Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1589/07.9YXLBS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAR
MÚTUO
FALTA DE PAGAMENTO
EFEITOS
Data do Acordão: 10/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 5º E 6º DO DEC. LEI 446/85, DE 25/10 E ART. 781º DO CÓD. CIVIL
Sumário: 1. Celebrado um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, é sobre o mutuante, que redigiu tais cláusulas e que delas pretende prevalecer-se, que recai o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes à demonstração de que foram cumpridos os deveres de comunicação e informação a que aludem os arts. 5º e 6º do Dec. Lei 446/85, de 25/10.

2. Com as exigências alusivas à “comunicação” o legislador pretendeu salvaguardar, em primeira linha, uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato, sendo a obrigação de informação dirigida à percepção do seu conteúdo, por parte do aderente.

3. Para ter-se por alcançado tal desiderato não basta a constatação da existência de CCG no contrato celebrado, e que o aderente apôs a sua assinatura no texto que formaliza esse contrato.

4. O vencimento imediato de todas as prestações em falta destinadas à restituição da quantia mutuada, como consequência da falta de pagamento de qualquer das prestações pelo mutuário, na data do respectivo vencimento (art. 781º do Cód. Civil), não abrange os juros remuneratórios incluídos nas prestações vincendas.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO.

"A... ” (anteriormente denominado “B... ”), intentou a presente acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, contra C... e mulher D... , pedindo a condenação deste últimos a pagar-lhe a importância de €9.231,87, acrescida de €357,37, a título de juros vencidos até ao dia 31 de Maio de 2007 (data da entrada em tribunal dos presentes autos), e de €14,29, a título de imposto de selo sobre estes juros, e ainda os juros que se vencerem sobre a quantia de €9.231,87, à taxa anual de 18,35%, desde o dia 01 de Junho de 2007, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4% sobre estes juros recair e ainda nas custas e procuradoria condigna.

Alegou, para tanto, que no exercício da sua actividade celebrou com o réu marido um contrato de mútuo destinado à aquisição de um veículo automóvel, tendo-lhe emprestado a quantia de €12.575,00, com juros à taxa nominal de 14,35% ao ano, devendo a importância do empréstimo e juros referidos, bem como a comissão de gestão e o prémio do seguro de vida ser pagos, na sede da autora, em 72 prestações mensais e sucessivas, tendo a primeira vencimento no dia 10 de Abril de 2004 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.

Foi também acordado entre as partes que, em caso de mora, acresceria ao montante em débito uma cláusula penal de 4 pontos percentuais, sendo a taxa de juro anual de 18,35%.

O réu marido não pagou a 28ª prestação, com vencimento no dia 10 de Julho de 2006, vencendo-se então as demais prestações, conforme acordado.

O valor de cada prestação ascendia à quantia de €270,08, pelo que no dia 10 de Julho de 2006 venceram-se as demais 45 prestações, no montante total de €12.153,60.

Instado para proceder ao pagamento da importância em débito e juros respectivos, o réu marido entregou à autora o identificado veículo automóvel, solicitando que esta diligenciasse pela respectiva venda, creditando o valor obtido por conta do montante em dívida.

No dia 14 de Março de 2007, o réu marido, por intermédio da autora, procedeu à venda daquela viatura, pelo preço de €4.491,28, que a autora reteve, por conta do montante em dívida, que passou, assim, a ascender a €9.231,87. Sobre esse valor de €9.231,87, que permanece por liquidar, acrescem juros à taxa de 18,35%, desde o dia 14 de Março de 2007 até integral pagamento, ascendendo os juros vencidos até ao dia 31 de Maio de 2007 à quantia de €357,37 e o imposto de selo sobre esses juros ao valor de €14,29.

O mencionado contrato reverteu em proveito comum do casal formado pelos réus, tanto mais que o referido veículo automóvel destinou-se ao património comum do casal dos réus, razão pela qual a ré mulher é solidariamente responsável com o réu marido pelo pagamento das importâncias em débito.

Os réus deduziram contestação, alegando, em síntese, que o contrato invocado nos autos é integrado por cláusulas contratuais gerais, impugnando parcialmente tal acordo e que lhe foi apresentada, pelo comerciante a proposta de crédito do autor, no montante de 12.575€ em 72 prestações mensais e sucessivas de 270,08€, sendo “informado, de acordo com o montante a financiar, com base numa tabela de coeficientes, da prestação a pagar, de acordo com o montante emprestado, duração do contrato e seguros”; Acresce que no ano de 2006 atravessaram sérias dificuldades económicas, razão pela qual não pagaram as prestações em falta e, após contacto da autora, solicitando a entrega do descrito veículo automóvel, o réu marido, de boa fé, entregou-o, considerando compensado o seu débito. Na altura, a autora entregou-lhe um conjunto de impressos que limitou-se a assinar e a devolver, desconhecendo o seu conteúdo.

A autora procedeu à venda da viatura em causa, pelo preço de €4.491,28 e comunicou ao réu marido que descontaria no seu débito o crédito resultante dessa venda. Sucede que, à data, o valor de mercado desse veículo automóvel era de €11.090,00 pelo que a venda abaixo desse preço redunda em prejuízo dos réus.

Por fim, através da aquisição da identificada viatura o réu marido quis realizar um interesse exclusivamente seu e não, também, do seu cônjuge, a ré mulher.

O autor respondeu às excepções.

Procedeu-se à audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“ Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) condena-se os réus C... e mulher D... a pagar solidariamente à autora “A...”, quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às 45 (quarenta e cinco) prestações de capital não pagas (excluindo, deste modo, as quantias nelas incluídas a título de juros remuneratórios), deduzindo a essa quantia o valor obtido com a venda do veículo automóvel, da marca “Renault”, modelo “Laguna”, com a matrícula X..., ou seja, €4.491,28 (quatro mil, quatrocentos e noventa e um euros e vinte e oito cêntimos), acrescida tal quantia dos juros moratórios, à taxa anual de 14,35%, desde 10 de Julho de 2006, até efectivo e integral pagamento, bem como do imposto de selo incidente sobre os mesmos juros moratórios;

b) absolve-se os réus C... e mulher D... do demais peticionado pela autora “A...”.

*

Custas a cargo da autora e dos réus, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa na proporção de 3/8, para aquela, e 5/8, para estes (cfr. artigo 446º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do direito a protecção jurídica concedido (cfr. fls.66).

*

Registe e notifique”.

Inconformado, o autor recorreu desta decisão pedindo a revogação da sentença, “substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente”. Formula, em síntese, as seguintes conclusões:

“(…) 2. O A., ora recorrente, não violou o previsto nos artigos 5° e 8° alínea d) do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro, pelo contrário cumpriu-o inteiramente.

3. O A., ora recorrente, não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com eles celebra - excepto evidentemente se estes não souberem ler ou tiverem dúvidas acerca do conteúdo do contrato e lho solicitarem -, o que o A. ora recorrente, tem que fazer - e faz - é assegurar que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir que quem use de "comum diligência" possa ler e analisar o contrato, e estar à disposição dos seus clientes para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra. (…)

5. Não devia, assim, o Sr. Juiz a quo ter concluído pela exclusão das Condições gerais do contrato dos autos por pretenso não cumprimento pela A. do dito dever de comunicação relativamente ao R. marido, ora recorrido

6. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. marido de uma das referidas prestações.

7. Não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato nos temos do artigo 781º do Código Civil, no entanto, mesmo que se perfilhe a tese da necessidade de interpelação do credor ao devedor para fazer operar o que se dispõe no dito artigo 781° do Código Civil, é manifesto que no caso "sub judice", atento o expressamente acordado no contrato dos autos, tal interpelação é, sempre, desnecessária para que o vencimento de todas as prestações não pagas do referido contrato se verifique. Tal vencimento é, conforme expressamente acordado, imediato.(…)

8. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário. Enquanto, a obrigação do mutuário num mútuo gratuito é, apenas, a restituição da quantia ou da coisa mutuada cedida ou posta à disposição do mutuário.

9. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que em caso de incumprimento de uma delas se vencem na totalidade.

10. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo). (…)

14. Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente,  é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito.

15. Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pelo A., ora recorrente.

16. É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou para bancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses”. (…).

Os réus apelados não apresentaram contra alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade:

1. A autora “A....” é uma sociedade financeira para aquisições a crédito, que tem por objecto o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º, do Decreto-Lei nº206/95, de 14 de Agosto, antes definidas no artigo 2º, do Decreto-Lei nº49/89, de 22 de Fevereiro, encontrando-se, ainda, sujeita ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº298/92, de 31 de Dezembro.

2. No exercício da sua actividade comercial, e com destino – segundo informação prestada pelo réu marido C... – à aquisição de um veículo automóvel, da marca “Renault”, modelo “Laguna”, com a matrícula X..., a ser fornecido por “E...”, a autora, por escrito constante de documento particular, datado de 06 de Março de 2004, denominado “Contrato de Mútuo nº677873”, junto a fls.11-12, sob documento nº1, concedeu a este último, na qualidade de mutuário, um crédito directo, tendo-lhe assim emprestado a quantia de €12.575,00 (doze mil, quinhentos e setenta e cinco euros).

3. O réu marido subscreveu esse acordo, ficando um exemplar em seu poder e outro em poder da autora, tendo na frente “Condições Específicas” e no verso impressas 15 (quinze) cláusulas, sob o título “Condições Gerais”.

4. Nos termos do acordo assim celebrado entre a autora e o réu marido, aquela emprestou a este o mencionado valor de €12.575,00 (doze mil, quinhentos e setenta e cinco euros), com juros à taxa nominal de 14,35%, ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como a comissão de gestão e o prémio do seguro de vida, ser pagos, nos termos acordados, em 72 (setenta e duas) prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de €270,08 (duzentos e setenta euros e oito cêntimos), com vencimento a primeira no dia 10 de Abril de 2004 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

5. No referido acordo, concretamente, na parte designada por “Condições Específicas”, a autora e o réu marido consignaram, além do mais, o seguinte:

- Objecto do financiamento e identificação do fornecedor: viatura de marca “Renault”, com o modelo “Laguna 1.9 DCI RXT”, com a matrícula X..., fornecida por “ E....”, Avenida .... Alcanena;

- Condições de financiamento:

. preço a contado: €14.500,00 (catorze mil e quinhentos euros);

. desembolso inicial: €2.000,00 (dois mil euros);

. montante financiamento automóvel: €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros);

. comissão de gestão: €75,00 (setenta e cinco euros);

. montante do empréstimo: €12.575,00 (doze mil, quinhentos e setenta e cinco euros);

. imposto de selo de abertura de crédito: €75,45 (setenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos);

. taxa de juro: €14,35%;

. data de vencimento da 1ª prestação: 10/04/2004;

. data de vencimento da última prestação: 10/03/2010;

. valor total das prestações: €19.445,76 (dezanove mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos);

. TAEG: 17,05%;

. prémio de seguro de vida de C...: €3,14 (três euros e catorze cêntimos);

. total dos prémios (já incluídos no valor da prestação): €3,14 (três euros e catorze cêntimos).

6. De harmonia com o acordo mencionado em 2. e 3., a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias, a efectuar aquando do vencimento de cada uma das aludidas prestações para conta bancária logo indicada pela autora.

7. Nos termos desse mesmo acordo, concretamente, segundo a cláusula 8ª, alíneas a) e b), das “Condições Gerais”, a falta de pagamento de qualquer uma daquelas prestações, na data do respectivo vencimento, implicava para a autora poder, de imediato, considerar automaticamente vencidas as demais prestações, ou seja, todas as obrigações decorrentes do descrito acordo realizado com o réu marido.

8. Nos termos do mencionado acordo, em concreto, da cláusula 8ª, alínea c), das aludidas “Condições Gerais”, em caso de mora, sobre o montante em dívida acrescia, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 14,35 % – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 18,35%.

9. No verso do referido acordo, e sob a designação “Condições Gerais”, a autora e o réu C... consignaram, além do mais, o seguinte:

- 4. REEMBOLSOS E PAGAMENTOS

a) O empréstimo será reembolsado em prestações mensais iguais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento, se encontram estabelecidas nas Condições Específicas.

b) (…)

c) No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 14 destas Condições Gerais.

- 5. JUROS

a) O empréstimo vence juros à taxa fixada nas Condições Específicas, não variando ao longo do prazo do contrato.

b) Os juros serão contados dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida.

- 6. IMPOSTOS, TAXAS, ENCARGOS E DESPESAS

a) É de conta do Mutuário o pagamento dos impostos, taxas e demais encargos decorrentes do presente contrato.

b) (…)

- 7. CUMPRIMENTO ANTECIPADO

a) O Mutuário poderá cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o presente contrato, sendo-lhe, em tal caso, calculado o valor do pagamento antecipado do montante em dívida com base numa taxa de actualização que corresponderá à percentagem de 90% da taxa de juro contratual.

b) Caso o(s) Mutuário(s) cumpra(m) antecipadamente o presente contrato durante a primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto, para além do valor referido na alínea a) pagará(ão) ainda ao Banco, caso exista, o diferencial positivo entre os juros e outros encargos contados a taxa de juro contratual e correspondentes a primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto e os juros e outros encargos efectivamente pagos e a pagar de acordo com o cálculo da alínea a).

c) (…)

- 9. GARANTIAS

Em garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes deste Contrato, o Mutuário presta e/ou faz prestar a favor do A... as garantias previstas nas Condições Específicas.

- 12. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL

Fica desde já autorizada a cessão da posição contratual do A... para efeitos de refinanciamento desta, mas mantendo sempre o A..., solidariamente com o cessionário, as obrigações que para ela derivam do presente contrato relativamente ao Mutuário.

10. Das prestações acordadas não foram pagas a 28ª e seguintes, vencida esta 28ª no dia 10 de Julho de 2006 e vencendo-se, então, todas as demais.

11. O réu marido não providenciou pela realização das transferências bancárias necessárias ao pagamento das ditas prestações, transferências essas que não foram efectuadas.

12. O réu marido, nem quem quer que fosse por ele, providenciou pelo pagamento daquelas prestações à autora.

13. Instado pela autora, telefónica e pessoalmente, para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, bem como o imposto de selo incidente sobre esses juros, o réu marido entregou à autora o referido veículo automóvel, para que esta última diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que lhe devesse, ficando aquele C... de pagar ao “A....” o saldo que viesse a apurar então em débito.

14. No dia 14 de Março de 2007, o réu marido, por intermédio da autora, procedeu à venda do aludido veículo automóvel, pelo preço de €4.491,28 (quatro mil, quatrocentos e noventa e um euros e vinte e oito cêntimos), tendo a autora, conforme o acordado, ficado para si com essa quantia, por conta das importâncias devidas.

15. O montante em débito, na quantia de €9.231,87 (nove mil, duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos), após a dedução do valor obtido com a venda da viatura, não foi liquidado pelo réu marido, nem por quem quer que fosse agindo em nome daquele.

16. O empréstimo referido reverteu em proveito comum do casal formado pelo réus, atento até o identificado veículo automóvel se destinar à satisfação das necessidades do casal constituído pelo réu marido e pela ré mulher.

17. Quando um comerciante pretende vender determinado equipamento – no caso concreto, um veículo automóvel – a determinada pessoa que não tem possibilidade de o pagar a pronto, depois de ajustar com ela os termos e condições do negócio, designadamente, o preço, e as condições e estado do equipamento, contacta a autora propondo-lhe que financie o crédito para a operação, de forma que o vendedor receba o preço a pronto, e a autora providencie ao financiamento de tal aquisição a crédito.

18. Para o efeito, a autora concede o empréstimo directo ao comprador do dito equipamento com destino a aquisição, por ele, desse equipamento, a pedido final de ambos, comerciante vendedor e cliente deste.

19. No caso dos autos, o fornecedor, em seu nome e também em nome do réu marido, propôs à autora “A....” que esta concedesse empréstimo directo em nome do aludido C..., com destino à aquisição do referido veículo automóvel, da marca “Renault”, modelo “Laguna”, com a matrícula X....

20. O vendedor do veículo enviou à autora os elementos de identificação do réu marido, bem como comunicou à autora o montante do empréstimo a conceder ao réu marido.

21. A autora acedeu em conceder ao réu marido o empréstimo, mediante a constituição de uma garantia: reserva de propriedade, a favor daquela, sobre a identificada viatura.

22. A autora, após ter aprovado a concessão do crédito ao réu marido, comunicou ao referido fornecedor tal aprovação e condição para o financiamento – constituição de reserva de propriedade sobre o mencionado veículo automóvel –, remetendo-lhe as condições desse negócio, a declaração de autorização de débito em conta, e documento(s) necessário(s) ao registo daquela reserva de propriedade.

23. No acordo mencionado em 2. e 3., em concreto, no campo “Garantias”, das “Condições Específicas”, não consta qualquer menção à constituição de uma reserva de propriedade sobre a descrita viatura, a favor da autora “A...”.

24. O réu marido subscreveu junto do fornecedor ou vendedor as “Condições Específicas” e as “Condições Gerais” do acordo referido em 2. e 3., bem como a declaração de autorização de débito em conta, e o(s) documento(s) necessário(s) ao registo daquela reserva de propriedade a favor da autora.

25. Posteriormente à assinatura pelo réu marido, o dito vendedor ou fornecedor enviou à autora tais documentos, integralmente preenchidos e assinados, em 2 (dois) exemplares, para que os mesmos fossem assinados por esta última.

26. Posteriormente à aposição nos 2 (dois) exemplares do acordo dos autos da assinatura de um representante da autora, esta enviou ao réu marido um exemplar.

27. Os réus atravessaram dificuldades económicas desde 2006.

28. Tais dificuldades determinaram a falta de pagamento da mencionada 28ª prestação, bem como das demais prestações, então vencidas, nos termos referidos em 10., derivadas do acordo referido em 2. e 3.

29. Após a entrega do identificado veículo automóvel à autora, esta última, por carta registada com a aviso de recepção, endereçada ao réu marido, datada de 28 de Fevereiro de 2007, comunicou-lhe, além do mais, que “(…) Vimos por este meio informar V. Exa., que o veículo acima referenciado irá a leilão no dia 13 de Março de 2007, sendo a base de licitação de 3,200.00 €. Mais informamos que o leilão irá decorrer em Estrada das Ligeiras – Alto da Bela Vista – 2736-301 Cacém. A leiloeira é a firma F.... Assim sendo, damos a V. Exa. o prazo de cinco dias para nos apresentar uma melhor proposta findo o qual, tomaremos a iniciativa de enviar o veículo a leilão para procedermos à sua venda. Se o respectivo veículo não for vendido na data acima referida, irá de novo a leilão por uma base de licitação igual ou inferior e assim sucessivamente até se realizar a sua venda. Caso V. Exa. queira assistir ao leilão, é favor contactar os nossos serviços de Pré-Contencioso (…).”

30. O réu marido recebeu a carta mencionada em 29., nada tendo comunicado à autora.

31. O réu marido nunca solicitou à autora que lhe prestasse qualquer informação ou esclarecimento, mesmo que suplementar, relativos ao acordo mencionado em 2. e 3., nem anteriormente, nem posteriormente à aposição da sua assinatura.

32. A autora, aquando da apresentação e análise da proposta para concessão do descrito crédito, bem como aquando da aprovação e concessão do financiamento discutido nos autos, e ainda aquando da recepção do acordo escrito supra referido, denominado “Contrato de Mútuo nº677873”, integralmente preenchido e assinado pelo réu marido C..., jamais contactou directamente com o mesmo, fazendo-o sempre por intermédio do identificado vendedor ou fornecedor, de quem recebia as necessárias informações alusivas a esse financiamento.

33. A autora apenas contactou directamente com o réu marido a partir do momento em que não foi liquidada, no prazo acordado, a 28ª prestação e, posteriormente, todas as demais, o que fez nos termos relatados em 13.

II. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do C.P.C..

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar:

- da exclusão das “condições gerais” enunciadas no documento que titula o contrato celebrado entre as partes, por violação do dever de comunicação e de informação pelo proponente autor;

- se o vencimento antecipado das prestações acordadas, no âmbito do disposto no art. 781º do Cód. Civil, abrange os juros remuneratórios.

 

2. Não se discute a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes – um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, nos termos do art. 2.°, alínea a) do Decreto-Lei n.° 359/ 91, de 21 de Setembro –, como também é inequívoco e o autor nunca pôs em causa que no contrato se recorreu ao uso de cláusulas contratuais gerais (CCG), relevando, portanto, o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95, de 31 /08 e Dec. Lei 249/99 de 07/07 (diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem). [ [1] ]

A questão suscitada pelo recorrente prende-se, essencialmente, com a delimitação da obrigação de comunicação que recai sobre o proponente, prevista no art. 5º.

Nos termos do referido preceito, as cláusulas contratuais gerais “devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las” – nº1 –, e “a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” – nº 2 –, competindo ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva – nº3.

Por seu turno, o art. 6º, sob a epígrafe “Direito de informação”, dispõe que “o contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” – nº1 – e que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” – nº2.

Exige-se, portanto, ao proponente, uma actividade dirigida ao aderente, com vista a possibilitar-lhe um efectivo conhecimento do contrato – cujas condições não negociou e que lhe foram apenas apresentadas, não tendo o aderente o poder de conformar de forma diferente o conteúdo contratual [ [2] ] –, o que passa pela concreta verificação dos requisitos de integralidade, adequação e tempestividade, supra enunciados.

Trata-se de desenvolver uma actividade razoável, que permita ao consumidor mediano, em circunstâncias normais, abstractamente, ter a percepção dos termos do contrato e das obrigações que vai contrair, ou seja, de todos os elementos constitutivos do negócio.

“O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o nº2, esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de diligência comum. Encontra-se aqui uma afloração do critério geral de apreciação das condutas em abstracto e não em concreto”. [ [3] ]    

Em suma, com as exigências alusivas à “comunicação” o legislador pretendeu salvaguardar, em primeira linha, uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato, sendo a obrigação de informação dirigida à percepção do seu conteúdo, por parte do aderente.

A violação destes deveres pelo proponente determina a exclusão das respectivas cláusulas do contrato, nos termos do art. 8º alíneas a) e b), vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, nos termos do art. 9º, nº1.

                                             *

Quid juris na hipótese em apreço?

Pode ler-se na decisão recorrida:

“Tendo em conta o alegado pelos réus no seu articulado de contestação, concretamente, o que resulta do teor dos artigos 32º a 35º, inclusive, apurou-se a este propósito que as cláusulas que integram as denominadas “Condições Gerais” encontram-se inscritas no verso do contrato em apreço, de que o réu marido guardou um exemplar.

Demonstrou-se, igualmente, que o aludido C... nunca solicitou à autora “A....” que lhe prestasse qualquer informação ou esclarecimento, mesmo que suplementar, relativos ao acordo que se discute, nem anteriormente, nem posteriormente à aposição da sua assinatura.

A contrario, não se provou que a autora tenha estado presente no stand de automóveis do fornecedor/vendedor “ E....”, no momento da celebração, menos ainda que tenha activamente contribuído para esclarecer o réu marido das cláusulas gerais do contrato firmado entre ambos.

Ora, isto é manifestamente insuficiente.

Com efeito, ainda que a aceitação do clausulado geral possa ser tácita, exige-se do proponente, aqui a autora, a observância das condutas que a lei prevê que seja assegurado o seu conhecimento pelo obrigado, isto é, que mostre ter desenvolvido a referida actividade razoável para que o aderente, aqui o réu marido, conheça tais cláusulas.

Por isso, pode concluir-se que a autora “A...” não cumpriu quanto a estas cláusulas gerais os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada”.

Concordamos com esta apreciação e, concomitantemente, parece-nos inaceitável a posição do recorrente, explanada nas alegações de recurso, posição que desvirtua a ratio dos preceitos aludidos.

Da leitura sugerida pelo recorrente decorre que este se alheia por completo do dever de comunicação e informação que impende sobre si, bastando-se com a mera subscrição do acordo pelo aderente, através da assinatura do documento que formaliza o contrato – assinatura aposta no rosto do documento, alusivo às “condições específicas” e depois, novamente, no fim do enunciado alusivo às CCG.

Pressupõe, assim, que tais cláusulas foram previamente comunicadas ao réu e esclarecidas, argumentando nas alegações de recurso que o apelante apenas tem que assegurar que as “condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados” – “precisamente para permitir que quem use de comum diligência possa ler e analisar o contrato”, acrescenta.

Ora, não é bem assim que tudo se passa.

Como se referiu no Ac. R.P. de 24/04/2008, “não é legítimo extrair do mero facto das cláusulas gerais constarem do contrato a conclusão de que a parte aderente delas teve conhecimento (adequado), nem bastando, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais”, competindo ao proponente que redigiu as cláusulas e que delas pretende prevalecer-se o ónus de prova dos elementos alusivos à comunicação e informação – e não sobre o aderente o ónus de alegação e prova de que as cláusulas em causa não lhe foram previamente comunicadas e/ou esclarecidas. [ [4] ]

Tanto mais quando, como acontece no caso em apreço e foi salientado na decisão recorrida, tais cláusulas “contém conceitos de direito que não são instintivamente (re)conhecidos por um leigo”, como acontece, por exemplo, com as cláusulas nºs 8 e 11 inseridas nas “condições gerais” e que relevam directamente para a pretensão formulada pelo apelante. [ [5] ]

No caso, compulsada a petição inicial e a resposta às excepções, verifica-se que o autor recorrente omitiu por completo a invocação de factos alusivos e pertinentes à comunicação das CCG, nunca tendo invocado que deu conhecimento efectivo e antecipado das CCG ao recorrido, limitando-se a remeter, na petição inicial, sistematicamente, para “os termos do contrato assim celebrado entre o A. e o R. marido” – art. 2º – ou para o “acordado” entre as partes, olvidando que, no que especificamente concerne às “condições gerais”, as mesmas nunca foram objecto de qualquer negociação entre as partes, traduzindo cláusulas contratuais gerais – aliás, na petição inicial o recorrente nunca sequer fez alusão ao regime respectivo.

São os réus, na contestação, que impugnam a factualidade relativa a tais cláusulas – cfr. o art. 2º da contestação –, invocam a sua natureza de CCG – arts. 33º a 36º – e alegam que o vendedor do automóvel que adquiriram “apresentou-lhe uma proposta de crédito (doc. nº1 junto pelo Autor) do Autor A..., no montante de 12.575€ em 72 prestações mensais e sucessivas de 270,08€” – art. 12º – “sendo informado, de acordo com o montante a financiar, com base numa tabela de coeficientes, da prestação a pagar, de acordo com o montante emprestado, duração do contrato e seguros” – art. 13º.

Ou seja, com referência “às condições gerais” constantes do contrato e a que aludem os nºs 7 a 9 da factualidade assente, supra enunciada, a defesa dos réus passa pela invocação da violação do dever de comunicação e informação, limitando-se o autor a argumentar, a esse propósito, que “se porventura o R. não leu o contrato de mútuo dos autos foi porque não o quis ler, ou porque não teve o mínimo de diligência para se inteirar do conteúdo do dito contrato que confessadamente reconhece ter assinado”.

Saliente-se a relação triangular que resulta da factualidade assente (consumidor/vendedor/financiador), sendo que do contexto em que decorreu a aquisição do veículo e financiamento respectivo resulta que inexistiu qualquer contacto entre o apelante e os apelados, não se tendo apurado, sequer, que fosse o apelante ou alguém em seu nome/representação a remeter ou apresentar ao réu aderente o texto do contrato, no que especificamente concerne às aludidas cláusulas gerais, sem prejuízo de, posteriormente, colhidas todas as assinaturas, ter enviado ao réu um exemplar – cfr. a factualidade assente sob os nºs 22 e 24 a 26.

Aliás, o apelante não impugnou o julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância, tendo a Sra. Juiz considerado que não se provou, com interesse para a decisão a proferir, que o apelante “comunicasse ao réu marido C..., o conteúdo das condições gerais incluídas no acordo escrito referido em 2. e 3”.

Escreveu-se, pois, correctamente, na decisão recorrida:

Por isso, pode concluir-se que a autora “A....” não cumpriu quanto a estas cláusulas gerais os deveres de comunicação e informação a que estava obrigada.

O conteúdo do dever de informação deve ser aferido em função do conteúdo específico das cláusulas contratuais, levando em conta a sua extensão e complexidade (vide LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, 2ª edição, p.227).

Ora, o clausulado em análise contém conceitos de direitos que não são instintivamente (re)conhecidos por um leigo.

Ou seja, não basta conceder a possibilidade de quem tiver dúvidas poder ser esclarecido, através de um contacto inteiramente dissociado do local da efectiva celebração do contrato.

Exige-se da parte de quem apresenta a cláusula uma conduta activa de esclarecimento sobre a referida cláusula, sobre as consequências do incumprimento, etc.

Aliás esse esclarecimento está previsto no n°2, do artigo 6°, como um plus em relação à obrigação primária de informar consagrada no n°1, do mesmo artigo 6º, e não a exclui, apenas a complementa.

De todo o exposto resulta que uma vez que a autora “A...” não logrou demonstrar, como lhe competia, que comunicou e informou o réu marido C..., do conteúdo do clausulado geral do contrato, este se encontra, por conseguinte, excluído do acordo em análise.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

3. Em face do incumprimento do contrato pelo apelado – que deixou de pagar as prestações convencionadas, desde a 28ª  [[6]  ] –, a 1ª instância considerou, e bem, com referência ao disposto no art. 781º do Cód. Civil, que o vencimento imediato previsto nessa disposição legal significa, não o automático vencimento de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas. Assim, se o credor perde a confiança no devedor e opta por aproveitar o benefício que a lei lhe atribui, deve interpelar o devedor com vista ao cumprimento de todas as prestações em falta – como aconteceu no caso –, sem prejuízo de convenção em contrário, uma vez que não estamos perante norma imperativa (art. 405º, nº1 do Cód. Civil). [ [7] ]

Depois, considerou-se que o vencimento imediato das prestações em falta, como consequência da falta de pagamento de qualquer das prestações na data do respectivo vencimento, não abrange os juros remuneratórios que em tais prestações se integravam, mas tão só a dívida de capital, entendimento contra o qual se insurge o recorrente.

 A questão suscitada pressupõe a análise do tipo de obrigações em causa, com vista à sua concatenação com o disposto no referido art. 781º.

Ressalvadas diferenças meramente terminológicas, podemos caracterizar as obrigações devidas como sendo de prestação fraccionada ou repartida, correspondendo a cumprimentos parciais da mesma dívida, que se prolongam no tempo, ou, dito de outra forma, o objecto da obrigação está fixado desde a constituição da dívida, sendo o seu pagamento repartido em fracções.

Ao contrário, o que acontece com as obrigações duradouras de execução continuada [ [8] ] é que a prestação permanece temporalmente e o respectivo conteúdo é determinado em função do decurso do tempo. “Estes deveres de prestação duradoura cumprem a sua função, na medida em que existem e enquanto existem; o termo da sua existência é uma rotura que não está em conexão essencial com a função e o significado da obrigação; para o credor, quanto mais durarem, tanto melhor”. [ [9] ]

A aplicação do regime instituído pelo art. 781º do C.Civil só tem cabimento no âmbito das obrigações de prestação fraccionada ou repartida. Perante o incumprimento imputável ao devedor, entre manter os prazos iniciais das prestações ou reclamar o imediato pagamento de todas, se o credor opta por esta última hipótese, então não se encontra motivo para considerar que tem direito aos juros remuneratórios.

Os juros consubstanciam o rendimento do capital e nessa medida são frutos civis (art. 212º do Cód. Civil). Os juros remuneratórios têm carácter retributivo ou sinalagmático, constituindo a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital mutuado, de cuja utilização o credor fica privado, nascendo o crédito de juros à medida que o tempo decorre. Ora, se o credor exige a restituição imediata do capital mutuado, ao abrigo do disposto no art. 781º do Cód. Civil, então deixa de ter sentido ou fundamento pedir ao mutuário o pagamento dos juros remuneratórios abrangidos nas prestações vincendas – e que, pelo facto de estarem incluídos no valor das várias prestações convencionadas não deixam de ter essa natureza –, salientando-se que a obrigação de juros – obrigação de prestação duradoura periódica – mantém autonomia relativamente à obrigação de capital (art. 561º do Cód. Civil).

E nem se argumente, em sentido contrário, com o disposto no art. 1147º do Cód. Civil – “no mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro” –, já que as situações não são similares. Efectivamente, aqui trata-se de antecipação de pagamento feita, voluntariamente, pelo devedor, enquanto na hipótese em apreço a antecipação é exigida pelo credor.

Pelo que, em casos como o dos autos, o devedor tem direito a fazer seu o interusurium, o que se impõe “por manifestas razões de justiça”. [ [10] ]

Só assim não aconteceria se houvesse convenção em contrário e, no caso, como vimos, a convenção constante das “condições gerais” (nº8) não pode ser atendida.     

A sentença recorrida não merece, pois, censura.

                                             *

Conclusões:

1. Celebrado um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, é sobre o mutuante, que redigiu tais cláusulas e que delas pretende prevalecer-se, que recai o ónus de alegação e prova dos factos pertinentes à demonstração de que foram cumpridos os deveres de comunicação e informação a que aludem os arts. 5º e 6º do Dec. Lei 446/85, de 25/10.

2. Com as exigências alusivas à “comunicação” o legislador pretendeu salvaguardar, em primeira linha, uma correcta e eficiente transmissão dos termos do contrato, sendo a obrigação de informação dirigida à percepção do seu conteúdo, por parte do aderente.

3. Para ter-se por alcançado tal desiderato não basta a constatação da existência de CCG no contrato celebrado, e que o aderente apôs a sua assinatura no texto que formaliza esse contrato.

4. O vencimento imediato de todas as prestações em falta destinadas à restituição da quantia mutuada, como consequência da falta de pagamento de qualquer das prestações pelo mutuário, na data do respectivo vencimento (art. 781º do Cód. Civil), não abrange os juros remuneratórios incluídos nas prestações vincendas.

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                                             *

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Notifique.

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[1] Sabe-se que, a partir dos termos da noção legal contida no art. 1 ° do Dec. Lei 359/91, se assinalam às cláusulas contratuais gerais as seguintes características:

- a pré-elaboração ou pré-formulação, de significado óbvio;

- a rigidez, uma vez que seriam independentes de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidades de alterações;

- e a intenção uniformizadora, na formulação de Joaquim de Sousa Ribeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, 1990, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, separata do vol. XXXV, pág. 174.

Sendo que esta última seria a nota decisiva das CCG, porquanto as outras duas, sendo necessárias, não são suficientes nem exclusivas deste modelo normativo, exprimindo apenas o modo de elaboração e de ingresso, em cada contrato, das CCG.

Diversamente, é a intenção de utilização reiterada de um mesmo conteúdo, com finalidades uniformizadoras, que justifica a existência das CCG e o especial regime que se lhes assinala.

Daí que se possa traduzir a definição legal como reportando-se às cláusulas preformuladas com vista à disciplina uniforme de uma série, em regra indeterminada, de contratos de certo tipo a celebrar pelo predisponente ou por terceiro sendo a finalidade uniformizadora o “elemento central significante que contagia todo o processo com o seu sentido próprio” (J. Sousa Ribeiro, obr. cit., pág. 179).

[2] Pode ler-se no preâmbulo do diploma aludido:”Apresentam-se as cláusulas contratuais gerais como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais favorecem o dinamismo do tráfico jurídico, conduzindo a uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéficas aos próprios consumidores. Mas não deve esquecer-se que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou iníquos para os particulares.

Ora, nesse quadro, as garantias clássicas da liberdade contratual mostram-se actuantes apenas em casos extremos: o postulado da igualdade formal dos contratantes não raro dificulta, ou até impede, uma verdadeira ponderação judicial do conteúdo do contrato, em ordem a restabelecer, sendo caso disso, a sua justiça e a sua idoneidade. A prática revela que a transposição da igualdade formal para a material unicamente se realiza quando se forneçam ao julgador referências exactas, que ele possa concretizar”.

[3] Almeida Costa e Meneses Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1990, p. 25. Sobre a tutela da formação da vontade do aderente e a necessidade de estabelecer meios de controlo adequados no âmbito do processo de formação do contrato de adesão, vide Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade, 1985, Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, separata do vol. XXVIII, p. 347-361. A este propósito vide ainda Almeida Costa,  Direito das Obrigações, 11ª edição, Almedina, p.266, aludindo ao controlo da inclusão das CCG nos contratos singulares.

[4] Proferido no processo nº 0832041 (Relator: Fernando Baptista), acessível in www.dgsi.pt.

Significativamente, escreve Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Almedina, p. 619:

“As cláusulas contratuais gerais inscrevem-se, pois, no negócio jurídico, através dos mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados, como os restantes, à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental. Mas dada a delicadeza do modo de formação em jogo, não basta a mera aceitação, exigida pelo Direito comum: é necessária, ainda, uma série de requisitos postos pelos artigos 5º e seguintes da LCCG. De facto, a inclusão depende ainda:

- de uma efectiva comunicação - artigo 5º;      

- de uma efectiva informação - artigo 6º;      

- da inexistência de cláusulas prevalecentes - artigo 7º;      

Trata-se de verdadeiros encargos, em sentido técnico que, por isso, assumem uma intensidade superior à dos meros requisitos de validade dos negócios”.

[5] A este propósito, pode ler-se no Ac. TRL de 07/04/2005 proferido no processo 840/2005-8 (Relator: Salazar Casanova), acessível in www.dgsi.pt: “Não preenche esse ónus de comunicação o contratante informante que se limite a pôr à disposição o texto contratual se do próprio texto não resultar bem evidenciada a possibilidade de a contraparte, com diligência comum, se poder aperceber do respectivo conteúdo, isto é, de compreender o alcance das disposições contratuais que decisivamente hão-de formar a vontade de contratar. (…)

Preencher-se-á sempre esse ónus com a demonstração de que foi apresentada à contraparte, com antecedência relativamente ao momento da assinatura, o texto do contrato com todas as suas cláusulas?

A resposta será positiva se as cláusulas permitirem ao contratante interessado aperceber-se do seu alcance o que acontecerá se as cláusulas estiverem elaboradas de uma forma clara, harmoniosa, onde se evidenciem, de forma identicamente compreensível, os aspectos essenciais que hão-de conduzir a uma consciente vontade de contratar.

Referindo-se às dificuldades e inconvenientes que advêm de se entender o processo informativo preenchido apenas quando há informação adicional (por folheto explicativo ou por via de contacto pessoal entre as partes) Joaquim de Sousa Ribeiro considera “ mais realista, neste ponto, a AGB-Gesetz, que, não contendo qualquer disposição paralela ao artigo 6º, parece exigir que a compreensibilidade das ccg. resulte do seu próprio texto -nesse sentido a sentença do BGH de 17-1-1989 (NJW 1989,583), onde se exige ao predisponente que formule as suas ccg. de modo a que ‘um aderente não preparado, do ponto de vista jurídico e de experiência negocial, as possa compreender, sem necessidade de um esclarecimento especial”(O Problema do Contrato. As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 1999, pág. 376/377)”.

[6] Do contrato celebrado decorre, para o apelado, a obrigação de restituir o valor emprestado, acrescido dos respectivos juros, no prazo acordado, nos termos dos arts. 1142° e 1145º do Cód Civil, 395° do Código Comercial e 3º alínea e) do Dec.-Lei nº 359/91, de 21.9. uma vez que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art.º 406º nº 1 do Cód Civil).

[7] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3º edição, Almedina, p.52-53. No mesmo sentido, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição, Almedina, p.1018.    

[8] Refira-se, a título exemplificativo, a prestação de serviços, o abastecimento permanente de água ou luz, a obrigação que impendo sobre o inquilino… 

[9] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 625. O autor distingue entre as obrigações duradouras (e, nestas, as de execução continuada, obrigações periódicas, reiteradas ou com trato sucessivo), obrigações de execução instantânea e obrigações de prestação fraccionada ou repartida, considerando, expressamente, que estas últimas “apesar do seu cumprimento se prolongar no tempo, não podem ser consideradas obrigações duradouras”.

Já Almeida Costa, obr. cit. p. 699-701, aludindo à eficácia do decurso do tempo nas relações jurídicas, distingue apenas entre as obrigações instantâneas e as obrigações duradouras, englobando nestas últimas as prestações “divididas, fraccionadas ou repartidas”, Assim, escreve este autor:

“Em todos os restantes casos, quando não se circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, antes se trate de um comportamento, positivo ou negativo, que se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura. Neste conceito cabem duas variantes fundamentais: as prestações divididas e as continuativas”.

Daí que se tenha ressalvado alguma imprecisão terminológica, sendo certo que não encontramos divergências substanciais na definição de conteúdos.

[10] Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975/76, 1º vol., p.202. No mesmo sentido Mota Pinto, obr. cit., p.626, Almeida Costa, obr. cit., p. 1018, Antunes Varela, obr. cit., vol 2º, p. 54. É esse o entendimento que vem sendo seguido, cremos que uniformemente, pelo STJ: Acs. de 11/10/2005, processo 05B2461 (Relator: Cons. Oliveira Barros), de 12/09/2006, processo 06A2338 (Relator: Cons. Sebastião Póvoas), de 14/11/2006, processo 06A2718 (Relator: Cons. Moreira Camilo), de 06/02/2007, processo 06A4524 (Relator: Cons. Alves Velho), de 24/05/2007, processo 07A930 (Relator: Cons. Silva Salazar), de 27/09/2007, processo 07B2646 (Relator: Cons. Gil Roque) e de 10/07/2008, processo 08A1267 (Relator: Cons. Alves Velho).