Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
287/08.0YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÉRGIO POÇAS
Descritores: CRIME DE EMISSÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO
COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CÍRCULO DE SEIA - 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DA COMPETÊNCIA
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º DO CPP, 4º DA LEI 59/98 DE 25 DE AGOSTO
Sumário: 1. O artigo 4º da Lei 59/98 de 25 de Agosto tem carácter transitório, só aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor do referido diploma.
2. A norma do artigo 4º claramente estabeleceu o campo da sua aplicação: o tribunal singular é o competente para os processos pendentes à data da entrada em vigor do diploma, só a estes e enquanto destes houver.
Decisão Texto Integral: Os presentes autos visam dirimir o conflito negativo de competência suscitado entre a senhora Juíza de Círculo de Seia e a senhora Juíza do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia relativamente ao julgamento do arguido AM acusado pelo Ministério Público pela prática de seis crimes de cheque sem provisão p.e p. pelo artigo 11º,al.a) do DL 454/91 de 28 de Dezembro.
Segundo a senhora Juíza de Circulo, dizendo o artigo 4º da Lei de 59/98 (que introduziu significativas alterações ao CPP) que o tribunal singular mantém a competência para julgar os processos respeitantes a crimes de emissão de cheque sem provisão puníveis com pena de prisão superior a cinco anos … e não se encontrando tal norma revogada, é competente para julgamento, não o Tribunal Colectivo, mas sim o Tribunal Singular.
Segundo a senhora juíza do 2º juízo do Tribunal Judicial de Seia, a norma do mencionado artigo 4º da Lei 25/98 tem carácter provisório – seria aplicável apenas aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor – pelo que de acordo com o disposto no artigo 14º do CCP a. competência para julgamento nestes autos é do Tribunal Colectivo

Cumpre decidir
A senhora Juíza de Círculo não tem razão, salvo o devido respeito.
A competência para julgamento dos autos é do Tribunal Colectivo.
Fundamentemos como é dever
No caso – concurso de seis crimes de emissão de cheque sem provisão - a pena máxima, aplicável é superior a cinco anos de prisão .Ora de acordo com o disposto no artigo 14º, nº2 al.b) do CPP, compete ao tribunal colectivo julgar os processos que não devendo ser julgados pelo tribunal singular respeitarem a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável seja superior a cinco anos, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime.
Importa averiguar, face ao corpo da al.b) acima referida se existe norma a atribuir a competência ao tribunal singular .
Em nosso entendimento não existe.
De facto entendemos, na linha do que defende a senhora Juíza do Tribunal Singular que o referido («e perturbador») artigo 4º da Lei 59/98 de 25 de Agosto tem carácter transitório, só aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor do referido diploma.
Outro entendimento não nos parece correcto, salvo o devido respeito.
Se a Lei 59/98 alterou a redacção do artigo 16º, retirando a competência ao tribunal singular para julgamento do crime de cheque sem provisão, como admitir que, contraditoriamente, a iria manter numa norma preambular, numa norma fora do Código?. Se a competência do Tribunal Colectivo e do Tribunal Singular estão, como devem, claramente, fixadas no CPP (artigos 14º e 16º), como admitir que subsistiria uma norma que fixava uma competência contrária?
Aliás a redacção do artigo 4º é elucidativo sobre o seu carácter precário, transitório. De facto refere-se expressamente ao artigo 16º na redacção do DL 387- E/ de 29 de Dezembro que entretanto alterava.
Mas neste sentido aponta claramente a Exposição de Motivos da Proposta de Lei 157/VII que esteve na base da Lei 59/98. Escreve-se «…adaptam-se as normas do artigo 16º ao novo regime de punição de cheque sem provisão, sem prejuízo de uma disposição final transitória quanto a crimes puníveis com pena superior a cinco anos…» (sublinhado nosso).
A norma do artigo 4º não foi revogada nem teria que ser. De facto se na presente data ainda houver (o que se não crê) processos para julgamento de crime de emissão de cheque sem provisão puníveis com pena superior a cinco anos que já estavam pendentes à data da entrada em vigor da Lei 59/98 eles devem ser julgados pelo tribunal singular.
Salvo o devido respeito, a norma do artigo 4º claramente estabeleceu o campo da sua aplicação: o tribunal singular é o competente para os processos pendentes à data da entrada em vigor do diploma, só a estes e enquanto destes houver.
Pelas razões expostas e dirimindo o presente conflito atribuo a competência para o julgamento do proc.79/06 a correr termos no Tribunal Judicial de Seia respeitante ao arguido AM ao Tribunal Colectivo.

Sem custos



Coimbra, 08 de Outubro 2008



Sérgio Gonçalves Poças
(Presidente da Secção Criminal)