa, de acordo com o que refere a alínea b) do n.º1 do artigo 8° dos estatutos.

Referiu também que a assembleia geral foi convocada na sequência da deliberação da assembleia de doze de Março passado, tendo sido também aproveitada para fazer face a um pedido do Conselho de Administração em funções em relação à não apresentação do Relatório e Contas referente ao exercício de 2016, conforme será explicado.

A Presidente da Mesa advertiu os presentes que iria ser rigorosa na condução dos trabalhos, e que não iria permitir intervenções de quem não estivesse no uso da palavra por ela concedida. As intervenções deveriam cingir-se ao assunto a debater, e terão uma duração máxima de cinco minutos cada uma, para não prolongar a duração da reunião indefinidamente. Tratando-se de uma assembleia extraordinária não existiriam outros assuntos ou assuntos antes da ordem do dia.

Para iniciar de facto os trabalhos, a Presidente referiu não estar indicado qualquer secretário, pelo que sugeriu e colocou à consideração dos presentes ser secretariada pela cooperadora J (…), que se encarregaria da elaboração da ata e de

outros aspectos burocráticos que fossem surgindo. Colocou tal proposta de imediato, tendo sido aprovada por unanimidade, pelo que a cooperadora J (…) assumiu o secretariado da reunião.

Dando início aos trabalhos, questionou as presentes sobre se alguém teria algum requerimento inicial.

De seguida, e por não ter obtido qualquer resposta a Presidente passou ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, e advertiu os presentes que deveriam estar com o máximo de atenção à leitura da ata da sessão anterior, porque ela serviria também de fundamento aos dois pontos seguintes da ordem de trabalhos, dispensando-se assim de repetir a mesma argumentação, e explicou que os factos que levam à votação desses dois pontos são, na realidade, os que constam no documento que iria ser lido. Pediu de imediato à secretaria J (…) que procedesse à leitura da ata número dezasseis / dois mil e dezassete, o que esta fez.

No decorrer da leitura da ata a cooperadora E (…) abandonou o local da reunião, cerca das dezoito horas e trinta e quatro minutos.

Finda a leitura, a Presidente da Mesa referiu que na sua opinião reflectia fielmente a reunião, e perguntou aos presentes sobre se alguém quereria trazer alguma sugestão, e não existindo ninguém passou de imediato à votação da mesma, que foi aprovada por unanimidade.

Passou-se de seguida ao segundo ponto da ordem de trabalhos, a apreciação, discussão e votação de proposta de destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais.

Em relação a este ponto a Presidente relembrou que a proposta se fundamenta nos argumentos já vistos na assembleia anterior e cuja acta tinha sido lida e aprovada, pelo que não existia necessidade de os repetir. Disse ainda que a realização de duas assembleias, uma para a suspensão, que foi aprovada, e outra para a proposta de destituição definitiva, que hoje discute, se destinava a conferir o direito ao contraditório da cooperadora E (…), de uma forma mais efectiva, o que ficou prejudicado com a sua ausência, uma vez que pretendia dar-lhe a palavra, em primeira instancia para que ela se pronunciasse sobre a questão. Não se encontrando assim presente a cooperadora, questionou os presentes sobre se alguém pretendia usar da palavra, e ninguém se pronunciou, pelo que se passou de imediato à votação, tendo a Presidente dito que, por sua decisão, a votação iria ser feita através de escrutínio secreto, pelo que foi entregue a cada um dos presentes um boletim de voto com as opções Sim e Não, que deveria ser assinaladas com uma cruz nos locais respectivos, caso se votasse contra ou a favor. Após a chamada um a um dos cooperadores e o depósito dos votos em urna, foi a mesma aberta e contados os votos, tendo sido verificado que a proposta de destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais foi aprovada por unanimidade.

Deu-se então início à análise do terceiro ponto da ordem de trabalhos, à apreciação, discussão e votação de proposta de destituição do Vogal do Conselho de Administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais.

Em relação a este ponto a Presidente relembrou novamente que a proposta se fundamenta nos argumentos já vistos na assembleia anterior e cuja acta tinha sido há momentos lida e aprovada, pelo que não existia necessidade de os repetir. Também aqui referiu que pretendia, à imagem do que referiu em relação à cooperadora destituída, conferir o direito de exercer o contraditório, questionando-o sobre se pretendia para isso usar de palavra antes dos restantes elementos, o que ficou impossibilitado pela sua ausência.

De seguida, questionou os presentes sobre se alguém pretendia usar da palavra, não tendo recebido qualquer resposta, pelo que se passou de imediato a votação, tendo a Presidente dito que também aqui, por sua decisão à votação iria ser feita através de escrutino secreto, pelo que foi entregue a cada um dos presentes um boletim de voto com as opções Sim e Não, que deferiram ser assinaladas com uma cruz nos locais respectivos, caso se votasse contra ou a favor. Após a chamada um a um dos cooperadores e o depósito dos votos em urna, foi a mesma aberta e contados os votos, tendo sido verificado que a proposta de destituição do Vogal do Conselho de Administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais foi aprovada por unanimidade.

Seguidamente, passou a Presidente da Mesa ao quarto ponto da ordem de trabalhos, a análise da justificação do Conselho de Administração para a não realização da Assembleia Geral Ordinária para a aprovação do relatório e contas referente ao exercício de 2016 no prazo estatutariamente previsto. Disse então a Presidente da Mesa que a Presidente do Conselho de Administração em funções, C (…), a informou que não foi possível proceder a apresentação de contas no prazo estatutário e legal previsto, tendo em conta que toda a contabilidade se encontra apreendida pela Policia Judiciária, mas que estavam a ser feitos esforços para concluir esse trabalho com a brevidade possível. No entanto, o Conselho de Administração entendeu ser importante dar a justificação à Assembleia, até como forma de o poder formalmente justificar junto das entidades competentes, nomeadamente os serviços da Segurança Social.

Após isto, questionou os presentes sobre se alguém pretendia usar da palavra, tendo a cooperadora I (…) dito que pretendia, e no seu uso referiu que tinha reunido o Conselho Fiscal da instituição no passado dia cinco de Abril, tendo estado presentes também as cooperadoras (…). Nessa reunião esteve também presente por convite o contabilista certificado da instituição, Sr. (…), foi referido que efectivamente foi impossível concluir a Relatório e Contas da instituição, tendo em conta a indisponibilidade dos elementos contabilísticos. Por essa razão, resolveu a Conselho Fiscal deixar para momento posterior a sua análise da documentação, em reunião que iria ser oportunamente convocada mas nunca num prazo superior a sessenta dias.

Não existindo mais ninguém que quisesse usar da palavra, a Presidente da Mesa referiu que sendo este ponto meramente informativo não existiria qualquer votação.

Esgotada que estava a ordem de trabalhos, e tendo em conta a necessidade de utilização da acta e da sua entrega em diversos locais, a Presidente da Mesa interrompeu a Assembleia por cinco minutos para a elaboração final do documento, tendo os trabalhos sido retomados com a leitura da acta pela Secretária (…), de forma a que possa ser já aprovada e assinada.

Esgotando-se assim a agenda desta reunião, e nada mais havendo a tratar, foi encerrada, cerca das dezanove horas e trinta minutos, e dela se lavrou a presente ata, aprovada nos termos descritos, e que vai ser assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral e pela Secretária que a elaborou.

A secretária, após uma breve interrupção, leu a acta, tendo a Presidente da Mesa questionado os presentes sobre se existia alguma sugestão a efectuar.

Após questionar os presentes, e não tendo existido qualquer sugestão, colocou a Presidente da Mesa a presente ata a votação, tendo sido aprovada por unanimidade.

9- Para além dos autores, a convocatória referida em 7 foi comunicada pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral, (…), às cooperadoras (…)

10- Desde a data da constituição da ré, nenhum dos cooperadores foi notificado de que havia perdido a qualidade de membro efectivo desta, mantendo, pelo menos alguns na sua posse os respectivos títulos de capital cooperativo.

11- A autora compareceu na assembleia referida em 8, pelas 18 horas e quatro minutos, tendo abandonado a mesma, pelas 18 horas e 34 minutos, quando se procedia à leitura da acta da assembleia geral extraordinária de 12.03.2017.

12- No início da Assembleia Geral Extraordinária referida em 8, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ré propôs que fosse eleita Secretária da mesma a cooperante J (…), tendo essa proposta sido aprovada por unanimidade, inclusivamente pela autora, por braço no ar,

13- J (…), na reunião da Assembleia Geral Extraordinária de 21.12.2015 que elegeu os orgãos sociais da ré para o quadriénio 2016-2019, foi nomeada vogal do Conselho Fiscal.

14- A autora redigiu a acta 16/2015 datada de 04.11.2015 onde entre o mais se refere:

Ponto único: Alteração integral dos estatutos da cooperativa. Na assembleia convocada, na observância dos estatutos e da legislação cooperativa aplicável, estiveram presentes, no pleno exercício dos seus direitos, catorze membros cooperadores, conforme consta do livro de registos que que corresponde a cem por cento dos membros cooperadores com direito de voto (...).

15- Desde, pelo menos o ano de 2010, até ao ano de 2015, foram convocados para as Assembleias Gerais da ré, 16 cooperadores.

16- As deliberações aprovadas na assembleia referida em 8, de destituição dos cargos que os autores ocupavam no conselho da administração da ré, não foram precedidas de um processo escrito contendo a indicação das infracções imputadas, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de sanção, com notificação para apresentarem defesa e para juntar provas ou requererem diligências probatórias.

17- No processo que corre termos sob o nº 1795/17.8 T8LRA, os autores impugnaram as deliberações aprovadas na assembleia geral extraordinária de 12.03.2017 que suspenderam, respectivamente a autora e o autor, dos cargos de presidente e de vogal do conselho de administração da ré.

18- Na acta referente à assembleia geral extraordinária de 12.03.2017, entre o mais refere-se, quanto à proposta de destituição da autora como presidente do conselho de administração: Passou-se de seguida ao segundo ponto da ordem de trabalhos, a apreciação, discussão e votação de proposta de suspensão imediata de funções com posterior instauração de processo destinado à eventual destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…) por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais. Em relação a este ponto disse a Presidente, de acordo com o que lhe foi transmitido pelas requerentes, que tendo em conta os indícios e provas apresentados, a perda de confiança que os restantes membros do Conselho de Administração revelam em relação à Presidente, a investigação que será necessária, e a necessidade de manter a tranquilidade suficiente dentro da instituição, será necessária a destituição da Presidente, no seu entender. No entanto, tendo em conta a gravidade da decisão, e apesar de ter já sido confrontada com os documentos que aqui se mostraram, entendem também que deverá ser dada a oportunidade de análise mais aprofundada dos elementos de prova, remetendo-se uma decisão final sobre a eventual destituição para nova assembleia geral a convocar e a realizar no prazo máximo de 30 dias. Ai poderá então a visada, caso deseje, apresentar eventual versão dos factos ou outro género de provas que entenda contrariar aquilo de que é acusada. (…) Assim, em relação à suspensão imediata de funções com posterior instauração de processo destinado a eventual destituição da Presidente do Conselho de Administração E (…) por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre as quais à pratica de atos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais, a proposta foi aprovada com oito votos a favor, um contra e uma abstenção. A Presidente da Mesa, de seguida, quis entregar cópia dos documentos à visada, tendo esta recusado. Advertiu-a que deverá abster-se em qualquer situação de invocar ser membro do Conselho de Administração da S (…) sem mencionar que está suspensa, e que não poderá praticar qualquer ato em sua representação, bem como que deverá também proceder à entrega de imediato de todos os bens da cooperativa que tem em sua posse, como sejam livros, pastas, telemóvel, o veículo e quaisquer outros.

19- Na acta referente à assembleia geral extraordinária de 12.03.2017, entre o mais refere-se, quanto à proposta de destituição do autor como vogal do conselho de administração: Passando ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, a apreciação, discussão e votação de proposta de suspensão imediata de funções com posterior instauração de processo destinado à eventual destituição do Vogal do Conselho de administração G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre as quais a prática de atos dolosos que prejudicaram a instituição à violação grave de deveres funcionais, disse a Presidente da Mesa, novamente na sequência do que lhe foi transmitido pelas requerentes, que a imagem do que foi dito em relação ao ponto anterior, a documentação aqui apresentada parece ser suficientemente indicativa da prática de atos dolosos. Ora não se pode esquecer que o visado e a presidente agora suspensa, sobre quem impende a esmagadora maioria dos problemas, são casados entre si, e vivem em economia comum, pelo que e legítimo pensar que muitos dos gastos aqui considerados menos próprios o terão sido em proveito de ambos. Por exemplo, a compra de uma casa das máquinas de uma piscina que se encontra instalada na residência do visado também o beneficiou, bem como os gastos em clínicas dentarias para problemas seus. Assim, e como forma de garantir o normal funcionamento da cooperativa, propõe-se também a suspensão das funções de Vogal do Conselho de Administração, até à assembleia que decidirá da sua destituição, com efeitos imediatos a partir desta deliberação. Caso seja aprovada, esta proposta implica que não possa praticar qualquer ato próprio da sua função que entregue de imediato todos os bens e documentos que tenha na sua posse, bem como quaisquer outros elementos. Disse ainda que lhe será entregue cópia dos documentos referidos, que constituirão, em conjunto com a ata respectiva, o processo que servirá de fundamento a proposta de destituição a deliberar oportunamente, não estando a cooperativa obrigada a apresentar outros elementos. Não existindo mais ninguém que quisesse usar da palavra, passou a Presidente à votação da proposta constante no terceiro ponto da ordem de trabalhos, advertindo o vogal do conselho de administração que não poderia votar por a deliberação a si se referir. Assim, em relação à suspensão imediata de funções com posterior instauração de processo destinado à eventual destituição do Vogal do Conselho Administração de G (…), por irregularidades graves na gestão da cooperativa, entre os quais a prática de actos dolosos que prejudicaram a instituição e a violação grave de deveres funcionais, a proposta foi aprovada com oito votos a favor, um contra e uma abstenção. A Presidente da Mesa, de seguida, quis entregar cópia dos documentos à visada, tendo esta recusado. Advertiu-o que deverá abster-se em qualquer situação de invocar ser membro do Conselho de Administração da S (…) sem mencionar que está suspenso, e que não poderá praticar qualquer ato em sua representação, bem como que deverá também proceder à entrega de imediato de todos as bens da cooperativa que tem em sua posse, como sejam livros, pastas, telemóvel e quaisquer outros.

20- A ré paga aos membros do seu conselho de administração a quantia de € 200,00 mensais, catorze vezes por ano, a título de abono de vencimento por tais funções.

21- Em Março de 2017, a ré apenas pagou aos autores a quantia de € 69,57 a título de abono, deixando a partir daí de pagar qualquer quantia aos autores a esse título.

22- Após a saída de J (…) dos órgãos sociais da ré, quem organizava os pormenores burocráticos da organização da ré era a autora.


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Com interesse para o recurso, o Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:

a) Para além dos cooperadores referidos em 9 a ré tem mais cooperadores, entre os quais (…)

b) A convocatória referida em 7 não foi enviada por via postal registada, entregue pessoalmente por protocolo ou remetida por correio electrónico, com recibo de leitura, a todos os cooperadores da ré, razão pela qual os mesmos não compareceram na assembleia geral mencionada em 8;

c) Caso as pessoas referidas em b) tivessem intervindo ou votado, poderiam ter levado alguns cooperadores que votaram favoravelmente as deliberações, a alterarem o seu sentido de voto;


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A reapreciação da matéria de facto.

Os recorrentes entendem que os referidos factos não provados estão provados.

Os recorrentes invocam, para o efeito, a fundamentação da convicção da Julgadora, os documentos tituladores de posições de cooperadores e certos testemunhos.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

Comecemos por considerar a seguinte fundamentação da matéria de facto, exposta pelo Tribunal recorrido:

“No que respeita à factualidade não provada descrita nas alíneas a) e b) como decorre dos documentos juntos aos autos relacionados com a evolução das características e objecto social da ré, designadamente nos documentos arquivados na Conservatória do Registo Comercial e cuja junção oficiosamente ordenámos, bem como no depoimento da testemunha (…) que, desde a data da constituição da ré e até 2015 sempre esteve, de alguma forma, ligado à mesma, esta foi criada com um determinando propósito, o qual, actualmente, já não é o mesmo.

Com efeito, como melhor explicado pela referida testemunha, resultando também dos depoimentos das testemunhas (…) a ré foi inicialmente criada por trabalhadores do U (...) , sendo sócios quem detinha esta qualidade, o que sucedia com os depoentes.

De acordo com o mesmo depoimento de (…) a cooperativa esteve inactiva durante bastante tempo e, perante o propósito da extinção da ré pelo MP, foi, de novo, reactivada, dirigida ao sector social, mas também composta pelos trabalhadores do U (…), o que sucedeu até 2010, data em que é lançada a actividade a que actualmente a ré se dedica, com a criação do infantário S (…)

A partir dessa data, apesar de sócios trabalhadores dos supermercados U (…) terem deixado de ser convocados para as assembleias, certo é, como aquelas testemunhas afirmaram, nunca lhes foi transmitida qualquer informação sobre a perda da sua qualidade de sócios da ré, o que justificou como supra se disse termos dado por provado o que consta do facto 10.

Porém e, apesar de nos encontrarmos em sede de fundamentação da matéria de facto, a verdade é que a nossa convicção, quanto aos factos descritos em a) e b) dados por não provados, se formou fundamentalmente através da análise da evolução dos estatutos da ré e nos depoimentos das testemunhas, antigos trabalhadores dos supermercados U (...) , pelo que se justifica um apelo ao que dos mesmos consta, o que faremos de seguida.

A ré foi constituída com o objectivo de distribuir e comercializar géneros alimentícios e quaisquer outros que entendesse (cf. artº 3 da escritura de constituição). Por outro lado, podiam ser sócios os subscritores do pacto social e os trabalhadores efectivos da cooperativa ou de qualquer sociedade de que ela viesse a constituir-se sócia (cf. artº 5º do mesmo documento). Acresce ainda que perdiam a qualidade de sócios aqueles que perdessem a qualidade de trabalhadores da cooperativa ou da sociedade da qual a mesma fosse sócia (artº 7º do mesmo documento).

Em 2005, esse objecto passa a ser a satisfação sem fins lucrativos das necessidades sociais, sua promoção e integração (cf certidão de matrícula que faz fls 24 a 27 e 246 a 248). Podiam ser cooperadores os que que como tal se encontrassem já registados e as pessoas que propondo-se utilizar os serviços prestados pela cooperativa em benefício próprio ou dos seus familiares, ou nela desenvolver a sua actividade profissional, voluntariamente solicitassem a respectiva admissão (artº 8º dos Estatutos a fls 252 a 254).

Em 13.02.2014, por força da alteração dos estatutos da ré (cf documentos de fls 261 vº a 268), o seu objecto continua dirigido para o ramo da solidariedade social, especificando-se, todavia, as áreas em que labora, designadamente através de uma secção social e de uma secção de ensino, nos termos que constam do artº 2 dos Estatutos. Por sua vez, em conformidade com o artº 8º, poderiam ser membros efectivos da ré as pessoas que desenvolvessem a sua actividade profissional na cooperativa, e, regime de efectividade há mais de um ano e voluntariamente solicitassem a sua admissão, perdendo essa qualidade aqueles que deixassem de desenvolver a sua actividade profissional na cooperativa. Podiam ainda ser membros honorários aqueles que contribuíssem com bens ou serviços para o desenvolvimento do objecto da cooperativa.

Finalmente, de acordo com o artº 8º dos estatutos que se encontravam em vigor à data da Assembleia Geral Extraordinária de 09.04.2017 (cf. fls 17 vº a 231), e que tinham sido integralmente revistos por força da entrada em vigo do novo Código Cooperativo, revogando-se os estatutos anteriores (cf. artº 41º), dispunha o seguinte:

1. Membros efectivos da cooperativa:

a) Podem ser membros efectivos as pessoas que, propondo-se utilizar os serviços prestados pela cooperativa em benefício próprio ou dos seus familiares, ou nela desenvolver a sua actividade profissional, voluntariamente solicitem a sua admissão.

b) Perdem a qualidade de membros efectivos da cooperativa os que deixem de desenvolver a sua actividade profissional na cooperativa e ainda aquele que (…)

2. Membros honorários da cooperativa:

a) Podem ser membros honorários aqueles que contribuam, ou tenham contribuído, com bens ou serviços, nomeadamente de voluntariado social para o desenvolvimento do objecto da cooperativa.

b) Os membros honorários gozam do direito à informação, nos mesmos termos dos membros efectivos, mas não podem eleger nem ser eleitos para os órgãos sociais, podendo assistir às assembleias gerais, sem direito de voto.

Ora, a conclusão que se pode extrair é que apenas num único período temporal foi permitido a quem não fosse trabalhador da ré ser membro efectivo da cooperativa e que se situa entre 2005 e 2014 (em conformidade com o artº 8º dos Estatutos a fls 252 a 254). Tal como aqui consta podiam ser membros efectivos os que como tal se encontrassem já registados.

Antes desse período e a partir daí a qualidade de membro efectivo está sempre dependente da qualidade de trabalhador.

Significa isto que os antigos trabalhadores do U (…), assim como todos aqueles que deixaram de trabalhar na cooperativa deixaram de ser membros efectivos da cooperativa.” (Fim da citação.)

Depreendemos de tudo isto que o julgamento da referida matéria de facto (não provada) resultou da consideração jurídica de que alguns cooperadores deixaram de o ser porque deixaram de trabalhar na cooperativa. (Cfr. também o assente em 10.)

Ouvidos os depoimentos em causa e invocados, resulta deles que ex-funcionários dos supermercados “U (…)” se entendem ainda cooperantes da Ré, embora tenham deixado de trabalhar na cooperativa.

Os particulares documentos revelam títulos e listagem de outros cooperadores.

Mostrando-se ajustado deixar a análise jurídica para momento subsequente, no que respeita propriamente à matéria de facto, importa julgar parcialmente procedente a impugnação dos Recorrentes, decidindo-se aditar:

23) Para além dos membros cooperadores referidos em 9), a ré tem mais membros, entre os quais (…)

24) A convocatória referida em 7 não foi enviada por via postal registada, entregue pessoalmente por protocolo ou remetida por correio electrónico, com recibo de leitura, a esses membros;

Decide-se manter a resposta de “não provado” à matéria da al. c) porque o seu conteúdo não é relevante, sendo hipotético e conclusivo.

Decide-se ainda aditar facto resultante da consulta do processo nº 1795/17.8 T8LRA.C1, em recurso nesta Relação:

Neste processo, os autores impugnaram as deliberações aprovadas na assembleia geral extraordinária de 12.03.2017, que suspenderam os Autores dos cargos que ocupavam. O acórdão desta Relação decidiu manter a respetiva decisão recorrida.


*

A falta de convocação de todos os cooperadores.

Os estatutos da Ré prevêem (art 8º) que “podem ser membros efectivos as pessoas que, propondo-se utilizar os serviços prestados pela cooperativa, em beneficio próprio ou dos seus familiares, ou nela desenvolver a sua actividade profissional, voluntariamente solicitem a sua admissão», e que «perdem a qualidade de membros efectivos da cooperativa os que deixem de desenvolver a sua actividade profissional na cooperativa e ainda aqueles que no espaço de 180 dias, a contar da data da sua admissão, não tenham subscrito os respectivos títulos de capital, salvo motivo justificado”.

A Ré, à medida que um seu membro, até aí efetivo, passou a deixar “de desenvolver a sua actividade profissional na cooperativa”, deixou de lhe atribuir aquela qualidade, não o convocando para as assembleias gerais.

J (…), no seu depoimento, referiu que a partir de Outubro de 2010 deixaram de ser convocados para as Assembleias Gerais da Ré os cooperadores que não trabalhavam nesta e que ninguém reclamou por esse facto.

A prática da Ré está expressa nos factos 14 e 15. 

            Esta conduta da Ré estará errada, sendo necessário esclarecer, de forma definitiva, a posição dos outros cooperadores.

Porém, independentemente dessa (in)correcção, e como alegado pela Ré na sua contestação, não podemos deixar de valorar como abusiva a invocação dela pelos Autores.

No abuso do direito estamos perante posições jurídicas contrárias aos valores estruturantes do sistema jurídico.

            É um limite indeterminado ao comportamento jurídico, que passa pelos conceitos de fim, de bons costumes e de boa fé (art.334º do Código Civil).

            Trata-se de um conceito indeterminado, que carece de um processo de concretização para melhor aplicar a justiça ao caso concreto.

Há, assim, necessidade de surpreender grupos típicos de comportamentos abusivos frente a "um universo informe de comportamentos inadmissíveis" - M. Cordeiro, Boa Fé, 1997, página 719.

            Têm sido considerados grupos típicos: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegalidades formais, a suppressio e a surrectio, o tu quoque e finalmente o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

A locução venire contra factum proprium exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.

Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito que, objetivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objetiva de confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. É necessário que, com base na situação de confiança criada, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe resultarão danos se a sua confiança legítima vier a sair frustrada.
Como refere Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil”, Teses, Almedina, 2007, página 745), o abuso de direito nesta modalidade postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si mas diferidas no tempo. A primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda – o venire. Só se considera como “venire contra factum proprium” a contradição direta entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento da mesma pessoa.

Mas a contradição a atender está limitada à proteção da confiança: um comportamento não pode ser contraditado quando tenha suscitado a confiança dos sujeitos envolvidos.

O princípio da confiança exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas, numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura.

No caso em apreço estão presentes todos estes pressupostos:

A Cooperativa beneficia da confiança que lhe conferia a referida prática desde 2010.

Os Autores vincularam-se à referida prática (ver factos 14, 15 e 22).

Na convocação da assembleia geral para alteração dos estatutos, e na da eleição dos Autores para os orgãos sociais, os Autores corroboraram o entendimento sobre os membros efetivos a convocar.

É então legítimo o convencimento da Ré de que, aplicando tal entendimento, não lesaria posições alheias.

A Ré deve ser protegida porque foi levada, também pela conduta dos Autores, seus dirigentes, a acreditar que a convocação regular das suas assembleias gerais não passava pela convocação de membros que tivessem deixado de desenvolver a sua atividade profissional na cooperativa.

(Foi também este o entendimento seguido no acórdão desta Relação no referido processo  1795/17.8 T8LRA.C1.)


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A falta de processo escrito para a destituição dos Autores dos cargos dirigentes.

Está provado:

16- As deliberações aprovadas na assembleia referida em 8, de destituição dos cargos que os autores ocupavam no conselho da administração da ré, não foram precedidas de um processo escrito contendo a indicação das infracções imputadas, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de sanção, com notificação para apresentarem defesa e para juntar provas ou requererem diligências probatórias.

Entendem os Autores que a deliberação que os destituiu dos cargos que ocupavam são inválidas porque não foram precedidas do referido processo escrito, o que viola o disposto no artº 25º nºs 2 a 6 do Código Cooperativo.

O Tribunal recorrido não concordou com os Autores porque entendeu que esta norma encontra-se sistematicamente inserida no capítulo III sob a epígrafe “Membros”, composto pelos artºs 19º a 26º, e que todo ele respeita directamente à qualidade de cooperador e não aos cooperadores no exercício das suas funções nos órgãos sociais da cooperativa.

Estipula o referido artigo 25.º do Código Cooperativo (Regime disciplinar):

1 - Podem ser aplicadas aos cooperadores as seguintes sanções:

a) Repreensão;

b) Multa;

c) Suspensão temporária de direitos;

d) Perda de mandato;

e) Exclusão.

2 - A aplicação de qualquer sanção prevista no número anterior é sempre precedida de processo escrito.

3 - Devem constar do processo escrito a indicação das infrações, a sua qualificação, a prova produzida, a defesa do arguido e a proposta de aplicação da sanção.

4 - Não pode ser suprida a nulidade resultante de:

a) Falta de audiência do arguido;

b) Insuficiente individualização das infrações imputadas ao arguido;

c) Falta de referência aos preceitos legais, estatutários ou regulamentares, violados;

d) Omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.

5 - A aplicação das sanções referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 compete ao órgão de administração, com admissibilidade de recurso para a assembleia geral.

6 - A aplicação das sanções referidas nas alíneas d) e e) do n.º 1 compete à assembleia geral. (…)

Decorre do disposto neste artigo que a aplicação aos cooperadores de qualquer sanção aí prevista é sempre precedida de processo escrito - sendo a referida na al. d) do nº1 (perda de mandato) da competência da assembleia geral.

Por implicar a perda de mandato, a destituição dos membros da direcção das cooperativas, competindo à assembleia geral, está dependente da existência do processo a que se refere o aludido art. 25º. (Neste sentido, ac. da Relação de Lisboa, de 23.02.2017, proc.335/16, em www.dgsi.pt.)

Neste particular, não compreendemos a destrinça que fez o Tribunal recorrido.

A sanção para a falta do processo escrito é a nulidade deste mesmo processo mas não a nulidade da deliberação, que enferma apenas de anulabilidade. Conforme jurisprudência do STJ, de 23.9.2003 e 14.2.2002, nos processos 02B2465 e 01B3618, respetivamente, naquele sítio eletrónico, não está em causa o conteúdo da deliberação mas apenas um seu pressuposto relativo à sua formação.

A anulação da deliberação de destituição não afeta a deliberação de suspensão dos cargos, a qual manteve a sua validade, conforme dupla conforme no processo nº 1795/17.8 T8LRA.C1.

            Na falta de outros elementos (não alegados), nomeadamente estatutários, porque a suspensão dos referidos cargos se mantém e porque o abono por funções de administração ou direção, pelo cooperador, depende do exercício efetivo dessas funções cooperativas, no caso mero complemento dos seus vencimentos (ver recibos), não estando em causa o/um salário, não há lugar ao pagamento do invocado abono.


*

Decisão.

            Julga-se o recurso parcialmente procedente e, mantendo o demais decidido, decide-se anular as deliberações de destituição da Presidente do Conselho de Administração, E (…), e de destituição do Vogal do Conselho de Administração, G (…) aprovadas na Assembleia Geral Extraordinária da Ré, realizada no dia 9 de Abril de 2017.

            Custas por ambas as partes, vencidas, em partes essencialmente iguais (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            Coimbra, 2019-04-30


Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira