Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3901/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 121º, Nº 1, AL. A), E 396ºDO CÓDIGO DO TRABALHO APROVADO PELA LEI Nº 99/2003, DE 27/8 .
Sumário: I – O despedimento do trabalhador, por justa causa, tem de resultar de um comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho .
II – Encontra-se consagrada a ideia de que na integração da justa causa concorrem um elemento subjectivo - o comportamento (acção ou omissão) imputável ao trabalhador a título de culpa – e um elemento objectivo – que consiste no desvalor desse comportamento na relação laboral, afectando-a e comprometendo de forma irremediável a manutenção desta relação .

III – Por vezes fala-se num terceiro elemento, o nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, mas este elemento pode considerar-se integrado naquele elemento objectivo e não meramente restrito à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho .

IV – Também se tem entendido como requisito para que se verifique justa causa, a proporcionalidade e adequabilidade do despedimento à gravidade da infracção e culpabilidade do infractor, mas, no fundo, também quanto a este requisito mais não estamos do que perante o elemento objectivo referido .

V – Apenas se deverá concluir pela impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando os interesses legítimos do empregador forem mais importantes que a estabilidade do vínculo laboral, não sendo de admitir, razoavelmente, outra qualquer sanção .

VI – Tendo-se apurado que o trabalhador saiu do seu local de trabalho, durante a visita à empresa de uma pessoa a ela estranha e sendo acompanhada pelo gerente da empresa, e que percorreu cerca de 25 metros para se aproximar destes, tendo então dito que “isto é uma escravidão, a empresa não dá condições de trabalho”, e tirando o colete de protecção, que faz parte da roupa de trabalho, atirou-o para junto desse dito gerente, temos como certo que tal conduta é censurável e violadora do dever de tratar com urbanidade o empregador, mas não é proporcional nem adequado o despedimento desse trabalhador .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - RELATÓRIO
1. A... instaurou contra B... a presente acção declarativa sob a forma de processo comum [Proc. nº 923/04.8TTLRA do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Leiria] pedindo que seja declarada a nulidade do despedimento promovido pela R. e esta condenada a reintegrar a A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhe: a titulo de danos não patrimoniais o montante de € 2 500,00; a titulo de danos patrimoniais a quantia vencida no montante de € 405,60 e as vencidas até à sentença; as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento.
Alega, em resumo, que na sequência de contrato de trabalho a termo, posteriormente convertido em contrato de trabalho sem termo, desempenhava sob as ordens, direcção e fiscalização da R., na sede desta, funções correspondentes à categoria profissional de “não especializado”, mediante determinada remuneração mensal e subsidio de turno, em virtude de trabalhar por turnos rotativos.
Na sequência de processo disciplinar que a R. lhe instaurou veio a mesma, a final, a proferir decisão no sentido de a despedir de imediato. Porém, não houve da sua parte qualquer comportamento ilícito susceptível de integrar a justa causa de despedimento, pelo que o despedimento levado a cabo pela R. é nulo.
Conclui que em virtude da ilicitude do despedimento tem direito à reintegração, a ser ressarcida dos danos não patrimoniais que invoca ter sofrido e dos danos patrimoniais resultantes do facto de, nos trabalhos que realizou após o despedimento, ter sofrido uma diminuição de retribuição mensal, sem prejuízo do direito às remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado.
Contestou a R. pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição.
Estriba a sua defesa invocando, em súmula, que a A com o comportamento que esteve na base do despedimento violou os deveres de respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a entidade empregadora e os superiores hierárquicos, de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, de obedecer à entidade patronal em tudo o que respeita à execução e disciplina do trabalho, de cumprir as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho e das normas que o regem e de velar pela boa conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho que lhe foram confiados pelo empregador, deveres aqueles a que estava obrigada enquanto trabalhadora ao serviço da R., os quais aliás estão previstos em normas legais e de contrato colectivo que invoca.
Conclui, assim, que o comportamento da A tornou imediata e praticamente impossível a manutenção do seu posto de trabalho, pelo que o seu despedimento foi com justa causa e deve ser mantido válido e efectivo.
Impugna, ainda, que a A tenha sofrido danos não patrimoniais ou patrimoniais e alega que, admitindo por hipótese académica, ter a A direito a receber da R. as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado, então a esse valor teriam que ser deduzidas não só as importâncias que a R. lhe pagou, € 1 319,15, em face dos seus direitos perante o despedimento, como as prestações que a A tenha recebido do fundo de desemprego e ainda as retribuições que a A entretanto auferiu ao serviço de outrem. Acresce que aquelas retribuições são apenas as devidas nos 30 dias anteriores à propositura da acção, já que esta não foi proposta nos 30 dias seguintes ao despedimento.
Dispensada a audiência preliminar, foi então proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, sem reclamações.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento da A e condenando a R. a:
“a) Reintegrar a A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) Pagar-lhe a partir de 12 de Junho de 2004 e até ao trânsito em julgado desta sentença todas as diferenças remuneratórias vencidas e vincendas, no valor de € 173,45 (…) mensais, acrescidos de € 0,30 (…) de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado.
A estas quantias acrescem juros moratórios vencidos e vincendos desde o dia 30 de cada mês até integral pagamento, à taxa legal, que presentemente é de 4% ao ano”.
Quanto ao mais foi a acção julgada improcedente e a R. absolvida do pedido.
3. É desta decisão que, inconformada, a R. vem apelar.
Alegando, conclui:
1. Ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 684° do Cód. Proc. Civil a recorrente restringe o objecto do seu recurso a duas questões:
a) declaração da ilicitude do despedimento da recorrida e a condenação da recorrente a reintegrar a mesma no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) condenação da recorrente a pagar à recorrida a partir de 12 de Junho de 2004 e até ao trânsito em julgado desta sentença todas as diferenças remuneratórias vencidas e vincendas, no valor de 173,45€ (cento e sessenta e três Furos e quarenta e cinco cêntimos) mensais, acrescidos de 0,30€ (trinta cêntimos) de subsidio de alimentação por cada dia de trabalho prestado e ainda os juros moratórios vencidos e vincendos desde o dia 30 de cada mês até integral pagamento, à taxa legal, que presentemente é de 4% ao ano;
2. A sentença recorrida interpretou erradamente o nº 1 do artigo 396° e violou o disposto no n° 1 e 2 do artigo 437°, ambos do Código de Trabalho!;
3. O tribunal a quo reconhece na sentença que a atitude da recorrida é
censurável e viola claramente os deveres de diligência, zelo e urbanidade;
4. A recorrida conforme consta da douta sentença nada provou nem
alegou que impedisse a verificação do direito ao despedimento por parte da recorrente;
5. Aliás, o tribunal a quo considerou, e muito bem, a atitude da
recorrida manifestamente abusiva e despida de qualquer fundamento racional;
6. A recorrente sem qualquer justificação abandonou o seu posto de trabalho e quando o gerente da recorrente percorria as instalações com uma visita dirigiu-se aos mesmos e proferiu as seguintes expressões “isto é uma escravidão”, “a empresa não dá condições de trabalho”;
7. A recorrente tirou o colete de protecção que é de uso obrigatório e
atirou-o para junto do gerente da recorrente;
8. As acusações feitas pela recorrente são absolutamente falsas;
9. O comportamento da recorrida destabilizou o ambiente de
trabalho;
10. A recorrente com a sua atitude deu um mau exemplo aos colegas;
11. A recorrente desrespeitou o seu superior hierárquico e a empresa
sua entidade patronal;
12. Nos termos do disposto no artigo 762° do Cód. Civil, aplicável por remissão da al. a) do n° 2 do artigo 1° do Cód. Proc. de Trabalho, o contrato de trabalho obedece aos ditames da boa fé pressupondo uma recíproca confiança entre empregador e trabalhador;
13. A recorrente perdeu a confiança na recorrida;
14. Face aos interesses em ponderação verifica-se que a recorrida não
estava agradada com as condições de trabalho que tinha ao serviço da recorrente e por outro lado que a mesma desde que foi despedida até hoje encontra-se a trabalhar noutra empresa, onde desenvolve as mesmas funções e tira uma rentabilidade total mensal superior àquela que auferia ao serviço da recorrente e caso se mantivesse até hoje ao serviço desta;
15. Posto isto, neste caso concreto, o estado de premência do despedimento tem que ser sempre julgado mais importante que os interesses opostos na manutenção do contrato de trabalho da recorrida, que acarretaria uma insuportável e injusta imposição para a recorrente;
16. A manutenção do contrato de trabalho entre as partes é assim de todo insustentável;
17. Pelo que, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 396° do Código de Trabalho encontram-se preenchidos os pressupostos da justa causa de despedimento;
18. Logo, a recorrente não violou o PRÍNCIPIO DA
PROPORCIONALIDADE!;
19. Para além disso, o tribunal a quo condenou a recorrente a pagar à recorrida as diferenças remuneratórias vencidas e vincendas que a mesma deixou de auferir em virtude de ter considerado o despedimento ilícito;
20. Ora, mesmo que o despedimento da recorrida venha a ser considerado ilícito, o que só por pura hipótese académica se admite, a recorrida não tem direito a receber quaisquer valores a título de diferença remuneratória;
21. Na verdade, a recorrida durante os meses que esteve ao serviço da Vedior-PsicoEmprego recebeu sempre uma remuneração total superior à que auferiria ao serviço da recorrente!;
22. A recorrida, nos termos do disposto no artigo 437° do Cód. de Trabalho, teria no caso do despedimento ser considerado ilícito, direito a receber as retribuições que deixou de auferir até ao transito em julgado da decisão do tribunal;
23. Porém o tribunal a quo ao montante que nesse caso fosse apurado teria que deduzir as importâncias provenientes do trabalho, que a recorrida tivesse comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
24. Ora, o tribunal a quo não deduziu todos os valores recebidos a titulo do seu trabalho pela recorrida;
25. O tribunal a quo apenas deduziu os valores recebidos a título de salário base, subsídio de turno e subsídio de refeição;
26. Porém a recorrida juntou aos autos os recibos de vencimento que auferiu ao serviço da Vedior-PsicoEmprego onde constam também os valores recebidos a título de horas extraordinárias;
27. O tribunal a quo em virtude de constarem esses elementos no processo estava obrigado a considerar oficiosamente os mesmos para efeitos da dedução prevista no n° 2 do artigo 437° do Cód. de Trabalho;
28. O tribunal a quo, não considerando, como não considerou, todos os rendimentos auferidos pela recorrida violou o disposto no n° 2 do artigo 437° do Cód. de Trabalho;
29. Nos termos do disposto no n° 1 do artigo 83º do Cód. Proc. de
Trabalho, a recorrente desde já declara que pretende suspender os
efeitos da sentença ora recorrida prestando caução através de depósito
efectivo na Caixa Geral de Depósitos, o que desde já requer para todos
os legais efeitos;
30. Face ao exposto, deve o despedimento da recorrida ser validado, e
a recorrente absolvida de lhe pagar quaisquer importâncias, sem
conceder, sempre se dirá ainda que independentemente disso, sempre
a recorrente deve ser absolvida de pagar à recorrida quaisquer valores
a titulo de diferenças salariais, por estas de facto não existirem, tudo
com as legais consequências!;
31. Termos em que assim se julgando e alterando em conformidade a
decisão recorrida.
4. Nas contra-alegações a A bateu-se pelo improvimento do recurso e manutenção do julgado.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de confirmação da sentença impugnada.
A R. respondeu a este parecer, pugnando pela sua absolvição.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Da factualidade assente e do despacho de fls. 108/110, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
1- No dia 01 de Agosto de 1999, a A. e a Ré, celebraram um contrato de trabalho pelo prazo de seis meses, de acordo com o qual a primeira se comprometia a desempenhar para a segunda as funções correspondentes à categoria profissional de "não especializado", mediante a retribuição mensal inicial de Esc.: 77.300$00, ou seja, 385,57 [Al. A) da Matéria de Facto Assente].
2- A executar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, na sede desta, sita em Estrada da Nazaré, 224, em Marinha Grande [Al. B) da Matéria de Facto Assente].
3- Em virtude da laboração continua por parte da Ré, o horário de trabalho da A. era composto por turnos rotativos, sendo:
Das 05h00m às 13h00;
Das 13h00m às 21h00m;e
Das 21h00m às 05h00m [Al. C) da Matéria de Facto Assente].
4- Em 2004, a retribuição mensal da A era de €: 630,45, paga do seguinte modo: €: 467,00 referentes ao salário base e €: 163,45 de subsidio de turno [Al. D) da Matéria de Facto Assente].
4- O referido contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré, após a sucessivas prorrogações, converteu-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado [Al. E) da Matéria de Facto Assente].
5- No dia 09 de Fevereiro de 2004, a A. foi notificada, através de carta registada remetida pela Ré, de que era intenção desta proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa e informando a A. de que a partir dessa data estaria suspensa do exercício das suas funções [Al. F) da Matéria de Facto Assente].
6- Na referida nota de culpa, a Ré invoca para o despedimento com justa causa da A. a violação por esta dos deveres previstos nas alíneas a), c), d) e f) do art. 121º da Lei 99/2003 de 27/8, alíneas a), b), d) e f) da cláusula 27º do CCTV das Indústrias Químicas, alíneas a), c), d) e h) do n° 3 do art. 396º da Lei 99/2003 de 27/8, consubstanciada nos seguintes factos:
No dia 29 de Janeiro de 2004, cerca das 23h15m., a A. ter proferido as seguintes expressões, em voz alta e repetidas vezes, tendo atirado com o seu colete de trabalho ao chão:
-"ISTO NÃO PODE SER, A EMPRESA ESTÁ A ESCRAVIZAR OS TRABALHADORES… "
- "…A EMPRESA NÃO DÁ CONDIÇÕES PARA SE TRABALHAR…”
- "…ESTAMOSA SER ESCRAVIZADOS…”
"…NESTA EMPRESA NÃO HÁ CONDIÇÕES DE TRABALHO…”[Al. G) da Matéria de Facto Assente]
7- A A. respondeu a esta nota de culta nos termos constantes de fls. 14, que aqui se dá por reproduzida [Al. H) da Matéria de Facto Assente].
8- Em 25/03/2004, a Ré proferiu decisão no sentido de despedir a A. de imediato, conforme cópia que consta de fls. 16 a 18, que aqui se dá por reproduzida [Al. I) da Matéria de Facto Assente].
9- A A. auferia um salário mensal bastante superior em relação a qualquer actividade que venha a desempenhar, atendendo à antiguidade da mesma por conta da Ré [Al. J) da Matéria de Facto Assente].
10- A A. tinha adquirido experiência e gosto pelas funções exercidas para a Ré (resposta ao quesito 1º).
11- A A, depois de tomar conhecimento de que fora despedida pela Ré, ficou preocupada, pois necessita do seu rendimento do trabalho para ajudar a suportar as despesas da família (resposta aos quesitos 3º e 4ºº).
12- Esta necessidade (referida em 11), levou a A. a procurar e aceitar um novo emprego (resposta ao quesito 5º).
13- No dia 29 de Janeiro de 2003, cerca das 23h15m, durante a visita à empresa do Sr. Manuel Alvarez, quando o Sr. Roberto Gavilan Parrondo percorria as instalações da empresa, na qualidade de gerente desta, para acompanhar e as mostrar àquela visita, a A., que até aí estava a trabalhar na máquina 5, saiu do seu local de trabalho (resposta ao quesito 7º).
14- …Percorreu cerca de 25 metros, a distância que vai da máquina onde estava a trabalhar, até à máquina 1, onde naquele momento se encontrava o visitante e o Sr. Roberto (resposta ao quesito 8º).
15- De seguida, aproximou-se do Sr. Roberto e do Sr. Manuel Alvarez e foi então que os mesmos se aperceberam de que a mesma se dirigia a eles (resposta ao quesito 10º).
16- A A. disse então: “isto é uma escravidão”…”a empresa não dá condições para trabalhar” (resposta ao quesito 11º).
17- A A. tirou o colete de protecção, que faz parte da roupa de trabalho que a empresa fornece a todos os trabalhadores, cujo uso é obrigatório (respostas aos quesitos 13º e 14º).
18- A A. atirou o colete para junto do S. Roberto (resposta ao quesito 15º).
19- A situação referida nos pontos 16, 17 e 18, foi presenciada pelo colega de trabalho Avelino Rodrigues Azenha (resposta ao quesito 18º).
20- A A. encontra-se a trabalhar desde o dia 05 de Abril de 2004, tendo iniciado a sua prestação de trabalho por conta da empresa “Vedior Psicoemprego – Empresa de Trabalho Temporário, Lda”, que é uma empresa de trabalho temporário, em 13 de Maio de 2004 (respostas aos quesitos 19º e 20º).
21-Ao serviço da qual tem vindo a desempenhar funções até hoje, na empresa KLC – Indústria Transformadora de Matérias Plásticas, Lda, com sede na Zona Industrial, na Marinha Grande (resposta ao quesito 21º).
22- Com a categoria de semi-especializada (resposta ao quesito 22º)
23-…E onde aufere o salário mínimo nacional de €: 365,60, acrescido de subsídio de turno no valor de €: 91,40 e de subsídio de alimentação de €: 3,70 por cada dia de trabalho prestado, recebendo ainda mensalmente os parciais referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no montante de €: 30,49 por cada uma dessas verbas (resposta ao quesito 23º)
24- A A. auferia ao serviço da Ré, a título de subsídio de alimentação, a quantia de €: 4,00, por cada dia de trabalho prestado (resposta ao quesito 24º).
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2. De direito
Como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil [Adiante designado abreviadamente de CPC.] e é jurisprudência pacifica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, transitando assim em julgado as questões nelas não contidas, a menos que se imponha o seu conhecimento oficioso.
Flui pois, do exposto, que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) O despedimento da A, com a invocação de justa causa, é ilícito por violação do princípio da proporcionalidade?
b) As importâncias recebidas pela A, a titulo de horas extraordinárias, no âmbito de uma relação laboral que encetou após o despedimento levado a cabo pela R., devem ser deduzidas ao montante das retribuições que deixou de auferir da R. e a que tem direito no caso de o despedimento ser ilícito?
Vejamos pois.
Como ponto prévio cabe deixar claro que, considerando a data de despedimento da A, 25.03.04, e que a conduta que está na base de tal decisão da entidade patronal ocorreu em 29.01.04, temos como certa a aplicação, àquelas duas questões, do novo regime jurídico instituído pelo actual Código do Trabalho [Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.] , aprovado pela Lei 99/2003 de 27.08, considerando a entrada em vigor desta codificação em 01.12.2003 - v. art. 3º nº 1 deste diploma legislativo.
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a) Ilicitude do despedimento da A por violação do principio da proporcionalidade
O preceito que rege sobre o despedimento do trabalhador, por justa causa, é o art. 396º nos termos do qual (nº 1) constitui tal pressuposto o “comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Estabelece-se depois, no nº 2 daquele preceito, as circunstâncias a ponderar para apreciar da justa causa, sendo de atentar “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”.
Finalmente, no nº 3 do art. 396º elencam-se vários comportamentos susceptíveis de constituir justa causa de despedimento. Tal elenco é meramente exemplificativo, como aliás decorre da expressão “nomeadamente” utilizada no normativo em causa, e é sempre dependente do preenchimento do conceito geral de justa causa, ou seja, os comportamentos descritos no nº 3 têm que ser aferidos pela gravidade e consequências exigidas no nº 1.
Comparando este preceito com os que anteriormente regiam sobre esta matéria, o art. 9º e o art. 12º nº 5, ambos do DL 64-A/89 de 27.02 [Adiante designado abreviadamente de LCCT (Lei de Cessação do Contrato de Trabalho)] , vemos que, com pequenas alterações de pormenor, os princípios constantes dos respectivos textos são coincidentes.
Desta forma cremos adequado afirmar que mantêm ainda hoje plena actualidade quer a doutrina quer a jurisprudência que, ao longo do tempo, foram decantando o conceito de justa causa no despedimento do trabalhador.
Deste apurado trabalho cremos poder concluir que se encontra consagrada a ideia de que na integração da justa causa concorrem um elemento subjectivo, o comportamento (acção ou omissão) imputável ao trabalhador a titulo de culpa, e outro elemento objectivo, que consiste no desvalor desse comportamento na relação laboral, afectando-a e comprometendo de forma irremediável a manutenção desta relação [V. neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 04.12.89, BMJ nº 392, pág. 374.] .
Por vezes fala-se num terceiro elemento, o nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho [Cfr. o Ac. do STJ de 06.06.90, AJ, 10º/11º-24] , mas este terceiro elemento pode considerar-se integrado naquele elemento objectivo, nos termos em que acima foi configurado, e não meramente restrito à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Também se tem entendido, como requisito para que se verifique justa causa, a “proporcionalidade e adequabilidade do despedimento à gravidade da infracção e culpabilidade do infractor” [Enunciando os requisitos cumulativos de justa causa de despedimento, cfr. o Ac. do STJ de 06.06.2001, AD 485º-700.] . Mais uma vez e, no fundo, também quanto a este requisito mais não estamos do que perante o elemento objectivo atrás referido, pois só é possível concluir que a relação laboral ficou irremediavelmente comprometida e considerar-se justificada a sanção de rescisão do contrato de trabalho, se o despedimento não violar aquele principio da proporcionalidade e da adequação.
Quanto ao desvalor do comportamento ou seja, a sua gravidade e a valoração da mesma, bem como o juízo de prognose sobre a impossibilidade, imediata e prática, de subsistência do vinculo laboral, devem ser feitos não em função de critérios subjectivos do empregador ou do juiz, “mas segundo o critério do empregador razoável” [Assim se pronuncia Jorge Leite, citado por João Leal Amado, Pornografia, informática e despedimento, em Questões Laborais, 2º-113.] , com base em “critérios objectivos, ou seja, os próprios de um bom pai de família ou de um empregador normal” [Na expressão do Ac. do STJ de 04.12.89 atrás citado. V. ainda, com a mesma terminologia, o Ac. do STJ de 27.06.90. AD 349º-124.] .
E, assim, apenas se deverá concluir pela impossibilidade prática de subsistência da relação laboral “quando os interesses legítimos do empregador forem mais importantes que a estabilidade do vínculo laboral, não sendo de admitir, razoavelmente, outra qualquer sanção” [Como se decidiu no Ac. do STJ de 10.11.99, AD 464º/465º-1172] . Ou ainda “sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de molde a ferir, de forma exagerada e violenta, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador” [V. Ac. da Relação de Lisboa de 27.06.2001, BTE 2ª Série, nºs 7-8-9/2003, pág. 805] .
Tendo presente o quadro legal acima delineado, bem como as asserções doutrinais e jurisprudenciais que o mesmo comporta, debrucemo-nos agora sobre o caso sub judicio.
Apurou-se, em termos de factualidade provada, que durante a visita à empresa de uma pessoa estranha à mesma (ficando-se sem saber que relação é que esta tinha ou pretendia estabelecer com a empresa), quando o gerente da R. a acompanhava naquela visita, a A saiu do seu local de trabalho, percorreu cerca de 25 metros, dirigiu-se ao local onde se encontravam aquele visitante e o gerente da R e, ao aproximar-se destes, disse “isto é uma escravidão”, “a empresa não dá condições para trabalhar”, tirou o colete de protecção, que faz parte da roupa de trabalho que a empresa fornece aos trabalhadores e cujo uso é obrigatório e atirou-o para junto do gerente da R. – v. nºs 13 a 18 da fundamentação de facto.
Temos como certo, valorando a referida conduta da A., que a mesma é censurável e violadora do dever de tratar com urbanidade o empregador, dever este imposto à A por força do estatuído no art. 121º nº 1 al. a).
Admite-se que, de alguma forma, também se possa ver na conduta da A, ao sair do seu local de trabalho, uma violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, consagrado na al. c) do nº 1 do art. 121º citado. Embora, no que tange a este aspecto, tal violação poderá não ser tão seguro ter ocorrido, pois não é inequívoca a factualidade consignada na sentença quanto à questão de saber se a A deixou o seu posto de trabalho sem ninguém a substituí-la e já com o propósito de proceder como procedeu ou se, como vem invocado nas contra-alegações (v. fls. 195), a A terá solicitado a uma colega para a substituir no seu posto de trabalho para ir à casa de banho.
Cremos porém que bem andou a decisão recorrida ao concluir que se a conduta da A é censurável, a reacção da R. ao despedi-la não é proporcional nem adequada e deveria ter antes optado por uma sanção menos gravosa.
Na verdade ponderando, como bem se ponderou na decisão recorrida, que a A é trabalhadora da R. desde 01.08.99 e não foi demonstrado que tenha tido anteriores infracções disciplinares, assim como igualmente não foi demonstrado qualquer prejuízo económico ou de outra natureza para a R. resultante da conduta da A (nomeadamente face à pessoa estranha à empresa que realizava a visita e presenciou o episódio, bem como desestabilização do ambiente de trabalho), nem prejuízo para outros trabalhadores e apenas um destes terá presenciado o que ocorreu, crê-se que a R. deveria ter optado por uma sanção menos gravosa, das elencadas no art. 366º, nomeadamente a sanção pecuniária, quiçá mesmo a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade.
Dessa forma teria sido acautelado o direito da R. de não tolerar este tipo de comportamentos por parte de qualquer trabalhador, bem como, pedagogicamente, acautelados teriam sido igualmente a cadeia hierárquica e qualquer perturbação futura no ambiente de trabalho (que não se provou tenha existido com o episódio em causa, repete-se).
E se é verdade que os ditames da boa fé pressupõem confiança recíproca entre empregador e trabalhador, não se vê em que medida é que, objectivamente, a conduta da A e, por outro lado, as funções desta na empresa, numa linha de produção e não num contacto directo e frequente com a gerência, levem a R. a considerar que perdeu a confiança naquela. Subjectivamente poder-se-á sempre considerar que a confiança em alguém está perdida ou não existe, mas não é com base nesta subjectividade, como vimos, que tem de ser feito o juízo de prognose sobre a impossibilidade de manutenção da relação laboral.
Desta forma crê-se que o comportamento da A não tem a gravidade nem teve consequências de tal forma relevantes que tenham a virtualidade de levar um empregador normal, um “bónus pater família”, a concluir que não há condições mínimas de manutenção da relação laboral e que esta está absolutamente ferida de morte, face ao comportamento da A.
Foi assim violado o principio da proporcionalidade, consagrado no art. 367º e, por isso, bem andou a decisão recorrida em dar procedência à pretensão da A de ver sancionado de ilícito, face ao estatuído no art. 429º al. c), o despedimento levado a cabo pela R.
Conclui-se, desta forma, que improcedem as conclusões 2ª a 18ª das alegações da recorrente não tendo sido feita interpretação errada do nº 1 do art. 396º.
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b) Dedução das importâncias recebidas pela A, a titulo de horas extraordinárias, no âmbito de uma relação laboral que encetou após o despedimento levado a cabo pela R., ao montante das retribuições que deixou de auferir desta na sequência do despedimento.
Segundo a recorrente, a decisão recorrida teria violado o disposto no art. 437º nº 2 porquanto a A não teria direito a receber quaisquer valores a titulo de diferença remuneratória, já que o tribunal não considerou todos os rendimentos auferidos pela recorrida da nova entidade patronal para quem passou a trabalhar, concretamente o recebido a titulo de horas extraordinárias. Ora, somando estas importâncias com as que recebeu de salário base, subsídio de turno e subsídio de refeição, a A recebeu sempre uma remuneração total superior à que auferia ao serviço da recorrente.
Ponderando nos argumentos da recorrente, incluindo os expedendidos na resposta ao parecer do Mº Pº, cremos que não lhe assiste razão, como se procurará de seguida demonstrar.
Os efeitos da ilicitude do despedimento estão actualmente previstos nos artºs 436º e 437º. Aquele confere ao trabalhador o direito à reintegração no seu posto de trabalho, sem perda da categoria e antiguidade, além de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
Por sua vez, no nº 1 do art. 437º estatui-se que sem prejuízo daquela indemnização, e portanto sendo coisa diversa daquela [Neste sentido cfr. Abílio Neto, Código do Trabalho e Legislação Complementar, 2ª edição, Janeiro de 2005, pág. 617.] , o trabalhador tem “direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal”. Porém, ao montante destas retribuições deve deduzir-se, como determina o nº 2 do mesmo preceito, “as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”. Igualmente há que deduzir, nos termos do nº 3 ainda daquele art. 437º, o “montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador”, devendo o empregador proceder à entrega dessa quantia à segurança social.
Procedendo à análise deste regime e comparando-o com o regime anterior, constante do art. 13º da LCCT, constata-se existirem profundas alterações.
Assim, para o que ao caso ora interessa, consagrou-se de forma legal e expressa a ressarcibilidade de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que o trabalhador tenha sofrido, o que anteriormente, e quanto a estes, apenas resultava da interpretação jurisprudencial dominante. Além disso manteve-se o direito do trabalhador a receber as retribuições que deixou de auferir, não apenas até à data da sentença [v. art. 13º nº 1 al. a)] mas “até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal” (v. art. 437º nº 1).
Deixou de deduzir-se ao montante daquelas retribuições as “importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento” (v. art. 13º nº 2 al. b) da LCCT) e passou a deduzir-se “as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento”, bem como o “montante do subsidio de desemprego auferido pelo trabalhador” (v. nºs 2 e 3 do art. 437º).
Cremos assim que o regime actual se pauta pelos seguintes princípios: o trabalhador deve ser colocado na situação em que estaria se não fosse a lesão do seu direito ao trabalho por virtude do despedimento ilícito e daí que se deduza, às retribuições a que tem direito, aquilo que tenha recebido da entidade patronal, como compensação pela cessação do contrato de trabalho, e que não teria recebido se não fosse o despedimento (por exemplo o pagamento proporcional de férias, bem como o pagamento proporcional de subsidio de férias e de subsidio de Natal); o trabalhador não deve locupletar-se à custa alheia e consequentemente justifica-se a dedução, às retribuições a que tem direito, daquilo que tenha auferido de subsídio de desemprego; a entidade patronal é responsável pelo ressarcimento de todos os danos a que deu causa com a sua conduta e daí que não deva ser beneficiada, com a dedução, às retribuições a que o trabalhador tem direito, das importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidas pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
Aliás esta consequência daquele último princípio que a legislação actual acolhe compreende-se perfeitamente já que o regime consagrado pela al. b) do nº 2 do art. 13º da LCCT era duplamente injusto: não só beneficiava o infractor, entidade patronal que tinha despedido ilicitamente, como penalizava o trabalhador diligente, que não se tinha remetido à inércia, e tinha procurado angariar rendimentos, com o seu trabalho.
Admite-se que, com a solução actual, o trabalhador possa ver cumuladas, à remuneração que auferiu para outra entidade patronal durante a pendência do processo, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, que veio a ser declarado ilícito. Mas não é nada que não seja natural em função de princípios básicos do direito. Desde logo o de que a não prestação da sua actividade laboral para a entidade patronal não foi culpa sua, mas sim culpa desta e, consequentemente, “sibi imputet”. Acresce que a remuneração que passou a auferir para outra entidade patronal corresponde ao pagamento da sua prestação laboral e, nessa medida, não tinha fundamento ético, e agora também não o tem juridicamente, que a sua anterior entidade patronal fosse beneficiada com esse facto, para o qual só tinha contribuído com uma conduta ilícita.
Neste quadro legal, e aplicando-o agora ao caso em análise, temos como certo que todas as remunerações que a A recebeu de Vedior Lda não deviam ter sido deduzidas às retribuições que deixou de auferir da R. desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal. Com efeito, tais remunerações que recebeu da Vedior Lda não foram obtidas como resultado da cessação do contrato de trabalho que mantinha com a R. Foram antes remunerações que foram obtidas por virtude de prestação de trabalho que a A desenvolveu para outrem e que não têm qualquer ligação ou origem na cessação do contrato de trabalho levada a cabo pela R. É verdade que apenas foi possível à A obtê-las em virtude de ter ocorrido o seu despedimento por banda da R. Mas o que a lei exige actualmente, para haver a dedução, é que sejam importâncias obtidas com a cessação do contrato, o que não é o caso.
Assim, óbvio se torna que por igualdade de razão, se não maioria, toda e qualquer remuneração auferida pela A, a titulo de horas extraordinárias, da Vedior Lda, também não deve ser deduzida às retribuições que a R. tem o dever de lhe pagar e que a A deixou de auferir desde a data do despedimento.
Conclui-se, desta forma, que não assiste razão à recorrente, improcedendo as conclusões 19ª a 26ª das alegações e ficando prejudicado o conhecimento da questão suscitada na conclusão 27ª, da mesma peça processual.
E se é verdade que a decisão recorrida não fez a interpretação adequada do disposto no nº 2 do art. 437º, tendo assim violado tal norma, não foi em sentido desfavorável para a recorrente, como esta propugna na conclusão 28ª das suas alegações.
Muito pelo contrário. Antes tal violação, por erro de interpretação da norma citada, foi em sentido desfavorável para a A, na medida em que operou a referida dedução dos valores que a A recebeu da Vedior Lda às retribuições que deixou de auferir da R. desde a data do despedimento.
Porém, na medida em que a A não interpôs recurso subordinado desta decisão, na parte em que lhe foi desfavorável e, por outro lado, não estando, como não estamos, perante caso de aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho [No sentido de que a indemnização por cessação do contrato de trabalho não é um direito de exercício necessário e, como tal, não está abrangido pela possibilidade de condenação extra vel petitum, cfr. os Ac. do STJ de 13.05.98, BMJ 477, pág. 251 e Ac. R. Coimbra, 06.05.99, C.J., Ano XXIV, tomo III, pág. 64.
Considerando como preceitos inderrogáveis “apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional ou de direito ao salário na vigência do contrato” mas já não quando “o autor reclama o pagamento de retribuição depois da cessação do contrato” veja-se Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, 4ª edição, 1996, págs. 353 e ss.] , não é possível a este tribunal de recurso corrigir aquele erro de interpretação ao abrigo do art. 74º do Cód. de Proc. do Trabalho, impondo a condenação da R. no pagamento à A das retribuições que esta deixou de auferir daquela desde a data do despedimento, sem qualquer dedução, como resulta da correcta aplicação do regime consagrado nos artºs 436º e 437º citados.
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3. Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, conclui-se que o recurso não merece provimento, por serem improcedentes as conclusões, aliás doutas, do recurso, não tendo sido violadas as normas legais aí identificadas ou quaisquer outras ou, no caso em que ocorreu violação tal não ter a configuração que a R. lhe atribui.
O presente caso, de que acima nos ocupámos, cremos que dá inteira razão ao jurista norte-americano Roscoe Pound quando definia a ciência do direito como “uma ciência da engenharia social que tem de lidar com a parte desse campo que é susceptível de se realizar por meio da regulação das relações humanas através da acção da sociedade politicamente organizada” [In Direito, As melhores citações, Colecção Citações Jurídicas, pág. 13.] .
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera manter a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da apelante.
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Coimbra,

(António F. Martins)

(Bordalo Lema)

(Fernandes da Silva)