Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4314/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: CURA MARIANO
Descritores: CASO JULGADO
EXCEPÇÕES
ACÇÃO ESPECIAL POSSESSÓRIA
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Data do Acordão: 11/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1037º E SEGS. DO CPC, E 610º DO C. CIV. .
Sumário: I – Tendo as acções de embargos de terceiro dos artºs 1037º e segs. do CPC, na redacção anterior à revisão de 1995/1996, como fundamento apenas a posse dos bens penhorados pelo terceiro, mesmo que fosse uma posse em nome próprio, não se verifica uma identidade com a causa de pedir de acção de reivindicação posterior, naturalmente baseada no direito de propriedade.
II – Nesta, o fundamento da acção é a titularidade do direito de propriedade sobre os bens penhorados, enquanto nos embargos de terceiro decorrentes do processo previsto nos artºs 1037º e segs. do CPC ( revogados pela reforma de 1995) o fundamento foi necessariamente e apenas a posse dos bens penhorados, pelo que não pode haver caso julgado entre esses dois tipos de acções, por não existir uma identidade de causas de pedir.

III – A impugnação pauliana e a causa de rejeição de embargos prevista no artº 1041º, nº 1, do CPC, eram duas figuras distintas, embora aparentadas, sendo, no entanto, defensável que a decisão de improcedência dos embargos tenha força de caso julgado (autoridade do caso julgado) na eventual acção de reivindicação que o transmitente proponha contra a penhora do bem transmitido, com fundamento no seu direito de propriedade.

Decisão Texto Integral: Autores (agravantes): C...
E...
D...

Réu (agravado): F...
*
Os Autores propuseram a presente acção, com processo ordinário, alegando o seguinte::
“- Em 4-5-1984, A... e mulher, B..., doaram aos Autores, C... e D..., seus filhos, em comum e partes iguais, três imóveis, passando a sua aquisição a estar inscrita em nome dos Autores na C.R.P..
- A... e B..., avalizaram 5 livranças subscritas a favor do Réu.
- Duas dessas livranças foram objecto de execução na qual foram demandados além da subscritora e avalistas, também os A.A., C... e D..., na qualidade de herdeiros de B..., entretanto falecida.
- As outras três livranças foram objecto doutra execução na qual também foram demandados além da subscritora e avalistas, também os A.A., C... e D..., na qualidade de herdeiros de B..., entretanto falecida..
- Nas duas execuções o Réu nomeou à penhora os imóveis acima referidos, tendo os Autores C... e D... deduzido embargos de terceiro a essa penhora, nos termos do artº 1037º, do C.P.C., na redacção anterior à revisão do C.P.C. de 1995/1996, então vigente.
- Enquanto na segunda execução referida os embargos foram julgados procedentes, na primeira foram julgados improcedentes.
- Os embargos de terceiro eram então um simples meio de defesa da posse que não impedem a propositura da acção de fundo.
- Sendo os Autores os proprietários dos bens penhorados, a sua penhora ofende aquele direito, pelo que têm direito a reivindicar esses bens”.
Concluíram, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os referidos imóveis e o cancelamento de todos os registos que sobre os mesmos recaiam após o registo da aquisição a seu favor.

Contestou o Réu, alegando existir já caso julgado sobre a questão suscitada pelos Autores neste processo, formado na decisão proferida nos embargos de terceiros que foram julgados improcedentes.
Concluíram pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Responderam os Autores, discordando que exista uma situação de caso julgado por existir uma diversidade de pedidos e causas de pedir.
Concluiu como na p.i..

Foi proferido despacho saneador que conheceu da excepção do caso julgado, julgando a mesma verificada e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

É desta decisão que recorrem os Autores, com os seguintes fundamentos:
“1- A causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa pedir .
2- Quanto à identidade de sujeitos nada haverá a opor relativamente ao entendimento veiculado na sentença objecto de recurso.
3- Todavia, não pode aceitar-se o decidido relativamente à identidade dos pedidos e da causa de pedir.
4- O pedido nos embargos de terceiro é a restituição da posse enquanto que o da acção tendente a demonstrar a propriedade dos bens é o reconhecimento judicial desta, com todas as consequências que dele podem resultar, designadamente, o cancelamento de registos posteriores ao registo de aquisição.
5- Nos embargos de terceiro a causa de pedir é integrada pelo acto ou facto alegado pelos embargantes para basear a sua posse e pelo facto lesivo dela, enquanto na acção de reivindicação o que está em causa é o título de aquisição da propriedade.
6- O que a Lei pretende, designadamente no velho art 1041, do C PC, é que, quando o juiz tenha motivos para se convencer de que houve o propósito de a transmissão ser feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade, não seja suficiente a posse do embargante para inutilizar a diligência judicial que a contraria, sendo então de exigir a prova do respectivo direito, neste caso o direito de propriedade, o que só poderá ser feito na acção própria, ou seja, na acção de reivindicação.
7- Assim, rejeição dos embargos não prejudica a possibilidade de os embargantes instaurarem a acção de domínio para nela se resolver definitivamente a questão da propriedade.
8- Acresce ainda que só a alteração da lei processual de 1995 introduziu no nosso ordenamento jurídico a constituição de caso julgado material relativamente à sentença de mérito que determina a existência e titularidade do direito invocado pelo embargante - vd. Art 358 do C PC.
9- A sentença que rejeitou os embargos de terceiro não se pronunciou em termos decisórios quanto à titularidade do direito de propriedade dos imóveis ora reivindicados.
10- O que, de resto, lhe estava vedado por manifestamente exorbitar o pedido formulado pelos embargantes e, inclusivamente, o âmbito da causa de pedir que, à época, fundamentava os embargos de terceiro.
11- Isto é, não havendo identidade do pedido e da causa de pedir nos processos em causa, naturalmente que não poderia a excepção de caso julgado ser considerada verificada”.

O Réu apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

*
OS FACTOS
Dos autos constatam-se os seguintes factos:

- Por apenso à execução nº 91/92, do 1º Juízo do Tribunal de Alcobaça em 1993, foram deduzidos embargos de terceiro, por D... e C..., à penhora dos imóveis reivindicados na presente acção, efectuada em execução movida pelo Réu, com fundamento na posse titulada pelos embargantes desses imóveis, tendo sido requerido o levantamento daquela penhora (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- Foi apresentada contestação a estes embargos em que, além do mais, se alegou que o direito de propriedade invocado tinha resultado de doação efectuada pelos pais dos embargantes, co-devedores da dívida exequenda, com o propósito de se subtraírem ao cumprimento das suas responsabilidades (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- Responderam os embargantes, negando tal propósito e concluindo como na p.i. de embargos (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- Procedeu-se a julgamento onde foi considerado provado que a referida doação tinha sido efectuada com o objectivo dos doadores se subtraírem ao cumprimento das suas responsabilidades para com o embargado, tendo sido, contudo, proferida sentença em 14-10-1995 que julgou procedentes os embargos (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- Sobre esta decisão recaiu Acórdão da Relação de 4-2-1997, que a revogou, julgando improcedentes os embargos, com o fundamento na prova do referido propósito dos doadores (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- Esta decisão foi confirmada, com o mesmo fundamento, por Acórdão do S.T.J. de 23-9-1997 (certidão de fls. 69 e seg. e 110 e seg.);
- A aquisição dos imóveis referidos na presente acção encontra-se inscrita a favor dos Autores C... e D..., na C.R.P., por apresentação de 14-1-1985, por doação (certidão de fls. 17 e seg.);
- Sobre os mesmos imóveis encontra-se inscrita por apresentação de 4-6-1993, penhora a favor do Réu, efectuada no processo nº 91/92, do 1º Juízo do Tribunal de Alcobaça (certidão de fls. 17 e seg.).

*
O DIREITO
Perante os fundamentos do recurso interposto pelos Autores cumpre verificar se existe uma situação de caso julgado face à decisão final proferida nos relatados embargos de terceiro, que impeça o conhecimento do mérito desta acção de reivindicação, verificando-se se há ou não uma identidade de causa de pedir e pedido nos dois processos, uma vez que a identidade dos sujeitos é pacífica.
O processo de embargos de terceiro, onde foi proferida a decisão em causa, seguiu a tramitação prevista antes da revisão do C.P.C. de 1995/1996, constituindo então uma acção especial possessória, prevista e regulada nos artº 1037º e seg. do C.P.C..
Diversamente do que já sucedia noutras legislações A “opposizione di terzo”, no direito italiano (artº 619, do C.P.C. Italiano), e a “Widerspruchsklage”, do direito alemão (§ 77, do ZPO).
, em que a oposição do terceiro já se podia basear no direito de propriedade ou na titularidade de outro direito sobre os bens penhorados, incompatível com a penhora, nessa altura A Revisão do C..P.C. de 1995/1996, além de transformar os embargos de terceiro num incidente de oposição, regulado nos actuais artº 351º e seg., do C.P.C., veio permitir que esse meio processual fosse utilizado não só com fundamento na posse, mas também em qualquer direito incompatível com a realização da diligência judicial embargada (artº 351º, nº 1, do C.P.C.).
, a acção especial de embargos de terceiro, por pretender consagrar um meio expedito de defesa daqueles que aparentavam serem prejudicados por uma diligência judicial, só podia fundar-se na situação de posse dos bens penhorados por terceiro Esta configuração restritiva dos embargos de terceiro tem origem na doutrina medieval italiana que conjugava as vantagens de um procedimento célere, com a aparência do direito resultante duma situação possessória., reservando para uma acção comum de reivindicação, como a presente Acção de reivindicação do bem penhorado entretanto vendido (artº 909º, nº 1, d), do C.P.C.), ou acção de reivindicação contra o acto de penhora, antes da venda ocorrer, como sucede neste caso. Vide, LEBRE DE FREITAS, em “Acção e executiva e caso julgado”, na R.O.A., Ano 53(1993), vol. II, pág. 236, nota 35, sobre a hipótese da venda ocorrer durante a pendência desta última acção de reivindicação.
, a oposição desse terceiro baseada na titularidade do direito real de fundo Vide, neste sentido, LEBRE DE FREITAS, em “Acção e executiva e caso julgado”, na R.O.A., Ano 53(1993), vol. II, pág. 235-236.
.
Entre aquela acção especial de embargos de terceiro à penhora de determinados bens e a acção de reivindicação, com fundamento no direito de propriedade do terceiro sobre os mesmos bens, é indiscutível a identidade do efeito jurídico pretendido, que é o do levantamento da penhora. O pedido de reconhecimento desse direito de propriedade é um mero pressuposto lógico deste, que não esconde a identidade de pretensões, assim como o pedido de cancelamento do registo da penhora tem necessariamente implícito o pedido de levantamento da respectiva penhora, sendo aquele meramente instrumental e sequencial relativamente a este. Aliás, neste particular, remetemos para a fundamentação da decisão recorrida que, numa argumentação clara, demonstra cabalmente a identidade dos pedidos formulados nas duas acções
Mas, já quanto à causa de pedir, tendo a acção de embargos de terceiro dos artº 1037º e seg., do C.P.C., na redacção anterior à revisão de 1995/1996, como fundamento apenas a posse dos bens penhorados pelo terceiro, mesmo que fosse uma posse em nome próprio, como foi a alegada neste caso, não se verifica uma identidade com a causa de pedir da acção de reivindicação sub iudice.
Nesta, o fundamento da acção é a titularidade do direito de propriedade sobre os bens penhorados, enquanto nos embargos de terceiro deduzidos foi, e na altura tinha necessariamente que ser, a sua posse. Apesar de na petição deste último processo, os embargantes referirem que têm uma posse em nome próprio dos bens penhorados, por serem os seus proprietários, alegando, inclusive, o modo de aquisição derivada desse direito de propriedade A alegação deste direito de propriedade, como causa da posse, na petição inicial, valia apenas como impugnação antecipada da eventual alegação do direito de propriedade do executado na contestação dos embargos, nos termos do artº 1035º, nº 2, aplicável “ex vi” do artº 1042º, do C.P.C., na redacção anterior à revisão de 1995/1996.
, o único facto jurídico relevante, na época, para a tutela da pretensão deduzida nos embargos, era a posse dos bens penhorados.
Ora, definindo a doutrina a causa de pedir como o conjunto dos factos constitutivos que a norma jurídica de direito material delimita para a produção do efeito jurídico pretendido Por todos, vide MARIANA FRANÇA GOUVEIA, em “A causa de pedir na acção declarativa”, pág. 431.
, verificamos que nos embargos de terceiro esse conjunto é composto pelos factos caracterizadores da situação possessória, enquanto na presente acção de reivindicação a causa de pedir reside no conjunto de factos donde resulta a titularidade do direito de propriedade invocado pelos Autores.
Não existindo, pois, uma identidade de causas de pedir entre os embargos de terceiro anteriormente deduzidos e a presente acção de reivindicação, não se verifica a excepção de caso julgado, validada na decisão recorrida Defendendo a possibilidade de serem deduzidos cumulativamente embargos de terceiro e acção de reivindicação, sem que se verifique a excepção de caso julgado, no âmbito do C.P.C., anterior à revisão de 1995/1996, vide LEBRE DE FREITAS, em “Direito processual civil II”, pág. 176, da 3ª ed., JORGE BARATA e LARANJO PEREIRA, em “Direito processual civil II, parte II”, pág. 249-250, e GUERRA DA MOTA, em “Manual da acção possessória”, vol. I, pág. 208.
.
Mas, o caso julgado material pode funcionar como excepção ou como autoridade Sobre a existência destas duas figuras vide MANUEL DE ANDRADE, em “Noções elementares de processo Civil”, pág. 305, da ed. de 1993, ANSELMO DE CASTRO, em “Direito processual civil declaratório”, vol. III, pág. 384, da ed. de 1982, CASTRO MENDES, em “Limites objectivos do caso julgado em processo civil”, pág. 162, TEIXEIRA DE SOUSA, em “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, pág. 576, ANTUNES VARELA, MIGUEL BELEZA e SAMPAIO NORA, em “Manual de processo civil, pág. 703, nota 1, da ed. de 1985, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, em “Código de processo civil anotado”, vol. 2º, pág. 325-326, e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, em “A causa de pedir na acção declarativa”, pág. 394.
.
A autoridade do caso julgado implica uma aceitação duma decisão proferida numa acção anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, enquanto questão prejudicial.
Será que a decisão proferida nos embargos de terceiro vincula a decisão a proferir nestes autos, impondo que esta acção também deva ser julgada improcedente ?
Os embargos de terceiro deduzidos pelos Autores C... e D... à penhora dos imóveis que lhes haviam sido doados pelos seus pais, foram julgados improcedentes, após julgamento, com fundamento na existência de má-fé na aludida transmissão.
Na altura, o artº 1041º, nº 1, do C.P.C., anterior à revisão do C.P.C., de 1995/1996 Esta causa de rejeição liminar já era conhecida quando ainda se aplicavam as regras das Ordenações Filipinas (vide PEREIRA e SOUSA, em “Primeiras linhas sobre o processo civil”, vol. II, pág. 102 e seg, nota 896), mas não foi inserida no C.P.C. de 1876, tendo sido retomada pelo C.P.C. de 1939. Bastante mais tarde foi eliminada pela revisão do C.P.C., de 1995/1996, não sendo referida no actual artº 354º, do C.P.C., com o seguinte fundamento: “a definição dos casos em que os embargos devem ou não ser rejeitados é matéria estritamente de direito civil – não competindo naturalmente à lei do processo enunciar regras sobre os critérios substanciais da decisão do pleito – pondo-se termo à contradição entre o que consta de tal preceito e o regime substantivo da impugnação pauliana, designadamente nos termos do artº 612º e seguintes do Código Civil”.
Sobre a constitucionalidade desta figura, vide o Acórdão do Tribunal Constitucional de 28-4-1999, no B.M.J. nº 486, pág. 58, relatado por FERNANDA PALMA.
, que regulava os embargos de terceiro, permitia que os embargos fossem liminarmente indeferidos quando “a posse se fundasse em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se for manifesto, pela data em que o acto foi realizado ou por quaisquer outras circunstâncias, que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade” A rejeição liminar com este fundamento, desde logo porque baseada numa simples aparência, não tinha força de caso julgado, podendo o embargante propor posteriormente acção contra o exequente para o convencer de que os efeitos da transmissão deveriam ser reconhecidos e a penhora levantada. Vide, neste sentido, R.L.J., Ano 80, pág. 108, ALBERTO DOS REIS, em “Processos especiais”, vol. I, pág. 444, RODRIGUES BASTOS, em “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. IV, pág. 290, da ed. de 1984, LEBRE DE FREITAS, em “A acção executiva à luz do Código revisto”, pág. 239, nota 47, da 2ª ed., e DUARTE PINHEIRO, em “Fase introdutória dos embargos de terceiro”, pág. 61.
.
Entendeu-se na decisão proferida nos embargos de terceiro que, apesar dos embargos serem liminarmente recebidos, podiam ser julgados improcedentes a final, caso se provasse o circunstancialismo previsto no artº 1041º, nº 1, do C.P.C., pelo que se considerou que a situação jurídica prevista como motivo de indeferimento liminar constituía excepção, que também obstava a procedência dos embargos a final.
A referida situação jurídica, constituída pela prática do acto de transmissão com a intenção do transmitente se subtrair às suas responsabilidades, apesar de poder ser considerada parente da impugnação pauliana, não se podia identificar com esta figura ALBERTO DOS REIS, em “Processos especiais”, vol. I, pág. 444-446, ANSELMO DE CASTRO, em “Acção executiva singular, comum e especial”, pág. 347, da 3ª ed., LEBRE DE FREITAS, em “Direito processual civil II”, pág. 176, da 3ª ed., e em “A penhora de bens na posse de terceiro”, na R.O.A., Ano 52(1992), vol. II, pág. 339, nota 55, e em “A acção executiva à luz do Código revisto”, pág. 239, nota 47, da 2ª ed., GUERRA DA MOTA, em “Manual da acção possessória”, vol. I, pág. 213-223, DUARTE PINHEIRO, em “Fase introdutória dos embargos de terceiro”, pág. 80, e CASTRO MENDES, em “Acção executiva”, pág. 140-141, da ed. da A.A.F.D.L., que classificou a situação prevista no artº 1041º, nº 1, do C.P.C., como um caso de abuso de direito de transmissão de bens.
. Se o seu efeito era idêntico, pois ambas permitiam ao credor executar no património do executado bens que este já havia alienado (artº 616º, nº 1, do C.C.), impedindo assim que um acto de transmissão do direito de propriedade pudesse ser invocado pelos adquirentes para impedir a penhora dos bens transmitidos promovida por aquele credor (ineficácia restrita do acto impugnado), o mesmo já não se podia dizer dos requisitos das duas figuras.
Na verdade, na situação contemplada no artº 1041º, nº 1, do C.P.C., bastava a intenção fraudulenta dos intervenientes no acto de transmissão VAZ SERRA, na R.L.J., Anos 92, pág. 68 e seg., 94, pág. 351 e seg., e 97, pág. 13 e seg., sustentou que a intenção fraudulenta deve estar presente no transmitente e no transmissário.
, não sendo necessária a prova de que esse acto provocasse a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade do credor obter a satisfação do seu crédito, através do património do devedor transmitente, o que constitui requisito de procedência da impugnação pauliana (artº 610º, b), do C.C.).
Ao contrário, a impugnação pauliana só exige a prova dessa intenção fraudulenta para a impugnação dos actos praticados anteriormente ao nascimento do crédito (artº 610º, a), do C.C.), bastando-se com a consciência do prejuízo, relativamente aos actos onerosos praticados posteriormente à constituição do crédito, e não exigindo qualquer elemento subjectivo quanto aos actos gratuitos posteriores (artº 612º, do C.C.).
A impugnação pauliana e a causa de rejeição de embargos prevista no artº 1041º, nº 1, do C.P.C., eram assim duas figuras distintas, embora aparentadas.
Admitia-se a possibilidade da figura da impugnação pauliana poder ser utilizada pelo credor, como defesa a uns embargos de terceiro a uma penhora por ele promovida Vide ALBERTO DOS REIS, em “Processos especiais”, vol. I, pág. 452, ANSELMO DE CASTRO, em “Acção executiva singular, comum e especial”, pág. 352, da 3ª ed., LEBRE DE FREITAS, em “A acção executiva à luz do Código revisto”, pág. 240, da 2ª ed., DUARTE PINHEIRO, em “Fase introdutória dos embargos de terceiro”, pág. 80, e GUERRA DA MOTA, em “Manual da acção possessória”, vol. I, pág. 213-223.
. A procedência dessa defesa por excepção impedia que o adquirente possuidor utilizasse a posse resultante de transmissão do direito de propriedade sobre o bem penhorado, como fundamento para o levantamento da penhora do bem transmitido pelo executado.
Ora, tendo a procedência da defesa por excepção da impugnação pauliana igual efeito sobre a invocação do direito de propriedade, adquirido pelo acto translativo impugnado, é defensável que a decisão de improcedência dos embargos tenha força de caso julgado (autoridade do caso julgado) na eventual acção de reivindicação que o transmitente viesse a propor contra a penhora do bem transmitido, com fundamento no seu direito de propriedade.
Apesar da leitura restritiva dos limites objectivos do caso julgado, quanto aos fundamentos da decisão, que vem fazendo a doutrina Vide ALBERTO DOS REIS, em “Código de Processo Civil anotado”, vol. III, pág. 143, MANUEL DE ANDRADE, em “Noções elementares de processo Civil”, pág. 335-336, da ed. de 1993, ANTUNES VARELA, MIGUEL BELEZA e SAMPAIO NORA, em “Manual de processo civil”, pág. 703, nota 1, da ed. de 1985, CASTRO MENDES, em “Limites objectivos do caso julgado em processo civil”, pág. 75 e seg,, TEIXEIRA DE SOUSA, em “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, pág. 578-583, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, em “Código de processo civil”, vol. 2º, pág. 321-323, e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, em “A causa de pedir na acção declarativa”, pág. 424-431.
Concretamente, sobre a incapacidade para a formação de caso julgado material da defesa por excepção deduzida em embargos de terceiro, relativamente a uma posterior acção de reivindicação, vide ALBERTO DOS REIS, em “Processos especiais, vol. I, pág. 452, e LEBRE DE FREITAS, em “Acção e executiva e caso julgado”, na R.O.A., Ano 53(1993), vol. II, pág. 239.

e a jurisprudência, as vantagens da harmonização de julgados parecem permitir essa solução no caso enunciado, apesar do disposto no artº 96º, nº 2, do C.P.C., o qual deve ser interpretado restritivamente.
Contudo, na presente situação, os embargos não foram julgados improcedentes, devido à procedência duma defesa por excepção integrante da figura da impugnação pauliana, mas sim pelo funcionamento da figura específica dos embargos de terceiro, prevista no artº 1041º, nº 1, do C.P.C.. Esta figura específica daquela acção possessória, como já vimos, não exige a verificação de todos os requisitos da impugnação pauliana, não sendo, por isso, suficiente para provocar a ineficácia de um direito de propriedade. Se tal situação é suficiente para impedir a relevância duma situação possessória, em lado algum lhe é reconhecida a capacidade de tornar ineficaz a titularidade de um direito de propriedade.
Por isso não pode a decisão de improcedência dos embargos de terceiro, proferida com fundamento nessa figura específica deste meio processual, ter autoridade de caso julgado na posterior acção de reivindicação proposta pelos embargantes, agora com fundamento no seu direito de propriedade sobre os bens penhorados.
Não se verificando, pois, que a decisão proferida nos embargos de terceiro, impeça a apreciação desta acção de reivindicação, nem vincule a decisão a proferir neste processo, por não existir um caso julgado material como excepção, ou como autoridade, deve o recurso interposto ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que o processo prossiga para conhecimento do mérito da causa.

*
DECISÃO
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso de agravo e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento do processo para conhecimento do mérito da causa.

*
Custas do recurso pela recorrida.

Coimbra, 9 de Novembro de 2005