Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3500/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA
EM RELAÇÃO À SEGURANÇA SOCIAL
DATA DESDE A QUAL SÃO DEVIDOS JUROS
TAXA DE JURO
Data do Acordão: 11/30/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS:
- 5º, N.º 3, DO DL 103(89, DE 9 DE MAIO;
- 10º, N.º 2, DL 199/99, DE 8 DE JUNHO;
- 16º DL 411/91, DE 17 DE OUTUBRO
- 8’5º, N.º 2, AL. B) E 905, N.º 3, DO CC
Sumário: O agente do crime de abuso de confiança em relação à segurança social constitui-se em mora a partir do 15º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito pelo que estamos em face de obrigações de prazo certo, donde que a matéria relativa aos juros em causa não seja enquadrável no art.º 804~, n.º 3, do CC uma vez que este preceito regula situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação.
*
I – Relatório.
1.1. No aludido processo comum singular n.º 176/03, do 2.º Juízo Criminal de Coimbra, por sentença datada de 7 de Junho de 2005, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 27.º-B do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro e na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 140/95, de 14 de Junho, cada um dos arguidos, devidamente identificados, A... e B... (em relação à qual igualmente se considerou o estatuído pelo artigo 7.ºdo mencionado Decreto-Lei n.º 20-A/90) foi condenado: a) o primeiro, na pena de sete meses de prisão, suspensa na respectiva execução, pelo período de três anos, com a condição de, em igual período, solver à segurança social o pagamento da quantia arbitrada em sede cível; b) a segunda, em 150 dias de multa, à taxa diária de € 25,00, correspondente à multa global de € 3.750,00.
Mais se determinou nessa sentença a condenação, solidária, dos arguidos a pagarem ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra do Instituto de Solidariedade e Segurança Social a quantia de € 16.978,47, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4.%, contabilizada desde a citação dos mesmos e até efectivo e integral pagamento, isto na sequência de oportuno pedido de indemnização cível por aquele apresentado.
1.2. O demandante Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, por se não conformar tão-só com esta parte da sentença, referente ao momento considerado para constituição em mora e taxa de juro aplicável ao efeito, interpôs o presente recurso, sendo que depois de motivado, nele apresentou as conclusões seguintes:
1.2.1. Dando prevalência à lei especial o pedido de indemnização cível referente a quotizações, no valor de € 16.978,47 e os correspondentes juros de mora vencidos até Junho de 2004, no montante de € 15.560,58 e vincendos até integral pagamento, foi correctamente deduzido.
1.2.2. Tendo os arguidos sido condenados pela co-autoria do crime de abuso de confiança em relação à segurança social de que vinham acusados e, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar derivada da responsabilidade civil, decorrente daquele facto ilícito, o pedido de indemnização civil deverá ser julgado integralmente procedente com a consequente condenação dos demandados no pagamento da indemnização peticionada.
Terminou pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra em conformidade, na parte aludida.
1.3. Admitido o recurso, pese embora notificação para o efeito, nenhum dos sujeitos processuais visados respondeu.
Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto apôs “visto” atenta a natureza estritamente civil do âmbito do recurso.
Colhidos os vistos dos M.mos Adjuntos, seguiram os mesmos autos para audiência, que se realizou na estrita observância do disciplinado pelo artigo 423.º do Código do Processo Penal [CPP].
Cabe agora apreciar.
*
II – Fundamentação.
2.1. Sendo as conclusões formuladas pelo recorrente que demarcam o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1 do CPP), temos que a questão decidenda é unicamente de direito e consiste em determinar desde quando e a que taxa devem ser calculados os juros de mora que incidem sobre os montantes devidos à segurança social: se desde a citação dos demandados/arguidos e à taxa de 4.%, tal como se ordenou na decisão proferida; ou, se a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito e a distinta taxa, conforme pretende o recorrente.
Refere, relembra-se, a decisão recorrida que a responsabilidade civil invocada pelo demandante decorre da prática de um crime de abuso de confiança relativamente à segurança social e que a procedência do pedido civil depende em termos substantivos, da verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 129.º do CPP e 483.º do Código Civil [CC].
Mais se decidiu que sobre os montantes em dívida (€16.978,47) à segurança social apenas são devidos os juros devidos desde a notificação para contestar, até integral pagamento – artigos 805.º, n.º 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2; 559.º, todos do CC, sendo a taxa a considerar a definida por sucessivas portarias, no caso, de 4.% (Portaria n.º 292/2003, de 8 de Abril).
A questão assim colocada mereceu já apreciação jurisprudencial Superior em termos a que aderimos e que, com a devida vénia, aqui seguiremos de perto (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17 de Junho de 2002, in Col. Jur., Ano XXVII, Tomo III, págs. 293/4).
2.2. Na verdade, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, «o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor.».
Por seu turno, ex vi do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, «as contribuições previstas neste DL devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte a que disserem respeito…»
Acresce que por força do artigo 16.º do Decreto-lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, «1. Pelo não pagamento das contribuições à Segurança Social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção. 2. A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma.»
Ainda que a taxa de juros de mora é de 1.% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições – artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 73/99, de 16 de Março -.
Perante as disposições legais citadas, decorre directamente da lei o momento a partir do qual existe mora do devedor, isto é, a partir do 15.º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, pelo que estamos em face de obrigações de prazo certo.
Donde que a matéria relativa aos juros em causa não seja enquadrável no artigo 805.º, n.º 3 do CC, uma vez que este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido.
Ora, sendo líquidos os créditos provenientes dos montantes descontados nos salários dos trabalhadores, é aplicável o artigo 805.º, n.º 2, alínea b) do CC, concluindo-se que existe mora, independentemente de interpelação.
E o prazo de contagem dos juros de mora, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 806.º do CC; artigo 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, conjugado com o artigo 16.º do Decreto-lei n.º 411/91, de 17 de Outubro; artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 199/99, de 8 de Junho, que revogou o Decreto-lei n.º 140-D/86, de 14 de Junho, deverá reportar-se ao 15.º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito.
Tal prazo coincide com o momento da prática do facto ilícito, já que os 90 dias a que se refere o artigo 27.º-B do RJIFNA devem ser considerados como condição de procedibilidade da acção criminal.
A taxa de juro estabelecida na Portaria n.º 262/2003 mencionada na decisão recorrida, não será, então, aplicável ao caso sub judicio.
A matéria específica da segurança social está regulada no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, sendo a taxa de juro a prevista no artigo 3.º, n.º 1 desse mesmo diploma legal – cfr. Ac. da R.P., de 20 de Janeiro de 2002, in Proc. n.º 1325/00 –.
Os arguidos foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, por não terem entregue àquele organismo público as contribuições deduzidas das retribuições da arguida, nos períodos compreendidos entre 1 de Junho de 1995 e 28 de Fevereiro de 1999.
Não restam, assim, quaisquer dúvidas de que a responsabilidade civil dos demandados é extracontratual e decorre da prática de um crime, sendo a respectiva indemnização regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil (artigo 129.º do CPP).
Apenas que, no que concerne à data da constituição em mora e à fixação da taxa de juro, devem ser aplicadas as disposições mencionadas, próprias dos diplomas especiais citados, por não se considerarem derrogados por lei geral.
Essa obrigação de juros decorre, igualmente, da responsabilidade por factos ilícitos, ou seja, da violação de diplomas especiais que regulam o pagamento das contribuições à segurança social, violação essa que, no caso concreto, configurou um crime.
As contribuições encontram-se liquidadas (fls. 8 e segs. dos autos) e os termos de entrega respectivos hão-de corresponder ao 15.º dia do mês seguinte àquele a que dizem respeito, a partir do qual se vencem juros à taxa prevista no aludido artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 73/99.
Os sócios-gerentes das empresas com responsabilidade limitada são pessoal e solidariamente responsáveis pelo pagamento das contribuições e respectivos juros de mora – artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio –.
*
III – Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto, pelo que, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, se condenam os arguidos/demandados a pagarem, solidariamente, ao demandante Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra do Instituto de Solidariedade e Segurança Social a arbitrada indemnização global de € 16.978,47, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa de 1.% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, contados desde do 15.º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições mensais descriminadas dizem respeito.
Mais se revoga a decisão recorrida na parte em que tributou em custas a indemnização civil, agora apenas a expensas dos recorridos.
Custas do presente recurso pelos mesmos, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em 6 UCs.
Notifique.
*
Coimbra, 30 de Novembro de 2005