Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
193/22.6T8TND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO DE BENS EM INVENTÁRIO
DEDUÇÃO DE RECONVENÇÃO
INTERRUPÇÃO SUCESSIVA
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 318.º, AL.ª A), 323.º, N.º 1, 325.º, 326.º E 498.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – À pretensão da autora de receber metade dos saldos de duas contas bancárias e das aplicações financeiras a elas associadas, metade do valor/preço de venda dos veículos automóveis e metade dos valores – 2.800,00 -  entregues pelo seu pai ao R., bens que a A. qualifica como comuns, cabe mais do que um enquadramento jurídico, pelo que é de conferir efeito interruptivo da prescrição à reclamação de bens efetuada no inventário que teve por objeto os bens em causa nesta ação.

II – A lei não proíbe que o prazo de interrupção possa ser interrompido mais do que uma vez, quando o titular do direito manifesta diretamente a intenção de exercer o direto.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira


Processo 193/22.6T8TND-A.C1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA, veio propor ação de processo comum, contra BB.

Alegou, em síntese:

            A autora e o réu foram casados um com o outro, sob o regime da comunhão de adquiridos, tendo contraído casamento em .../.../1995. O referido casamento veio a ser dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com o nº 296/11...., ação essa proposta pela aqui autora contra o réu, instaurada em 03.06.2011 e que correu seus termos pelo extinto ... juízo do Tribunal Judicial de Tondela, tendo transitado posteriormente, devido à reorganização judiciária, para o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo de Família e Menores de Viseu – Juiz ....

A sentença que decretou o divórcio transitou em julgado em 26.10.2012.

Previamente à propositura da referida ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, foi instaurado pela aqui autora contra o aqui réu, um procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, que correu seus termos sob o nº 296/11.....

Quer o referido procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, quer a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge,  resultaram da degradação da relação familiar entre a autora e o réu ao longo dos anos, tendo tido o seu epílogo nos factos ocorridos no dia 28 de abril de 2011, entre os ex-cônjuges, na então sua casa de morada de família.

Efetivamente, nesse dia 28 de abril de 2011,  ocorreram entre as partes fortes discussões e agressões, factos esses que deram lugar à instauração por parte do Ministério Público do processo comum coletivo nº 75/11...., que correu seus trâmites legais pelo ex-... juízo do Tribunal Judicial de Tondela, tendo no seu âmbito sido aplicada à aqui autora, no dia seguinte à ocorrência daqueles factos, ou seja, no dia 29 de abril de 2011, a medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, ainda, de proibição de contactar com o réu, situação em que permaneceu durante vários meses.

Em resultado das mencionadas agressões, o aqui réu esteve internado no Hospital ..., em ..., durante 2 dias, após o que teve alta médica, passando a viver em ..., freguesia ..., concelho ..., enquanto a autora permaneceu na casa de morada de família, onde cumpriu a medida de coação.

Após a alta hospitalar, o réu passou, a seu bel-prazer, a administrar e/ou, ainda, a dispor em seu único e exclusivo proveito, de quase todo o património angariado e/ou amealhado durante o casamento, pelo então casal formado pela aqui autora e pelo aqui réu.

Face ao referido conflito e dada a situação de diminuição de liberdade de circulação em que passou a estar e, ainda, prevendo que o réu iria procurar ocultar ou fazer desaparecer parte do património comum do casal, a A. deu entrada do referido procedimento cautelar de arrolamento.

A razão da indicada providência cautelar de arrolamento de bens, prendeu-se precisamente com o facto da aqui autora ter começado a verificar que o réu, à sua revelia, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, nos dias 2 e 3 de maio de 2011, havia entretanto começado a fazer movimentos fora do normal nas contas bancárias, pertencentes ao então casal,  abertas no Banco 1... com os nºs  ...76 e  ...05. No procedimento cautelar foi então proferido despacho, ordenado que fossem “oficiada às entidades bancárias no sentido de se tornarem indisponíveis aos titulares das contas os valores constantes das mesmas, até ser decretado o arrolamento, bem como cancelados os movimentos dos cartões de crédito”.

            E, ainda, no âmbito da referida providência cautelar, foram arroladas as identificadas contas do ex-casal e, ainda, as aplicações financeiras associadas a tais contas bancárias, mas investidas em produtos financeiros na Seguradora O....

No entanto, entre os dias 2 e 24 de maio de 2011, ou seja, num período temporal que ocorreu antes do decretamento do mencionado arrolamento e, ainda, antes da notificação que o referido Tribunal efetuou ao Banco 1..., na sequência do despacho já referido, o réu procedeu ainda ao resgate de algumas aplicações financeiras associadas às referidas contas bancárias e, ainda, movimentou a débito tais contas.

Assim, contra a vontade, sem o conhecimento da aqui autora e em único e exclusivo proveito económico do réu, a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco 1..., com o nº  ...76 que, em 30.04.2011, apresentava os seguintes valores:

- Depósitos à ordem: …...............……………………… € 8.139,29; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ……………..……….. € 40.420,31, em 19.05.2011,  já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …......................…………………  € 5,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………………€ 7.827,89.

Também a conta bancária aberta em nome da autora e do réu, no Banco 1..., com o nº  ...05 que, em 30.04.2011,  apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: ………………………………… € 11.772,32; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: ………………..….... € 190.779,65, em consequência dos movimentos que o R. começou a fazer a partir do  dia 2 de maio de 2011, em 19.05.2011, já somente apresentava os seguintes saldos e/ou aplicações:

- Depósitos à ordem: …...............………………………€ 3.108,44; e,

- Seguros Poupança/Unit Linked: …….......………… € 181.953,73 (cfr. doc. ...).

Assim, da indicada conta com o nº  ...76, aberta no Banco 1..., o réu, entre o dia 2 e o dia 19 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor total de € 40.726, que este fez suas, em prejuízo da autora.

E da indicada conta com o nº  ...05, o réu entre o dia 3 e o dia 16 de maio de 2011, resgatou, transferiu e/ou levantou dessa mesma conta, incluindo aplicações financeiras que aí se encontravam efetuadas pelo casal, quantias que perfizeram um valor de € 17.489,90  que igualmente este fez suas, em prejuízo da autora.

Acresce que em 1 de maio de 2011, o R. recebeu das mãos do seu ex-sogro, pai da aqui autora, a pedido e por imposição daquele, as seguintes quantias que se encontravam guardadas na indicada casa de morada de família:

- € 1.600,00 em numerário; e, ainda,

- um cheque no valor de € 1.200,00, sacado sobre o Banco 1..., emitido por CC, quantias que igualmente fez suas, em prejuízo da autora.

Em resumo, no período temporal compreendido entre o dia 2 de maio e os dias 23/24 de maio 2011, do património comum do ex-casal, formado pela aqui autora e pelo réu, este levantou, transferiu, resgatou, recebeu e, ainda, fez somente suas as indicadas quantias de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 2.800,00 = € 61.016,29, prejudicando assim o réu a autora, na quantia de € 30.508,15, respeitante a metade daquele valor € 61.016,29, acrescido dos respetivos juros legais.

No procedimento cautelar nº 296/11...., a A. requereu ainda o arrolamento da viatura automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., cor azul, matrícula ..-DL-.., do ano de 2007, com cerca de 15.000 quilómetros que tinha sido adquirida, em 13.12.2010, pela autora e pelo réu, pelo preço de € 20.000,00, pago pelo cheque nº ...12, sacado sobre o Banco 1....

Tal viatura passou a estar na posse e na propriedade da autora e do réu, até ao dia 13.05.2011, altura em que este, sem o conhecimento, sem a autorização e contra a vontade da autora, a vendeu a terceiro, por se encontrar registada em seu nome, mas no estado de casado com a aqui autora,   por valor nunca inferior a € 15.000,00, prejudicando assim o réu a autora no seu património, em quantia nunca inferior a € 7.500,00.

A A. requereu ainda no identificado procedimento cautelar, o arrolamento de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca ..., cor azul, matrícula ..-..-NH, do ano de 1999, que era utilizada no dia a dia, pelo réu, quer pela autora, em trabalho, com o valor comercial nunca inferior a € 3.000,00 que à data de 06.05.2011 ainda se encontrava registada a favor do casal. Em 26.05.2011, o réu veio a vender a DD, por um valor nunca inferior a € 3.000,00, que fez igualmente seu, em prejuízo económico da autora, prejudicando assim o réu a autora no património pessoal desta, em quantia nunca inferior a € 1.500,00, respeitante a metade daquele valor.

Decretado o referido divórcio entre a autora e o réu, aquela, veio em 2015, requerer inventário subsequente ao referido divórcio para partilha dos bens comuns do ex-casal, inventário esse que veio a correr seus termos pelo Cartório Notarial ..., sob o nº 866/15, no qual foi cabeça-de-casal o réu que apresentou nos referidos autos uma relação dos bens comuns.

A autora, por ter entendido não terem sido relacionados todos os bens comuns do ex-casal, apresentou reclamação contra a mencionada Relação de Bens, acusando a omissão dos montantes depositados já referidos e da falta da relação dos  dois veículos automóveis, também acima referidos e também a omissão da relação de bens da quantia de 1.600,00 e da quantia inscrita no cheque no valor de 1.200,00 que o pai da A. entregou ao R., em 1 de maio de 2011, e que se encontravam na residência das partes.

Na diligência realizada no dia 2 de fevereiro de 2017, no âmbito do processo de inventário, foram as partes remetidas para os meios comuns, relativamente aos bens em causa nesta ação.

No processo de inventário foram apenas partilhados entre a autora e o réu, os saldos arrolados no procedimento cautelar de arrolamento, existentes quer no Banco 1..., quer na O..., mas não os valores que foram resgatados, levantados, recebidos e/ou transferidos pelo réu no período temporal compreendido entre o dia 28 de abril de 2011, data da detenção da aqui ré, como arguida no processo crime acima identificado, até à data em que o Banco 1... e, ainda, a O..., respetivamente, dias 24 e 23 de maio de 2011, procederam ao arrolamento ordenado pelo tribunal.

            Não foram também partilhadas em tal inventário as duas indicadas viaturas, nem as quantias alegadamente comuns que foram entregues pelo pai da A. ao R..

O réu ao fazer seus tais valores, agiu com o propósito de prejudicar a autora na sua esfera patrimonial, pois que impediu a partilha de tais bens e/ou valores entre a autora e o réu, por aquele processo de inventário nº ...5, acima referido.

Posteriormente ao indicado processo de inventário nº ...5, e, ainda, na sequência do decidido neste processo de inventário, na sua mencionada diligência de 2 de fevereiro de 2017, o aqui réu antecipando-se à autora, veio a propor no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, ação de processo comum, à qual foi atribuído o nº 2259/20...., que corre seus termos pelo Juízo Central Cível de Viseu – Juiz ....

Nesse processo, a aqui autora contestou e, ainda, deduziu pedido reconvencional, o qual veio a ser somente atendido em parte, tudo como melhor consta do despacho saneador proferido em 27.10.2021, que se junta.

A A. concluiu a petição inicial nestes autos, pedindo, designadamente, que:

“a) Deve o réu ser condenado a entregar à aqui autora a quantia de € 30.508,15, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 40.726,39 + € 17.489,90 + € 2.800,00 = € 61.016,29, que o réu retirou do património comum do ex-casal e fez seus, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, tudo nos termos alegados nos artigos 1º a 34º e 53º a 55º, acrescido dos respetivos juros vencidos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde 11.05.2017 a 10.05.2022, perfazendo os mesmos a esta data, 11.05.2022, a quantia de € 6.101,63, a que devem acrescer ainda os juros vincendos, contados sobre o valor de € 30.508,15, desde 11.05.2022 até integral e efetivo pagamento.

b) Deve ainda o réu ser condenado a entregar à aqui autora a quantia, pelo menos, de € 9.000,00, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 15.000,00 e € 3.000,00, referentes às mencionadas vendas que o réu fez dos veículos automóveis, acima referidos, os quais à data em que foram vendidos pertenciam ao património comum do ex-casal, formado pela autora e pelo réu, tendo este feito seus os respetivos preços, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, tudo nos termos alegados nos artigos 1º a 13º, 35º a 48º e 56º a 58º, acrescido dos respetivos juros vencidos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde 11.05.2017 a 11.05.2022, perfazendo os mesmos a esta data, 11.05.2022, a quantia de € 1.800,00, a que devem acrescer ainda os juros vincendos, contados sobre o valor de € 9.000,00, desde 12.05.2022 até integral e efetivo pagamento.”

O réu, regularmente citado nestes autos, apresentou contestação, na qual alegou que o direito que a autora se propõe exercer já está prescrito, por terem decorrido mais de três anos desde a data do conhecimento dos factos por parte da autora, nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.  

A A. já tem conhecimento do que alega na petição inicial desde 23 de Maio de 2011, quando a instituição bancária informou o Tribunal, na sequência do arrolamento, das quantias efetivamente arroladas, ou seja, há muito mais de três anos, pelo que à data em que instaurou a presente ação, há muito que tinha decorrido o prazo da prescrição de 3 anos previsto no art. 498º, nº 3 do C.Civil.

Mesmo que não se entenda que a A. tomou conhecimento dos pressupostos de facto do direito que invoca na data de 23 de Maio de 2011, indubitavelmente já tinha conhecimento em 07/07/2015, quando apresentou a reclamação contra a relação de bens e onde vem expressamente mencionar que houve os levantamentos que ora refere. Desde então também já passaram mais de 3 anos, não tendo havido qualquer facto interruptivo e suspensivo do prazo de prescrição.

De qualquer modo, a reclamação apresentada no inventário não tinha a virtualidade de interromper o decurso do prazo.

Com efeito, o inventario nunca é o lugar próprio para discutir a responsabilidade civil do ex-cônjuge e fixar indemnizações a favor do cônjuge lesado.

Na presente ação o seu fundamento (responsabilidade civil) e o objeto (restituição de metade dos saldos) são específicos, pelo que, enquanto tal, a ação é estranha e independente do processo de inventário.

A A. não tinha de discutir a responsabilidade civil do R. no processo de inventário, como não tinha que esperar pelo resultado deste para poder exercer o seu direito de indemnização, razão pela qual o prazo de prescrição iniciou o seu curso independentemente da instauração do processo de inventário e do seu desfecho.

Impugnou ainda os factos alegados e concluiu pela sua absolvição do pedido.

A autora respondeu, defendendo que não se verificava a prescrição, dado que a mesma não começa nem corre entre cônjuges e foi interrompida, quer pela dedução da  reclamação à relação de bens que apresentou no inventário, quer pela reconvenção que deduziu no processo comum n.º 2259/20...., quer pelo reconhecimento do réu na realização dos levantamentos em causa.

Foi conhecida no despacho saneador a exceção da prescrição invocada pelo réu que foi julgada improcedente.

O Réu não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1ª/ A reclamação contra a relação de bens apresentada pela Autora no inventário que correu seus termos no Cartório Notarial ..., em 7/7/2015, cuja decisão que pôs termo ao mesmo transitou em 6/9/2018 não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.

2ª/ Trata-se de um ato não judicial , pelo que não se enquadra no conceito de notificação judicial ou citação a que faz referência o art. 323º ,nº 1 do C. Civil.

3ª/ E o direito que com tal reclamação se pretendia exercer não tem a mesma natureza, logo não é o mesmo, que se pretende exercer na presente ação.

4ª/ Na verdade, “a extensão objetiva da interrupção de prescrição determina-se pelo pedido e causa de pedir, pois quando o art- 232º, nº 1 do C. Civil preceitua que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que exprima a intenção de exercer o direito tem de entender-se que se refere ao direito que se vem invocar na ação onde a prescrição é invocada “ (Acórdão da Relação de Guimarães de 21/4/2016, proc. 3194/15.7T8BRG.G1.)”.

5ª/ A presente ação tem o seu fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 1681º, nº 1 do C.Civil), atos intencionalmente praticados pelo réu em prejuízo da autora.

6ª/ O direito que a Autora pretende exercer na presente ação não é o de partilhar bens comuns como foi reclamado no inventário notarial, mas a uma indemnização pelos danos causados pelos alegados atos praticados pelo réu em prejuízo daquela.

7ª/ Por isso, o réu alegou no seu requerimento de 13/7/2022 que o pedido e a causa de pedir são diferentes na presenta ação e no inventário, sendo também diferentes os direitos que se pretendem exercer.

8ª/ Quando a autora apresentou a reclamação contra a relação de bens por falta de relacionação de determinados bens, não tinha razão, como se veio a verificar com a instauração da presente ação, pois não está em causa a falta de tal relacionação, mas sim a responsabilidade civil do réu, nos termos do art. 1681º.nº 1 do C.C.).

9ª/ A presente ação não foi sequer instaurada no âmbito da remessa dos interessados para os meios comuns decidida pela Sra. Notária, pois não se tratou de uma ação onde se pretende seja declarada a existência dos bens em causa como comum e como tal sujeitos à partilha entres os ex-cônjuges, mas sim de uma ação instaurada por um ex- cônjuge o contra o outro, que, na qualidade de administrador dos bens comuns, alegadamente praticou intencionalmente atos em seu prejuízo.

10ª/ Tratando-se de direito de natureza diferente o visado na reclamação contra a relação de bens, mesmo que considerássemos a notificação daquela como uma notificação judicial, não tem ela a virtualidade de interromper a prescrição do direito que a autora pretende exercer na presente ação.

11ª/ De qualquer modo, entendendo-se como decidiu a Meritíssima Juíza a quo , que tal reclamação tem tal virtualidade , temos que considerar que interrompido o prazo de prescrição através da mesma , não pode o mesmo voltar a ser interrompido através da reconvenção deduzida na ação nº 2259/20.....

12ª/ Na verdade, como ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/11/2013, proc. 7624/12.1TBMAI.S1:

“ sabendo-se que a interrupção do prazo prescricional inutiliza todo o que decorre antes do ato interruptivo, iniciando-se novo prazo igual ao primitivo, não será difícil de perceber que não pode admitir-se sucessivas interrupções” (…)

13ª / Admitir a interpretação de que o prazo de prescrição pode ser interrompido várias vezes pela manifestação da intenção de exercer o direito é violar o disposto no art. 300º do C. Civil, como tal refere expressamente o Acórdão acabado de citar.

14ª/ Assim lê-se neste mais adiante :

 “Ora , não se vê que a citação ou notificação judicial a que se refere o nº 1 do art. 323º possam ser usadas para interromper mais do que uma vez o prazo prescricional”.

15ª/ Posto isto, numa primeira fase a prescrição ocorria três anos após o trânsito em julgado que decretou o divórcio, ou seja, a prescrição ocorria em 26/10/2015, sendo esta a data em que, salvo o devido respeito, a mesma ocorreu mesmo, já que a reclamação contra a relação de bens não tem a virtualidade de a interromper.

16ª/ Todavia, mesmo que se entendesse que tal reclamação tinha essa virtualidade, então tendo a decisão que pôs termo ao inventário transitado em julgado em 6/9/2018, a prescrição ocorreria em 6/9/2021 e daqui não passava, por não ser possível interrompê-la outra vez, sendo de todo irrelevante a contestação/reconvenção apresentada pela Autora na ação nº 2259/20.....

17ª/ Esta contestação/reconvenção nunca pode ser considerada um ato interruptivo em hipótese nenhuma, pois ou se trata de uma segunda interrupção, como tal não admissível (caso de a reclamação contra a relação de bens ter a virtualidade de interromper o prazo) ou quando foi apresentada em 1/9/2020 já o direito tinha prescrito em 26/10/2015 (caso de a reclamação contra a relação de bens não ter efeito interruptivo), como se diz na conclusão 15ª.

18ª/ Em qualquer das hipóteses (referidas respetivamente nas conclusões 16ª e 17ª) a presente ação ao ser instaurada em 11/5/2022 foi muito depois de qualquer daqueles prazos (26/10/2015 ou mesmo 6/9/2021).

19ª/ Pelo que a exceção da prescrição invocada deve considerar-se verificada, julgando-se provada e procedente.

20ª/ Foi violado o disposto nos arts. 300º, 323.º, nº 1, na medida em que o direito invocado no ato interruptivo tem que ser o mesmo que se pretende exercer na ação, o acto interruptivo tem que ser realizado em processo judicial, e só pode ser feita a interrupção uma única vez.

Não foram apresentadas contra-alegações

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se a reclamação de bens em processo inventário pode valer como  ato interruptivo da prescrição;

. em caso afirmativo, se o prazo de prescrição previsto no artº 498º do CC voltou a interromper-se, mediante a reconvenção deduzida na ação (proc. 2259/20....) que o R. instaurou contra a A..

III - Fundamentação

            A situação factual  é a supra descrita, resultando ainda dos autos os seguintes factos (admitidos por acordo ou provados por documentos) com relevo para o conhecimento do presente recurso:

            . A e R. casaram um com o outro em .../.../1995.

.O casamento foi dissolvido por divórcio por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Tondela, ... juízo, em .../.../2012, nos autos de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, instaurados pela também aqui A., contra o também aqui R. (proc. 296/11....) que transitou em julgado nessa data.

            .Préviamente à instauração da ação de divórcio que foi  instaurada em 30.06.2011,  a A. requereu, em 04.05.2011, contra o R. procedimento cautelar de arrolamento de bens.

.Em 26 de maio de 2011 procedeu-se ao arrolamento dos bens, tendo designadamente se procedido ao arrolamento das contas bancárias abertas pelas partes no ... com os nºs  ...76 e  ...05, e das aplicações financeiras que as partes detinham na O..., SA, associadas a estas contas.

. Correu termos pelo Cartório Notarial ..., o inventário para partilha dos bens do dissolvido casal, formado pela A. e pelo R., autos em foi requerente a A. e requerido o R., o qual desempenhou as funções de cabeça-de-casal.

. Apresentada a relação de bens pelo R., a A. veio deduzir incidente de reclamação, onde, designadamente, acusou a falta na relação de bens das quantias a que se refere nesta ação, requerendo que o cabeça de casal relacionasse os  valores em falta e acusou também a falta de relação das viaturas automóveis a que se refere na petição inicial e requereu a sua inclusão na relação de bens.

. No dia 2 de Fevereiro de 2017 no âmbito do processo de inventário foi decidido remeter os interessados para os meios judiciais comuns, relativamente aos seguintes bens:

“Todo o dinheiro que não se encontrar arrolado no auto de arrolamento – processo 206/1...., a confirmar no prazo de 20 dias acima referido e ainda:

A verba nº 32 (Casa) – Questão que se prende com a sua titularidade e ainda os bens que se discutem nos artigos nºs 60.1 e 60.2 da Reclamação – Veículo automóvel – ..., modelo ... e ...; e ainda,

As questões/bens constantes dos Artigos nºs 61º a 75º da Reclamação”.

. No inventário foi proferida sentença de homologação do acordo efetuado  pelos interessados que transitou em julgado em 06.09.2018.

. Posteriormente ao processo de inventário nº ...5, o réu instaurou contra a A. no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, ação de processo comum, à qual foi atribuído o nº 2259/20...., que corre seus termos pelo Juízo Central Cível de Viseu – Juiz ....

. Nesse processo, a aqui autora contestou e deduziu pedido reconvencional, pedindo, designadamente que venha a ser declarado que os valores respetivamente de 40.726,39 + € 17.489,90 + € 12.203,26 + 2.800,00 + 25.000,00 + 3.000,00 + 4.109,40 e ainda o valor de 280,22, no total de 105.608,97 são bens comuns do ex casal, mas foram resgatados, levantados, transferidos ou alienados pelo A. em seu único e exclusivo proveito antes da propositura do procedimento cautelar, também durante o mesmo e até durante a ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e, consequentemente, devem os referidos valores serem restituídos pelo autor ao património comum do ex-casal para virem a ser partilhados entre si, acrescidos de juros.

. O despacho saneador foi proferido em 27.10.2021 e transitou em julgado, apenas tendo sido admitida a reconvenção em parte, nos termos constantes do despacho saneador junto à petição inicial.

Da interrupção da prescrição

A prescrição é uma forma de extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo. Encontra-se referida no n.º 1 do artigo 298.º do CC e regulada, enquanto instituto geral, nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil.

A prescrição é uma exceção perentória cuja verificação determina a absolvição do pedido. No entanto, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, já que carece de ser invocada por aquele a quem aproveita, como decorre do artigo 303.º do Código Civil.

O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil). Para além do prazo ordinário de prescrição, o legislador estabelece alguns prazos mais curtos de prescrição, que denomina prescrições presuntivas (são os casos, por exemplo, das prescrições de cinco anos, de seis meses e de dois anos previstas nos artigos 310.º, 316.º e 317.º do Código Civil).

 Os prazos de prescrição começam a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido. O decurso do prazo de prescrição pode ser suspenso ou interrompido. A suspensão do prazo de prescrição determina que o período durante o qual se verificou não pode ser incluído na contagem do prazo de prescrição. A interrupção do prazo de prescrição determina a inutilização do tempo decorrido, iniciando-se a contagem do prazo integral a partir do ato que determinou a interrupção (artº 326º do CC).

A interrupção pode resultar da iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar,  sempre que  dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de exercitar o direito (art. 323.º CC), como por atos do beneficiário da prescrição (reconhecimento pelo devedor - art. 325.º CC).

Uma vez que a citação ou a notificação pode demorar,  se a demora não resultar de causa imputável ao requerente, estatui o nº 2 do art. 323.º do CC que o efeito interruptivo se verifica cinco dias depois daquelas diligências terem sido requeridas, se, entretanto, ainda não tiverem sido feitas, ficcionando-se que a citação foi nesse momento efetuada.

            No despacho recorrido entendeu-se que o prazo de prescrição aplicável era o de três anos, a que alude o artº 498º, nº 1 do CC, o que não foi posto em causa pelo apelante.

            O apelante vem alegar que a apelada já tem conhecimento dos factos que alega na petição inicial desde 23 de maio de 2011, data em que o Banco informou o Tribunal das quantias efetivamente arroladas, ou seja, há muito mais de três anos, pelo que ao instaurar a presente ação apenas em 11.05.2022, há muito que o seu direito de crédito prescreveu.

Na decisão recorrida entendeu-se que a A. teve conhecimento dos factos em 24.05.2011, mas que o prazo de prescrição só começou a correr a partir de 26.10.2012, data em que transitou em julgado a sentença que decretou o divórcio entre os cônjuges, uma vez que, nos termos do artº 318º, alínea a) do CC,  a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges, o que o apelante também não pôs em causa no seu recurso.

O apelante discorda do entendimento que foi feito na decisão recorrida, no sentido de que a reclamação contra a relação de bens, onde foi suscitada a omissão dos bens em causa nestes autos, possa ser entendida como a notificação de qualquer ato judicial que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, conforme exige o artº 323º, nº 1 do CC, para que se produza o efeito interruptivo, uma vez que o direito que se pretendeu exercer no inventário foi o de partilhar os bens comuns e nestes autos, pretende-se uma indemnização por alegados atos praticados pelo apelante em prejuízo da apelada.

            Para que haja lugar à interrupção não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito. Pode verificar-se num ato preparatório (procedimento cautelar) e basta que o ato do titular do direito, objeto da citação ou notificação, exprima direta ou indiretamente, a intenção de o exercer.

O artº 1681º do CC consagra o direito do cônjuge não administrador fazer responder aquele que administra, por atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge, ainda que tais bens pertençam ao património comum do casal. Na ação de responsabilidade civil prevista no art. 1681 nº 1 do CC  ir-se-á apreciar se se verificam (ou não) os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente; a ilicitude desse facto; o nexo de imputação do facto ao lesante; a existência de danos; o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado e o prazo de prescrição é o de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (artº 498º, nº 1 do CC).

Na reclamação de bens que deduziu no processo de inventário, a reclamante, ora A., pede que sejam relacionados, designadamente,  os seguintes depósitos e aplicações financeiras:

Conta ...42 ...

.depósitos à ordem 8.139,29

. Seguros Poupança/Unit Linked 40.420,31;

Conta ...91 ...

.Depósitos à ordem……..11.772,32;

Seguros Poupança/Unit Linked…….190.779,65;

Concluindo não ser correto o valor relacionado pelo cabeça-de-casal sob a verba 1 porque o correto era 11.772,32, acrescido dos respetivos juros legais; não ser correto o valor relacionado sob a verba 2 porque o correto era 8.139,29, acrescido dos respetivos juros legais; não se  mostrando também corretamente relacionados os valores descritos sob as verbas nºs 3 a 6, porquanto  na conta bancária com o nº ...42 em 04.05.2021 encontrava-se aplicado pelo ex-casal em Seguros Poupança/Unit Linked 40.420,31 e na conta bancária com o nº ...91, em 02.05.2011 encontravam-se aplicados 190.779,65 que deverão ser assim relacionados, acrescidos dos respetivos juros legais desde a data em que ocorreram os levantamentos pelo cabeça-de-casal.

Acusou ainda a falta na relação de bens do montante de 1.600,00 em numerário e de um cheque no valor de 1.200,00, que se encontravam na residência do casal e que foram entregues ao R. pelo seu então sogro e que revestiam também a natureza de bens comuns.

E acusou também a falta de relação dos  veículos automóveis de marca ..., matrícula ..-DL-.. a que atribuiu o valor de 3.000,00 e de marca ..., matrícula ..-..-NH  a que atribuiu o valor de 40.000,00.    

Relativamente a estes bens não foi efetuada partilha e os interessados foram remetidos para os meios comuns.

Com a presente ação a A. pretende que o R. seja condenado a:

. entregar à aqui autora a quantia de € 30.508,15, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 40.726,39 + € 17.489,90 (montantes depositados e aplicados) + € 2.800,00 (numerário e cheque entregues ao R. e que se encontravam na casa de morada de família = € 61.016,29, que o réu retirou do património comum do ex-casal e fez seus, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, acrescido dos respetivos juros vencidos, e ainda dos juros vincendos, até integral e efetivo pagamento.

. entregar à aqui autora a quantia, pelo menos, de € 9.000,00, respeitante a metade dos valores, acima referidos, respetivamente de € 15.000,00 e € 3.000,00, referentes às mencionadas vendas que o réu fez dos veículos automóveis, acima referidos, os quais à data em que foram vendidos pertenciam ao património comum do ex-casal, formado pela autora e pelo réu, tendo este feito seus os respetivos preços, em prejuízo da aqui autora, na indicada proporção de metade, acrescido dos respetivos juros vencidos e dos juros vincendos, até integral e efetivo pagamento.

            Alega que tais os referidos veículos automóveis e as referidas quantias não foram partilhados no inventário, alegando os factos e as pertinentes normas jurídicas de onde conclui que estes bens eram comuns.

            O ato que exprime a intenção de exercer o direito pode manifestar-se direta ou indiretamente (artº 323º, nº 1 do CC).

O ato  exprime diretamente a intenção de exercício do direito quando se integra no próprio processo onde ele é exercido; e exprime indiretamente essa intenção quando torna o obrigado ciente de que ulteriormente se instaurará o processo em que o direito será exercido.

            E esse ato pode ser um incidente de reclamação de bens que foi notificado à parte contrária. O artº 323º, nº 1 do CC apenas exige que o ato exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

No caso não suscita dúvidas que a intenção do exercício do direito foi manifestada diretamente pela A. ao deduzir o incidente de reclamação quanto à relação de bens apresentada pelo R.. A sua intenção não foi indireta, no sentido de lhe dar apenas conhecimento de que em breve iria instaurar ação contra si.

A intenção de exercer o direito cuja manifestação em sede judicial permite interromper o prazo de prescrição tem de se reportar ao direito cuja prescrição está em questão e não a qualquer outro direito (cfr. se defende no Ac. do TRP de 22.06.2006, proc. 0633356, acessível em www.dgsi.pt), pelo que é relevante a causa de pedir e o pedido formulado. No entanto, não se entende que para que o efeito interruptivo atue, tenha de haver identificação total entre as causas de pedir e os pedidos formulados, pois que a lei não o exige.

A questão é complexa e tem de ser analisada tendo em conta as particularidades de cada caso.

Tanto na reclamação de bens, como na presente ação, como na reconvenção que a apelada deduziu no processo 2259/20....,  os factos são os mesmos -  os bens descritos – dinheiro, aplicações financeiros e veículos automóveis - foram adquiridos na pendência do matrimónio e os cônjuges eram casados sobre o regime de comunhão de adquiridos, pelo que tais bens são comuns e o réu dispôs deles sem o consentimento da A., utilizando-os em seu proveito próprio.

A administração dos bens do casal encontra-se regulada no artigo 1678.º, do Código Civil.

Nos termos deste preceito, em princípio, os bens comuns estão sujeitos à administração de ambos os cônjuges, cada um deles apenas tem a administração dos seus bens próprios, a administração dos bens expressamente indicados nas diversas alíneas do n.º 2 do preceito, independentemente de serem bens próprios ou comuns, e ainda a administração dos bens na qual consentir o outro cônjuge.

Pode, portanto, um dos cônjuges administrar bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir mandato para o efeito (e não dizendo a lei que o mandato seja expresso, parece que nada obsta a que o mesmo seja tácito) e administrar bens comuns mediante consentimento do outro cônjuge (que parece poder revestir a forma de simples autorização, expressa ou tácita, ou constituir um verdadeiro contrato de mandato).

 Efetivamente, o pedido não é o mesmo, porque na reclamação de bens o que se pede é a relação dos bens omissos para que sejam partilhados e na presente ação pede-se a condenação do R. a pagar à A. as quantias que peticiona, estando, no entanto em causa, as mesmas quantias.

            Embora a causa de pedir  não seja totalmente coincidente em todas as ações, não suscita quaisquer dúvidas que o núcleo essencial de factos é coincidente, o que o próprio apelante reconhece nos arºs 27 e 28 da contestação e o fim que se pretende atingir é exatamente o mesmo.  O  efeito útil do incidente, da reconvenção e da presente ação acaba por ser o mesmo, embora através de diferentes  enquadramentos jurídicos -  conferir ao património da A. metade do dinheiro depositado, aplicado ou entregue e metade do valor da venda das duas viaturas automóveis, acrescido de juros.

            Ainda que no processo do inventário a A. não pudesse formular o pedido que formula nesta ação,  com fundamento no artº 1681º do CC,  o ato praticado não deixa de produzir efeitos, pois que foi dado conhecimento ao R. da pretensão da A.. de conferir ao seu património metade do valor de determinados bens, abrangendo os que estão em causa nesta ação.

            À pretensão da autora de receber metade dos saldos das duas contas bancárias que identifica e das aplicações financeiras a elas associadas, metade do valor/preço de venda dos veículos automóveis e metade dos valores – 2.800,00 -  entregues pelo seu pai ao R.,  bens que qualifica como comuns, cabe mais do que um enquadramento jurídico.

            Assim, pelo menos em 05.10.2015, data em que o R. foi notificado de reclamação,  interrompeu-se a prescrição que só voltou a correr, depois de ter passado em julgado a decisão que pôs  termo ao processo, no caso a sentença que homologou o acordo efetuado pelas partes, em 06.09.2018, começando a correr novo prazo de prescrição (artº 327º, nº 1 do CC).

            O apelante defende que o prazo de prescrição só se pode interromper uma vez, não podendo a apelada beneficiar de novo prazo interruptivo com a notificação da reconvenção.

            A sentença recorrida não se pronunciou sobre essa questão que o R. apenas suscitou em sede de recurso,  constituindo, portanto uma questão nova, relativamente à qual a 1ª instância não se pronunciou, estando vedado à Relação o seu conhecimento.

            Mesmo que assim não entenda, não lhe assiste razão.

            O aqui Réu instaurou ação contra a aqui A. -  processo 2259/20....  que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Central Cível de Viseu – Juiz ... – pedindo que se condene a R. a reconhecer que o prédio que constituía a verba nº 32 da relação de bens apresentada no inventário para separação de bens das partes, relativamente ao qual foram os interessados remetidos para os meios comuns, seja considerado bem comum do A. e da R., sem prejuízo da compensação que aquele terá quanto ao valor da casa até à 1ª placa e a R. terá quanto ao valor do prédio antes do início da construção da casa, a liquidar.

A aqui A. e aí R. apresentou contestação e deduziu reconvenção, nos termos já reproduzidos. O pedido reconvencional não foi admitido em parte, por se entender não estarem reunidos os pressupostos da reconvenção.

            Não se trata aqui de situação idêntica à que é tratada no acórdão citado pelo apelante, no sentido da prescrição não poder voltar a ser interrompida (Ac. do STJ de 05.11.2013, proc. 7624/12.1TBMAI.S1, acessível em www.dgsi.pt). Neste acórdão entendeu-se “não pode admitir-se sucessivas interrupções através de notificação judicial avulsa, sob pena de se criar enorme insegurança na ordem jurídica, e, sobretudo, sem se destruir a razão de ser do próprio instituo da prescrição”. Mais se entendeu que ao admitir-se  sucessivas notificações judiciais avulsas,  estava descoberta a maneira de defraudar a lei, ignorando-se os prazos prescricionais, que, por via de sucessivas notificações judiciais avulsas, se renovariam periodicamente, à vontade do titular do direito, sem nunca se esgotarem.

            Mas no caso presente, a apelante não tem lançado mão de sucessivas notificações judiciais avulsas para interromper a prescrição. A razão de ser da prescrição radica na inércia do titular do direito. O titular apesar de nas notificações judiciais avulsas dar conhecimento de que pretende instaurar a ação, não o faz.

            Mas esse não é o caso da A.. Esta, insistentemente, tem recorrido aos meios judiciais para tentar fazer valer o direito que se arroga. Primeiramente através do incidente deduzido contra a relação de bens e depois por via da reconvenção que apresentou no processo 2259/20...., embora  sem sucesso.

Não se verificam assim aqui as mesmas circunstâncias que subjazem ao entendimento defendido no acórdão em que o apelante se fundamenta.

A lei não proíbe que o prazo de prescrição  possa ser interrompido por mais de uma vez.

            A apelante tem reiteradamente tentado obter o que visa também obter por via desta ação.

            Com a reconvenção deduzida, a apelante voltou a manifestar diretamente a intenção de serem considerados comuns os bens em causa e de metade do seu valor ser considerado no seu património, pelo que se interrompeu de novo a prescrição, pelo que, à data da instauração da presente ação – 11.05.2022 - ainda não tinham decorridos três anos sobre a data da segunda interrupção (considerou-se data de 07.10.2020, data  em que a resposta à contestação com reconvenção foi deduzida, no desconhecimento da data em que o autor foi notificado do articulado da ré).

            Sumário:

            (…).

IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes desta 1º seção em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

            Custas pelo apelante.

            Notifique.

            Coimbra, 2 de maio de 2023