Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1486/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE BENS EM INVENTÁRIO JUDICIAL
PRAZO
Data do Acordão: 05/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTº 1344º, NºS 1 E 2; 1345º, E 1349º, Nº 1, TODOS DO CPC .
Sumário:

I – Após a alteração ao CPC de 1995, preceitua o nº 1 do artº 1349º do CPC que quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça de casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação, no prazo de 10 dias, dispondo o nº 2 do artº 1344º do mesmo diploma que as provas são indicadas com os requerimentos e respostas .
II – Não assiste ao reclamante ( de bens ) o direito de resposta ( por via de requerimento ) à resposta apresentada pelo c.c. à reclamação feita por aquele contra a relação de bens pelo último apresentada , devendo o reclamante indicar ou oferecer, com a sua reclamação, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão, sob pena de preclusão desse direito .
Decisão Texto Integral:
3
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório

1- No 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, correm os seus termos os autos de inventário judicial (para partilha dos bens do extinto casal), nos quais é requerente, BB, e requerido, desempenhando as funções de cabeça-de-casal, CC.
Apresentada que foi a relação de bens pelo c.c. veio a interessada, BB, dela reclamar, nos termos constantes do seu requerimento que corresponde agora a fls. 22/23 destes, acusando, além do mais, a falta de relacionação de alguns bens, a inexactidão do valor dado pelo c.c. quanto a alguns deles que relacionou e não reconhecendo uma das dívidas que foi relacionada.
No final desse requerimento aquela reclamante limitou-se a pedir o deferimento da reclamação, sem que tenha, sequer, indicado qualquer prova.
Notificado que foi o c.c. para se pronunciar sobre tal reclamação, veio o mesmo responder, nos termos constantes do seu requerimento que ora corresponde a fls. 24/28 destes autos, terminando, com base nos fundamentos aí aduzidos, por pedir a improcedência daquela reclamação indicando, no final do mesmo, prova documental e testemunhal.
A esse requerimento de resposta do C.C., veio a aquela reclamante responder ao mesmo, nos ternos constantes do seu requerimento que corresponde ao ora junto a fls. 103/105 destes autos, tendo no seu final indicado, agora, prova testemunhal.
Foi depois proferido, pelo sr. juíz do processo, o despacho, cuja cópia certificada se encontra junta a fls. 3/4 destes autos, mandando desentranhar do processo aquele último requerimento apresentado pela reclamante BB, por o considerar legalmente inadmissível, o mesmo sucedendo com a prova nele oferecida ou indicada, por considerar ter já decorrido o prazo legal previsto para o efeito.

2- Não se conformando com tal despacho, a aludida requerente-reclamante dele interpôs recurso, o qual foi recebido como agravo, com efeito devolutivo, e a subir, em separado dos autos principais, no momento em que se convocasse a conferência de interessados.

3-1 Nas suas alegações de recurso, a ora agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“I- O Despacho sob recurso deverá ser objecto de reforma, uma vez que ocorreu manifesto lapso na determinação da norma jurídica aplicável (....).
II- O Requerimento de fls. 101 e ss. apresentado pela agravante é processualmente inadmissível (trata-se, dizemos nós, de um manifesto lapso de escrita, já que é óbvio querer dizer-se precisamente o contrário, e daí a razão deste recurso), uma vez que é apresentado na sequência, e atento o teor, da Resposta à Reclamação dos Bens apresentada pelo cabeça-de-casal em que se nega a existência de bens cuja inclusão na relação de bens se reclama e ainda em que o mesmo se vem pronunciar sobre questão não antes trazidas aos autos, isto é, nem por si referidas e nem versadas ma peça da de Reclamação do agravante.
III- Nos termos do disposto nos artigos 1349.º, nºs 2 e 3 e 1344.º nº 2 todos do C.P.C. o requerimento de fls. 101 e ss é processualmente admissível, o que se requer”

4- O sr. juíz do tribunal a quo sustentou o seu despacho.

5- Não foram apresentadas contra-alegações.
***
II- Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
1- Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232”).
Ora compulsando os autos e calcorreando as conclusões do recurso, verifica-se que única questão que aqui nos foi submetida a apreciação consiste em saber se, no caso, em apreço – tal como, aliás, em temos gerais -, é, ou não, legalmente admissível aquele requerimento que a ora agravante apresentou em resposta àquele outro que o C.C. tinha apresentado como resposta à reclamação contra relação de bens por si antes apresentada, e, consequentemente, se aquela estava ainda em tempo para indicar a prova com vista à decisão daquele incidente da reclamação sobre a relação de bens?
Vejamos.
Dado que tais “questões” – admissibilidade, ou não, do direito de resposta da reclamante à resposta apresentada pelo CC sobre a reclamação contra a relação de bens que havia apresentado, e tempestividade, ou não, da prova por si indicada no mesmo requerimento com vista à decisão do respectivo incidente - estão, no caso em apreço, intimamente ligadas, passaremos abordar o problema sub judíce de forma conjunta, embora com especial ênfase para a oportunidade da apresentação da prova, dado a sua relevância para desenlace do aludido incidente.
Como é sabido o processo “especialíssimo” previsto no artº 1404 do CPC, para a partilha de bens comuns do extinto casal, segue, por força do nº 3 daquele preceito legal, os termos prescritos para o processo de inventário em geral, cujo regime se encontra previsto nos artºs 1326 e ss do CPC.
Processo de inventário que, como processo especial que é, se regula ou rege, em primeiro lugar, pelas disposições especiais que lhe são próprias, em segundo lugar, pelas disposições gerais e comuns e, por último, em tudo o que não estiver previsto numas e noutras, pelas disposições estabelecidas para o processo ordinário (cfr. artº 463, nº 1, e Título IV, Capítulo XVI do actual diploma do CPC).
Na primitiva redacção do CPC de 1961, referente à matéria de acusação de falta de bens na relação apresentada pelo cabeça-de-casal, dispunha o nº 1 do artº 1342 que “acusando-se a falta de bens na relação apresentada, é o cabeça-de-casal notificado para os relacionar ou dizer o que se lhe oferecer” e o nº 3 que “se negar (referindo-se ao c.c.) a existência dos bens ou a obrigação de os relacionar, o juíz convidará os interessados a produzirem quaisquer provas, mandará proceder às diligências que julgue necessárias e por fim decidirá se os bens devem ser relacionados”. (sublinhado nosso)
Como é sabido, o DL nº 227/94 de 8/9 veio trazer grandes alterações ao regime do processo de inventário (regulado no aludido CPC).
E entre essas alterações ressaltam-se aquelas que tinham a ver com o regime das oposições e impugnações.
E nesses termos o artº 1344, nº 1, desse mesmo diploma legal, passou a dispor que “deduzida a oposição ou impugnação, nos termos do artº anterior, são notificados para responder, em 10 dias, os interessados com legitimidade para intervir na questão suscitada”, enquanto o nº 2 desse mesmo normativo passou a estabelecer que “as provas são indicadas com os requerimentos e as respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juíz, é a questão decidida...”. (sublinhado nosso).
Como é sabido, a reforma entretanto introduzida no CPC pelos DLs nºs 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9, absorveu, em tal regime, a normatividade nuclear do citado DL nº 227/94 e /ou o sentido do mesmo.
Assim e a título de exemplo, - e tendo sempre presente o caso em apreço - e tal como refere, em comentário, Abílio Neto (in “Código do Processo Civil Anotado, 17ª ed., notas 1, págs. 1314 e 1316”), nos nºs 1 a 5 do actual artº 1348 “a reforma de 95 limitou-se a ampliar os prazos nele fixados, mantendo a anterior redacção introduzida pelo DL nº 227/94, de 8/9”, enquanto que no que concerne ao artigo 1349 “a reforma de 95 limitou-se, no nº 1, a elevar de 8 para 10 dias o prazo nele fixado, mantendo no demais a redacção DL nº 227/94, de 8/9”.
O actual artº 1345, nºs 1 e 2, do CPC/95 - diploma ao qual nos referiremos sempre que mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua origem – indica-nos a forma como deve processar-se a apresentação da relação de bens.
Dispõe depois o nº 1 do actual artº 1348 que “apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha”.
Por sua vez, preceitua o nº 1 do artº 1349 que “quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação no prazo de 10 dias”, enquanto no seu nº 3 estatui que “não se verificando a situação prevista no número anterior – referindo-se, acrescentamos nós, à situação em que o cabeça-de-casal confessou a existência dos bens cuja falta foi reclamada – notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no nº 2 do artº 1344, e decidindo o juíz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação...”. (sublinhando nosso)
Por fim, preceitua o nº 2 do citado artº 1344 que “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas....”. (sublinhado nosso). Aliás, caso porventura se entendesse não ser aplicável ao caso este último dispositivo legal, sempre a solução seria a mesma por força da aplicação do disposto no artº 303, nº 1, ex vi artº 1334.
Com é sabido as reclamações são, em princípio, apresentadas através de requerimentos (vidé Carvalho de Sá, in “Do Inventário, 1996, pags. 111 e sgts” e Abílio Neto in “ob. cit. pág. 1316” ).
Vê-se, assim, que o processo de inventário tem uma tramitação específica, que se rege, esmagadoramente, por normas próprias.
Ora do confronto de tais dispositivos legais, ter-se-á, sem dúvidas, de concluir:
Que no actual regime do CPC/95, não assiste ao reclamante o direito de resposta (por via de requerimento) à resposta apresentada pelo c.c. à reclamação feita por aquele contra a relação de bens pelo último apresentada.
Que no actual regime do CPC/95, ao contrário do que sucedia no anteror regime desse diploma, com o requerimento de reclamação apresentado contra a relação de bens (vg acusando-se a falta de alguns ou outra qualquer inexactidão) deve, sob pena de preclusão desse direito, o reclamante indicar ou oferecer, desde logo aí, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão. Obrigação essa a que depois também está sujeito o cabeça-de-casal, aquando do seu requerimento de resposta – e no caso desta não ir ao encontro da pretensão do reclamante, nomeadamente confessando (totalmente) a existência dos bens reclamados.
No mesmo sentido veja-se, nomeadamente sobre a questão do momento oportuno para apresentação das provas, Ac. do STJ de 9/2/1998, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 54”; Ac. RC de 27/4/1999, sumariado in “BMJ 486 – 37; Ac. RC de 9/12/2003, in “Rec. Agravo nº 3391/03, desta mesma secção e do qual fomos também o relator” e Ac. da RC de 16/5/2000”).
Posto isto, e voltando-nos já para o nosso caso em apreço, teremos de concluir que bem andou o srº juíz do tribunal a quo ao não ter admitido o sobredito requerimento (de resposta) apresentado pela ora agravante, contendo ainda a indicação da prova com vista à decisão do incidente sobre a reclamação apresentada pela mesma contra a relação de bens junta pelo c.c., ora agravado.
E nestes termos ter-se-á de julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão do despacho recorrido.
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III- Decisão
Assim em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de agravo), confirmando-se a decisão da 1ª instância.
Custas pela agravante – muito embora se tenha em consideração que a mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas (cfr. fls. 2).

Coimbra,