Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1536/06.5TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COSTA FERNANDES
Descritores: SUBEMPREITADA
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1213.º, N.º 1; 1221.º; 1222.º; 1226.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. No caso de subempreitada o empreiteiro tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos da obra, ou, se isso não for possível, o de exigir nova construção, podendo ainda, mas apenas no caso de não cumprimento de tais obrigações (eliminar os defeitos ou refazer a obra), exigir a redução do preço ou resolver o contrato.
2. O empreiteiro só poderá, no entanto, exigir do subempreiteiro aquilo que lhe tenha sido exigido pelo dono da obra e que tenha a ver com a subempreitada.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:
A...., requereu a providên- cia de injunção a que se reporta o requerimento de fls. 2, a qual tramitou depois como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra:
B..., contribuinte fiscal nº 505 580 934, com sede na Rua ...... Mata Mourisca, Pombal,
Pretendendo a condenação da requerida a pagar-lhe a quantia de 5.247,30€, acrescida de juros, à taxa de 9,25%, vencidos entre 09-09-2004 e 04-04-2006 (data da entrada do requerimento de injunção), no valor de 801,74€, e 89€ de taxa de justiça paga.
Fundamentou essa pretensão num contrato que apelidou de «fornecimento de bens ou serviços» celebrado com a requerida.
A requerida deduziu oposição, invocando o incumprimento parcial do contrato pela requerente e cumprimento defeituoso na parte em que executou os trabalhos a que se havia obrigado, os prejuízos que daí lhe advieram, bem como o pagamento de parte do preço, e sustentando que o custo por metro quadrado de reboco indicado não corresponde ao que foi ajustado. Por último, pediu a condenação da requerente, como litigante de má fé, em multa e indemnização «expressiva».
Por sentença de fls. 61 a 71, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a requerida condenada a pagar à requerente o montante de 4.497,60 €, acrescido de juros de mora, à taxa comercial supletiva, contados a partir de 16-04-2006 e até integral cumprimento.
Na sentença considerou-se não haver indícios de litigância de má fé.
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A requerida recorrereu da sentença, pretendendo a revogação desta, com anu- lação do processado, por falta de causa de pedir, ou, se assim não for entendido, a sua absolvição do pedido, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª Por falta de alegação e demonstração de factos por parte da recorrida, não sabe a fonte concreta da causa de pedir e do pedido;
2ª A mera alusão à natureza do contrato de fornecimento de bens ou servi- ços não revela, nem é suficiente ao conceito de alegação dos factos para fundamentar o pedido e a causa de pedir;
3ª O processo é nulo;
4ª A recorrida não cumpriu a obrigação a que se vinculou;
5ª De facto, não executou os trabalhos ajustados referentes a meias canas e tectos falsos;
6ª Apoderou-se das chaves do gerador (de corrente elécrica) e abandonou a obra;
7ª Os trabalhos executados atinentes a gesso e rebocos, na zona das esca- das, ficaram ondulados;
8ª A recorrida sabia que a recorrente tinha pressa na conclusão da obra;
9ª E que, ao abandonar a mesma, para nunca mais voltar, estava a não dar cumprimento ao que se havia obrigado;
10ª A obra em causa dizia respeito a uma vivenda, cujo prazo de execução era, impreterivelmente, até final de Julho de 2004;
11ª A recorrida não alegou, nem demonstrou, qualquer culpa ou responsabi- idade por parte da recorrente, para o abandono dos trabalhos e para se ter apoderado das chaves do gerador;
12ª A recorrente podia invocar a excepção de incumprimento;
13ª Por erro de interpretação e/ou aplicação não se mostram correctamente observados os princípios gerais do direito civil, nem os comandos legais aplicáveis, tendo sido violadas as disposições dos arts. 467º, 1, d), do Cód. Proc. Civil, 342º, 406º, 1, 762º, 1, 763º, 1, e 1208º do Cód. Civil.
A recorrido não contra-alegou.
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O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II. Questões a equacionar:
Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, 684º, 3, do Código de Processo Civil), importa apreci-ar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que equacionar as seguintes:
a) Nulidade do processo por falta de alegação dos factos que integram causa de pedir;
b) Excepção de Incumprimento.
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III. Fundamentação:
A) Factos provados:
1. A autora dedica-se à actividade de aplicação de gessos e rebocos projecta- tados;
2. No mês de Junho de 2004, C…, contrataram a ré para proceder à aplicação de gesso, reboco projectado, bem como à execução de tectos falsos e meias canas, numa vivenda em construção, no Bairro da Encarnação, nº 65, em Lisboa;
3. O prazo para a execução da obra era impreterivelmente até final de Julho de 2004, visto o dono da casa ter vendido o apartamento onde morava com o respecti- vo agregado familiar e ter de o entregar livre em Agosto desse ano, necessitando de passar a habitar a vivenda em questão;
4. A ré, que não tinha disponibilidade para efectuar pelo menos parte dos referidos trabalhos, acordou com a autora a execução de parte deles, dando-lhe a saber que tinha pressa na conclusão da obra;
5. Na referida obra, a autora executou os trabalhos de aplicação de gesso projectado e reboco afagado, mencionados na factura de fls. 51;
6. O valor acordado entre as parte por m2 foi de 8€;
7. Por conta do preço dos indicados trabalhos, a ré entregou à autora 1.500€;
8. A autora utilizou um gerador existente na obra, alugado pela sociedade C..., Ldª, na medida em que na mesma não havia corrente com po- tência suficiente;
9. A autora, após ter efectuado os trabalhos mencionados em 5, não voltou à obra para execução posterior das meias canas e elaboração dos tectos falsos, em virtude de divergências surgidas com a ré relativamente a pagamentos;
10. Quando assim aconteceu, o representante da autora levou as chaves do gera- dor;
11. Na zona das escadas, o dono da obra reclamou à ré da qualidade do ges- so e do reboco, que ficou ondulado;
12. A sociedade C..., Ldª, reclamou de tal problema à ré e, por esta o não ter resolvido, descontou-lhe o valor de 893,35€ no preço acordado para os trabalhos;
13. Igualmente lhe descontou o valor de 817,50€ pela execução das meias canas;
14. E o valor de 400€ de indemnização pela imobilização do gerador, motiva- da pela falta das respectivas chaves;
15. A sociedade C…., pagou à A. os demais trabalhos contratados, mas não mais a contratou para proceder a trabalhos em obras da sua responsabilidade.
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B) Enquadramento jurídico:
a) Da nulidade do processo por falta de alegação dos factos que inte- gram a causa de pedir:
A ré/apelante alegou que, pelo facto de a autora/apelada não ter alegado fac- tos para fundamentar a pretensão deduzida, não sabe a «fonte concreta da causa de pedir e do pedido», daí resultando a nulidade do «processado».
Quanto a esta questão, estabelece o art. 193º, 1, do Código de Processo Civil, que é nulo todo o processo, quando for inepta a petição inicial. Por seu turno, o nº 2, a), do normativo em referência, estatui que a petição é inepta, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir. E, o nº 3 dispõe que, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão, com fundamento na indicada alínea a), não se julgará procedente a arguição, quando, ouvido o autor, se verificar que aquele inter- pretou convenientemente a petição inicial.
In casu, a autora reportou-se a trabalhos que prestou à ré, no âmbito da sua actividade de aplicação de gessos e rebocos projectados, numa obra desta, em Lis- boa, à sua factura nº 148, de 09-09-2004, com vencimento imediato, que lhe terá en- tregue, à aceitação dos trabalhos, sem reclamação, e ao não pagamento dos mesmos
Notificada do requerimento de injunção, a ré (então, requerida) deduziu oposi-
ção, excepcionando o incumprimento do contrato, por abandono da obra, antes da execução de parte dos trabalhos, reportando-se à existência de vícios na parte execu- tada, à denúncia dos mesmos, aos prejuízos que daí lhe advieram, a um primeiro pagamento parcelar, à discrepância entre o preço por metro quadrado indicado na factura e o que havia sido ajustado, e ao facto de a factura não ter vencimento imedi- ato.
No início da audiência, a autora respondeu à matéria de excepção, nada con- signando quanto a uma eventual deficiente percepção do teor do requerimento inicial por parte da ré
Do que fica dito, flui, sem margem para dúvidas, que a ré interpretou conveni- entemente o requerimento inicial, tendo tido ensejo de deduzir, sem quaisquer cons- trangimentos, a sua oposição.
Tanto basta para concluir pela não verificação da invocada nulidade.
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b) Excepção de incumprimento:
A ré sustentou que a autora não cumpriu o contrato, por ter abandonado a obra, antes da execução de parte dos trabalhos, e existindo vícios na parte executada.
Em vista da factualidade provada impõe-se concluir que as partes celebraram entre si um contrato de subempreitada, definido no art. 1213º, 1, do Código Civil, por via do qual a autora se comprometeu a executar trabalhos de gesso projectado, reboco afagado e meias canas, numa obra em que a ré intervinha na qualidade de em- preiteira (rectius, subempreiteira, porquanto lhe cabia executar uma parte da obra por contrato celebrado com a sociedade responsável pela execução da empreitada), mediante um preço.
Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anota- do, Coimbra Editora, 1968, p. 581, nota 3 ao art. 1226º, a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em princípio, igual à deste face ao dono da obra. Donde decorre que o empreiteiro tem o direito de exigir a eliminação dos defeitos da obra, ou, se isso não for possível, o de exigir nova construção, podendo ainda, mas apenas no caso de não cumprimento de tais obrigações (eliminar os defeitos ou refazer a obra), exigir a redução do preço ou resolver o contrato. É claro que o empreiteiro só poderá exigir do subempreiteiro aquilo que lhe tenha sido exigido pelo dono da obra e que tenha a ver com a subempreitada. Isto mesmo que resulta do mencionado art. 1226º, ao referir o «direito de regresso» do empreiteiro contra os subempreiteiros, quanto aos direitos conferidos nos artigos anteriores – esses direitos são os que acima ficaram indicados e estão previstos nos arts. 1221º e 1222º do código em referência.
E, como muito bem se refere na sentença recorrida, para exercitar qualquer dos indicados direitos, pela ordem que foram referidos, o empreiteiro tem de denunciar os defeitos ao subempreiteiro – cfr. o aludido art. 1226º, in fine.
Ora, a ré reportou-se a incumprimento por parte da autora, no que concerne aos trabalhos que não executou, e a cumprimento defeituoso, relativamente ao traba- lhos de rebocos e aplicação de gesso.
No que tange ao incumprimento, entende-se que poderia excepcioná-lo, sem mais, na medida em que o mesmo se reconduzisse à pura e simples inexecução dos trabalhos ou parte deles, mas apenas se a autora pretendesse o pagamento do preço dos mesmos. Ora, da prova produzida pode concluir-se que a autora não executou os trabalhos atinentes aos tectos falsos e às meias canas (é o que resulta da conjugação dos nºs 2 e 5 do elenco de factos provados), mas que também só exigiu o pagamento dos que diziam respeito à execução de reboco afagado e aplicação de gesso projectado – cfr. o referido nº 5 e a factura de fls. 51. Assim, sendo, nesta parte não há que falar em incumprimento e, na sentença recorrida, o valor dos trabalhos executados foi corrigido (para menos), em função do valor por metro quadrado que veio a provar-se.
É claro que a ré poderia, nos ternos do art. 1223º do Cód. Civil, pedir indemni- zação dos danos que porventura haja sofrido, em função do incumprimento parcial da subempreitada, na medida em que não conseguisse o ressarcimento pelas vias pre- vistas nos mencionados arts. 1221º e 1222º. Porém, isso implicaria a dedução de pe- dido reconvencional, não podendo a ré ficar-se pela exceptio non adimpleti contractus ou pela exceptio non rite adimpleti contractus. Pela via da exceptio só poderia eximir-
-se ao cumprimento da contraprestação, ou seja ao pagamento do preço, na estrita medida em que tivesse havido inexecução do contrato. Verifica-se que, em termos práticos, isso veio a suceder, pois só foi condenada ao pagamento do preço dos traba- lhos que foram executados.
Sucede que não foi deduzido pedido reconvencional. Nem podia sê-lo, em face do valor da acção e da nova redacção do art. 7º, 2, do Dec.-Lei nº 32/2003, de 17/II, introduzida pelo art. 5º do Dec.-Lei nº 107/2005, de 1/VII. Tem-se entendido, a nível jurisprudencial que é possível deduzir reconvenção na acção resultante de injunção a que haja sido deduzida oposição ou em que se tenha frustrado a notificação do reque- rido, quando ela passe a tramitar sob a forma de processo comum – cfr., neste senti- do, o Ac. da RL, de 12-07-2006, Proc. 5904/2006-7, in www.dgsi.pt, e o Ac. da RC, de 18-05-2004, Proc. 971/04, também disponível na indicada base de dados. Mas, após a entrada em vigor do diploma acabado de referir (15-09-2005), essa acção só tramita sob a forma de processo comum, quando o valor da dívida seja superior à alçada da Relação, o que, in casu, não ocorre.
Assim, os eventuais danos decorrentes do incumprimento parcial do contrato, designadamente do atraso na entrega da obra, só em acção autónoma poderão ser peticionados.
No que respeita ao cumprimento defeituoso, só pelas vias previstas nos já referidos arts. 1221º e 1222º e desde que tivesse dado cumprimento ao também já mencionado art. 1226º, é que podia exercitar o seu direito de regresso. E, não sendo admissível reconvenção, nunca poderia ser exercido nesta acção, para além de eventualmente já ter ocorrido a caducidade a que se reporta o art. 1224º do código em referência.
Quanto aos prejuízos decorrentes do facto de alguém ao serviço da requerida ter retido as chaves do gerador eléctrico, os mesmos configuram responsabilidade delitual, aquiliana ou extracontratual, nada tendo a ver com cumprimento ou incumpri- mento do contrato de subempreitada – ter-se-á tratado de uma espécie de acção directa ilícita (cfr. o art. 336º do Cód. Civil) para pressionar a ré a pagar o preço.
Improcede, assim, a alegada excepção de incumprimento.
Diga-se, ainda, que, como muito bem se refere na sentença recorrida, a ré não deduziu qualquer pretensão concreta, designadamente o pedido de compensação do seu alegado crédito com o da autora, podendo tê-lo feito por via de excepção perem- ptória.
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IV. Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 19/12/2007