Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1889/20.2T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: HERANÇA INDIVISA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
EXERCÍCIO DE DIREITOS RELATIVOS À HERANÇA
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 2091.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - À luz do atual regime processual civil, a herança aberta e indivisa não é dotada de personalidade judiciária, não podendo, por isso, estar em juízo, seja pelo lado ativo, seja pelo lado passivo da instância.

II - Intentada ação para reconhecimento do direito de propriedade de um dos autores e da herança aberta e indivisa por morte do seu cônjuge, figurando como autores também os filhos da falecida, como seus herdeiros, o respetivo direito dominial, no respeitante à herança, tinha de ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros (nessa qualidade), em bloco, em litisconsórcio necessário ativo.

III - Se tal ação fosse intentada pela própria herança indivisa (em seu próprio nome), falharia o pressuposto da personalidade judiciária, com as inerentes consequências ao nível da instância.

IV - Sendo demandantes todos os herdeiros da herança indivisa, ocorre legitimidade ativa, mas o direito dominial não pode ser reconhecido aos herdeiros, enquanto tais (por si e para si), apenas o podendo ser ao autor viúvo e à herança ilíquida e indivisa aberta por morte do seu cônjuge.

V - Alegando-se claramente na ação serem tais autor viúvo e herança ilíquida e indivisa os únicos e exclusivos donos do prédio, adquirido por usucapião, é de entender que o pedido formulado pelos autores, embora imperfeitamente expresso (tendente, em sentido literal, ao reconhecimento de todos eles como donos daquele prédio), é o de condenação do réu no reconhecimento do direito dominial do autor viúvo e da herança ilíquida e indivisa, de que são herdeiros todos os demandantes.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA, BB, CC, DD, EE, todos com os sinais dos autos, na qualidade de únicos e universais herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF,

intentaram ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

GG, também com os sinais dos autos,

pedindo que o R. seja condenado a reconhecer que:

«A - Os autores são donos e legitimos possuidores com exclusão de outrem do prédio rústico que se compõe por terra de cultura com vinha, oliveiras e dois poços, com cerca de 6081,35m2 sita na Quinta ..., freguesia ..., a confrontar do norte com herdeiros de HH, do sul com herdeiros de II, do nascente com JJ e do poente com a Rua ... de 25 de Abril, que corresponde ao prédio inscrito sob o artigo ...90 da matriz predial da freguesia ....

B - Que adquiriram o direito de propriedade por usucapião;

C - Ordenando-se o cancelamento de todas as inscrições em vigor respeitantes ao prédio descrito no nº 16678 da freguesia ...;

D - Nas Custas do Processo.

SUBSIDIARIAMENTE:

Se não se entender que o autor AA e a Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF não adquiriram por usucapião o prédio descrito no artigo 1º desta petição réu condenado a restituir:

a) A quantia de 24.939,89 € para a qual foi convertida a quantia de 5.000.000$00 que corresponde ao preço pago em 1972 pelos antepossuidores dos autores e pelos autores da herança ás antepossuidores dos réus.

b) A indemnizar os autores pelas benfeitorias respeitantes á plantação da vinha, do olival e dos poços, bem como os rendimentos que estas proporcionassem, após a avaliação por perito e a liquidar em execução de Sentença.

c) Nas custas do processo.».

Para tanto, alegaram, em síntese, que:

- a dita herança ilíquida e indivisa e o co-herdeiro AA – este que foi casado no regime da comunhão de adquiridos com aquela FF, falecida em .../.../2004, de que são filhos os demais AA. – são os únicos donos e possuidores do mencionado prédio;

- os antecessores daquela FF, a começar no ano de 1947, negociaram com antecessora do R. a compra verbal de parcelas de terreno, onde procederam a construções, incluindo a sua casa de habitação, tendo pago o preço então acordado e entrado na correspondente posse imobiliária, assim formando as duas parcelas de terreno uma só, compondo o prédio atualmente inscrito sob o art.º ...87.º da matriz predial urbana da freguesia ...;

- em 1972/73 ainda a aludida FF e marido negociaram, verbalmente, uma terceira parcela com a antecessora do R., devidamente delimitada, como as demais negociadas, cujo preço acordado também foi pago, com a decorrente prática de atos materiais de posse, em condições de aquisição por usucapião;

- as parcelas aludidas faziam parte do prédio rústico inscrito sob o art.º ...77.º da matriz predial da freguesia ..., o qual tem registo predial desde março de 1978 a favor da antecessora do R., D.ª KK, pessoa esta que procedeu à «discriminação do prédio inscrito sob o art.º ...77.º (…) e procedeu à actualização da descrição registal na Conservatória», com realização de levantamento topográfico, ficando a área total de 6081 m2 autonomizada da restante parte do prédio ...77, dando origem aos dois prédios rústicos com inscrição sob o art.º ...91.º, com a área de 54.131 m2, e ...90.º, com a área de 6081 m2;

- assim, a dita herança ilíquida e indivisa e o A. AA são os único e exclusivos donos deste último prédio, adquirido por usucapião e que resultou de separação, embora exista inscrição de aquisição a favor da antecessora do R., devido a partilha da herança por morte de predecessora, sabido que a respetiva presunção registal é ilidível, havendo a prevalência, no caso, de posse anterior, o que justifica a procedência da ação.

O R. contestou, concluindo pela total improcedência da ação, para tanto alegando:

- verificar-se a exceção dilatória de caso julgado;

- ser de aceitar a separação quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art.º ...77.º, do que resultaram os dois prédios indicados pelos AA.;

- ter a mãe do R., KK, sempre sido dona e possuidora do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...77.º, que lhe adveio por óbito de sua mãe, LL, sendo que a mãe do R. deu de arrendamento uma parcela desse terreno, num total de 2.500 m2, a MM;

- tal parcela sempre incidiu sobre o mesmo espaço físico e com a mesma localização, passando depois a integrar o prédio inscrito na matriz sob o art.º ...90.º;

- em .../.../1991, falecido NN, continuou essa parcela a ser cultivada pela família dos AA., passando a assumir a posição de arrendatários;

- o A. AA procedeu ao pagamento das rendas relativas aos anos de 2000 a 2007, através de cheque, tendo o R. emitido o respetivo recibo, sendo que os AA. não mais pagaram qualquer quantia.

O R. deduziu ainda reconvenção, pugnando pelo reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente ao prédio em causa e, consequentemente, condenando-se os AA./Reconvindos a absterem-se de turbar por qualquer meio o direito do R., bem como a demolirem todas as construções erigidas no prédio, à sua custa.

Os AA. replicaram, concluindo pela improcedência da contestação e da reconvenção e requereram a retificação do por si peticionado, por invocado lapso de escrita ([1]).

Após convite ao aperfeiçoamento pelos AA. da sua petição, vieram estes apresentar, mediante requerimento datado de 13/04/2020, «articulado superveniente» ([2]), que mereceu a resposta do Tribunal que consta de despacho datado de 25/04/2021, segundo o qual «(…) o Requerimento de 13-04-2021, ref.ª ...71, não cumpre o determinado, padecendo por isso de uma irregularidade susceptível de gerar a sua nulidade processual, nos termos dos artigo 195.º, n.º1, do Código de Processo Civil», razão pela qual foi ordenada a notificação dos «(…) Autores para, no prazo de 10 (dez) dias, cumprirem o Despacho de 21-01-2021, ref.ª ...58, sob a cominação aí prevista, e que aqui se dá por reproduzida, nos termos do artigo 199.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, apresentando articulado suplementar e por isso autónomo, onde, apenas e só:

(i) esclareçam em que medida o prédio urbano, com a matriz 3987 (cf. artigo ...2.º da Petição Inicial) integra ou não o prédio rústico com matriz 28790, bem como esclareçam quais as suas confrontações reais, nomeadamente, em relação (a existir) ao prédio rústico com a matriz 28790;

(ii) reformulem o pedido subsidiário de indemnização por benefeitorias com vista à sua quantificação, bem como a concretizar os factos constitutivos do pedido de indemnização deduzido, em função da natureza das despesas realizadas, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, 278.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, sob cominação de absolvição da instância, no caso de não ser reformulado o pedido subsidiário deduzido na alínea b), com base numa excepção dilatória inominada, artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).».

Ao que os AA. aduziram assim (por requerimento de 28/04/2021):

«(i) - O prédio urbano inscrito sob o artigo ...87 da matriz predial urbana da freguesia ... não integra o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica de ... sob o artigo ...90.

O prédio urbano está incorporado no prédio rústico sendo este que envolve e circunda o prédio urbano servindo-lhe de logradouro na sua totalidade.

O prédio urbano, composto por casa de habitação e logradouros com dois poços, como se esclareceu, confronta do norte com a Vala Real e herdeiros de HH, do sul com JJ, do nascente com herdeiros de II e do poente com a Rua ....

(…)

PEDIDO SUBSIDIÁRIO

b) A indemnizar os autores na quantia de €35.500, 00 pelas benfeitorias que de boa fé realizaram no terreno que serve de logradouro à casa de habitação, que consistem na plantação de 350 videiras, calculando-se em €10.500,00 o valor da vinha bem como na plantação de 60 oliveiras calculando-se o valor do olival em €18.000,00, na construção de um poço aberto a nascente do logradouro junto á vala de enxugo que se estima no valor de €2.500,00 e em €4.500,00 o valor da construção do poço aberto no lado nascente / sul da casa de habitação que valorizaram o terreno, bem como indeminizar os Autores quanto aos rendimentos que as plantações e as construções proporcionassem, sendo este valor a apurar após a avaliação por perito e a liquidar em execução de Sentença.».

Observado o princípio do contraditório, foi proferido despacho saneador – onde foi admitida a reconvenção e julgada improcedente a exceção do caso julgado, fixando-se ainda o valor da causa em € 24.939,89 (o indicado na petição inicial) –, com identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, apresentando o seguinte dispositivo:

«a) Julgar a acção procedente, por provada, e, em conformidade, declarar que os Autores, AA, BB, CC, DD, EE, OO e PP, são proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico situado na Quinta ..., composto por cultura de regadio e hortícola com dois poços de água nativa, com a área de 5.529,00 m2, a confrontar a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...78, da freguesia ..., concelho ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...90;

b) Julgar a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência:

i. Absolver os Autores, AA, BB, CC, DD, EE, OO e PP, do pedido de reconhecimento do direito de propriedade relativo ao prédio rústico situado na Quinta ..., composto por cultura de regadio e hortícola com dois poços de água nativa, com a área de 5.529,00 m2, a confrontar a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...78, da freguesia ..., concelho ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...90, formulado pelo Réu GG;

ii. Indeferir o demais peticionado.

Custas a cargo do Réu.

Após trânsito, proceda ao registo da presente sentença nos termos dos artigos 2.º, n.º 1 a), 3.º, n.º 1 a), 8.º-A, n.º 1 b), 8.º-B, n.º 3 a) e 8.º-C, n.º 2 do Código de Registo Predial.

Registe, nos termos do artigo 153.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

Notifique.».

De tal sentença veio o R., inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

«1. Apresentando os autores a litigar, com tal e insistentemente se identificando nos autos, na qualidade de únicos e universais herdeiros da HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE FF e, alegando a pratica dos actos de posse em nome da herança, não podiam pedir para si próprios o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel objecto do litígio.

2. Na verdade, o que os autores deveriam ter pedido, enquanto herdeiros e representantes da referida herança ilíquida e indivisa, era o reconhecimento, a favor desta, que não deles, do direito de propriedade sobre o prédio em questão.

3. No corolário lógico da sua alegação, o direito de propriedade sobre o imóvel ajuizado, quando muito, poderia admitir-se (a ter-se por demonstrado a usucapião, o que não se concede) na esfera jurídica da herança, mas nunca na esfera jurídica dos herdeiros, aqui autores.

4. A comunhão hereditária não se confunde com a compropriedade, já que os herdeiros não são titulares simultâneos da mesma coisa, mas antes titulares de um direito à herança, como universalidade, não se podendo considerar, à priori, sobre qual ou quais dos bens em concreto o respectivo direito ficará a pertencer, não comportando, assim, uma declaração de propriedade sobre uma realidade ainda não determinada.

5. Da aceitação sucessória apenas decorre para cada um dos herdeiros chamados à herança uma quota hereditária. Enquanto a herança se mantiver em estado de indivisão, como é manifestamente o caso dos autos, pelo menos no que concerne aos direitos aqui esgrimidos, nem os herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem, obviamente, um direito real sobre um bem em concreto da herança.

6. O mesmo é dizer que, aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota, que sequer alegam) sobre cada ou qualquer um dos bens que integram o património hereditário.

7. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota de cada um dos elementos a partilhar (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cod. Civil Anotado, Vol. III, 2ª Ed, pág. 347-348, e Vol. VI, pág. 160).

8. Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário, ou comproprietário, de determinado bem da herança. A partilha extingue o património autónomo da herança indivisa, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão, ou seja, à morte do de cujos (artigo 2119º do Cód. Civil). Só com a partilha se “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195-196 e 203).

9. Daqui, resulta, por si só, o falecimento do primeiro pressuposto para os autores poderem ser reconhecidos como comproprietários do prédio objecto da acção (ou, singelamente, proprietários, na terminologia da sentença), tal como pedem na P.I..

10. Se mal pediram os autores, anuindo ao pedido, mal decidiu o tribunal a quo.

11. O tribunal, oficiosamente, procedeu à divisão e discriminação do imóvel inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo ...90 em dois:

3. Um, rústico, com 5.529 m2 de área, confrontando a norte por vala real em todo o seu comprimento, a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ...

(v. pontos 4.1.6 e 4.1.16 dos factos provados)

4. outro, urbano, com 227,00 m2 de área, sendo delimitado por todos os lados pelo prédio rústico referido em 4.1.6. (ou seja, pelo rústico)

E, assim, reconhecendo o direito de propriedade aos autores sobre este imóvel rústico, amputado da área do “urbano”, levada à matriz, acaba por reconhecer aos autores o direito de propriedade sobre dois imóveis distintos.

12. Ora os autores alegam e pedem o reconhecimento do domínio sobre a totalidade do prédio, com a área integral e intangível de 6.081,35 m2, não alegando nem pedindo qualquer amputação, seja por discriminação ou outra qualquer manobra.

13. Ao acolher como provada matéria que sequer foi alegada (autonomização do urbano relativamente ao rústico); indo mesmo contra a vontade dos autores, que pedem o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel como um todo (v. toda a P.I. e o pedido), a sentença viola os princípios do dispositivo do contraditório e do pedido, para além de proceder a um autêntico loteamento ilegal.

14. Complementarmente à matéria provada acolhida no ponto 4.1.15., porque a isso impunha o interesse da referência e a prova disponível (alegação, documentos e não impugnação), este ponto deveria ter a seguinte redacção, pela qual se pugna:

4.1.15 Em 31/07/2007 o Autor AA procedeu ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos) à mãe do Réu, tendo este emitido o respectivo recibo em nome desta, correspondente ao valor de oito rendas anuais que se encontravam em divida.

15. Por não corresponder a nenhuma alegação das partes e, nessa medida, a sua formulação violar o princípio do dispositivo, o ponto 4.1.16 deverá ser eliminado do acervo da matéria tida por provada.

16. Por não corresponder a nenhuma alegação das partes e, nessa medida, a sua formulação violar o princípio do dispositivo, o ponto 4.1.17 deverá ser eliminado do acervo da matéria tida por provada.

17. Com efeito, a construção feita num determinado terreno não gera, de per si e do ponto de vista jurídico, a criação de um imóvel urbano. Como é sabido, no caso do terreno não pertencer, como não pertencia, ao dono das obras incorporadas, estamos perante simples benfeitorias, as quais poderão dar sequência a várias soluções, seja a acessão imobiliária industrial ou a direito de indemnização. Mas sempre por iniciativa do titular desse direito de crédito e nunca oficiosamente pelo tribunal. Atente-se que os autores pedem o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel rústico com o artigo 28790, com a sua área intangível, de 6.081,35 m2 e, em via subsidiária, pedem uma indemnização por benfeitorias…

18. Deve eliminar-se a matéria de facto constante do ponto 4.1.20, porquanto nenhuma prova os autores fizeram a tal respeito, não sendo admissível a prova pericial (que só verifica o estado actual e não que existia no passado), não podendo os depoimentos de parte dos autores ter-se por relevantes para prova dos factos por eles alegados e que a eles aproveitam, mas tão só quanto aos factos em que estes tenham intervindo pessoalmente ou que devam ter conhecimento (artigo 454.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e cujo reconhecimento que a parte faz da realidade desses factos lhe seja desfavorável e, simultaneamente, seja favorável à parte contrária (artigo 352.º do Código Civil).

19. Pelas mesmas razões se deve eliminar a matéria constante do facto alinhado no ponto 4.1.23, porquanto a factualidade relevante que encerra este ponto não é se o autor AA esteve ou não doente (o que se concede), nem o falecimento da sua esposa FF (facto que não se discute), mas a relação da causa efeito. E tal nexo de causalidade, para além de nenhuma prova sobre ele ter sido feita, contraria as regras da experiência comum, da normalidade da vida e do acontecer.

20. Não tendo sido produzida prova (para além dos depoimentos de parte que não relevam) sobre a matéria dos pontos 4.1.24 e 4.1.25 devem os mesmos ser eliminados do acervo da matéria tida por provada.

21. Descartados aqui os depoimentos de parte, pelas razões já aduzidas, a existência, essa provada, de um contrato de arrendamento, ao menos sobre parte do prédio em discussão - contrato que, pelo pagamento das rendas em 2007 os autores reconhecem - deve ter-se bastante para afastar a presunção do animus decorrente do corpus da posse que aparenta sobre o imóvel objecto das causa.

22. Pelo que o ponto 4.1.26 merece ser reformulado na sua redacção, em termos semelhantes ao que se propõe:

FF e AA praticaram os actos descritos em 4.1.24 ano após ano, à vista da generalidade das pessoas, sem qualquer interrupção, violência, ou oposição de ninguém.

23. E na falta do animus, falecem os demais argumentos vertidos na douta sentença que conduzem à conclusão, errada no entender do réu, de que os autores adquiriram e mantiveram a posse do imóvel ajuizado, de forma a adquirirem-no por usucapião. Eles autores seguramente que não, porquanto alegam sempre ter agido enquanto herdeiros, e a (ou as) heranças também não, por falecimento, pelos menos, de um dos pressupostos: o animus.

24. O imóvel com inscrição matricial ...90 da freguesia ..., encontra-se descrito na conservatória com inscrição de propriedade a favor de KK, tendo esta falecido a .../.../2008; O réu JJ, está habilitado como único e universal herdeiro daquela KK. Habilitação que foi promovida por ele próprio. Sendo único e universal herdeiro, não carece de inventário ou partilha, como é óbvio.

25. A douta sentença viola os princípios do dispositivo do contraditório e do pedido, as regras sobre loteamentos urbanos, a proibição de fraccionamento de prédios rústicos e, designadamente, os artigos 1251º, 1252º, /1253º, 1255º, 1256º, 1265º, 1376º e 1379º, do Código Civil e 3º/1, 5º, 186º/2/b), 454º/1, do Código de Processo Civil, por deficiente interpretação e aplicação.

26. Pelo que, na procedência do presente recurso e consequente improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade aos autores, sobre o prédio objecto desta acção, como se espera, deve proceder o pedido reconvencional de reconhecimento da propriedade de deduzido pelo réu, sobre o mesmo prédio.

27. Devendo, em, consequência, a acção prosseguir para apreciação dos pedidos subsidiários formulados pelos autores (benfeitorias).

Justiça!».

Foi junta contra-alegação de recurso, concluindo a contraparte pela total improcedência da apelação.


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O recurso foi admitido como de apelação ([3]), a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber ([5]):

a) Se a sentença está inquinada por alguma arguida causa de nulidade (nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv., designadamente por violação do princípio do pedido);

b) Se resultam violados os princípios do dispositivo e do contraditório e respetivas consequências processuais (conclusão 13.ª);

c) Se ocorre erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido (pontos 4.1.15, 4.1.16, 4.1.17, 4.1.20, 4.1.21, 4.1.23 e 4.1.26 dados como provados e 4.2.1 a 4.2.3, considerados não provados);

d) Se incorreu a sentença em erro de julgamento de direito, devendo agora julgar-se improcedente a ação e procedente a reconvenção.


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III – Fundamentação

          A) Da nulidade da sentença

          Nas suas conclusões recursivas, o R./Recorrente dedica-se, para além do mais, aos invocados vícios da sentença, incluindo assacadas violações de princípios estruturantes do processo civil, como os do dispositivo, do contraditório e do pedido (cfr. conclusão 13.ª).

          Perante isso, a 1.ª instância, aquando do despacho de admissão do recurso, abordou a questão da «nulidade decorrente de ineptidão da petição inicial» e pronunciou-se sobre a «nulidade da sentença decorrente de violação do princípio do dispositivo», para além da questão de (não) conformação com o pedido.

Porém, é sabido que, nessa fase da admissão do recurso, o Tribunal a quo apenas deverá pronunciar-se sobre as nulidades da sentença, que são somente as previstas no art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. (cfr. art.º 617.º do mesmo Cód.), o que exclui a pronúncia sobre matéria recursiva de nulidades processuais.

Ora, a invocada violação dos princípios do dispositivo e do contraditório somente se poderá reportar a questões de nulidade processual, termos em que apenas a imputada violação do princípio do pedido poderia caber nas nulidades da sentença, pela via do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª e), do NCPCiv., e apenas no caso de haver sido invocado que na sentença se condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Vejamos, então, se foi oferecida tal invocação.

Ora, percorridas as conclusões do Apelante, constata-se que este alegou expressamente (conclusão 13.ª) que se foi contra a vontade dos AA., que pedem o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel como um todo, violando a sentença o princípio do pedido.

A 1.ª instância, perante isso, veio explicitar que a decisão se comporta no pedido formulado na ação.

Ora, é sabido que a sentença é nula quando houver condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido [art.º 615.º, n.º 1, al.ª e), do NCPCiv.].

Não obstante as vicissitudes já descritas quanto à formulação dos pedidos de âmbito principal da ação (com as variações retratadas, matéria cujo ónus cabia à 1.ª instância bem disciplinar), é certo que na petição vem pedido, quanto ao que ora importa, literalmente, que:

«A - Os autores são donos e legitimos possuidores com exclusão de outrem do prédio rústico que se compõe por terra de cultura com vinha, oliveiras e dois poços, com cerca de 6081,35m2 sita na Quinta ..., freguesia ..., a confrontar do norte com herdeiros de HH, do sul com herdeiros de II, do nascente com JJ e do poente com a Rua ... de 25 de Abril, que corresponde ao prédio inscrito sob o artigo ...90 da matriz predial da freguesia ....

B - Que adquiriram o direito de propriedade por usucapião;».

E no dispositivo da sentença respondeu-se assim:

«a) Julgar a acção procedente, por provada, e, em conformidade, declarar que os Autores, AA, BB, CC, DD, EE, OO e PP, são proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico situado na Quinta ..., composto por cultura de regadio e hortícola com dois poços de água nativa, com a área de 5.529,00 m2, a confrontar a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...78, da freguesia ..., concelho ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...90;».

Assim sendo, não obstante a divergência de área – inferior no dispositivo da sentença –, afigura-se-nos, perante os dados disponíveis nos autos, que se trata do mesmo imóvel a que alude o pedido da ação, pedido esse referente, por outro lado, ao reconhecimento do domínio (real), sendo esse domínio que veio a ser reconhecido naquela sentença.

Assim, salvo o devido respeito, não se vê que o dispositivo tenha excedido, neste específico âmbito invocado no recurso, o pedido, que se tenha, de algum modo, condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Donde que improceda a invocada causa de nulidade da sentença por violação do princípio do pedido.

B) Das nulidades processuais

Importa agora tomar posição decisória relativamente à invocada violação dos princípios do dispositivo e do contraditório e respetivas consequências processuais, tendo em conta o suscitado na aludida conclusão 13.ª da apelação.

Refere o Recorrente que, ao acolher como provada matéria que sequer foi alegada (autonomização predial), indo contra a vontade dos AA., que pedem o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel como um todo, a sentença violou aqueles dois princípios.

Assim, a seu ver, a violação do princípio do dispositivo decorre de nunca os AA. terem alegado que pretendessem proceder à divisão do prédio com a área matricial de 6.081 m2, onde está construída a casa de habitação, com inscrição matricial sob o art.º ...87.º.

Já a violação do princípio do contraditório decorreria de, nessa medida, estarmos perante decisão-surpresa, por o R. nunca ter sido confrontado com essa nova factualidade e consequente inovação decisória acolhida na sentença.

Nesta perspetiva, tudo radicaria, no essencial, em os AA. sempre se terem reportado, quanto à sua pretensão, ao domínio sobre a dita totalidade do prédio, enquanto na sentença viria a vingar, de forma surpreendente, a tese da «divisão e discriminação, com a consequente criação de dois imóveis, distintos e demarcados» (cfr. fls. 398 v.º do processo físico).

O Tribunal recorrido rejeita tal invocada violação do princípio do dispositivo, esgrimindo que foi respeitado o «núcleo factual sujeito a prova», de acordo com o pedido formulado na ação, bem como que a «configuração do prédio cuja propriedade foi reconhecida» resulta da «perícia» efetuada e foi objeto de contraditório, devendo o Julgador «valorar todos os factos instrumentais e complementares que resultem da instrução» (cfr. despacho de 19/10/2022, a fls. 429 v.º e seg. do processo físico).

Ora, como já se mencionou anteriormente, no âmbito da análise quanto ao princípio do pedido, o imóvel a que se reporta o dispositivo da sentença é, pela sua conformação descritiva essencial, o mesmo a que alude o pedido da ação, pedido esse referente, por outro lado, ao reconhecimento do domínio (direito real de propriedade), sendo esse domínio que veio a ser reconhecido naquela sentença.

Assim, não parece haver motivo para invocar surpresa quanto ao desfecho da ação, no que tange ao direito de propriedade reconhecido e ao imóvel em questão (aquele a que alude o pedido da ação), com a consequência de não se vislumbrar ofensa ao princípio do contraditório, que foi sendo observado paulatinamente ao longo da marcha processual (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

E o mesmo se diga, neste horizonte processual, quanto ao princípio do dispositivo (cfr. art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv.), posto terem os AA. alegado (nos seus articulados), de forma suficiente, os factos essenciais de suporte, visto até o convite formulado ao aperfeiçoamento e os esclarecimentos apresentados em resposta, cabendo ao Tribunal decidir de modo atualizado (cfr. art.º 611.º do NCPCiv.), levando em conta os dados resultantes da prova produzida, em modo contraditório, designadamente, quanto à situação e caraterísticas do imóvel, a prova pericial e por inspeção judicial ao local.

Como pode ler-se na fundamentação da decisão da matéria de facto, foi dado relevo, desde logo, à prova pericial produzida, enquanto prova de caráter técnico, designadamente neste âmbito fáctico:

«O facto 4.1.16 e, bem assim, o facto 4.1.17 deram-se como provados através da perícia realizada e consulta do respectivo relatório pericial.

Pese embora área apurada quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artigo n.º ...90 (facto n.º 4.1.16) em sede de perícia seja distinta da que consta da matriz (cfr. facto provado n.º 4.1.7), a verdade é que a área constante da caderneta predial rústica se trata de conteúdo meramente declaratório.

O facto de a área declarada para efeitos de comunicação ao serviço de finanças competente ser distinta da área apurada aquando da realização da perícia não impede que se dê como provada a área constante do relatório pericial. Na verdade, em face da actualidade e da natureza objectiva dos resultados obtidos pelo perito, como referido supra quando se teceram considerações acerca da prova pericial, necessariamente se conclui que a área agora determinada corresponde à área actual do prédio em causa.».

Aliás, logo esclareceu, nesse quadro, o Julgador que:

«Foi realizada perícia, igualmente tida em consideração na apreciação da matéria de facto.

(…)

O perito designado é Engenheiro Civil tendo qualificação e especialização para efectuar o levantamento topográfico bem como para indicar as áreas e extensão dos prédios indicadas pelos Autores e pelo Réu.

Os factos observados pelo perito são factos objectivos, pelo que inexiste motivo para o tribunal não atribuir um elevado grau de credibilidade às conclusões presentes no relatório pericial, valorando-as em conformidade.

O perito necessariamente teve que se deslocar ao local em causa, tendo beneficiado da imediação permitida por essa deslocação, o que permite concluir pela maior exactidão das conclusões a que chegou no seu relatório pericial.

*

Igualmente relevante foi a prova por inspecção ao local, realizada após a prova pericial, que possibilitou que o tribunal se esclarecesse de forma absoluta, com o apoio do relatório pericial elaborado e daquele levantamento topográfico. A prova por inspecção consta de auto com as fotografias tiradas pelo tribunal no local, para melhor elucidação.

A deslocação ao local, com a presença do perito designado que prestou os necessários esclarecimentos, veio reforçar a força probatória atribuída ao relatório pericial, permitindo ao tribunal confirmar in loco as conclusões daquele relatório pericial.».

Termos em que, não se vislumbrando, outrossim, ofensa relevante ao princípio do dispositivo, é de concluir pela não verificação das nulidades processuais que o R./Apelante pretendeu invocar na via recursiva.

Questão diversa é a da invocada errada decisão quanto à matéria de facto, de que se cuidará seguidamente.

C) Da impugnação da decisão de facto

O Apelante vem manifestar o seu inconformismo com a decisão da matéria de facto, pretendendo que, diversamente do decidido na 1.ª instância, seja julgada de outro modo extensa matéria factual da causa, a começar pelo ponto 4.1.15 (cfr. conclusão 14.ª).

Na sentença foi fixada a seguinte redação a esse ponto fáctico:

«4.1.15 O Autor AA procedeu ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos) à mãe do Réu, tendo este emitido o respectivo recibo em nome desta.».

E foi julgado como não provado que:

«4.2.1 A parcela de terreno alvo do contrato de arrendamento referido em 4.1.4, integra-se no prédio rústico identificado em 4.1.6.

4.2.2 O Autor AA e a sua esposa, FF, a partir da data do óbito de NN, a 01.06.1991, passaram a assumir a posição de arrendatários no contrato referido em 4.1.4.

4.2.3 O pagamento referido em 4.1.15, reporta-se a um contrato de arrendamento referente ao prédio rústico identificado em 4.1.6.».

O Recorrente propõe que a redação daquele ponto 4.1.15 seja alterada pela seguinte forma:

«4.1.15 Em 31/07/2007 o Autor AA procedeu ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos) à mãe do Réu, tendo este emitido o respectivo recibo em nome desta, correspondente ao valor de oito rendas anuais que se encontravam em divida.» (destaque aditado).

E que os pontos 4.2.1 a 4.2.3 sejam, por sua vez, julgados como provados.

Invoca, desde logo, o alegado sob os art.ºs 44.º a 46.º da contestação e os documentos ...5 (cheque) e ... (recibo de quitação) juntos com esse articulado, que considera não impugnados (cfr. documentos de fls. 71 e 72 do processo físico), mas também as regras da lógica, do normal acontecer e da experiência comum, várias alegações vertidas nos articulados e diversos depoimentos testemunhais (os das testemunhas RR, SS, TT e UU, como consta da alegação plasmada a fls. 410 v.º e segs. do processo físico).

Por sua vez, da justificação da convicção probatória da sentença podem retirar-se os seguintes excertos relevantes ([6]):

a) «O Tribunal ancorou a sua convicção, no que aos factos provados diz respeito, no seguinte:

- inspecção ao local;

- relatório pericial;

- depoimento de parte dos Autores EE, PP, AA, BB, DD, OO e PP;

- depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores, VV, reformado, primo dos Autores; WW, reformado, primo dos Autores; XX, técnico de gás, conhecido dos Autores e desconhecendo o Réu e YY, aposentado da ..., amigo dos Autores e desconhecendo o Réu;

- depoimentos das testemunhas arroladas pelo Réu, RR, reformado, primo dos Autores com quem se encontra de relações cortadas, não conhecendo bem o Réu; SS, reformado, conhece os Autores e desconhece o Réu; TT, reformado, conhece o Autor AA e conhece mal o Réu e UU, reformado, conhece o Autor AA com quem se encontra de relações cortadas e conhece o Réu que foi seu senhorio;

- escritura pública de habilitação de herdeiros por óbito de MM, ZZ e NN, de FF, AAA e de BBB;

- certidão da escritura pública de habilitação de herdeiros por óbito de KK;

- caderneta predial relativa ao prédio urbano descrito na matriz sob o artigo n.º ...87 e inscrito da Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...31;

- certidão permanente relativa ao prédio rústico sito na Quinta ..., ..., composto por terra de semeadura com oliveiras, com 60.212 m2, descrito sob o artigo n.º ...77 e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...91;

- caderneta predial relativa ao prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...91;

- caderneta predial relativa ao prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...90;

- liquidação da SISA e termo de declaração relativo ao pagamento da SISA no ano de 2002 pelo Autor, AA, quanto ao prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...90;

- certidão permanente relativa ao prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...90 e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...78;

- certidão permanente relativa ao prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...91 e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...91;

- contratos de arrendamento;

- pedido de certificação de fotocópia da matriz urbana sob o artigo ...77 e respectiva certidão emitida pelo Serviço de Finanças ...;

- comprovativo de entrega de documentos junto do Serviço de Finanças ..., peticionando o averbamento em seu nome do prédio rústico descrito na matriz sob o artigo n.º ...90;

- cheque emitido pelo Autor AA à ordem do Réu, no valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos);

- recibo emitido pelo Réu quanto ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos);

- comprovativo de participação de transmissões gratuitas por óbito de KK;

- processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações por óbito de MM;

- fotocópia não certificada extraída do verbete com a listagem das escrituras realizadas no Cartório Notarial ... por LL;

- assento de óbito de LL;

- certidão camarária relativa à aplicabilidade do Regulamento Geral das Edificações Urbanas na vila de ...;

- certidão emitida pela Câmara Municipal ... relativa a autorização para realização de obras, constando como requerente MM;

- cópia certificada do verbete do artigo 8077;

- cópia certificada do verbete do artigo 28791;

- cópia certificada do verbete do artigo 28790;

- cópia certificada do verbete do artigo 3987;

- requerimento para processo de discriminação relativo ao artigo 8077 apresentado por KK, datado de 02.07.2001;

- parecer favorável do Serviço de Finanças do Município ...;

- parecer favorável emitido pela Direcção Regional de Agricultura da ...;

- mandado de discriminação emitido pelo Chefe da Repartição de Finanças de ...;

- termo de avaliação de 13.12.2001;

- despacho de validação da discriminação, pelo Chefe de Serviços do Serviço de Finanças de ...;

- certidão da sentença proferida a 27.11.2019, no âmbito do processo n.º 5559/17...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de ... do Tribunal Judicial de Coimbra.»;

b) «O facto 4.1.4 encontra-se provado mediante junção do respectivo contrato de arrendamento, junto enquanto documento n.º ...2 da contestação.

Todavia, não foi possível apurar se a parcela objecto do contrato de arrendamento actualmente se situa, ou não, dentro dos limites do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...90.

Os Autores EE, PP, AA, BB, DD e OO prestaram declarações, de modo essencialmente unívoco, afirmando que os avós e sogros, MM e ZZ, eram rendeiros de uma outra parcela pertencente ao anterior prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...77, e é relativamente a essa parcela que existia o contrato de arrendamento junto aos autos.

Na verdade, no referido contrato não é especificada a localização em concreto da parcela de terreno com 2.500 m2, apenas que tal parcela se situa no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...77. Destarte, não se torna possível apurar se tal parcela se repercute no prédio em discussão nos presentes autos.

Acresce que a restante prova pessoal não só não indiciou que tal parcela fosse parte do prédio rústico agora em discussão, como foi em sentido contrário.

Vejamos.

Os Autores EE, CCC, BB, DD

AA e OO, afirmaram que FF e MM eram de facto rendeiros de KK, mas de outro terreno que fazia parte integrante do anterior artigo n.º ...77, que não se situava na zona onde agora se encontra o prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º ...77, mas que não se inclui no prédio destacado e inscrito na matriz sob o artigo n.º ...90. Segundo os Autores, essa parcela de terreno era cultivada pelos avós/sogros dos Autores, situado na extremidade daquele anterior artigo, informação que foi reiterada por todos com maior ou menor pormenor, de forma crível uma vez que se reportaram a recordações de infância dos avós e de ajudarem estes no cultivo e amanho de tal parcela de terra. Igualmente referiram que em tal parcela de terreno os avós/sogros cultivavam feijão verde, relatando episódios com carinho e emoção. A Autora BB, descreveu com pormenor o facto de ir para a parcela arrendada, para trás do prédio dos pais, e de, depois, ir vender feijão verde e ameixas com a avó.

Acresce que a testemunha VV afirmou peremptoriamente que MM e bem assim os Autores, nunca foram rendeiros quanto à parte do terreno n.º 8077 destacada, sendo que naquela altura e zona era para baixo que havia rendeiros, reportando-se a uma zona após o limite do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...90, já junto ao rio. Referiu que na altura, após a primeira vala, o terreno correspondente ao prédio n.º ...77 era dividido por valas na horizontal, sendo que cada parcela entre as valas era ocupada por um rendeiro distinto.

A testemunha RR afirmou que o Autor, AA, nunca cultivou outro terreno que não aquele junto à casa de habitação – o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...90. Mais à frente no seu depoimento, quando confrontado, afirmou, pelo contrário, que sem ser o terreno junto à casa, não sabe se os Autores amanhavam outro terreno ou não, nunca tendo assistido.

Disse aos costumes que se encontra de relações cortadas com os Autores apesar de serem primos. Em momento posterior afirmou que o Autor e os seus sogros nunca fizeram nada da vida, revelando um claro afastamento dos Autores.

Acresce que, apesar de ter esclarecido que passa todos os dias na estrada da estação, junto ao prédio em causa, afirmou que o terreno não tem árvores de fruto e que não é amanhado, sendo que, durante a inspecção ao local foi possível apurar a existência de árvores dessa natureza e de vinha e oliveiras.

Neste conspecto, o tribunal não atribuiu credibilidade ao seu testemunho, claramente enviesado por motivos que não transmitiu ao tribunal.

A testemunha SS, filho de DDD, outrora rendeiro da mãe do Réu, afirmou que não se lembra de os Autores terem amanhado uma parcela de terreno como o seu pai amanhava.

O seu depoimento foi algo confuso, tendo chegado a afirmar que o Réu era genro de KK, sendo que é seu filho, revelando conhecimento parco dos factos em causa.

A testemunha TT afirmou que foi rendeiro a seguir a DDD, pai da testemunha antecedente, explanando que não havia nenhuma parcela amanhada por outra pessoa que não fosse o próprio. Contudo, também afirmou ser desconhecedor se quando o autor foi amanhar a terra o seu pai já amanhava a sua parcela, não sendo possível apurar se os períodos em que ambos amanhavam a terra se sobrepuseram de maneira a que a testemunha tivesse conhecimento dos factos em causa.

Esclareceu que os Autores sempre amanharam o terreno junto à sua casa de habitação.

A testemunha UU afirmou que foi rendeiro após TT e que começou a amanhar a terra em 2007.

Esclareceu que o seu contrato foi celebrado com o Réu e não com a mãe, bem como que se referia a todo o artigo 28791 – informação sustentada pelo contrato de arrendamento junto aos autos -, sem distinção de parcelas, pese embora ele só amanhasse determinada parcela e pagasse o valor por todo o prédio. Instado se o Réu sabia que o Autor AA se encontrava no terreno, afirmou não saber.

Acresce que os contratos de arrendamento rural celebrados por RR, DDD e MM se encontram juntos aos autos, tendo todos por objecto o artigo 8077, diferindo as áreas em apreço, sendo que todos eles se iniciaram no dia 01.01.1990.

Destarte, e segundo as regras da experiência, não faz sentido que a testemunha RR tenha afirmado não saber se os Autores amanhavam outro terreno ou não, nunca tendo assistido, uma vez que igualmente era rendeiro no mesmo período de tempo.

Ainda, o facto de se encontrarem juntos aos autos diversos contratos de arrendamento relativos ao prédio rústico em causa – por referência ao anterior artigo 8077, antes da divisão – sendo sempre referidas parcelas com distintas áreas aproximadas do mesmo terreno, sem indicação de limitações que permitam apurar a sua localização em concreto, revela não ser possível determinar onde se localizava a parcela dada de arrendamento a MM.

Concluindo, não sendo possível apurar em concreto a localização da parcela alvo do contrato de arrendamento, necessariamente se deu como não provado o facto 4.2.1. Ademais, todos os Autores, nos depoimentos por si prestados, se reportaram que o pagamento efectuado, a título de rendas devidas e não pagas, se refere a um outro terreno. Explicaram que esse terreno não foi entregue à senhoria, mãe do Réu, pelo que entenderam que deveriam proceder ao pagamento.

Neste conspecto, igualmente se deu como não provado o facto 4.2.2, uma vez que nem o Autor nem a sua esposa figuram enquanto arrendatários em nenhum dos contratos de arrendamento juntos aos autos pelo Réu.

Sustentando a conclusão supra, acresce que a sentença proferida a 27.11.2019, no âmbito do processo n.º 5559/17...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Soure do Tribunal Judicial ..., e cuja certidão se encontra junta aos autos, concluiu que, também naquela sede, não se apurou que o aqui Autor, AA, fosse arrendatário da referida parcela e, também, que tal parcela de 2.500 m2 correspondesse ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...90.»;

c) «O facto 4.1.15, resulta do cheque emitido pelo Autor AA à ordem do Réu, no valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), bem como do recibo emitido pelo Réu quanto ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).

Neste conspecto, na versão do Réu tal pagamento reporta-se a um contrato de arrendamento relativo a uma parcela de terreno que faz parte do prédio identificado em 4.1.6 enquanto que na versão dos Autores, tal pagamento se reporta ao contrato de arrendamento referido em 4.1.4, mas que tal parcela teria uma localização distinta, dentro do prédio mãe, inscrito na matriz sob o artigo n.º ...77.

Uma vez que se deu como não provado que o contrato de arrendamento em causa se reportasse a parcela de terreno integrante do prédio identificado em 4.1.6 (ver, supra, facto não provado n.º 4.2.1), necessariamente se deu como não provado o facto 4.2.3.».

Que dizer?

Dir-se-á que se esperava que o Apelante, ao pretender impugnar a decisão relativa à matéria de facto, observasse os ónus a seu cargo, como imposto pelo art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv..

Assim, cabia-lhe (obrigatoriamente, por se tratar de norma imperativa), quanto à prova pessoal (mormente, testemunhal) convocada – toda ela objeto de gravação áudio, seja a convocada pelo Recorrente, seja a valorada na sentença (cfr. atas das sessões de audiência final, datadas de 07/04/2022, a fls. 352 e segs. do processo físico, e de 12/05/2022, a fls. 363 a 364 v.º) –, sob pena de imediata rejeição do recurso nesta parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição – esta, pois, facultativa – dos excertos considerados relevantes [art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv.].

Acontece que o Apelante não procedeu a tal obrigatória indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, como se pode constatar da leitura das suas conclusões recursivas, mesmo na conjugação com o antecedente corpo alegatório.

Na alegação recursiva alude a diversas testemunhas (por si arroladas), invocando que os respetivos depoimentos lhe são favoráveis.

Porém, não procedeu àquela obrigatória indicação (com exatidão) das passagens da gravação a que a 2.ª instância devesse atender, para sindicar a decisão impugnada, nem sequer tendo apresentado transcrição.

E não procedeu a essa exata indicação, assim inobservado ónus legal resultante de lei imperativa, quanto às ditas testemunhas por si arroladas, em que funda a impugnação, nem, de molde a infirmar o juízo que vingou na sentença, quanto às testemunhas que o Tribunal elencou como relevantes ou mesmo essenciais para formação da sua convicção, demitindo-se, pois, da necessária análise crítica do percurso decisório da matéria de facto à luz da prova gravada, tratando-se de vasta e extensa prova testemunhal.

Tal tem como consequência a imediata rejeição da impugnação na parte afetada, determinando, por outro lado, que, não se tendo entrado na análise crítica, com base na gravação, dos depoimentos a que a 1.ª instância atribui credibilidade e relevância probatória, ficasse por demonstrar o pretendido erro de julgamento, posto toda a factualidade impugnada depender, em maior ou menor medida, atenta a amplitude da justificação da convicção do Tribunal, da prova pessoal produzida e valorada.

Donde que, logo por isso, para além da imediata rejeição na parte afetada, também houvesse de concluir-se por não estarem reunidas as condições necessárias/imprescindíveis para a Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, visto as provas produzidas (ou os factos assentes ou mesmo quaisquer documentos supervenientes) não imporem decisão diversa (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

É certo que o Recorrente procura justificar o incumprimento do disposto no art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., aduzindo que, no caso, lhe é impossível cumprir o ónus a seu cargo, por a prova pretendida «não resulta[r] de quaisquer concretos trechos dos depoimentos, mas dos depoimentos, no seu todo», assim pretendendo uma audição integral da dita (vasta e extensa) prova testemunhal.

Ora, tal corresponderia à dispensa de cumprimento do mencionado ónus legal obrigatório, por decorrente de norma processual imperativa, ao que a Relação não pode anuir, antes devendo reforçar que a lei – no caso, norma imperativa – “é para cumprir” (por todos os obrigados).

Obviamente, salvo o devido respeito, aquela justificação não pode ser acolhida, pois a lei é perentória e imperativa, designadamente em casos como o dos autos (em que foi produzida diversa prova pessoal gravada, incluindo testemunhal, com possibilidade de depoimentos de pendor contrário, obrigando a discernir onde está a verdade, já que concorrem versões contraditórias), na imposição de indicação exata das passagens da gravação áudio em que se funda o seu recurso, seja quanto às passagens da gravação que militem a favor da tese do Recorrente, seja, ao invés, quanto às passagens da gravação de depoimentos a que o Tribunal tenha conferido credibilidade e que, por razões que deveriam resultar evidenciadas pelo impugnante (em indispensável análise crítica), a partir do conteúdo gravado dos depoimentos, não deveriam merecer força probatória ([7]).

Quanto aos impugnados pontos 4.1.16 e 4.1.17 do elenco dado como provado – referentes a áreas e confrontações imobiliárias –, que o Recorrente pretende que sejam eliminados, desde logo por imputada violação do princípio do dispositivo, cabe dizer que, como já visto, não colhe a crítica referente à violação daquele princípio, termos em que razões não se encontram para a visada eliminação, tanto mais que sem discussão – no recurso – quanto à existência (ou não) de prova a respeito, não podendo valer aqui, no campo probatório, considerações de direito substantivo (como as oferecidas alusões a argumentos que se prendam com o regime das benfeitorias, acessão imobiliária, direito de indemnização ou direito dominial).

Acresce que o Julgador a quo justificou assim a sua convicção:

«O facto 4.1.16 e, bem assim, o facto 4.1.17 deram-se como provados através da perícia realizada e consulta do respectivo relatório pericial.

Pese embora área apurada quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artigo n.º ...90 (facto n.º 4.1.16) em sede de perícia seja distinta da que consta da matriz (cfr. facto provado n.º 4.1.7), a verdade é que a área constante da caderneta predial rústica se trata de conteúdo meramente declaratório.

O facto de a área declarada para efeitos de comunicação ao serviço de finanças competente ser distinta da área apurada aquando da realização da perícia não impede que se dê como provada a área constante do relatório pericial. Na verdade, em face da actualidade e da natureza objectiva dos resultados obtidos pelo perito, como referido supra quando se teceram considerações acerca da prova pericial, necessariamente se conclui que a área agora determinada corresponde à área actual do prédio em causa.».

Cabia ao Apelante pôr em causa esta valoração da prova, tratando-se de prova técnica/pericial, o que não fez, termos em que não se mostra que tenha o Tribunal de 1.ª instância incorrido em erro de julgamento de facto.

Relativamente ao ponto 4.1.20, que o Recorrente também pretende ver eliminado, é certo que este reconhece que na sentença foram ponderados diversos elementos de prova a respeito, todos no sentido da adotada convicção positiva acerca desse material fáctico, desde a prova pericial à prova pessoal, mormente testemunhal.

Ora, mais uma vez, o Apelante não observou o ónus legal de indicação exata das passagens da gravação quanto a tal prova testemunhal, nem sequer tendo procedido a qualquer transcrição de excertos que pudessem ser considerados relevantes.

Por isso, também nesta parte, pelas mesmas razões, não pode ser admitida tal impugnação, posto a prova pessoal ter sido relevante para a formação da convicção do Tribunal, com a consequência de não ficar demonstrado qualquer erro de julgamento neste particular.

No concernente ao impugnado ponto 4.1.23, que o Apelante igualmente pretende ver eliminado, é certo ter o aludido Tribunal afirmado a seguinte convicção:

«(…) foi considerado provado mediante os depoimentos dos Autores aos quais o tribunal atribuiu credibilidade, na medida em que se tratam do próprio e dos filhos da falecida, não existindo razões que façam duvidar que assim tenha sido. Ademais, não foi produzida qualquer prova em sentido contrário.».

O Apelante afirma não ser admissível a prova por depoimento de partes dos AA. sobre este facto, por não se tratar de matéria de confissão.

O facto é referente aos motivos da não realização de escritura pública:

«4.1.23 A escritura referente ao prédio descrito em 4.1.6 não se realizou por motivos de saúde do Autor AA e, posteriormente, em virtude do falecimento de FF, a .../.../2004.».

Ora, vista tal dimensão fáctica, depreende-se que o Tribunal recorrido se convenceu da veracidade daqueles motivos perante a leitura que fez da globalidade da prova, pessoal e documental, designadamente quanto a tal falecimento, considerando – também à luz das regras da lógica e da experiência comum, no contexto da situação dos autos – não existirem razões que façam duvidar que assim tenha sido.

Assim sendo, cabendo a total imediação perante a prova pessoal à 1.ª instância, não se encontram razões para afastar aquele juízo positivo do Tribunal recorrido, não se vendo, pois, que a prova produzida imponha decisão contrária ou que esteja evidenciado um erro de julgamento quanto a este facto.

Os pontos 4.1.24 a 4.1.26 têm a seguinte redação:

«4.1.24 MM e ZZ, a pedido de FF e AA, mandou abrir, no prédio referido em 4.1.6, um poço junto à vala de enxugo, revestido interiormente a pedra, amanhavam o terreno de cultura, lavravam o terreno, cavaram, semearam variados produtos hortícolas, regando com a água que extraíam do poço, colhendo em proveito próprio.

4.1.25 FF e AA, quando regressaram a Portugal, passaram a praticar os actos referidos em 4.1.24, construíram novos currais em blocos de cimento onde criavam animais bem como uma dependência onde guardavam palhas, rações e sementes.

4.1.26 FF e AA praticaram os actos descritos em 4.1.24 ano após ano, à vista da generalidade das pessoas, sem qualquer interrupção, violência, ou oposição de ninguém, como se seus únicos donos fossem, na convicção de exercerem um direito seu, desde 1973.».

A 1.ª instância justificou assim ([8]):

«Os factos n.ºs 4.1.24 a 4.1.27 resultaram provados da conjugação dos documentos juntos aos autos e elencados supra, dos depoimentos de parte dos Autores e ainda dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas.

(…)

Em suma, todos os Autores, nos depoimentos por si prestados, revelaram alguma surpresa com a dificuldade em realizar a escritura uma vez que a mãe do Réu saberia perfeitamente que o prédio já era dos Autores, uma vez que o mesmo teria sido adquirido e pago, sendo que inclusive o Autor AA pagou a SISA no ano de 2002 por ter tido indicação da mãe do Réu nesse sentido.

A versão dos Autores vai, por isso, ao encontro com os restantes indícios provenientes da prova documental junta aos autos, mormente do requerimento apresentado pela mãe do Réu em 2001 para que se procedesse à discriminação do prédio inscrito na matriz sob o artigo n.º ...77, o prédio mãe, do qual consta que aquela o fazia porque tinha intenção de vender a parcela da qual os Autores se arrogam proprietários.

Neste sentido, igualmente se pronunciou a testemunha VV que afirmou que o Autor AA lhe disse que o prédio era dele e que ia fazer escritura com a mãe do Réu e que já estava tudo nas finanças para pagar a SISA.

Asseverou que sempre pressupôs que o prédio em causa fosse de MM, sendo que foi o Autor que o elucidou de que o prédio era dele, que já o tinha comprado, e que ia fazer a escritura.

Esclareceu que o Autor pagou o preço do prédio à mãe do Réu e que foi ele que plantou a vinha em 2003 (por reporte a um acidente que a testemunha sofreu) sendo que o olival é mais recente, já depois do acidente por si sofrido.

Afirmou que quem trata das árvores e das culturas é o primo, o Autor AA, tendo pessoas que o ajudam, sendo que sempre ali viu aquela família.

A testemunha WW descreveu as árvores e culturas ali existentes e que é o Autor quem delas trata ou pede a alguém que o faça.

A testemunha XX narrou que o Autor sempre lhe disse que o prédio era dele e que ali se encontram uma vinha, oliveiras e umas ovelhas, sendo que o olival surgiu depois da vinha. Elucidou que ajuda o Autor a sulfatar a vinha e que esta existe há quinze ou vinte anos.

Nunca ouviu dizer que o terreno não era do AA e sempre ouviu este dizer que era dele.

A testemunha YY esclareceu que não frequenta o terreno, mas que sempre ouviu dizer que era de AA.

Neste mesmo sentido foram os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo Réu:

A testemunha RR, apesar de afirmar que o prédio era da mãe do Réu e, agora, deste, acabou por dizer que se a família dos Autores amanhava ali alguma coisa seria junto à casa, desconhecendo se pagavam renda para o efeito.

Num discurso um pouco contraditório, afirmou que o prédio agora não é amanhado de todo quando, em momento anterior, também afirmou que nunca viu os Autores amanharem ou na agricultura.

Mais à frente afirmou que junto da casa não sabe quem amanha, nunca assistiu.

A testemunha SS asseverou que é o Autor AA que amanha a terra, por ser o dono, e que apenas o vê a ele. Não sabe se comprou ou herdou. Afirmou que quem amanhava antes era a família dele, os sogros. Acrescentou que as oliveiras e a vinha foram realizadas pelo Autor.

Disse, ademais, que da barreira para baixo, referindo-se a parte do terreno que já não integra o prédio em causa, os Autores nunca amanharam

A testemunha TT afirmou que há muito tempo que o prédio mãe se encontra separado, não sabendo de quem é o prédio neste momento.

A testemunha UU afirmou que amanhava a terra “da vinha do Sr. AA para baixo”, ou seja, parte do terreno que já não integra o prédio em causa, e que da vinha para a frente era o Autor. Revelou, pois, que assume que a vinha é do Autor, AA, afirmando que foi este que a plantou.

Afirmou não saber de quem era o terreno, mas que sempre lá viu os Autores.

Conjugando a prova elencada, o tribunal não teve quaisquer dúvidas quanto aos actos praticados, agindo os Autores como se fossem os únicos proprietários do prédio em causa.

Os depoimentos prestados pelos Autores e pelas testemunhas ouvidas referiram nunca terem visto o Réu ou a sua mãe nos terrenos, sendo que, muitos deles, desconhecem o Réu, a sua mãe, ou ambos.

Pese embora não tenham provado a aquisição em 1972 ou 1973 por contrato de compra e venda como exposto supra, a verdade é que os Autores, em especial o Autor AA se convenceram de que tinham adquirido o prédio, agindo desde então como tal.

Ademais, com a intenção de formalizar a sua aquisição, a mãe do Réu dirigiu-se ao serviço de finanças competente com o intuito de discriminar o prédio mãe, inscrito na matriz sob o n.º ...77, assumindo que o fazia porque tinha intenção de vender a parcela melhor identificada em 4.1.6, da qual os Autores se arrogam proprietários. Sustentando, também, esta versão, surge o termo de declaração e a liquidação da SISA por parte do Autor, AA, no ano de 2002, referindo a compra do prédio em causa como motivo do respectivo pagamento.

Destarte, o facto de na escritura de habilitação de herdeiros e partilha por óbito de MM e ZZ, apenas constar o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ...87, e já não o prédio em causa, facilmente se justifica com a circunstância de o prédio em discussão nos presentes autos se encontrar inscrito no registo a favor da mãe do Réu, não sendo possível considerá-lo integrante do acervo hereditário a partilhar e não indiciando que os Autores não se consideravam proprietários do mesmo.

O mesmo significado tem, a contrario, a participação por transmissão gratuita efectuada pelo Réu por óbito de sua mãe junto do Serviço de Finanças ...: o facto de prédio em causa se encontrar, como ainda se encontra, registado a favor desta última, é consentâneo com a respectiva participação.».

Mais uma vez, tendo a fundamentação da convicção do Julgador em 1.ª instância por base prova pessoal, mormente testemunhal, não poderia o Recorrente deixar de mostrar o erro do Tribunal na apreciação dessa prova, convocando, para tanto, obrigatoriamente, as pertinentes/exatas passagens da gravação áudio, o que, manifestamente, não fez.

Por essa razão, desde logo decai, também nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

Sobre os pontos 4.2.1 a 4.2.3 (julgados como não provados) já anteriormente se tomou posição em sede de sindicância recursiva, sendo líquido que se trata de matéria relacionada com a demais factualidade impugnada no quadro recursivo, âmbito em que a 1.ª instância se baseou em prova pessoal, mormente de cariz testemunhal, tendo o Apelante faltado, como visto, ao obrigatório ónus de indicação exata das passagens da gravação com relevo para a decisão, o que obsta a que a Relação conheça de tal impugnação, ficando afastada a possibilidade de demonstração a que se reporta a norma do art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv..

Em suma, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto, permanecendo inalterado, por isso, o quadro fáctico da decisão em crise.

C) Da Matéria de facto

1. - Após a sindicância pela Relação da decisão de facto, é a seguinte a factualidade provada a considerar para a decisão do recurso:

«4.1.1 Por escritura pública de 16.12.1965, outorgada em Cartório Notarial ..., foi celebrado entre LL, na qualidade de proprietária, e II, um contrato de compra e venda e que aqui se dá por reproduzido:

“(...) uma parcela de terreno destinada à construção urbana, com a área de três mil, oitocentos e cinquenta e nove metros e doze centímetros quadros, a destacar do prédio rústico à data inscrito na matriz sob o artigo ...77, da freguesia ..., confrontando esta parcela a norte fábrica de cerâmica, pertença da firma “C... Lda.” e dela fica separada apenas por uma serventia, confina do norte e nascente com a restante parte do prédio, do sul com a referida serventia que é já propriedade da C... Lda. (...), e do poente com Estrada Nacional”.

4.1.2 Em .../.../1970, faleceu LL.

4.1.3 Pela apresentação n.º ..., de 01.03.1979, o prédio rústico inscrito sob o artigo ...77 da freguesia ... foi registado na Conservatória do Registo Predial ..., no mês de Março de 1979 e inscrito a favor de KK, por partilha da herança de LL.

4.1.4 Em 22.05.1990, foi celebrado contrato de arrendamento rural em que são identificadas como partes KK e MM, identificados como primeira outorgante e segundo outorgante, respectivamente, participado em 25-07-1990 ao Serviço de Finanças, assinado por KK e NN, que aqui se dá por reproduzido, onde é declarado que:

“A primeira outorgante dá de arrendamento ao segundo uma área aproximada de 2.500m2, dentro da sua propriedade denominada Quinta ..., inscrita na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...77 (oito mil e setenta e sete). Este arrendamento é feito pelo prazo de sete anos, renovável por períodos de um ano e teve o se início no dia um de Janeiro de 1990 (noventa). A renda convencionada é de esc:6.600$00 (seis mil seiscentos e sessenta escudos) anuais, pagos em dinheiro, em casa da senhoria, até ao dia 30 (trinta) de Setembro de cada ano, vencendo-se a primeira em 3 de Setembro de 1990 (noventa).”

4.1.5 No ano de 2001, em consequência do processo administrativo de discriminação, o prédio descrito no artigo 8077, deu origem a dois prédios rústicos, um inscrito sob o artigo ...91, com a área de 54.131m2 a confrontar do norte com EEE e Outros do nascente com Estrada ..., do sul com C... Lda. e do poente com a parcela n.º ... do próprio.

4.1.6 O outro prédio rústico inscrito sob o artigo ...90 que matricialmente tem a seguinte descrição: Terra de cultura de regadio e hortícola com 2 poços de água nativa com a área de 6.081,35 m2 sito na Quinta ..., a confrontar do norte com herdeiros de HH, do sul com II, do nascente com o prédio descrito em 4.1.5 e do poente com a Estrada.

4.1.7 O prédio inscrito sob o artigo ...90 da matriz predial da freguesia ... está descrito sob o n.º ...78 da freguesia ... e resultou da desanexação do prédio rústico inscrito sob o artigo ...77 da freguesia ....

4.1.8 Em 06.02.2002, foi emitida liquidação do imposto do SISA e feita cobrança eventual no valor de € 1.995,19 (mil, novecentos e noventa e cinco euros e dezanove cêntimos) e termo de declaração, que se dão por aqui reproduzidos, no qual AA declara:

“(...) compra que pelo preço de 24.939,89 euros (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), vai fazer a KK e FFF, viúva, N.F. ...17, residente na Rua ... – ..., do seguinte prédio: terra de cultura de regadio e hortícola, com 2 poços de água nativa sito no lugar de Quinta ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...90, com o valor patrimonial de 123,36 euros.”

4.1.9 Em .../.../2004 faleceu FF, no estado civil de casada sob o regime da comunhão de bens adquiridos com AA.

.../.../2010 A falecida FF era filha de MM e mulher ZZ.

4.1.11 Deixou como seus únicos e universais herdeiros: AA, cônjuge, e os filhos, BB, CC, DD e EE.

.../.../2012 Em .../.../2008 faleceu KK no estado de viúva.

4.1.13 Em 25.09.2008, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial ..., de habilitação de herdeiros, que aqui se dá por reproduzida, consta KK deixou como único e universal herdeiro o Réu.

4.1.14 Em 30.12.2008, por escritura pública denominada de “Habilitações de herdeiros e partilha”, outorgada no Cartório Notarial ..., que aqui se dá por reproduzida, encontra-se consignado:

“pelos outorgantes AA, BB, por si e em nome dos seus constituintes, CC, DD e GGG, foi dito: Que pela presente escritura, vêm proceder à partilha do prédio que se passa a identificar, que constitui as heranças abertas por óbito dos seus referidos sogros e avós, MM e mulher, ZZ: Urbano, composto de casa de habitação de habitação de rés-do-chão, e logradouro, com a área total de duzentos e quarenta metros quadrados, situado na Rua ..., nesta vila, freguesia e concelho ..., a confrontar do norte, nascente e sul com herdeiros de HHH, e do poente com a Rua ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...72.”

4.1.15 O Autor AA procedeu ao pagamento do valor de € 265,76 (duzentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos) à mãe do Réu, tendo este emitido o respectivo recibo em nome desta.

4.1.16 O prédio referido em 4.1.6 actualmente tem 5.529,00 m2 de área, confrontando a norte por vala real em todo o seu comprimento, a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ....

4.1.17 O prédio urbano inscrito sob o artigo ...87 tem 227,00 m2 de área, sendo delimitado por todos os lados pelo prédio rústico referido em 4.1.6.

4.1.18 O prédio urbano referido em 4.1.17 encontra-se inscrito no registo a favor de AA, mediante aquisição pela apresentação n.º 3667 de 07.01.2009.

4.1.19 O prédio rústico referido em 4.1.6 encontra-se inscrito no registo a favor de KK, mediante aquisição pela apresentação n.º ... de 01.03.1979.

4.1.20 MM e esposa, ZZ, desde 1947, que no prédio referido em 4.1.17, abriram um poço, dali extraindo água, e construíram a sua casa de habitação no prédio referido em 4.1.17, ali habitando, confecionando e tomando as refeições, dormindo, recebendo parentes e amigos, construíram currais, criando animais domésticos.

4.1.21 Em 1969 FF e o Autor, AA, passaram a residir no prédio referido em 4.1.17.

4.1.22 Do requerimento para processo de discriminação relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ...77 apresentado por KK junto do Serviço de Finanças ..., datado de 02.07.2001, consta que:

“KK, contribuinte n.º ..., viúva, residente nesta vila, freguesia e concelho ..., na qualidade do prédio abaixo descrito, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:

1. É dona e legítima proprietária de um prédio rústico composto de uma terra de cultura com oliveiras, com a área de 60 212 m2, sita em Quinta ... – ..., a confrontar do norte com herdeiros de III, sul com QQ e C... Lda., a nascente com Estrada ... e do poente com estada pública. Inscrita na matriz predial da freguesia ... sob o artigo n.º ...77, com o valor patrimonial de 244 869 $ 00 e descrita na Conservatória do Registo Predial na freguesia ... sob o n.º ...91 e inscrita a favor da requerente pela cota G um;

2. Que deste seu prédio pretende vender um prédio de cultura de regadio e hortícola, com dois poços de água nativa e com a área de 6 081, 35 m2;”

4.1.23 A escritura referente ao prédio descrito em 4.1.6 não se realizou por motivos de saúde do Autor AA e, posteriormente, em virtude do falecimento de FF, a .../.../2004.

4.1.24 MM e ZZ, a pedido de FF e AA, mandou abrir, no prédio referido em 4.1.6, um poço junto à vala de enxugo, revestido interiormente a pedra, amanhavam o terreno de cultura, lavravam o terreno, cavaram, semearam variados produtos hortícolas, regando com a água que extraíam do poço, colhendo em proveito próprio.

4.1.25 FF e AA, quando regressaram a Portugal, passaram a praticar os actos referidos em 4.1.24, construíram novos currais em blocos de cimento onde criavam animais bem como uma dependência onde guardavam palhas, rações e sementes.

4.1.26 FF e AA praticaram os actos descritos em 4.1.24 ano após ano, à vista da generalidade das pessoas, sem qualquer interrupção, violência, ou oposição de ninguém, como se seus únicos donos fossem, na convicção de exercerem um direito seu, desde 1973.

4.1.27 Após a morte de FF, AA continuou a praticar os actos descritos em 4.1.24 e 4.1.25, plantou uma vinha e oliveiras, sulfatando, podando, vindimando as uvas, varejando e desparasitando as oliveiras, colhendo a azeitona, roçando ervas e silvas.

4.1.28 Em 24.06.2019, em causa em que figurava como autor JJ e como réu AA, foi proferida sentença que julgou não provado e improcedente os pedidos de: Decretar-se a resolução do contrato de arrendamento; Condenar-se o réu a entregar ao autor livre de pessoas, animais e coisas a parte do prédio objeto do dito contrato de arrendamento; e Condenar-se o demandado a pagar ao demandante o montante global de 298,98 € referente às rendas não pagas relativas aos anos agrícolas de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.

4.1.29 No prédio identificado em 4.1.6 existem currais para ovelhas, construídos em meados dos anos 90, encontrando-se em razoável estado de conservação, não cumprindo os requisitos do Ministério da Agricultura para o fim a que se destinam.

4.1.30 No prédio identificado em 4.1.6 existe uma construção de madeira, utilizada para arrumação e apoio agrícola, construída em meados dos anos 90, estando em razoável estado de conservação para o efeito a que se destina.

4.1.31 No prédio identificado em 4.1.6 existe uma casota de um cão, de construção recente, por volta do ano de 2010.

4.1.32 No prédio identificado em 4.1.6, existe uma fosse séptica que recebe águas residuais domésticas provenientes do prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...87.

4.1.33 No prédio identificado em 4.1.6 existem 400 (quatrocentas) videiras, 60 (sessenta) oliveiras, 6 (seis) laranjeiras, 4 (quatro) macieiras), 4 (quatro) pessegueiros, 1 (uma) nespereira), 3 (três) nogueiras e 5 (cinco) ameixeiras, alvo de cuidado e cultivo activo com aproximadamente 20 (vinte) anos.

4.1.34 As despesas e obras referidas em 4.1.29 a 4.1.31 são de carácter provisório, não licenciadas e sem inscrição na matriz.

4.1.35 O prédio referido em 4.1.6, caso não tivessem sido realizadas as obras e despesas referidas em 4.1.29, teria, como valor hipotético, o valor de € 11.058,00 (onze mil e cinquenta e oito euros).

4.1.36 O prédio referido em 4.1.6, após realizadas as despesas e obras referidas em 4.1.29 tem o valor de € 13.822,50 (treze mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos).

4.1.37 As obras referidas em 4.1.29 a 4.1.33 podem ser levantadas.

4.1.38 O Réu, JJ, apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças ... a 12.07.2017, referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ...87, do qual consta que:

“1 – O imóvel em causa encontra-se actualmente em nome de AA, C.F. ...93.

(…)

3 – O ora requerente desconhece a que propósito foi paga tal SISA porquanto nunca foi feita qualquer escritura referente ao dito prédio.

(…)

Termos em que se requer a V.ª Ex.ª se digne a averbar em nome do ora requerente o imóvel acima referido.”.

4.1.39 O Réu, JJ, participou a 06.10.2009, junto do Serviço de Finanças ..., a transmissão gratuita por óbito de sua mãe.».

2. - E subsiste julgado como não provado:

«4.2.1 A parcela de terreno alvo do contrato de arrendamento referido em 4.1.4, integra-se no prédio rústico identificado em 4.1.6.

4.2.2 O Autor AA e a sua esposa, FF, a partir da data do óbito de NN, a 01.06.1991, passaram a assumir a posição de arrendatários no contrato referido em 4.1.4.

4.2.3 O pagamento referido em 4.1.15, reporta-se a um contrato de arrendamento referente ao prédio rústico identificado em 4.1.6.

4.2.4 MM e a esposa, ZZ, por volta de 1947 negociaram com LL, antecessora do Réu, a compra de uma parcela de terreno localizada do lado norte/poente do prédio rústico inscrito sob o artigo ...77 da matriz predial rústica da freguesia ..., tendo pago o respectivo preço.

4.2.5 Decorridos alguns anos da data referida em 4.2.5, MM e esposa, ZZ, negociaram com LL, antecessora do Réu, outra parcela de terreno do prédio rústico inscrito sob o artigo ...77 da matriz predial rústica da freguesia ..., localizada junto à estrada, denominada por Rua ..., na continuação da parcela referida em 4.2.5, tendo pago o respectivo preço.

4.2.6 O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ...87, resultou da unificação de duas parcelas, referidas em 4.2.4 e ..., destacadas no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo n.º ...77.

4.2.7 Por volta do ano de 1972 ou 1973, FF e o marido, AA, por intermédio de MM, tendo este pago e negociado com a mãe do Réu, a compra de uma outra parcela de terreno situada a nascente das construções referidas em 4.1.20 e até à vala de enxugo, que hoje se traduz no prédio rústico referido em 4.1.6.

4.2.8 Com as despesas referidas em 4.1.33 os Autores despenderam a quantia total de € 28,500 (vinte e oito mil e quinhentos euros).

4.2.9 Os Autores construíram um poço no prédio referido em 4.1.6 e um poço no prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...87, no valor total de € 7,000,00 (sete mil euros).

4.2.10 Na sequência do pedido referido em 4.1.38, o Réu logrou o averbamento do prédio referido em 4.1.7 em seu nome.».


***

D) O Direito

Inalterado o quadro fáctico da causa, tal como traçado na sentença recorrida, importa agora saber se, ainda assim, incorreu tal sentença em erro de julgamento de direito, de molde a dever julgar-se improcedente a ação e procedente a reconvenção, como pretende o Apelante.

E deve começar por dizer-se, no plano jurídico, que aquele mostra ter alguma razão quanto a uma das críticas que apresenta.

Com efeito, concorda-se com o Recorrente quando afirma (cfr. conclusões 1.ª a 9.ª) que os AA. se apresentaram nos autos a litigar «na qualidade de únicos e universais herdeiros da HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE FF» (cfr. a identificação dos demandantes na sua petição, a fls. 5 do processo físico), alegando taxativamente que aquela herança aberta e indivisa e o co-herdeiro (1.º A.) AA «são ou únicos donos e possuidores» dos elementos imobiliários em discussão (cfr., designadamente, os art.ºs 1.º e 49.º da petição).

É certo que no petitório oferecido na petição inicial – e outras versões posteriores houve, como já visto, dos pedidos – vem aludido, desde logo, de forma genérica, que deve o R. ser condenado a reconhecer que os AA. «são donos e legítimos possuidores», o que poderia fazer inculcar a ideia de um reporte aos cinco AA. pessoas singulares identificadas na parte inicial da petição, como se agissem todos por si – e para si, não em função da herança ilíquida e indivisa, de que são herdeiros –, como parece ter sido entendido no dispositivo da sentença, com enfoque exclusivo nesses cinco AA. e sem qualquer menção à dita herança ilíquida e indivisa.

Porém, mesmo atendendo aos pedidos originários da ação, constata-se que no pedido principal não são mencionados os nomes de cada um desses cinco AA. (surgindo apenas a genérica referência a «Os autores»), enquanto no rol dos pedidos subsidiários se começa por dizer, de forma esclarecedora, que «Se não se entender que o autor AA e a Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF […] adquiriram por usucapião o prédio descrito no artigo 1º desta petição (…)».

Quer dizer, toda a causa de pedir é direcionada para um invocado direito dominial adquirido por via de usucapião pelo A. AA e pela Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF, compreendendo-se a intervenção dos demais AA. para assegurar a legitimidade ativa no concernente a uma herança aberta e indivisa, destituída de personalidade judiciária.

E da economia dos pedidos (mormente os principais, aqueles que aqui importam), em conjugação com tal causa de pedir, também tem de retirar-se, em adequada e situada/contextualizada interpretação, que a pretensão se dirige ao dito direito dominial, adquirido por via de usucapião, pelo A. AA e pela Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF (seu cônjuge falecido).

Com efeito, não há dúvidas quanto a ter sido claramente alegado na petição que:

- aquela herança ilíquida e indivisa e o co-herdeiro AA – o qual foi casado com FF, falecida em .../.../2004, de que são filhos os demais AA. – são os únicos donos e possuidores do mencionado prédio (art.º 1.º); e

- a dita herança ilíquida e indivisa e o A. AA são os único e exclusivos donos do mencionado prédio, adquirido por usucapião (art.º 49.º).

Assim sendo, estando os 2.º a 5.º AA. na ação para assegurar a legitimidade ativa (no que tange à herança), tem de concordar-se com o Recorrente quando alude à pratica dos atos de posse em nome da herança, não podendo tais AA. (com exclusão do 1.º) pedir para si próprios o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel objeto do litígio, mas pedir, enquanto herdeiros da referida herança ilíquida e indivisa, o reconhecimento, a favor desta, que não deles (à exceção do dito 1.º A./viúvo), do direito de propriedade sobre o prédio em questão.

Nesta senda, concorda-se ainda que a comunhão hereditária não se confunde com a compropriedade, já que os herdeiros não são titulares simultâneos da mesma coisa, mas antes titulares de um direito à herança, como universalidade, não se podendo considerar, à priori, sobre qual ou quais dos bens em concreto o respetivo direito ficará a pertencer, não comportando, assim, uma declaração de propriedade sobre uma realidade ainda não determinada e, bem assim, que da aceitação sucessória apenas decorre para cada um dos herdeiros chamados à herança uma quota hereditária (cfr. conclusões 4.ª e 5.ª do Apelante).

Termos em que, até à partilha, «aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota, que sequer alegam) sobre cada ou qualquer um dos bens que integram o património hereditário» (conclusão 6.ª), sendo eles, enquanto tais, «titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota de cada um dos elementos a partilhar» (conclusão 7.ª), só depois da partilha podendo, cada herdeiro, «ficar a ser proprietário, ou comproprietário, de determinado bem da herança» (conclusão 8.ª).

Mas se «Daqui, resulta, por si só, o falecimento do primeiro pressuposto para os autores poderem ser reconhecidos como comproprietários do prédio objecto da acção (ou, singelamente, proprietários, na terminologia da sentença)», tal só vale para os ditos 2.º a 5.º AA., que intervêm apenas na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa, com vista a assegurar a legitimidade ativa nesta parte.

Na verdade, quanto à herança aberta e indivisa, o art.º 2091.º, n.º 1, do CCiv. estabelece a regra de que «os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros», esclarecendo Pires de Lima e Antunes Varela ([9]) que se trata aqui «de casos de litisconsórcio necessário, para os quais o cabeça-de-casal já não tem legitimidade, e em que a falta de qualquer dos herdeiros interessados na acção é fundamento de ilegitimidade de qualquer dos intervenientes».

Com efeito, o art.º 6.º do CPCiv., na versão anterior à conferida pelo DLei n.º 180/96, de 25-09, dispunha apenas que a herança cujo titular ainda não esteja determinado e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária.

Nesta expressão inicial – “a herança cujo titular ainda não esteja determinado” – podia facilmente incluir-se a herança jacente e a herança indivisa, pelo que se entendia que esta última tinha personalidade judiciária, podendo, por isso, estar, por si própria (obviamente, através de quem a representasse), em juízo, no lado ativo ou passivo da instância (como parte na causa) ([10]).

Porém, o art.º 6.º, n.º 1, al.ª a), do CPCiv., na versão introduzida pelo DLei n.º 180/96, de 25-09, passou a preceituar que têm personalidade judiciária a herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado ([11]).

Sabida a diferença entre herança jacente (aberta mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado) e herança aberta e indivisa (já objeto de aceitação, expressa ou tácita), logo se verificou que esta nova formulação legal não contempla a herança indivisa como dotada de personalidade judiciária, com a consequência de não poder esta (ao contrário da herança jacente) ser parte em processos judiciais (cfr. art.º 11.º, n.º 1, do NCPCiv.), mormente, quanto ao que agora importa, como parte demandante.

Como claramente explicitado pela jurisprudência posterior àquela alteração legislativa:

«Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados, não tem personalidade judiciária.

Assim, em regra, se a herança tiver sido aceite, não obstante ainda não ter ocorrido a respectiva liquidação e partilha, o contraditório deve ser estabelecido com os herdeiros aceitantes.

Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado

Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciaria se os respectivos titulares não estiverem determinados, o que, na espécie, não ocorre.» ([12]).

Assim sendo, fácil se torna concluir que, no regime atual, verificada a não jacência da herança, como in casu, por se tratar de herança indivisa (o que resulta incontroverso nos autos), é a mesma destituída de personalidade judiciária, o que consubstanciaria, se demandante fosse, exceção dilatória típica, de conhecimento oficioso [cfr. art.ºs 278.º, n.º 1, al.ª c), 576.º, n.º 2, 577.º, al.ª c), 578.º, e 591.º, n.º 1, al.ª b), todos do NCPCiv.].

Em suma, no caso dos autos, se surgisse como demandante a dita herança aberta e indivisa, teria de concluir-se pela respetiva falta de personalidade judiciária.

Não assim quando são demandantes os herdeiros em conjunto, perante a falta de personalidade judiciária daquela e quando ainda não há partilha, caso em que fica assegurada a legitimidade processual (tal como a personalidade judiciária).

Como vem sendo entendido nesta Relação ([13]): «A herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis (não jacente) não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça-de-casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (ativa ou passiva) no âmbito de uma ação judicial em que estejam em causa os direitos relativos à herança (art.ºs 2088º, 2089º e 2091º do CC).» ([14]).

E, quanto à (i)legitimidade da herança indivisa ou, em vez dela, dos respetivos herdeiros, em bloco, vem sendo entendido no Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ):

«No caso estamos perante uma herança indivisa, aceite mas ainda não partilhada, pelo que nos termos do disposto no art.º 2091º nº 1 do CC, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Esta herança “quo tale”, não tem personalidade judiciária, quem a representa em juízo nos casos em que deva ser demandada são todos os herdeiros. É o que sucede no caso sub judicio pelo que não há quaisquer dúvidas de que os réus, CC, DD e EE têm legitimidade passiva para ser demandados enquanto únicos herdeiros do falecido FF.

Quanto ao pedido formulado pelos AA. é verdade que, de acordo com a melhor técnica, não deveria ter sido formulado nos termos em que o foi, porquanto os herdeiros do Sr. FF, não estão na acção a título pessoal, mas enquanto herdeiros, sendo que o direito que os autores se arrogam é contra a herança que eles aqui representam. Em bom rigor o pedido deveria ser formulado no sentido de eles ser[em] condenados a reconhecer a existência do crédito reclamado pelos AA., e a satisfazer pelas forças da herança (Ac. STJ de 19.3.1992; BMJ; 415.º - 658).» ([15]).

Bem se compreende que tenha vindo a ganhar terreno, nos Tribunais superiores, o entendimento no sentido de os titulares dos direitos e deveres da herança aceite e indivisa, em comum e sem determinação de parte, serem os herdeiros/sucessores, por aquela não ser sujeito de direitos, não dispondo de personalidade judiciária e, como tal, não poder ser parte ativa nem passiva. Por isso, sabido só poder ser condenado ou absolvido quem for parte na lide, se pelos encargos da herança, incluindo as dívidas do falecido, responde o património autónomo constituído pelos bens da herança indivisa, para esse fim serão demandados os herdeiros/sucessores nessa qualidade ([16]).

Pode, pois, dizer-se que a atuação em juízo quanto a uma herança indivisa pressupõe a intervenção de todos os herdeiros, correspondendo a uma situação de litisconsórcio necessário, decorrente do art.º 2091.º, n.º 1 do CCiv. ([17]).

Como pode ler-se em Estudo de 27/02/1986, intitulado “Herança Indivisa – Sua Natureza Jurídica. Responsabilidade dos Herdeiros Pelas Dívidas da Herança” ([18]), neste tipo de situações, «os direitos só podem ser exercidos contra todos os herdeiros» (citando Oliveira Ascensão). E prossegue o respetivo Autor: “Os herdeiros são sempre parte legítima como «representantes» da herança indivisa, na acção em que se pede a satisfação de encargos desta. Se se pretender, porém, responsabilizá-los directamente pela dívida, o problema já não será de legitimidade, mas sim de mérito, pelo que deviam os herdeiros ser absolvidos do pedido e não da instância. // Com efeito, deve relembrar-se que estamos perante uma massa de bens sem personalidade, sem personalidade jurídica ou judiciária, que pertence em bloco e só em bloco aos co-herdeiros. É uma verdadeira colectividade, com bens e encargos próprios”.

Cabe agora, com reporte ao caso sub judice, responder às questões que aqui se colocam, com projeção no desfecho do peticionado na ação.

Assim, deve dizer-se, como visto, que a ação não poderia ter sido intentada pela herança indivisa (em seu próprio nome), já que destituída de personalidade jurídica e judiciária, o que levaria ao falhanço do pressuposto indeclinável da personalidade judiciária.

Por isso, a legitimidade ativa tem de recair sobre o conjunto dos herdeiros, em bloco, os quais, como visto também, são parte legítima como «representantes» da herança indivisa, incluindo na ação em que se pretenda o reconhecimento de um direito de propriedade sobre imóvel que cabe à herança. São estes que têm de estar, enquanto herdeiros, no lado ativo da instância.

Assim acontece com os 1.º a 5.º AA., enquanto herdeiros da falecida FF, discutindo direito que cabe à dita herança.

Donde que, demonstrados os respetivos pressupostos, o direito dominial haja de ser reconhecido – em adequada interpretação do pedido – por reporte à herança, e não aos AA. por si e para si.

Mas já quanto ao 1.º A. tem de reconhecer-se que lhe assiste um direito dominial em paridade com a herança, para além da sua posição de herdeiro.

Com efeito, este atua por si e para si, para além de como herdeiro da sua falecida esposa.

Em suma, permitindo o pedido formulado a interpretação (corretiva/adaptativa) aludida, tem de alterar-se a sentença, na parcial procedência da apelação, em moldes de se entender que o A. AA e a herança ilíquida e indivisa – de que são herdeiros todos os AA. – adquiriram, por usucapião, o discutido direito de propriedade, posto não ter ocorrido alteração da factualidade de suporte, que se mostra devidamente apreciada na sentença em crise.

Quanto à restante argumentação do Apelante, haverá, liminarmente, de reconhecer-se que a mesma assentava na alteração da decisão da matéria de facto, no que o impugnante decaiu.

Por isso, falece a sua pretensão nesta parte, também no plano jurídico, inexistindo as apontadas violações de princípios jurídicos ou normas legais.

                                                 ***


(…)

***


V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em alterar a sentença impugnada, quanto – somente – à al.ª a) do respetivo dispositivo, que passa a ter a seguinte conformação:
a) Julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, em conformidade, declarar que o A. AA e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu cônjuge, FF – de que são herdeiros todos os AA. –, «são proprietários e legítimos possuidores do prédio rústico situado na Quinta ..., composto por cultura de regadio e hortícola com dois poços de água nativa, com a área de 5.529,00 m2, a confrontar a sul por QQ e C... Lda., a nascente por GG e vala e a poente por Estrada ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...78, da freguesia ..., concelho ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...90;».
No mais, na improcedência do recurso, permanece inalterada a decisão apelada.

Custas da apelação pelos AA./Recorridos e pelo R./Recorrente, na proporção de 1/6 para aqueles (AA.) e 5/6 para este (R.), por se considerar ser essa a medida do respetivo decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 13/12/2022

Vítor Amaral (Relator)

         

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro



([1]) Retificação nos seguintes termos:
«d) E no que respeita ao Pedido:
1- Deve a ação ser julgada procedente porque não provada e o Réu condenado a reconhecer que:
1- A Autora, Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF e o co-herdeiro AA, com exclusão de outrem donos e compossuidores do prédio rústico que se compõe por terra de cultura com vinha, oliveiras e dois poços, com cerca de 6081,35m2 sita na Quinta ..., freguesia ..., a confrontar do norte com herdeiros de HH, do sul com herdeiros de II, do nascente com JJ e do poente com a Rua ... de 25 de Abril, que corresponde ao prédio inscrito sob o artigo ...90 da matriz predial da freguesia ....
SUBSIDIARIAMENTE:
“Se não se entender que a Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Òbito de FF e o co-herdeiro AA ….”
a) A quantia de …..................pelos antepossuidores da autora herança e pela autora e pelo co-herdeiro AA ás antepossuidoras do réu.
b) “A indemnizar a autora Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Òbito de FF e o co-herdeiro AA …......”
c) Julgar-se improcedente a contestação e a reconveção, por não provada e a Autora Herança Iliquida e Indivisa aberta Por óbito de FF, absolvida de todos os Pedidos.
d) Deve a ação ser julgada totalmente procedente com as legais consequência.».
([2]) Onde exibiram o seguinte acervo petitório:
«NESTES TERMOS e nos melhores de DIREITO,
1- Deve a presente ação ser julgada totalmente procedente porque provada e o Réu condenado a reconhecer que:
a) Os autores são donos e legitimos possuidores com exclusão de outrem de um prédio com área matricial de 6081 m2, sito na Quinta ..., freguesia ... que compõe por terra de cultura, vinha, olival, àrvores de fruto e um canavial de canas da India e um poço, a confrontar do norte com Vala Real e herdeiros de HH do sul com herdeiros de II , do nascente com a vala de enxugo e do poente com a Rua ... de 25 de Abril onde está construida a casa de habitação e logradouros com um poço inscrita na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...87.
b) Que os autores adquiriram por usucapião o direito de propriedade por usucapião sobre o prédio identificado no pedido anterior.
c) Que a parte agricola do prédio identificado no pedido anterior, corresponde ao prédio inscrito sob o artigo ...90 da matriz predial rústica da freguesia ...
d) Ordenando-se, consequentemente o cancelamento de todas as inscrições em vigor respeitantes ao prédio descrito no nº 16678 da freguesia ...;
e) Nas Custas do Processo.
SUBSIDIARIAMENTE:
2- Se não se entender que o autor AA e a Herança Iliquida e Indivisa Aberta Por Óbito de FF não adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio descrito na alínea a) do pedido em 1.a) deve o réu ser condenado:
a) A restituir a quantia de 24.939,89 € para a qual foi convertida a quantia de 5.000.000$00 que corresponde ao preço pago em 1972 pelos antepossuidores dos autores e pelos autores da herança ás antepossuidoras do réu.
b) A indemnizar os autores na quantia de 35.500,00 € pelas benfeitorias que de boa fé implantaram no prédio rústico inscrito sob o artigo ...90, concretamente a plantação da vinha com 350 videiras com o valor 10.500,00 €, do olival com 60 oliveiras no valor de 18.000,00 €, 10 marmeleiros com o valor de 100,00 €, 6 laranjeiras com o valor total de 600,00 €, 4 pessegueiros com o valor de 200,00 €, 4 ameixoeiras no valor de 200,00 €, 4 macieiras no valor total de 200,00 €, 3 nogueiras com o valor de 300,00 €, 1 cerejeira com o valor de 300,00 €, 1 gingeira com o valor de 300,00 €, 1 diospireiro com o valor de 100,00 €, uma nespereira com o valor de 100,00 €, 1 figueira com o valor de 100,00 €, 1 limoeiro com o valor de 100,00 € e um canavial de canas da india com mais de mil plantas de vários tamanhos com o valor calculdo em 1.500,00 € e de 2.500,00 € o valor do poço aberto a nascente do prédio, junto á vala de enxugo.
c) A pagar ao autor AA a quantia de 60.000,00 € respeitante ao preço da casa de habitação e logradouro com um poço inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...87 da freguesia ....».
([3]) Altura em que a 1.ª instância também tomou posição em matéria de nulidades da sentença, concluindo pela inexistência de quaisquer nulidades (cfr. fls. 428 a 430 do processo físico).
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras.
([6]) Com destaques aditados.
([7]) Cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 a 129, aludindo à necessidade de observância das exigências legais em questão «à luz de um critério de rigor», «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», de molde a afastar situações de «mera manifestação de inconsequente inconformismo».
([8]) Destaques aditados.
([9]) Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 152.
([10]) Cfr., neste sentido, inter alia, os Acs. TRC de 26/02/1981, Col. Jur., 1981, 1.º - 94, e TRP de 20/02/1995, Col. Jur., 1995, 1.º - 223, ambos citados por Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 20.ª ed., Ediforum, 2008, ps. 65 e seg..
([11]) Com idêntica redação, veja-se o art.º 12.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv. (o aqui aplicável).
([12]) Assim, o Ac. STJ de 15/01/2004, Proc. 03B4310 (Cons. Salvador da Costa), em www.dgsi.pt (com destaques aditados).
([13]) Cfr. Ac. TRC de 23/02/2021, Proc. 1088/19.6T8LRA.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt, em que o aqui Relator foi 2.º Adjunto.
([14]) No mesmo sentido, entre outros, o Ac. TRC de 24/02/2015, Proc. 1530/12.7TBPBL.C1 (Rel. Catarina Ramalho Gonçalves), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se que «A herança ilíquida e indivisa (…) não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário»; o Ac. TRC de 24/09/2019, Proc. 348/18.8T8FND-A.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt; e o Ac. TRP de 19/10/2015, Proc. 443/14.2T8PVZ-A.P1 (Rel. Manuel Domingos Fernandes), igualmente em www.dgsi.pt, constando do respetivo sumário: «I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente. // II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada. // III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.».
Veja-se ainda o Ac. TRC de 20/04/2021, Proc. 6575/19.3T8CBR.C1 (Rel. Luís Cravo), também em www.dgsi.pt (em que intervieram os aqui 1.º e 2.º Adjuntos).
([15]) Vide Ac. STJ de 21/11/2019, Proc. 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1 (Cons. Bernardo Domingos), em www.dgsi.pt (com destaques aditados).
([16]) Vide Ac. TRP de 04/11/2019, Proc. 1136/18.7T8VFR.P1 (Rel. Fátima Andrade), em www.dgsi.pt, sublinhando, nesta senda, que, «Em ação na qual são RR. os herdeiros/sucessores do autor de herança indivisa e aceite, em que a A. alega ser credora da herança e demandar os herdeiros (nessa qualidade) para que possa obter a responsabilização daquela herança “R”, é de entender que o pedido formulado pela A., embora imperfeitamente expresso, é o de condenação dos RR. na qualidade em que são demandados a reconhecer a existência do crédito reclamado da responsabilidade da herança».
([17]) Ac. TRC de 26/02/2019, Proc. 1222/16.8T8VIS-C.C1 (Rel. António Carvalho Martins), em www.dgsi.pt.
([18]) Da autoria do Juiz Conselheiro José Martins da Fonseca, disponível em file:///C:/Users/MJ01438/Desktop/Estudo%20-%20Heran%C3%A7a%20Indivisa%20%20%7Bf8d7f421-dd2e-4a23-b3cc-a7860d7757c4%7D.pdf.