Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
494/18.8T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA
REMIÇÃO
PARTE
FUSÃO DE SOCIEDADES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 3, 195, 269, 615, 842, 843 CPC
Sumário: 1.- A violação do art. 3.° do NCPC (princípio do contraditório), não gera qualquer nulidade da decisão, sentença ou acórdão (que são apenas as taxativamente enumeradas no art. 668.°. n.º 1, do CPC – 615º NCPC), mas pode gerar uma nulidade processual, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC (195º NCPC), pelo que teria de ser arguida no prazo de 10 dias (art. 153.°. n.º 1, do CPC – 149º NCPC).

2.- A fusão por incorporação de sociedade ( art.269 nº2 CPC), parte no processo, não implica suspensão da instância para o efeito de habilitação, que não tem lugar, o que significa que, conhecida a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais, o juiz deve tomá-la em conta, e apenas, se for necessário, se devendo proceder à notificação dos seus representantes.

3.- O remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução, e, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal.

.4.- Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…) executada nos autos à margem identificados, notificada da decisão que julgou improcedente a nulidade da venda, não se conformando com a mesma, dela veio interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

1.- A Ilegitimidade que constitui uma excepção de conhecimento oficioso (art 577º e 578º CPC) e que, por ter relevância para a apreciação e julgamento do recurso, deve ser apreciada pelo tribunal ad quem.

2.- Compulsados agora os autos via eletrónica verificou a executada a existência de um requerimento apresentado em 31/10/2018 pela exequente (refª1798270) na qual pugna pela substituição da exequente por via da “extinção da exequente B (…)”.

3.- O presente requerimento não foi notificado à exequente (não acompanhada de mandatário), nem tão pouco lhe foi notificado o despacho que sobre o mesmo recaiu (refª30576696).

4.- O que só per si implica nulidade clara porquanto existe a omissão de tal notificação que, necessariamente, influencia o exame e decisão na causa no que concerne à apreciação do requerido pela exequente que pretende a mudança /titularidade do Exequente.

5.- Violando expressamente, entre outros, - disposto no art. 3º, nº3 do CPC

6.- Termos em que, deve ser declarado nulo o d. despacho supra referido, substituído por outro que determine a notificação da executada e, em consequência, serem dados sem efeitos todos os actos posteriores praticados.

7.- Acresce que, sem prejuízo, é a própria exequente que refere a “Extinção” da sociedade exequente constante no título executivo dado à execução (escritura pública).

8.- Dispõe o artigo 54º/1 CPC invocado no requerimento da exequente que havendo sucessão no direito deve a execução correr entre os sucessores que “no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”

9.- Os factos não foram deduzidos no requerimento executivo e, se os mesmos são posteriores, não podem ser deduzidos por requerimento avulso, mas outrossim, através de incidente de habilitação.

10.- A fusão pode ser parcial ou total implicando a primeira a continuidade da sociedade cindida e a segunda a extinção da sociedade cindida.

11.- No caso dos autos é a própria exequente que informa a extinção da sociedade cindida (o que, caso a executada e recorrente tivesse sido notificada poderia sindicar).

12.- Informa claramente o Ac. TRL de 02/10/2007:

II - Não ocorrendo a extinção da sociedade cindida e só sendo transmitida para a sociedade beneficiária uma parte dos bens daquela, eventualmente acompanhados de parte das suas dívidas, está excluído que deva ter lugar a suspensão da instância (ex vi da al. a) do nº 1 do art. 276º do CPC).

III - Se o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária ou no conjunto dos débitos que acompanharam esses bens, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa, enquanto a sociedade beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (art. 271º-1 do CPC).

13.- In casu, o direito de crédito, conforme é alegado pela exequente, figura no elenco dos bens transmitidos.

14.- Pelo que, Das duas uma: (i) Ou a sociedade cindida se extinguiu e deve ser representada pelos liquidatários, nos termos do art. 162 CSC ex vi art. 269 / 1 alinea a) CPC – o que não ocorreu; (ii) Ou não existindo habilitação - que não existe - da sociedade B (…) S.A. sucursal em Portugal deve ser julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade da exequente, que é de conhecimento oficioso e a todo o tempo invocável, e, em consequência, determinar-se a absolvição da instância.

15.- Por outro lado, Resulta assente que a executada não foi notificada (mais uma vez! – parece que a executada, não acompanhada de mandatário, é um fantasma processual) da data do leilão electrónico e foi a mesma notificada do resultado do leilão – venda do imóvel penhorado – que ocorreu por carta de 31.05.2019.

16.- A d. decisão ora em crise ancora a sua decisão no facto que - à data - ainda podia ser exercida a remição.

17.- Sucede que, com a omissão da notificação à executada recorrente da decisão da venda oblitera-se, em consequência, entre outros, a possibilidade de a mesma preparar o pagamento antes da venda (que sendo certo também o poderia fazer com a citação, a falta da tramitação norma processual, não o pode coarctar ou obliterar), preparar a presença da executada no acto de abertura das propostas junto do Tribunal ( que desconhecia a data e local) em violação do art. 820, nº1 CPC, nem podendo fazer qualquer reclamação (art. 835, nº1, ex vi nº3 art. 837 CPC), e, sobremaneira, o declarado interesse em manter o imóvel no seio familiar e informar os seus descendentes (dois filhos) da venda para que pudessem estar presentes e exercerem o direito de remição, que, sendo 2 filhos, os mesmos pudessem entre eles fazerem licitação, nos termos do art. 823º, nº2 CPC

18.- Não se pode conformar a recorrente que, não obstante a falta de notificação, ainda após a notificação da venda se podia exercer o direito de remição pelos seus titulares que, com efeito, ainda poderia ser exercida,

18.- Todavia não puderam preparar e programar a sua vida financeira no sentido de no dia do fecho do leilão terem condições para efetuar o pagamento!

20.- O que, diga-se em abono da verdade, todos os interessados e licitantes tiveram porque tinham conhecimento das condições e, sobremaneira, do prazo que detinham para proceder ao pagamento.

21.- Por outro lado, pergunta-se, qual dos filhos é que licitaria? E Quando? E Onde?

22.- A falta de notificação à executada constitui assim nulidade porquanto influi claramente no exame da decisão e da sua boa causa,

23.- Devendo ser a d. decisão em causa ser substituída por outra que julgue a nulidade invocada e, em consequência, determinar-se a nulidade da venda e de todos os actos subsequentes.

Nestes termos,

Encontrando-se violados os artigos supra referidos na perspetiva da interpretação preconizada,

Com o mui douto e sempre indispensável suprimento de VV. Exªs deve dar-se provimento ao presente recurso conforme plasmado nas conclusões apresentadas.

*

Legal e tempestivamente notificada para o efeito, B (…) Exequente nos autos supra referidos, nos quais são Executados M (…)  e Outro, notificado do recurso interposto pela Executada do despacho proferido em 03/07/2019 que indeferiu a nulidade invocada pela Executada e do despacho proferido em 09/11/2018, veio apresentar as suas Contra-Alegações, por sua vez concluindo que:

1ª. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido em 03/07/2019, que indeferiu a nulidade invocada pela Executada em 16/06/2019, bem como o despacho de 09/11/2018, que não se pronunciou sobre qualquer nulidade.

2ª. Alega a Apelante a nulidade do despacho, proferido a 09/11/2018, com a referência n.º 30576696, que atendia ao Requerimento apresentado pelo Banco Apelado, - a requerer a substituição, nos autos principais e em todos os apensos deste processo, do “B (…) S.A.” pelo “B (…) -, em virtude do referido requerimento e despacho não lhe terem sido notificados.

3ª. Esta suposta nulidade não foi pela Apelante arguida e invocada directamente junto tribunal a quo, antes é agora suscitada diretamente junto deste tribunal da Relação (estando enxertada em instância recursória dirigida para o despacho proferido em 03/07/2019).

4ª. Por conseguinte, não tendo a Apelante submetido à apreciação do tribunal da primeira instância a nulidade agora suscitada, por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão/despacho, que nesta sede possa ser reapreciada.

5ª. Sendo certo que é entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, que os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do Recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não tinham sido, nem o tinham que ser (porque não suscitadas pelas partes ), objeto da decisão recorrida.

6ª. Acresce que, a referida omissão de notificação à Apelante do despacho, proferido em 09/11/2018, com a referência n.º 30576696, consubstancia uma nulidade secundária de conhecimento não oficioso, estando esta dependente de arguição da parte interessada (cf. artigo 197.º, nº.1, in fine do CPC), razão porque se impunha que a mesma tivesse sido arguida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias, em conformidade com o disposto no art.º 149.º, n.º 1 do CPC.

7ª. Ademais, ainda que assim não fosse, tal nulidade atípica, prevista no art.º 195.º do CPC, ter-se-ia de considerar sanada, uma vez que a Apelante – na sequência da notificação do despacho proferido em 03/07/2019 – veio pronunciar-se, sem que tivesse invocado qualquer omissão da prática do ato (i.e., notificação do despacho de 09/11/2018 e do requerimento apresentado em 31/10/2018 pela Exequente [ref.ª 1798270] ), nos termos do disposto no artigo 199.º do CPC.

8ª. Pelo que o vício procedimental invocado está sujeito à mencionada sanação.

9ª. Defende, ainda, a Apelante a ilegitimidade da Exequente, sustentando que, enquanto a sociedade “B (…) não for habilitada nos autos, não tem legitimidade para o prosseguimento dos mesmos.

10ª. Sucede que a sociedade B (…) que inicialmente configurava como Exequente nos presentes, foi incorporada por fusão na sociedade “B (…).”, transmitindo-se todos os seus bens imóveis e móveis, direitos, obrigações, situações passivas e posições contratuais para a sociedade incorporante, nos termos do disposto nos arts. 97.º, n.º 4, alínea a) e 112.º, alínea a), ambos do Código das Sociedades Comerciais, que passou a estar representada pela “B (…) Sucursal em Portugal”.

11ª. Contudo, contrariamente ao que defende a Apelante, dispõe o art.º 269 n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC) que «no caso de transformação ou fusão de pessoa coletiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efetua, se for necessário, à substituição dos representantes». (sublinhado e realce nossos).

12ª. Com efeito, não havendo, no caso de fusão de pessoas coletivas ou de sociedades, suspensão da instância, é óbvio que não há lugar ao respetivo incidente de habilitação previsto no art.º 356.º do CPC.

13ª. Ademais, nenhuma violação do princípio do contraditório, da igualdade, da proporcionalidade ou de um processo equitativo foi cometida, antes decorrendo dos próprios termos da norma convocada (art.º 269º, n.º 2 do CPC), aplicável ao caso dos autos, que a parte, in casu, o Apelado “B (…)”, que assume a posição antes detida pelo (anterior) sujeito processual – B (…). - não beneficie, «ex novo», dos direitos e faculdades de que esta última sociedade já antes beneficiou e exerceu no processo.

14ª. Por ser assim, não há lugar à suspensão da instância e a substituição opera-se apenas e só pela intervenção do sucessor/chamado, através da junção de nova procuração forense outorgada pelos respetivos representantes legais, o que in casu se verificou.

15ª. Pretende, ainda, a Apelante que seja reapreciada a decisão proferida pelo Tribunal a quo em 03/07/2019 (ref.ª 31315980), que indeferiu a arguição de nulidade de todos os atos subsequentes à omissão da notificação à Apelante da data de início do leilão eletrónico.

16ª. Contudo, como é consabido e dita o art.º 630.º, n.º 2 do CPC, é irrecorrível o despacho que decida sobre as nulidades previstas no art.º 195.º, n.º 1, como é o caso dos autos, motivo pelo qual não deverá este Venerando Tribunal conhecer das alegações de recurso da Apelante no que ao sobredito despacho concernem.

17ª. De todo modo, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que inexiste qualquer nulidade, uma vez que a omissão praticada não gerou prejuízo sério a nenhuma das partes, mas antes uma mera irregularidade que já se encontra sanada.

18ª. A Apelante alega não ter sido notificada da decisão de venda, contudo compulsados os autos, verifica-se que é falsa tal alegação, uma vez que a notificação da decisão de venda se encontra junta aos autos recorridos sob a ref.ª 1904037.

19ª. Pelo que cumpre esclarecer que o ato omitido não foi a notificação da decisão de venda, mas antes a notificação que informa da data de início do leilão eletrónico do imóvel penhorado.

20ª. Sendo certo que, uma vez que a Apelante não podia deixar de conhecer que o imóvel se encontrava penhorado, e em diligências de venda, poderia a todo o tempo efectuar ou preparar pagamento dos valores em dívida ao Exequente, de forma a evitar a venda o imóvel penhorado.

21ª. Defende ainda a Apelante, que a falta da sobredita notificação impossibilitou que esta pudesse atempadamente informar os titulares do direito de remição, para que pudessem estes estar em condições fazer uso desse direito em tempo.

22ª. No entanto, para o exercício do direito de remição é requisito que já seja conhecido o resultado da venda, para que possam os seus titulares remir pelo valor de venda do imóvel.

23ª. Consequentemente o direito de remição pode ser exercido desde a data em que é conhecido o resultado da venda, até à passagem do título de transmissão do imóvel alienado, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.

24ª. Pelo que aquando da notificação da decisão de adjudicação, a Apelante e remidores se encontravam perfeitamente atempados para remir, não se encontrando preterido qualquer direito.

25ª. Uma vez que a Apelante bem sabia que o imóvel e encontrava penhorado, em diligências de venda, sabendo inclusive que o mesmo iria ser vendido por leilão eletrónico e respetivo valor base e valor mínimo de venda, não se afigura credível que os titulares do direito de remição não tenham tido tempo de preparar o seu exercício, não podendo ser exigível ao Recorrido que fique onerado com a inércia da Apelante ou dos titulares do direito de remição.

26ª. E bem assim, resultando inequívoca a inexistência de qualquer prejuízo na omissão da notificação da data de início do leilão eletrónico, pelo que não poderá ser a mesma enfermar da nulidade prevista no art.º 195.º, n.º 1 do CPC – atento a lei assim não o determina, nem tampouco esta influiu no exame ou decisão da causa.

27ª. Consequentemente, não poderá considerar-se que a omissão da notificação seja causa de nulidade, consubstanciando-se a omissão apenas uma irregularidade, já sanada com a notificação de todos os atos posteriores.

Nestes termos e nos melhores de Direito, o recurso não deverá ser admitido, ou caso assim não suceda, impetrando o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser atribuído efeito devolutivo à apelação e negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente os despachos recorridos.

Ainda, A (…), notificado do recurso interposto por M (…) veio “responder às alegações”, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, número 5  (626º, nº5), do Código de Processo Civil, invocando oportunidade temporal e legitimidade, formulando as seguintes contra-alegações:

I. Assiste ao interessado, aquirente de imóvel em processo executivo, legitimidade para responder ao recurso de cuja eventual procedência resultará a anulação da aquisição por si efetuada. (ex vi do art.º 631/2 do CPC).

II. A Fusão por incorporação, com extinção da entidade incorporada, transmite “ex lege” todos os direitos e obrigações desta para a incorporante, não sendo assim necessário habilitar o sucessor. (cfr. artigos 120 do CSC e 269/2 do CPC).

III. Nessa medida, e operando a sucessão por efeito legal, não há contraditório a exercer pelo que a notificação às partes não preenche nenhum dos casos de notificação obrigatória previstos no artigo 220º do CPC.

IV. Não sendo a notificação obrigatória e transmitindo-se legalmente todos os direitos e obrigações da incorporada para a incorporante, não existe qualquer vício pela falta de notificação nem qualquer ilegitimidade da exequente, como pretende a recorrente.

V. Ainda que assim não fosse, o eventual vício de falta de notificação estaria sanado por aplicação do disposto nos artigos 195º e 199º do CPC.

VI. In casu, a primeira intervenção da executada recorrente ocorreu a 16 de junho de 2019, tendo nela juntado procuração o seu Ilustre Mandatário, data em que, aliás, arguiu a nulidade por omissão da notificação à executada da data do leilão eletrónico.

VII. E assim, a 16 de junho de 2019 começou a correr o prazo para a executada arguir a eventual nulidade adveniente da falta de notificação do requerimento e do despacho que sobre ele recaiu.

VIII. Pelo que, fazendo-o aquando da interposição do presente recurso, é por demais evidente a extemporaneidade de que padece tal alegação, cujos vícios já se sanaram por decorrência daqueles 10 dias.

POR OUTRO LADO:

IX. É FALSO que a recorrente não tenha sido notificada da data de encerramento do leilão eletrónico.

X. Tal notificação foi-lhe dirigida a 11 de Abril de 2019 pelo que cai toda a factualidade por si arguida na segunda parte do seu recurso que parte do pressuposto errado por si arguido e que não foi detetado no douto despacho recorrido.

XI. Pese embora a notificação não tenha sido dirigida à morada da citação – que foi remetida para o domicílio profissional da executada – foi remetida para a morada que esta identifica como sendo a sua residência no requerimento de apoio judiciário que acompanha o seu primeiro requerimento aos autos, datado de 21 de Junho de 2018.

XII. Ainda que assim não fosse, e pretendendo a executada como finalidade última permitir o eventual exercício do direito de remissão pelos filhos, carece de legitimidade para o presente recurso.

XIII. Considerando que a executada não é titular do direito de remissão, só os seus filhos poderiam impugnar a decisão em causa porque só eles têm o interesse processual que lhes permitiria agir ao abrigo do disposto no 631/2 do CPC.

XIV. A notificação que a mesma pretende que lhe seja feita – a informar da data do final do leilão eletrónico – não tem base legal, pelo que não pode ser assacada qualquer consequência à sua omissão.

XV. A executada foi notificada da venda do imóvel penhorado, e, nos termos do artigo 843.º, n. º1, al. b) do C.P.C, podiam os filhos remir, querendo, até à data de emissão do título de transmissão, o que não fizeram como bem resulta dos autos.

XVI. O Direito de remissão depende, apenas, da manifestação de vontade dos seus titulares nesse sentido, recaindo sobre os mesmos um ónus de especial cuidado para que o possam exercer em tempo.

Nestes termos, sempre com suprimento, deve o presente recurso improceder, e assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos; destacando que:

- No despacho sequente a CONCLUSÃO de 03-07-2019, consigna-se que:

«i. A executada vem arguir a nulidade da venda realizada, por leilão, por não ter sido notificado da data do leilão, o que impediu – segundo a mesma – o exercício do direito de remição.

Reconhece a executada que foi notificada do resultado do leilão – o que ocorreu por carta de 31.05.2019.

É a partir desse momento que o direito de remição pode ser exercido. E pode ser exercido até à emissão do título de transmissão – art. 843º, n.º 1, al. b) do CPC.

Em rigor, analisados os termos do processo, nesta data, ainda não se extinguiu o exercício do direito de remição pelos seus titulares.

Assim, nenhum direito foi colocado em causa por qualquer falta de notificação, razão pela qual não reconheceremos a nulidade processual arguida – art. 195º do CPC.

Mais requer a executada que os seus descendentes sejam notificados para o exercício do direito de remição.

Ora, não existe norma processual que sustente tal pedido de notificação.

O titular (ou titulares) do direito de remição é que têm de se apresentar no processo, no tempo legalmente previsto, para exercerem o seu direito de remição – vide os arts. 842º e 843º do CPC.

Assim, carece de fundamento o pedido de notificação dos titulares do direito de remição.

Indefere-se, por isso, o requerido.

Notifique.


* *

ii. Sobre o requerimento do interveniente A (…):

Os termos da venda processualmente correm de modo paralelo e independente dos termos do exercício do direito de remição.

O tribunal não tem conhecimento do exercício do direito de remição.

Naturalmente que isso não significa que o mesmo não esteja em curso, através do agente de execução.

Se o proponente foi notificado “de que foi exercido direito remição” deve aguardar o resultado do exercício desse direito, não podendo ser prejudicado, por exemplo, por – depois dessa informação – não ter depositado o preço no prazo estipulado inicialmente.

Compete ao agente de execução esclarecer se foi ou não exercido o direito de remição, o qual ainda está em tempo.

Em todo o caso, o agente de execução só deve suspender os termos da venda em curso se o direito de remição tiver sido exercido pelos interessados com o cumprimento do que dispõe o n.º 2 do art. 843º do CPC, ou seja, desde logo, com o depósito do preço.

Não tendo isso ocorrido, deve a venda avançar até à emissão do título de transmissão.

Assim, esclareça o agente de execução o sucedido nos autos a este respeito».

*

Nos termos do art. 635º, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em se apreciar:

I.

1.- A Ilegitimidade que constitui uma excepção de conhecimento oficioso (art 577º e 578º CPC) e que, por ter relevância para a apreciação e julgamento do recurso, deve ser apreciada pelo tribunal ad quem.

2.- Compulsados agora os autos via eletrónica verificou a executada a existência de um requerimento apresentado em 31/10/2018 pela exequente (refª1798270) na qual pugna pela substituição da exequente por via da “extinção da exequente B (…)”.

3.- O presente requerimento não foi notificado à exequente (não acompanhada de mandatário), nem tão pouco lhe foi notificado o despacho que sobre o mesmo recaiu (refª30576696).

4.- O que só per si implica nulidade clara porquanto existe a omissão de tal notificação que, necessariamente, influencia o exame e decisão na causa no que concerne à apreciação do requerido pela exequente que pretende a mudança /titularidade do Exequente.

5.- Violando expressamente, entre outros, - disposto no art. 3º, nº3 do CPC

6.- Termos em que, deve ser declarado nulo o d. despacho supra referido, substituído por outro que determine a notificação da executada e, em consequência, serem dados sem efeitos todos os actos posteriores praticados.

Apreciando, diga-se - em função do disposto no art. 149º do NCPC (regra geral sobre o prazo) -, que dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se e, se até ao encerramento da audiência de julgamento, ocorreu qualquer omissão processual com influência no exame ou na decisão da causa, deverá ser tempestivamente arguida, não devendo ser invocada sem mais em sede recurso da sentença (Cf. Ac. RL, de 17.12.2014: Proc. 295/04.dgsi.Net).

Consequentemente, o discurso de contraditório ensaiado nos Autos, a tal respeito, neutraliza, em absoluto, a alegação/conclusão a tal respeito. Tal, ao se convocar o que, a fls. 15v. dos Autos, se refere:

«(…) a referida omissão de notificação à Apelante do despacho, proferido em 09/11/2018, com a referência n.º 30576696, consubstancia uma nulidade secundária de conhecimento não oficioso, estando esta dependente de arguição da parte interessada (cf. artigo 197.º, nº.1, in fine do CPC), razão porque se impunha que a mesma tivesse sido arguida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias, em conformidade com o disposto no art.º 149.º, n.º 1 do CPC.

Ademais, ainda que assim não fosse, tal nulidade ter-se-ia de considerar sanada, uma vez que a Apelante – na sequência da notificação do despacho proferido em 03/07/2019 – veio pronunciar-se, sem que tivesse invocado qualquer omissão da prática do ato (i.e., notificação do despacho de 09/11/2018 e do requerimento apresentado em 31/10/2018 pela Exequente [refª 1798270] ), nos termos do disposto no artigo 199.º do CPC.

A ter havido tal omissão, esta reputando-se integrar a nulidade atípica prevista no art.º 195.º do C.P.C., deveria ter sido arguida pela Executada no momento em que interveio no processo após a prática do ato omitido, sob pena de aquela se vir a sanar no decêndio posterior à data em que dela teve conhecimento (art.os 196.º, 2.ª parte, 197.º, 199.º, n.º 1 e 149.º, n.º 1, todos do C.P.C.).

Pelo que, salvo o devido respeito, o vício procedimental invocado está sujeito à mencionada sanação».

Tal como, do mesmo modo, a fls. 28v. dos Autos, onde se faz ressumar:

«(…) Assim, e pese embora se constate que a notificação ocorreu às partes que estavam representadas por mandatário, terá sido essa a que aconteceu por excesso de zelo.

16. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas dialeticamente se concebe, o vício estaria há muito sanado;

17. Porquanto, tal omissão constituiria – a existir - uma nulidade secundária, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil.

18. Nos termos do disposto no artigo 199.º do C.P.C a exequente deveria ter invocado o vício no prazo [de 10 dias, segundo o disposto no artigo 149.º], que começou a contar a partir do momento em que “ a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com diligência devida”.

19. No caso sub judice a primeira intervenção da executada ocorreu a 16 de junho, tendo nela juntado procuração e arguido a nulidade por falta de notificação da data do leilão electrónico – cujo indeferimento origina a segunda parte do recurso.

20. Quando a executada intervém pela primeira vez, a 16 de junho de 2019, começou a correr o prazo para arguir a nulidade que alega existir.

21. Pelo que não o tendo arguido no prazo de 10 dias sempre o vício – a ocorrer – se encontraria sanado por aplicação do disposto no 195/3 daquele diploma legal».

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Sendo que, por sua vez, a violação do art. 3.° do NCPC (princípio do contraditório), não gera qualquer nulidade da decisão, sentença ou acórdão (que são apenas as taxativamente enumeradas no art. 668.°. n.º 1, do CPC – 615º NCPC), mas pode gerar uma nulidade processual, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC (195º NCPC),  pelo que teria de ser arguida no prazo de 10 dias (art. 153.°. n.º 1, do CPC – 149º NCPC) (Cf. Ac. STJ. de 26.10.2010: Proc. 303-A/1996.dgsi.Net). O que não aconteceu!

Com efeito, a violação do disposto no n.º 3 do art. 3.º do CPC, integrando a violação do princípio do contraditório, é susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa. A apontada nulidade não é susceptível de ser conhecida oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (cfr. arts. 201.º, 203.°, n.º 1 e 205.º, n.º 1, do CPC - 195º, 197º e 199º NCPC) (Cf. Ac. RL, de 11.1.2011:Ver. Adm.Loc., Jan. Fev., 20111, p.79).

Daí se configurar como negativa a resposta às questões em I.

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II.

7.- Acresce que, sem prejuízo, é a própria exequente que refere a “Extinção” da sociedade exequente constante no título executivo dado à execução (escritura pública).

8.- Dispõe o artigo 54º/1 CPC invocado no requerimento da exequente que havendo sucessão no direito deve a execução correr entre os sucessores que “no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”

9.- Os factos não foram deduzidos no requerimento executivo e, se os mesmos são posteriores, não podem ser deduzidos por requerimento avulso, mas outrossim, através de incidente de habilitação.

10.- A fusão pode ser parcial ou total implicando a primeira a continuidade da sociedade cindida e a segunda a extinção da sociedade cindida.

11.- No caso dos autos é a própria exequente que informa a extinção da sociedade cindida (o que, caso a executada e recorrente tivesse sido notificada poderia sindicar).

12.- Informa claramente o Ac. TRL de 02/10/2007:

II - Não ocorrendo a extinção da sociedade cindida e só sendo transmitida para a sociedade beneficiária uma parte dos bens daquela, eventualmente acompanhados de parte das suas dívidas, está excluído que deva ter lugar a suspensão da instância (ex vi da al. a) do nº 1 do art. 276º do CPC).

III - Se o direito litigioso figura no elenco dos bens da sociedade cindida transmitidos à sociedade beneficiária ou no conjunto dos débitos que acompanharam esses bens, nem por isso a sociedade cindida deixa de ter legitimidade para a causa, enquanto a sociedade beneficiária não for, por meio do incidente de habilitação especialmente regulado no art. 376º do CPC, admitida a substituí-la (art. 271º-1 do CPC).

13.- In casu, o direito de crédito, conforme é alegado pela exequente, figura no elenco dos bens transmitidos.

14.- Pelo que, Das duas uma: (i) Ou a sociedade cindida se extinguiu e deve ser representada pelos liquidatários, nos termos do art. 162 CSC ex vi art. 269 / 1 alinea a) CPC – o que não ocorreu; (ii) Ou não existindo habilitação - que não existe - da sociedade B (...) S.A. sucursal em Portugal deve ser julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade da exequente, que é de conhecimento oficioso e a todo o tempo invocável, e, em consequência, determinar-se a absolvição da instância.

A este respeito, cumpre dizer que a questão se encontra tratada e dirimida, de há muito, com destaque para o (nos Autos também referenciado), Assento do STJ nº 5/2004, publicado no DR de 21/6/2004, ao clangorar que

 “(…) com a fusão extinguem-se as sociedades incorporadas, ou todas as sociedades fundidas. Mas também não podem esquecer-se as finalidades dessas extinções; não se extingue tudo isso como um fim em si mesmo; extingue-se para substituir, extingue-se para renovar. Certamente são aproveitados os elementos pessoais, patrimoniais e até imateriais das sociedades participantes que se extinguem, mas a extinção não implica desaproveitamento.

Existe sempre, pois, um elemento decisivamente relevante na comparação entre o real e a construção jurídica - que é, como construção ao serviço de interesses, meramente instrumental; os interessados, ao procederem à fusão, não têm intenção de morte, mas sim de melhor e longa vida para as sociedades e para a realização das finalidades com que foram constituídas.

(…) A fusão significa, pois, ao contrário da morte, perspectiva de melhor e mais sustentada continuidade económica, por redução de riscos, obtenção de economias de escala e de racionalização (…).”.

E em referência ao prescrito no artº 112º, alínea a), onde se diz que como efeito da fusão de sociedades se transmitem os direitos e obrigações da sociedade incorporada para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade, acrescenta:

“Não qualifica ou determina a lei que tipos ou espécies de direitos e obrigações se transmitem; a previsão abrange todos os direitos e obrigações que puderem ser transmitidos (…).”.

No caso dos autos, a fusão da exequente operou-se por incorporação: houve uma transferência global do património da sociedade incorporada (a exequente) para a sociedade incorporante.

Assim, ao contrário do defendido, a fusão não implicava a suspensão da instância, efectuando-se, tão só, se fosse necessário e sem necessidade de habilitação, a substituição dos representantes (artº 276º, nº 2) (269º NCPC) (…)».

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Ou como se consagra no Ac. RP, de 15-02-2012, Proc. Nº 9869/05.1YYPRT-C.P1, Relator: AMARAL FERREIRA (que, igualmente, noticia o teor do Aresto anteriormente convocado):

«Efectivamente, dispõe o artº 276º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem) [precisando-se que “o art. 269º NCPC (suspensão da instância - causas), reproduz integralmente o anterior art, 276.°, com uma única diferença: na aI. c) do n.º 1 foi aditado quando "houver acordo das partes", o que já resultava do n.º 4 do art. 279.°, na redacção pretérita], que a instância se suspende “quando falecer ou se extinguir alguma das partes”, visando o falecimento o caso de as partes serem pessoas físicas ou singulares e a extinção o caso de serem pessoas colectivas.

Porém, o nº 2 do mesmo preceito distingue da extinção, a “transformação” e a “fusão” de pessoa colectiva. Assim, se em vez de extinção da pessoa colectiva, parte na causa, se verificar apenas a sua fusão ou transformação, a instância não se suspende, pois que a pessoa colectiva continua a existir, posto que modificada; o que terá de operar-se é a substituição, no processo, dos representantes da parte, se a nova pessoa colectiva passar, em consequência da fusão ou transformação, a ser representada por indivíduos diferentes.

É que, no caso de transformação ou fusão de pessoa colectiva há, simultaneamente, a extinção da pessoa colectiva anterior e a criação de uma nova.

Segundo a regra da alínea a) do nº 1 do artº 276º (269º NCPC), aquela extinção deveria produzir a suspensão da instância.

Todavia, a lei optou por outra solução tendo em vista que, materialmente, a anterior pessoa colectiva se mantém na transformada ou na resultante da fusão não sendo por isso o acontecimento suficientemente importante para fazer entrar a instância em crise. Nesta hipótese, o processo prossegue normalmente os seus termos, apenas se tornando necessário providenciar pela substituição dos representantes da pessoa colectiva, se for necessário, isto é, se não forem as mesmas pessoas os representantes da anterior e da actual pessoa colectiva (cfr. Ary Elias da Costa, Fernando da Silva Costa e João Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º Vol., págs. 455/456.

Há transformação duma sociedade quando esta adopta um tipo diferente daquele que tem no momento da transformação.

Assim, as sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no artº 1º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais (sociedade em nome colectivo, sociedade por quotas, sociedade anónima, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por acções) podem adoptar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato (artº 120º, nº 1, mesmo diploma legal).

A transformação duma sociedade, nºs termos dos nºs 1 e 2 do citado artº 120º do CSC, não importa a dissolução dela, salvo se assim for deliberado pelos sócios (nº 3 do mesmo preceito).

«Existem, pois, no CSC duas espécies ou modalidades de transformação, conforme a sua estrutura jurídica: numa modalidade - que a redacção do referido nº 3 mostra ter sido considerada a normal - a transformação não provoca a dissolução (extinção) da sociedade e, portanto, a sociedade é a mesma, antes e depois da transformação; noutra modalidade - excepcional, pois não resulta directamente da lei, como a primeira, dependendo de deliberação dos sócios - a sociedade sujeita a transformação dissolve-se (extingue-se), nascendo uma nova sociedade e operando entre ambos um fenómeno de sucessão universal» (Raul Ventura, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, 1990, pág. 417).

Distinta da transformação é a fusão de sociedades, que se encontra prevista no artº 97º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), cujo nº1 dispõe:

“Duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só”.

Nos termos do nº 4 do mesmo preceito, a fusão pode realizar-se:

“a) Mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas destas;

b) Mediante a constituição de uma nova sociedade, para a qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos sócios destas atribuídas partes, acções ou quotas da nova sociedade”.

Importa ainda atentar no disposto no artº 112º do Código das Sociedades Comerciais, subordinado à epígrafe «efeitos do registo»:

“Com a inscrição no registo comercial:

a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;

b) Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.”

Decorre dos preceitos citados, que “a essência da fusão de sociedades consiste em juntar os elementos pessoais e patrimoniais de duas ou mais sociedades preexistentes, de tal modo que passe a existir uma só sociedade.” E pode ser feita por incorporação ou por constituição de uma nova sociedade (Raul Ventura, obra citada, págs. 14 e 15)».

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Do mesmo modo, não pode, a este respeito, deixar de se assentir - tal como no Ac. STJ de 20-10-2011, Proc. nº 32/05.2TAPCV.C2.S1, Relator: ARMINDO MONTEIRO -, onde se refere que:

«(…) A fusão vem definida no art.º 97 .º , n.º 1 ,  do CSCOM  , e  por via desse preceito , duas ou mais sociedades , ainda que de tipo diverso , podem fundir-se mediante a reunião numa só ,  em que se transfere , em globo , o património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas,  das partes , acções ou quotas desta – al.a) , do n.º 4 – é a chamada fusão por incorporação ou absorção  - ; ou –al.b) , mediante  a constituição  de uma nova sociedade  , com transferência de patrimónios na globalidade e atribuição de partes , acções ou quotas na nova sociedade , é a chamada fusão por concentração ou constituição de uma nova sociedade .

Sobre o alcance da fusão, sendo de afastar a hipótese de dissolução com liquidação , alguns autores conotam-na com  um fenómeno antropomórfico  , equiparado à morte ; a sociedade incorporada morre; a fusão é um fenómeno de “ docking “ , como  acoplamento de objectos em órbita ,  com semelhança ao que se afirma na natureza sempre que dois bens que se tornam compostos num só.

Mas a concepção que emana da lei , só riscando os termos desta , do art.º 112.º , do CSCOM , é a que conduz à  extinção da sociedade fusionada ; esta a concepção tradicional  inerradável  , bem claro sendo a esse respeito o Prof. Raul Ventura , in Fusão , Cisão e Transformação dfas Sociedaes Comerciais , pág. 228 e230   ,  ao comentar que “ é ela a mais claramente possível expressa na lei e com ela deve contar-se em qualquer construção jurídica da fusão “,  rejeitando abertamente  a construção de um “ quid medium “ entre a conservação e a extinção “ , mantendo uma individualidade , como anota Simonetto , in Transformazione e fusione , pág. 231 ,  ali citado .

A intenção das partes no epifenómeno, relevante para equacionar a natureza da fusão,  é a de unificação das sociedades, mas não para que a antiga sociedade viva dentro do universo da nova ; os sócios das duas sociedades chegaram à conclusão de que , no plano prático , dos seus interesses é vantajoso de todos existir uma nova sociedade onde , anteriormente , havia mais do que uma  .

E continua aquele insigne Mestre  , a fls . 233,  “ Por muito que , através de requintes literários , se procure descrever e explicar a fusão como simples modificação do acto constitutivo “ adequado à realização das realizações sociais no novo complexo nascido “ de que fala Serra , autor italiano ali citado , é algo incompreensível como lograr a unificação pela modificação do acto constitutivo de cada , donde a reafirmação,  que se subscreve , da extinção da sociedade fusionada .

  A fusão determina a extinção das sociedades , escreve Pupo Correia , in Direito Comercial , pág. 282 , desaparecendo a sua personalidade , ponderando , no entanto ,  J.G .Pinto Coelho , ali citado , mas sem aceitação , o entendimento de que as sociedades  “ não findam verdadeiramente e apenas continuam  a sua existência em condições diversas “ .

Menezes Cordeiro adere ao pensamento de que inexiste extinção , até porque não há liquidação , in Manual de Direito das Sociedades , I , 2004 , , 783 , III  .

Mas a “ fattispecie “   que deriva da lei  é a da extinção , como também sufraga Henrique Mesquita , in R L J , ano 154 , 160 .

Falar-se de uma coexistência de personalidades jurídicas , como defende a recorrente é algo que não cobra fundamento sólido , de acolher .     

A  personalidade jurídica de que usufruem ,no art.º 5.º do CSCOm ,  é uma forma de criar um novo sujeito de direitos e obrigações , distinto dos sócios e com património separado destes , entrou em crise , havendo como que uma desconsideração , verdadeiramente excepcional ,  com origem na teoria da “ disregard of legal entity “ , que lança sobre os seus sócios a responsabilidade  cabida àquela – cfr. A. Pereira de Almeida , Sociedades Comerciais ,  4.ª ed. , 2006 , págs . 21, 29 , 31 e 43 e Ac. deste STJ , de 26.6 .2007 , P.º n.º 07ª 1274 .

(…)

Como resulta do art.º 276.º n.º 2 , do CPC (269º NCPC) , a fusão por incorporação de sociedade , parte no processo ,  não implica suspensão da instância para o efeito de  habilitação , que não tem lugar ,  o que significa que , conhecida e comprovada  a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais  , o juiz deve tomá-la em conta, e  apenas , se for necessário , se devendo proceder à notificação dos seus  representantes».

-

Assim, como aí, se podendo destacar como topói obsidiantes que:

«- Operada a fusão de sociedades, nos termos do art. 276.º, n.º 2, do CPC, não é caso da habilitação prevista no art. 374.º, n.º 3, do CPC. Como resulta do mencionado art. 276.º, n.º 2, a fusão por incorporação de sociedade, parte no processo, não implica suspensão da instância para o efeito de habilitação, que não tem lugar, o que significa que, conhecida a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais, o juiz deve tomá-la em conta, e apenas, se for necessário, se devendo proceder à notificação dos seus representantes.

-A fusão vem definida no art. 97.º, n.º 1, do CSC, e por via desse preceito, duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a reunião numa só, em que se transfere, em globo, o património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas, das partes, acções ou quotas desta – al. a), do n.º 4 –, tratando-se da chamada fusão por incorporação ou absorção; ou mediante a constituição de uma nova sociedade, com transferência de património na globalidade e atribuição de partes, acções ou quotas na nova sociedade – al. b) –, a chamada fusão por concentração ou constituição de uma nova sociedade.

- De acordo com a nossa lei, designadamente o art. 112.º do CSC, a fusão conduz à extinção da sociedade fusionada».

O que serve de travejamento à conclusão que o discurso de contraditório, vg, de fls. 29v.dos Autos ensaia - e que não pode deixar de colher aquiescência -, de que:

«28. Também in casu estamos diante uma fusão por incorporação, nos termos do artigo 97.º, n.º4, al. a) do Código das Sociedades Comerciais, pelo que, por efeito do registo se extingue a sociedade incorporada, transmitindo-se todos os bens móveis, imóveis, direitos, obrigações, situações passivas e posições contratuais, para a sociedade incorporada como, aliás, resulta do supracitado artigo 112.º, al. a) co C.S.C.

29. (Note-se a este propósito que o acórdão citado pela recorrente se refere a uma situação de fusão SEM extinção da pessoa coletiva anterior)».

Por isso se configura como negativa a resposta às questões em II.

III.

15.- Por outro lado, Resulta assente que a executada não foi notificada (mais uma vez! – parece que a executada, não acompanhada de mandatário, é um fantasma processual) da data do leilão electrónico / e foi a mesma notificada do resultado do leilão – venda do imóvel penhorado – que ocorreu por carta de 31.05.2019.

16.- A d. decisão ora em crise ancora a sua decisão no facto que - à data - ainda podia ser exercida a remição.

17.- Sucede que, com a omissão da notificação à executada recorrente da decisão da venda oblitera-se, em consequência, entre outros, a possibilidade de a mesma preparar o pagamento antes da venda (que sendo certo também o poderia fazer com a citação, a falta da tramitação norma processual, não o pode coarctar ou obliterar), preparar a presença da executada no acto de abertura das propostas junto do Tribunal (que desconhecia a data e local) em violação do art. 820, nº1 CPC, nem podendo fazer qualquer reclamação (art. 835, nº1, ex vi nº3 art. 837 CPC), e, sobremaneira, o declarado interesse em manter o imóvel no seio familiar e informar os seus descendentes (dois filhos) da venda para que pudessem estar presentes e exercerem o direito de remição, que, sendo 2 filhos, os mesmos pudessem entre eles fazerem licitação, nos termos do art. 823º, nº2 CPC.

Neste segmento, referencie-se que, do n.º 2 do art. 630.° NCPC se extrai a seguinte regra: todas as decisões judiciais relativas à simplificação ou agilização processual, ou à adequação formal, ou às regras gerais da nulidade dos actos processuais admitem recurso quando contendam quer com os princípios da igualdade ou do contraditório, quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios. O que, na circunstância - declaradamente -, não acontece!

Com efeito, a decisão proferida no uso legal de um poder discricionário não é recorrível com fundamento de que tal decisão não representa a melhor forma de prosseguir o fim que a lei pretende seja atingido. Nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais». Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja, ainda, na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Cf. Ac. RC. de 14.10.2014: Proc. 507/10.1 T2AVR-C.C1.dgsi.Net). Não sendo - volte a dizer-se -, de todo, o que, nos Autos, acontece!

Da dinâmica que se evidencia na relação intradiegética dos Autos, verifica-se que a notificação da decisão de venda resulta efetuada nos autos recorridos sob a ref.ª 1904037; antes, não aconteceu, pelo modo que vem pretendido, em termos recursivos, a notificação que informa da data de início do leilão eletrónico.

Daqui decorre, efectivamente, que a Apelante, tinha conhecimento que “o imóvel penhorado estava em diligências venda, pelo que poderia desde logo “preparar o (referido) pagamento”. Da mesma maneira que, “a todo o tempo, poderia (a Apelante) efectuar o pagamento dos valores em dívida ao Exequente, assim evitando a venda em leilão do imóvel”.

Depois, porque havendo esta sido “notificada da decisão de venda proferida pela Srª. Agente de Execução em 25/02/2019”, que decidiu que a venda se ira realizar “mediante leilão electrónico na plataforma www.e-leiloes.pt.”, sendo “aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base. Valor base: 103.815,80 Euros (Valor mínimo (85%):88.243,43 Euros)”, se revela inconsequente sustentar que “não pôde preparar a sua presença junto do Tribunal, no acto de abertura de propostas”. Acto que - perante tal revelação -, sabia não iria ter lugar, uma vez, tendo em atenção, conforme assente nos autos, a referida notificação (mediante leilão electrónico), a que se alude, efectuada pela Srª. Agente de Execução.

Decisão que, de resto, não foi objecto de reclamação adrede, tempestiva.

-- -

Nenhuma violação aconteceu, pois, dos artºs 820, nº1, 823º, nº2, art. 835, nº1 - nem, mesmo -, ex vi do nº3 art. 837 CPC.

 

Perante tal constatação, tem-se, também, por inultrapassável, aquilo a que se dá enfâse específica, em discurso de contraditório, a fls. 30-31v. Ou seja, o assinalar que:

«33. Com efeito, não é verdade que a executada não tenha sido notificada da data do termo do leilão electrónico.

34. A EXECUTADA FOI NOTIFICADA dia 11 de Abril, por comunicação com a referência 1946380 do dia e hora de abertura de propostas.

35. A notificação foi dirigida para a morada que a própria trouxe ao processo como sendo a sua, no requerimento por si apresentado em 21 de Junho de 2018 (primeira intervenção processual da executada. É a morada que consta do requerimento de apoio judiciário)

36. Pelo que o que os autos demonstram é que é falsa a falta de notificação invocada.

(…)

40. Sendo que os filhos, titulares do direito a remir, poderiam fazê-lo, querendo, até à data da emissão do título de transmissão, nos termos do artigo 843.º, n.º1, al. b) do C.P.C.».

Daí ser negativa a resposta às questões em III.

IV.

18.- Não se pode conformar a recorrente que, não obstante a falta de notificação, ainda após a notificação da venda se podia exercer o direito de remição pelos seus titulares que, com efeito, ainda poderia ser exercida,

18. (19).- Todavia não puderam preparar e programar a sua vida financeira no sentido de no dia do fecho do leilão terem condições para efetuar o pagamento!

20.- O que, diga-se em abono da verdade, todos os interessados e licitantes tiveram porque tinham conhecimento das condições e, sobremaneira, do prazo que detinham para proceder ao pagamento.

21.- Por outro lado, pergunta-se, qual dos filhos é que licitaria? E Quando? E Onde?

22.- A falta de notificação à executada constitui assim nulidade porquanto influi claramente no exame da decisão e da sua boa causa,

23.- Devendo ser a d. decisão em causa ser substituída por outra que julgue a nulidade invocada e, em consequência, determinar-se a nulidade da venda e de todos os actos subsequentes.

Aqui se dando por reproduzido tudo quanto, nas respostas anteriores se vem de consagrar, mais se acrescenta que

«Nos termos do disposto no artigo 842.º, do NCPC:

“Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.

A faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (cf. artigo 845.º, n.º 1, NCPC), tem em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, cf. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág.s 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, pág.s 660 e 661; J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a pág. 357 e F. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010. 13.ª Edição, Almedina, a pág. 392, acrescentando este autor que este direito “Reveste algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes.

(…)

A emissão do título de transmissão, bem como a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, é da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto no artigo 719.º, do NCPC – neste sentido, veja-se Rui Pinto, Manual da Execução E Despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, a pág. 121.

Mais lhe incumbindo, nos termos do artigo 827.º, n.º 1, do NCPC, que mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, a que se segue a comunicação da venda ao serviço de registo competente, para que se proceda ao registo do facto e cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado.

Cf. autor ora citado, in ob. cit., pág. 930, a adjudicação assim efectuada pelo agente de execução é constitutiva dos efeitos materiais da venda e não tem que ser precedida de despacho judicial.

(…)

Daqui resulta, pois, que, designadamente, todos os actos relacionados com a venda, pagamentos, emissão do título de transmissão e subsequentes comunicações ao registo, são da incumbência/competência do agente de execução, não sendo este obrigado a informar um terceiro remidor de que vai praticando qualquer destes actos.

Ao invés, é a este que terá de se rodear de todas as cautelas e diligência, no sentido de o exercer tempestivamente.

Como refere Amâncio Ferreira, ob. cit., a pág. 393 “Diversamente do que ocorre com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.”.

No mesmo sentido propugnam Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, a pág. 624 (em anotação ao artigo 913.º do CPC, equivalente ao artigo 843.º do NCPC), quando ali referem que “O titular do direito de remição não é notificado para o exercer. Não é por ele invocável o justo impedimento (…), que implicaria a necessidade de lhe dar conhecimento prévio, tal como ao preferente.”.

A nível jurisprudencial, neste sentido, se decidiu nos Acórdãos do STJ, de 10/12/2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13/09/2012, Processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1, ambos disponíveis no respectivo sítio da dgsi, em que, no 1.º dos Arestos ora citados, se refere o seguinte:

“o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (…). Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal (…).

Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.

(…)

Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.”.

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Mais se diga, de modo confluente, que, nos artigos 2.º e 20.º da CRP, consagra-se, entre outros, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, a pág. 205, “o princípio do Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança” e em que cabem o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (consagrado no artigo 20.º), bem como, de um modo mais lato, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça.

Neste preceito e seguindo os mesmos autores, ob. cit., pág.s 409 e seg.s, está consagrado o princípio de que ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação de um tribunal e que o direito de acção ou de agir em juízo terá de efectivar-se através de um juízo equitativo, no sentido de se conformar de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, baseada no direito de defesa e ao contraditório, a prazos razoáveis de acção ou de recurso e direito ao conhecimento dos dados processuais.

Ora, no caso em apreço, tais direitos não se mostram violados, apenas ocorrendo que a lei ordinária, como no geral acontece, estabelece os prazos e condições em que o direito de remição pode ser exercido, nos termos acima já referidos.

Como se refere no supra citado Acórdão do STJ, de 10/12/2009, e não obstante o remidor beneficiar da tutela do artigo 20.º da CRP, no caso do exercício do direito de remição “defrontamo-nos com dois valores ou interesses antagónicos, ambos susceptíveis de tutela constitucional: por um lado, o direito do remidor em não ser arbitrariamente privado da possibilidade de salvaguarda e manutenção do património familiar, através da criação de regimes procedimentais desproporcionadamente preclusivos ou limitativos – e como tal violadores do art. 20º da Constituição; por outro lado, a expectativa legítima do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada, através de um exercício inadmissivelmente tardio e abusivo do direito do remidor, susceptível de ofender o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.”.

Ora, in casu, não se vislumbra a existência de qualquer obstáculo ou dificuldade que, desproporcionadamente, tenha impedido o tempestivo exercício do direito de remição por parte do recorrente».

Acervo judiciário que serve de travejamento ao que, de modo obsidiante, se consagra no Ac. RC, de 27-05-2015, Proc. nº 386/12.4TBSRE-B.C1, Relator:            ARLINDO OLIVEIRA, que aqui se repercute como precedente judiciário temático:

«1. Os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.

2. Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição.

3. Incumbe ao executado e seus familiares interessados no exercício do direito de remição agir de forma a saber quando terá lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderá ser exercido até à emissão do título de transmissão».

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O que, mais recentemente, se chancela, em matriz judiciária comum, que

«Pode aceitar-se, assim, tal como se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2015, relator Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 4666/11.8TBMAI-AA.P1, que “Uma vez informado ou avisado pelo executado, recai sobre o remidor o ónus de comunicar ao encarregado da venda (na venda por negociação particular) que pretende exercer o direito de remição, devendo este informar o remidor da melhor oferta, da data e local para a celebração da escritura pública. Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade da venda” (cf., por ex., Ac RL de 13/3/2008, em www.dgsi.pt)».

Do mesmo modo, que, aí, se enuncia:

«Não exigindo a lei a notificação dos titulares do direito a remir para o exercerem, notificada a executada do despacho que determinou a venda, respectiva modalidade e preço base e notificada do teor da proposta de aquisição apresentada pelo exequente, estava em condições de informar o seu familiar interessado em exercer o direito de remição. Se o não fez ou este não exerceu o direito em tempo, tal resulta da sua própria inércia, não sendo imputável à omissão da notificação da decisão de aceitação da proposta» (Cf. Ac. RL, de 19-02-2019, Proc. Nº 104/09.4TCSNT-C.L1-7, Relatora: MICAELA SOUSA).

O que leva a responder de forma negativa às questões em IV.


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Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º. Nº7 NCPC), que:

1.

Em função do disposto no art. 149º do NCPC (regra geral sobre o prazo) -, dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se e, se até ao encerramento da audiência de julgamento, ocorreu qualquer omissão processual com influência no exame ou na decisão da causa, deverá ser tempestivamente arguida, não devendo ser invocada, sem mais, em sede recurso da sentença.

2.

A violação do art. 3.° do NCPC (princípio do contraditório), não gera qualquer nulidade da decisão, sentença ou acórdão (que são apenas as taxativamente enumeradas no art. 668.°. n.º 1, do CPC – 615º NCPC), mas pode gerar uma nulidade processual, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC (195º NCPC),  pelo que teria de ser arguida no prazo de 10 dias (art. 153.°. n.º 1, do CPC – 149º NCPC). O que não aconteceu! A apontada nulidade não é susceptível de ser conhecida oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (cfr. arts. 201.º, 203.°, n.º 1 e 205.º, n.º 1, do CPC - 195º, 197º e 199º NCPC).

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3.

«- Operada a fusão de sociedades, nos termos do art. 276.º, n.º 2, do CPC (269º NCPC), não é caso da habilitação prevista no art. 374.º, n.º 3, do CPC (354º NCPC). Como resulta do mencionado art. 276.º, n.º 2 (269º NCPC), a fusão por incorporação de sociedade, parte no processo, não implica suspensão da instância para o efeito de habilitação, que não tem lugar, o que significa que, conhecida a mudança subjectiva operada ao nível dos sujeitos processuais, o juiz deve tomá-la em conta, e apenas, se for necessário, se devendo proceder à notificação dos seus representantes.

-A fusão vem definida no art. 97.º, n.º 1, do CSC, e por via desse preceito, duas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a reunião numa só, em que se transfere, em globo, o património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas, das partes, acções ou quotas desta – al. a), do n.º 4 –, tratando-se da chamada fusão por incorporação ou absorção; ou mediante a constituição de uma nova sociedade, com transferência de património na globalidade e atribuição de partes, acções ou quotas na nova sociedade – al. b) –, a chamada fusão por concentração ou constituição de uma nova sociedade.

- De acordo com a nossa lei, designadamente o art. 112.º do CSC, a fusão conduz à extinção da sociedade fusionada».

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4.

Nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais». Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja, ainda, na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido. Não sendo, de todo, o que, nos Autos, acontece! Pois que:

Da dinâmica que se evidencia na relação intradiegética dos Autos, verifica-se que a notificação da decisão de venda resulta efetuada nos autos recorridos sob a ref.ª 1904037; antes, não aconteceu, pelo modo que vem pretendido, em termos recursivos, a notificação que informa da data de início do leilão eletrónico.

Daqui decorre, efectivamente, que a Apelante, tinha conhecimento que “o imóvel penhorado estava em diligências venda, pelo que poderia desde logo “preparar o (referido) pagamento”. Da mesma maneira que, “a todo o tempo, poderia (a Apelante) efectuar o pagamento dos valores em dívida ao Exequente, assim evitando a venda em leilão do imóvel”.

Depois, porque havendo esta sido “notificada da decisão de venda proferida pela Srª. Agente de Execução em 25/02/2019”, que decidiu que a venda se ira realizar “mediante leilão electrónico na plataforma www.e-leiloes.pt.”, sendo “aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base. Valor base: 103.815,80 Euros (Valor mínimo (85%):88.243,43 Euros)”, se revela inconsequente sustentar que “não pôde preparar a sua presença junto do Tribunal, no acto de abertura de propostas”. Acto que - perante tal revelação -, sabia não iria ter lugar, uma vez, tendo em atenção, conforme assente nos autos, a referida notificação (mediante leilão electrónico), a que se alude, efectuada pela Srª. Agente de Execução.

Decisão que, de resto, não foi objecto de reclamação adrede, tempestiva.

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Deste modo, nenhuma violação aconteceu, pois, dos artºs 820, nº1, 823º, nº2, art. 835, nº1 - nem, mesmo -, ex vi do nº3 art. 837 CPC.

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5.

O remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução. Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal.

6.

Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.

6.1.

Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.”.

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III. A Decisão:

Pelas Razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se o decidido, mantendo-se, por isso, integralmente os despachos recorridos.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Coimbra,   21  de   Janeiro  de 2020.

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo