Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3934/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: ACIDENTE FERROVIÁRIO
SUCESSÃO DA CP PELA REFER
CULPA PRESUMIDA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA REDE FERROVIÁRIA NACIONAL - REFER
EP.- E DO CHEFE DA ESTAÇÃO.
Data do Acordão: 02/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 500º E 503º, DO CÓDIGO CIVIL E 14º, DO DL 104/97, DE 29.04
Sumário: I A Rede Ferroviária Nacional sucedeu na posição jurídica da CP Caminhos-de-Ferro Portugueses, contratual ou não, nas relações directamente ligadas ao exercício do seu objecto, quer de serviço público quer de actividades acessórias, por força do DL 104/97.
II Deste modo ~ a REFER responsável pelo pagamento de indemni-zação a passageira de comboio da CP, que no dia 6 de Maio de 1996, achando-se o comboio imobilizado no interior de uma estação para entrada e saída de passageiros, ao descer os degraus de uma das portas da carruagem em que seguia, caiu sobre a linha-férrea em consequência de solavanco provocado pelo reinício da marcha do comboio.

III Pelo pagamento da indemnização é também responsável, solida-riamente, o Chefe da Estação que deu instruções ao maquinista do comboio para reini-ciar a marcha e que não provou não haver culpa da sua parte.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


No processo comum, nº 0198/99.9TBACB, com intervenção do Tribunal Singular, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela ofendida A... e, em consequência, condenou-se solidáriamente:
- os demandados “REFER, E.P.” e B... a pagarem à demandante A..., a título de danos patrimoniais, a quantia de € 3.197,29
(três mil cento e noventa e sete euros e vinte e nove cêntimos), a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos, desde a notificação do pedido cível às demandadas, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento;
- os demandados “REFER, E.P.” e B... a pagarem à demandante A..., a título de danos morais, a quantia de € 59.855,74 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos a partir da notificação da presente sentença, à taxa legal de 4% (quatro) a partir desta data (Portaria nº 291/2003, de 8/4, tudo até efectivo e integral pagamento;
- Julgou-se a demandada “CP – Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., parte ilegítima quanto ao pedido cível deduzido pela demandante A... e, assim, absolveu-se a mesma da instância cível.
Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso “Rede Ferroviária Nacional – Refer E. P.” e B..., sendo que na respectiva motivação concluíram:
a) -Conforme demonstrado não existe sucessão automática entre a REFER e a CP e ao invés da interpretação que foi vertida na douta sentença, os protocolos interpretados em conjugação com o Decreto-Lei 104/97 de 29.4, apontam claramente, como ficou demostrado, a solução a adoptar em caso de desacordo quanto à responsabilidade civil contratual ou não,
b) -Ou seja o Decreto-Lei que criou a REFER e os Protocolos não tratam só de questões meramente formais, mas sim estabelecem regras legais na questão da assunção da responsabilidade com vista a evitar as conclusões vertidas na douta sentenças a fls. 11 in fine e fls 12 da mesma, conforme supra se referiu,
c) -Evitando-se assim e salvo o devido respeito, a interpretação feita pelo Meritíssimo juiz a quo ao D.L. n.o 104/97 e aos protocolos, levando-nos à conclusão absurda e contra /egem de que a REFER teria que assumir todas as indemnizações em que a CP como empresa transportadora de caminhos de ferro fosse condenada, sempre que fosse invocado lato sensu, o estipulado no artº 14º daquele diploma legal
d) -Aliás nesta matéria convém ter presente o estipulado nos artº 2º e 3º do D.L. nº 104/97 que definem e limitam a natureza e objecto, assim como outras atribuições e competências da REFER, sendo certo que, o transporte de passageiros, a venda de bilhetes, não são atribuições, nem são da competência da REFER.
e) -Pelo que esta interpretação viola os artº 2º e 3 do referido Decreto-Lei.
f) -Como se alcança da douta sentença ora recorrida o arguido agiu de acordo com o entendimento de um homem médio colocado na mesma situação cumprindo estrita e zelosamente os regulamentos do Departamento de Transportes da C.P. em vigor na altura, não lhe sendo portanto exigível outra atitude,
g) -Sendo certo que o maquinista só deveria retomar a sua marcha se nada se opusesse, ou seja o maquinista também verificou pelo espelho retrovisor se não havia movimentação de passageiros e ao certificar-se arrancou com o comboio.
h) -Quem inicia a marcha e quem conduz o comboio é o maquinista sendo as outras pessoas, revisor e Chefe da Estação pessoal auxiliar da referida partida.
i) -Pelo que e com o devido respeito, não se podem fazer as interpretações extensivas plasmadas na douta sentença sobre esta matéria, sendo que, e salvo outra opinião, esta matéria está devidamente regulada não só no nosso pais como em normas europeias dos caminhos de ferros,
j) -Não se podendo inovar nem tão pouco legislar sem articulação das normas de circulação e segurança ferroviárias comunitárias.
I) -Por outro lado também não podemos concluir pela existência da relação comissário/comitente entre o arguido e a REFER, até porque na altura, o arguido era trabalhador da CP, e a circulação de comboios assim como o seu movimento eram e são hoje da responsabilidade e competência da CP -Caminhos de Ferro portugueses
m) -A douta sentença ora recorrida deve ser considerada nula por violar o Decreto-Lei nº 104/97 de 29.4
n) -A douta sentença ora recorrida deverá também ser considerada nula por interpretar erradamente os protocolos e fazer interpretação extensiva com base em pressupostos não provados, e sem base legal.
o) -Assim deve a REFER e o arguido B... serem absolvidos com as legais consequências.
p) -Por outro lado e relativamente ao pedido cível, a condenação da REFER no pagamento da indemnização assenta no pressuposto de que nos termos do Artº 14º do Decreto-Lei nº 104/97 de 29.4, a mesma havia sucedido à C.P.
q) -Contudo, desde logo, tal pressuposto padece de errada interpretação do citado diploma legal, porquanto, para que houvesse lugar à sucessão na posição jurídica da acção, havia a necessidade de estabelecer acordo e protocolo específico celebrado entre a REFER e a C. P.
r) -Não tendo havido tal sucessão e não restando quaisquer dúvidas que "os prejuízos que advieram para a Dª A... foram causados por uma acção advinda de um comboio pertencente à C. P." (v.d. sentença), que à data do evento detinha também o controlo e coordenação da circulação ferroviária, é absolutamente injusta a condenação da REFER, no pagamento da indemnização, por factos, que não lhe são imputáveis.
PEDIDO
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis deve, pois:
Revogar-se a aliás mui douta sentença recorrida, relativamente ao pedido cível e na parte em que absolve a C. P. Caminhos de Ferro Portugueses e condena a recorrente ao pagamento da indemnização, acrescidos de juros à taxa legal de 10% desde a citação.
Absolver-se a Rede Ferroviária Nacional REFER. E. P., do pedido e condenar a C. P. Caminhos de Ferro Portugueses ao pagamento da respectiva quantia, à autora.
Face ao exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada justiça.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu os “Caminhos de Ferro Portugueses. E.P.” pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs apenas visto.

Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso é restrito à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do art 410 nº 2 do Código Processo Penal.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1) No dia 6 de Maio de 1996, cerca das 14.20 horas, a queixosa A..., descia o primeiro de três degraus de uma das portas da carruagem do meio do comboio da C.P. nº 6421;
2) Tal comboio encontrava-se imobilizado na estação de São Martinho do Porto, provindo das Caldas da Rainha, sendo composto por três carruagens;
3) O degrau que a ofendida descia situa-se no interior da carruagem e não era facilmente visível pelo Chefe da Estação que se encontrava no início da mesma, situado ao lado do maquinista e no exterior do comboio;
4) Quando o B..., Chefe de Estação, não viu qualquer saída de passageiros, deu instruções acenando uma bandeira e apitando ao maquinista, para que reiniciasse a sua marcha;
5) Outras pessoas encontravam-se no degrau supra referido com a intenção de sair naquela estação, o que o B... não viu, pois o degrau situa-se no interior da carruagem;
6) O maquinista reiniciou então a marcha;
7) Em consequência do solavanco provocado pelo reinício da marcha do comboio, a ofendida, apesar de agarrada ao varão da porta, desequilibrou-se, caindo sob a linha férrea;
8) Em consequência de tal queda, as rodas do comboio em andamento passaram sobre a perna direita da queixosa;
9) Provocando-lhe lesão por esmagamento da perna e pé direitos, com destruição óssea, muscular, aponevrótica e neurovascular;
10) Em consequência de tal lesão foi necessário proceder à amputação pelo terço inferior da coxa da perna direita da ofendida, que, por isso, esteve doente pelo menos entre a data do acidente e 8.7.97 e ficou com uma incapacidade permanente parcial de 70%;
11) A saída das pessoas da carruagem em apreço processava-se sem delongas;
12) Mediou alguns instantes entre a saída de passageiros que precediam a queixosa e a sua intenção de saída, o que levou o B... a convencer-se de que nenhum passageiro se encontrava a efectuar a descida;
13) Apesar de o arranque do comboio não ter sido brusco, mas sim selectivo, o certo é que foi aquele movimento inesperado que desencadeou a queda da ofendida;
14) Face às lesões sofridas pela ofendida, a mesma não consegue fazer as mais elementares tarefas domésticas, nomeadamente comida, lavar a roupa, limpar a casa ou efectuar a sua própria higiene pessoal;
15) Necessitou de solicitar a assistência domiciliária que lhe vem sendo prestada pela Fundação Manuel Francisco Clérigo, que diariamente vai a sua casa;
16) A ofendida tem uma prótese que não utiliza pois não consegue adaptar-se à mesma;
17) Por essa razão desloca-se actualmente numa cadeira de rodas;
18) Sente-se infeliz, sozinha e descontente com a vida, alegando vulgarmente que "é preferível a morte";
19) Sofreu na altura do acidente muitas dores, quer aquando do acidente, quer em resultado da operação;
20) Na altura do acidente a ofendida receou pela vida ao constatar que o comboio lhe trucidava a perna;
21) Após o acidente a ofendida despendeu a quantia de 550.000$00, quantia que constituiu a retribuição a uma pessoa que a auxiliava;
22) Desde Maio de 1998 passou a pagar à identificada Fundação a quantia mensal de 13.000$00 pelo auxílio que lhe é prestado;
23) A ofendida após o acidente ficou na expectativa de que a prótese lograsse substituir a perna;
24) Porém ao verificar que não conseguia adaptar-se à mesma ficou deprimida e actualmente, em razão do estado em que se encontra, mostra-se abatida necessitando de ser auxiliada por anti-depressivos;
25) A ofendida, apesar da sua avançada idade pois tinha 77 anos aquando do acidente, era uma pessoa saudável e dinâmica, auxiliando o seu filho, com quem vive;
26) Executava as lides domésticas e visitava familiares e amigos residentes nas imediações da sua residência;
27) É remediada a sua situação social e económica;
Provou-se ainda que:
28) Do oficio constante de fls. 266, datado de 5 de Agosto de 1998, remetido pelo Ministério do Equipamento e da Administração do Território ao Presidente do Conselho de Gerência da C.P. -Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., relativo ao assunto "Sucessão de posições jurídicas; protocolo relativo a ILD 's; protocolo relativo a acções judiciais", consta:
"Em referência ao oficio de V Ex. ano ° 660-A, de 98.3.23, junto devolvo os originais dos protocolos mencionados em epígrafe após este processo ter merecido de Sua Excelência o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território o seguinte despacho:
"Visto o parecer da Secretaria de Estado, aprovo.
Ass) João Cravinho
30/7/98".
29) Do "despacho" constante de fls. 269, datado de 13 de Janeiro de 1999, do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, João Cravinho, consta:
"(..).
Dificuldades supervenientes relativas designadamente à gestão dos efectivos do pessoal ferroviário impediram a implementação das referidas atribuições de gestão durante o prazo previsto, fazendo-o assim coincidir com a data de 1 de Janeiro de 1999, em que igualmente são assumidas as atribuições de comando e controlo da circulação, nos termos da alínea d) do n. ° 1 do referido artigo 10º.
Assim, ao abrigo do disposto nos nºs 1, alínea c), e 2 do artigo 10 e do n° 5 do artigo 12º ambos do Decreto-Lei n° 104/97, de 29 de Abril, determino que as atribuições de gestão da capacidade das infra-estruturas ferroviárias, actualmente atribuídas à CP -Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., sejam assumidas pela Rede Ferroviária Nacional- REFER, E.P., com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 1999".
30) Do "protocolo relativo a acções judiciais" constante de fls. 468 e segs./641 a 657, outorgado entre a "C.P. -Caminhos de Ferro Portugueses, E.P." e a "Rede Ferroviária Nacional, E.P.", aprovado pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território nas condições referidas no facto 28°), consta:
"Considerando que:
Foram transferidas para a REFER as atribuições correspondentes a investimentos e conservação de infra-estruturas, com efeitos a partir de 1.7.97 e 1.1.98, respectivamente;
Foi previsto no n. ° 3 do art. 2° dos referidos protocolos que a sucessão da REFER na posição processual da CP nas acções judiciais pendentes relativas às actividades transferidas seria objecto de protocolo especifico,
É, livremente e de boa fé, celebrado o presente protocolo nos termos dos artigos seguintes:
1) A REFER sucede na posição processual da CP nas acções judiciais identificadas nos Anexos I e II.
2) A sucessão referida no artigo anterior processar-se-á faseadamente, durante o presente ano civil, em função do estado dos processos, de acordo com um critério de prioridade baseado no menor estado de adiantamento dos processos.
3) O faseamento referido no artigo anterior concretizar-se-á nas seguintes fases de transferência:
1ª Fase -Início das férias judiciais da Páscoa de 1998;
2ª Fase -Início das férias judiciais do Verão de 1998;
3ª Fase -Início das férias judiciais do Natal de 1998;
Os processos judiciais a incluir em cada uma das referidas fases são os identificados nos Anexos.
4º)
1 -Independentemente do momento da habilitação processual decorrente do faseamento previsto no artigo 3º são de conta da REFER os encargos judiciais das acções a transferir desde a data da assunção das atribuições com elas relacionadas.
2 -São igualmente de conta da REFER todas as quantias que a CP seja condenada a pagar nas acções judiciais mesmo antes de ocorrer a transferência dos processos.
5) (..).
6) A CP requererá a habilitação da REFER nas acções judiciais identificadas nos Anexos com a antecedência de 30 (trinta) dias em relação às datas indicadas no artigo 3°.
7) Se após a assinatura do presente protocolo vierem a ser propostas acções judiciais, relacionadas com as atribuições transferidas, ainda que por factos anteriores à data da assunção daquelas atribuições, a REFER sucede também quanto a estas na posição processual da CP, nos termos a acordar em cada caso.
8) Todas as divergências relativas ao presente protocolo, serão resolvidas por acordo entre as partes ou, na falta de acordo, por despacho de Sua Excelência o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território".
31) Dos Anexos que fazem parte integrante do protocolo referido no facto 30º e constantes de fls. 471 a 484, não está incluído este Processo Comum Singular nº 98/99 que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça;
Factos não provados:
Não se logrou provar todos os factos não compagináveis com os acima descritos, designadamente que:
32) O comboio apenas esteve imobilizado na estação um minuto;
33) O comboio este atrasado em relação ao horário estabelecido cerca de 15 minutos;
Motivação
a) De facto:
a.1.) Factos Provados (10 a 27º) e não provados (32º e 33º):
São os constantes da sentença de fls. 416 a 425.
a.2.) Factos Provados (28º a 31º):
São os que resultam da prova documental constante dos autos, designadamente de fls. 266, 269, 468 a 484 e 641 a 657.

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Qual das entidades CP ou REFER é responsável pelo pagamento da indemnização pedida nos presentes autos;
- Se o demandado B... é, também responsável pelo pagamento da indemnização civil deduzida nos autos.

Através do DL nº 104/97 de 29/4, foi criada a REFER, EP.
“A Refer, E. P.”, tem a natureza de pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, estando sujeita à tutela dos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território”.
“Tem por objecto principal a prestação do serviço público de gestão da infra-estrutura integrante da rede ferroviária nacional, que nela é delegado por efeito automático do presente diploma” (art 2º, nº 1 e 2 do DL 104/97).
A metodologia de constituição e desenvolvimento da REFER “desenrola-se de forma faseada, adequada às necessidades de garantia da prossecução dos processos de investimento em curso na modernização da rede ferroviária nacional. O critério de faseamento respectivo assenta, assim, em dois vectores diferenciados, um de assunção de atribuições e actividades, outro de transmissão de elementos dominiais e patrimoniais” (preambulo do DL).
O art 10 do diploma em análise debruça-se sobre o faseamento de assunção das atribuições e competências.
O art 11 debruça-se sobre o património e bens dominiais sendo que o nº 2 estatui:
“As infra-estruturas afectas à CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., são transferidos para a REFER, E. P., sem alteração do regime”.
E o nº 3:
“Os direitos e obrigações que integrem o património da CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., afectos às infra-estruturas integrantes do domínio público ferroviário, são transferidos para a Refer, E. P., sem alteração de regime, acompanhando o faseamento referido no artigo seguinte”.
Importante na análise do presente diploma é o que preceitua o art 14, sob a epígrafe “Sucessão de posições jurídicas”.
Dispõe o nº 2.
“A REFER, E. P., sucede ainda na posição jurídica da CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E. P. contratual ou não, nas relações directamente ligadas ao exercício do seu objecto, quer de serviço público, quer de actividades acessórias, através de protocolos a celebrar entre as referidas entidades, de acordo com o faseamento definido no artigo 10º, os quais identificarão as posições juridicas a transmitir”.
E o nº 3:
“Os projectos dos protocolos referidos no número anterior devem ser objecto de notificação prévia conjunta, a fazer pelas entidades aí mencionadas ao ministro da tutela, para efeitos de aprovação, a qual se considera tacitamente concedida se nada lhes for notificado no prazo de 20 dias úteis”.
No que respeita às acções judiciais foi outorgado um protocolo entre a CP e a REFER no qual consta:
"Considerando que:
Foram transferidas para a REFER as atribuições correspondentes a investimentos e conservação de infra-estruturas, com efeitos a partir de 1.7.97 e 1.1.98, respectivamente;
Foi previsto no n. ° 3 do art. 2° dos referidos protocolos que a sucessão da REFER na posição processual da CP nas acções judiciais pendentes relativas às actividades transferidas seria objecto de protocolo especifico,
É, livremente e de boa fé, celebrado o presente protocolo nos termos dos artigos seguintes:
1) A REFER sucede na posição processual da CP nas acções judiciais identificadas nos Anexos I e II.
2) A sucessão referida no artigo anterior processar-se-á faseadamente, durante o presente ano civil, em função do estado dos processos, de acordo com um critério de prioridade baseado no menor estado de adiantamento dos processos.
3) O faseamento referido no artigo anterior concretizar-se-á nas seguintes fases de transferência:
1ª Fase -Início das férias judiciais da Páscoa de 1998;
2ª Fase -Início das férias judiciais do Verão de 1998;
3ª Fase -Início das férias judiciais do Natal de 1998;
Os processos judiciais a incluir em cada uma das referidas fases são os identificados nos Anexos.
4º)
1 -Independentemente do momento da habilitação processual decorrente do faseamento previsto no artigo 3º são de conta da REFER os encargos judiciais das acções a transferir desde a data da assunção das atribuições com elas relacionadas.
2 -São igualmente de conta da REFER todas as quantias que a CP seja condenada a pagar nas acções judiciais mesmo antes de ocorrer a transferência dos processos.
5) (..).
6) A CP requererá a habilitação da REFER nas acções judiciais identificadas nos Anexos com a antecedência de 30 (trinta) dias em relação às datas indicadas no artigo 3°.
7) Se após a assinatura do presente protocolo vierem a ser propostas acções judiciais, relacionadas com as atribuições transferidas, ainda que por factos anteriores à data da assunção daquelas atribuições, a REFER sucede também quanto a estas na posição processual da CP, nos termos a acordar em cada caso.
8) Todas as divergências relativas ao presente protocolo, serão resolvidas por acordo entre as partes ou, na falta de acordo, por despacho de Sua Excelência o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território".
Portanto, atento o disposto no art 14, a sucessão nas posições jurídicas entre a CP e a REFER deveria acompanhar o faseamento de assunção das atribuições e competências nos termos do art 10 a operar-se através da celebração de protocolos entre as duas entidades.
Contudo, dos Anexos que fazem parte integrante do protocolo acima referido não está incluído este Processo Comum Singular nº 98/99 que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça;
No entanto, no que respeita a processos propostos posteriormente áquele faseamento o art 7º do protocolo dispõe:
“Se após a assinatura do presente protocolo vierem a ser propostas acções judiciais, relacionadas com as atribuições transferidas, ainda que por factos anteriores à data da assunção daquelas atribuições, a REFER sucede também quanto a estas na posição processual da CP, nos termos a acordar em cada caso”.
Como muito bem refere o Sr Juiz do Tribunal “a quo” o protocolo em análise destina-se a dirimir as questões de ordem adjectiva/processuais de acções judiciais pendentes ou a propor e o próprio protocolo não oferece dúvidas, sendo este bastante claro.
Senão vejamos:
1) A REFER sucede na posição processual da CP nas acções judiciais identificadas nos Anexos I e II.
2) A sucessão (...) processar-se-á faseadamente, (...), em função do estado dos processos, de acordo com um critério de prioridade baseado no menor estado de adiantamento dos processos.
4) Independentemente do momento da habilitação processual decorrente do faseamento previsto no artigo 3º são de conta da REFER os encargos judiciais das acções a transferir desde a data da assunção das atribuições com elas relacionadas.
6) A CP requererá a habilitação da REFER nas acções judiciais identificadas nos Anexos (...)
7) Se após a assinatura do presente protocolo vierem a ser propostas acções judiciais, relacionadas com as atribuições transferidas, ainda que por factos anteriores à data da assunção daquelas atribuições, a REFER sucede também quanto a estas na posição processual da CP, nos termos a acordar em cada caso.
Portanto, o protocolo define a forma como nas acções judiciais propostas ou a propôr a demandada CP seria substituída/habilitada, no processo, por outra demandada, neste caso a REFER.
Questão diferente é a de saber quem será o responsável pelas indemnizações a arbitrar em acções pendentes, aquando do protocolo, ou a intentar, após a outorga deste. Na verdade, a determinação do responsável pela obrigação de indemnizar, é questão substantiva, distinta da sucessão na posição processual, que é de natureza processual.
No entanto, se analisarmos as disposições já citadas temos de concluir que a REFER é a responsável pela obrigação de indemnizar.
Na verdade, quer o DL nº 104/97, quer o protocolo que se tem vindo a citar dão-nos a resposta.
O art 14 nº 2 do DL nº 104/97 dá-nos, em parte a solução quando estatui que “a REFER, E. P., sucede ainda na posição jurídica da CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E. P.. contratual ou não, nas relações directamente ligadas ao exercício do seu objecto, quer de serviço público, quer de actividades acessórias...” .
Entre o art 14 e o art 10 visa-se estabelecer uma relação entre a assunção das atribuições e competências e a sucessão de posições jurídicas inerentes a tais atribuições.
Por outro lado o art 4º do protocolo dispõe que:
1 - Independentemente do momento da habilitação processual decorrente do faseamento previsto no artigo 3º são de conta da REFER os encargos judiciais das acções a transferir desde a data da assunção das atribuições com elas relacionadas.
2 - São igualmente de conta da REFER todas as quantias que a CP seja condenada a pagar nas acções judiciais mesmo antes de ocorrer a transferência dos processos.
Portanto, mesmo que não haja sucessão/habilitação processual é da responsabilidade da REFER o pagamento das quantias que a CP seja condenada a pagar nas acções judiciais.
Neste sentido temos, ainda, o art 7º do protocolo que estatui que “se após a assinatura do presente protocolo vierem a ser propostas acções judiciais, relacionadas com as atribuições transferidas, ainda que por factos anteriores à data da assunção daquelas atribuições, a REFER sucede também quanto a estas na posição processual da CP, nos termos a acordar em cada caso”.
Mais uma vez e como bem refere o Sr Juiz “a ressalva final do art 7º - “nos termos a acordar em cada caso” – não visa condicionar a concretização da transmissão das posições jurídicas”.
“A sucessão dá-se sempre, não estando dependente dos termos a acordar”.
Esta ressalva tem apenas em vista regular algum aspecto pontual que apenas interessará e vinculará as duas entidades – CP e REFER – a ela sendo estranhos os terceiros interessados nas respectivas acções.
Do exposto temos de concluir que responsável pela obrigação de indemnizar é a REFER, não merecendo, nesta parte, a sentença recorrida, qualquer censura.

Vejamos, agora, se o demandado B... é, também, responsável pelo pagamento da indemnização arbitrada à demandante A....
Antes de mais não nos podemos esquecer que, bem ou mal, em sede criminal o arguido/demandado foi absolvido do crime de que se encontrava acusado. Ou seja, em sede criminal não se provou a culpa do arguido.
Há agora que analisar se tal culpa e perante os factos apurados será de presumir.
São fundamentalmente três os pressupostos da responsabilidade do comitente (REFER), atento o que dispõe o art 500 do CCivil – vínculo entre comitente e comissário, prática de facto ilícito no exercício da função e responsabilidade do comissário (demandado João Ferreira).
Portanto, a responsabilidade do comitente pressupõe que haja responsabilidade do comissário, ou seja, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar (art 500 e 503 do CCivil).
Este requisito tem como resultado que o comitente só responde, objectivamente, quando haja culpa do comissário.
A primeira parte do nº 3 do art 503 do CCivil estabelece uma presunção culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização.
Antunes Varela na RLJ, ano 121 e no que respeita à presunção da culpa refer que esta constitui “ um estímulo eficaz para que o comissário não conduza sem previamente se certificar de que a viatura se encontra em condições de circular sem perigo especial para o trânsito”.
Antes de prosseguir temos que assentar que quando a norma fala em veículo está abarcar outros meios de transporte e não só o automóvel. Assim, este preceito abrange, também, os comboios (neste sentido já decidiu o Ac do STJ de 19/6/1979 no BMJ, 288-378).
E quando se fala em comboio temos que incluir não só o maquinista mas, também, os que prestam serviço de colaboração àquele, nas estações e nos apeadeiros de molde a que sem a sua colaboração o maquinista não poderia seguir a sua marcha.
Na verdade, o papel do funcionário que dá o “sinal” de partida do comboio ao maquinista é muito importante uma vez que este só inicia a sua marcha depois do “sinal”, pressupondo este que está tudo em ordem, que não há qualquer obstáculo que impeça o arranque do comboio.
No são vertente o demandado João Ferreira, era o Chefe de Estação de São Martinho do Bispo. Cabia-lhe dar o “sinal” de partida do comboio, como, aliás, o fez.
Dos factos apurados temos de concluir que o demandado, João Ferreira, não agiu com a diligência e o zelo que lhe eram exigíveis.
Vejamos e no que interessa os factos apurados.
No dia 6 de Maio de 1996, cerca das 14.20 horas, a queixosa A..., descia o primeiro de três degraus de uma das portas da carruagem do meio do comboio da C.P. nº 6421;
Tal comboio encontrava-se imobilizado na estação de São Martinho do Porto, provindo das Caldas da Rainha, sendo composto por três carruagens;
O degrau que a ofendida descia situa-se no interior da carruagem e não era facilmente visível pelo Chefe da Estação que se encontrava no início da mesma, situado ao lado do maquinista e no exterior do comboio;
Quando o B..., Chefe de Estação, não viu qualquer saída de passageiros, deu instruções acenando uma bandeira e apitando ao maquinista, para que reiniciasse a sua marcha;
Outras pessoas encontravam-se no degrau supra referido com a intenção de sair naquela estação, o que o B... não viu, pois o degrau situa-se no interior da carruagem.
Ao demandado incumbia o dever de verificar se efectivamente o comboio podia iniciar a sua marcha e isso, não se compadece com uma atitude passiva como foi a do demandado que se manteve no início da estação de comboios situado ao lado do maquinista e do lado exterior do comboio.
Ao demandado era exigível uma atitude activa consubstanciada em actos demonstrativos de que este verificou se os locais que dão acesso ao exterior do comboio existem ou não pessoas que pretendam sair para o seu exterior ou, ainda, se há pessoas que pretendam embarcar e, ainda, se encontram no exterior.
Cabia ao demandado deslocar-se em direcção aos locais menos vísiveis e após verificar e concluir que não há ninguém a entrar ou a sair, dar o sinal de partida.
É um facto que o degrau por onde descia a ofendida não era facilmente vísivel para o B..., já que se situava no interior da carruagem. No entanto, também, é um facto que era por esse degrau que se descia para o exterior do comboio.
Cabia ao demandado zelar pela segurança dos passageiros. Por isso, competia-lhe verificar as saídas de molde a dar o “sinal” de partida com segurança e de forma a evitar acidentes.
Assim, temos de concluir que a presunção estabelecida o art 503 nº 3 do CCivil, não foi ilidida pelo que bem andou o Sr Juiz ao condenar o demandado, solidariamente, a pagar à demandante a indemnização que lhe foi atribuída.