Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
555/22.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE ACTO ELEITORAL PARA A ELEIÇÃO DOS TITULARES DOS ÓRGÃOS DE UMA ASSOCIAÇÃO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL DE ASSOCIADO QUE NÃO TENHA VOTADO A DELIBERAÇÃO.
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU, COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 170.º, 171.º, 177.º E 178.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Para efeitos de legitimidade processual, não se exige ao associado que impugna o ato eleitoral, o requisito previsto no n.º 1 do artigo 178.º, do Código Civil, isto é, que o associado não tenha votado a deliberação, porquanto a votação para a eleição dos titulares dos órgãos da associação, prevista no artigo 170.º do Código Civil, seu registo em ata, apuramento e publicidade dos resultados, não é uma deliberação no âmbito da qual se tenha votado contra ou a favor de uma dada proposta.

II - O ato eleitoral e respetivo resultado, é, em sentido amplo, uma deliberação da assembleia dos votantes e cabe, por isso, na previsão do artigo 177.º do Código Civil onde se dispõe que «As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos (…), são anuláveis.»

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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(…)

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Recorrente ………………….Liga ....

Recorridos…………………….AA;

…………………………………..BB;

…………………………………..CC;

…………………………………..DD;

…………………………………..EE;

…………………………………..FF;

………………………………….GG;

…………………………………..HH;

…………………………………..II;

…………………………………..JJ;

…………………………………..KK;

…………………………………. LL;

…………………………………..MM;

………………………………….NN; e

…………………………………..OO.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente a ação através da qual os Autores obtiveram a anulação da deliberação tomada pela Liga ..., de dia 04 de dezembro de 2021, com fundamento na violação dos estatutos da Liga, em específico, o n.º 4 do seu art.º 11.º, onde se dispõe que os associados não podem concorrer a um terceiro mandato consecutivo, salvo se autorizados pela assembleia, com consequente repetição do ato eleitoral.

Os Autores alegaram, em síntese, por um lado, que os membros eleitos já tinham exercido funções socias nos dois mandatos anteriores, sendo certo que os estatutos impedem que os associados possam concorrer e ser eleitos num terceiro mandato consecutivo, podendo existir exceções, mas não sendo o caso; por outro, que os Autores integraram uma lista eleitoral que foi irregularmente rejeitada e, por fim, que alguns dos associados que votaram no ato eleitoral não tinham as quotas regularizadas.

A Ré pronunciou-se pela improcedência da ação argumentando que a proibição de um terceiro mandato consecutivo apenas se aplica quando se trata de mandatos no mesmo órgão social; que a rejeição da lista apresentada pelos Autores foi uma decisão da Comissão Eleitoral, não fazendo parte do conteúdo da deliberação agora impugnada e que os autores não alegaram terem deduzido oposição à Assembleia Geral de 4 de dezembro de 2021, para efeitos do disposto no artigo 178.º do Código Civil.

b) É da mencionada decisão que vem interposto o recurso por parte da Ré, cujas conclusões são as seguintes:

«1. A decisão recorrida não tomou em consideração alguns factos processuais prévios à decisão proferida e que, naturalmente, a condiciona e que tem a ver, nomeadamente, com a questão da legitimidade dos autores e da teoria da substanciação segundo a qual o objecto da acção é o pedido. A acção é, para o bem e para o mal, delimitada pela causa de pedir e pelo pedido e deve ser proposta por quem tem interesse em agir.

2. Os AA não cumpriram um pressuposto processual básico como seja alegar e demonstrar que têm legitimidade para a presente acção e, dessa forma, atento o artº. 178º nº 1 do CC, alegar e demonstrar a qualidade de «associado que não tenha votado a deliberação»

3. Não basta – como se diz na decisão recorrida - dizer que «é claro que nenhum dos autores votou favoravelmente esta deliberação, pelo que têm legitimidade para a impugnar» sem que tal convicção possa indubitavelmente extrair-se de factos alegados (e não contraditados) ou, pelo menos, de qualquer documento junto.

4. Esta convicção da Exma Sra Dra Juiz não é fundamentada em qualquer facto e, assim, porque não se afigura como facto notório, só poderia levar à conclusão que os AA não demonstraram, como lhes competia, a sua legitimidade.

5. Os AA ao não terem alegado e demonstrado a sua actuação relativamente à AG de 04.12.2021, no sentido de se saber se votaram ou não e, na afirmativa, o sentido de voto, só pode impor uma decisão diversa daquela que resulta da douta sentença a quo, a falta de legitimidade dos AA e, com isso da falta de pressuposto processual que, inevitavelmente leva à absolvição da demandada da instância.

6. E, se assim não fosse, por outro lado, deve(ria) ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto porquanto ao contrário do decidido impunha-se e impõe-se decisão diversa daquela que foi tomada relativamente aos números 12, 15 e 27 dos factos dados por provados, nos termos do artº 662º nº 1 do CPC

7. A forma como o facto provado nº 12 está dado por provado indicia um pré juízo do julgador, não é rigorosa pois que se se atentar no artº. 46 e 47 da p.i. onde consta a alegação fáctica fundamento do facto 12 e suportada no doc. ...1 junto com tal petição o que se vê do conjunto de tal doc. ...1 é que está datado de 07 de Dezembro de 2021, 3 dias depois da AG, que foi apenas e só remetido por correio registado em 10.12.2021 e apenas recepcionado em 13.12.2021.

8. Pelo que a resposta dada deve ser alterada e antes formulada nos termos que se sugerem «Os autores apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral reclamação datada de 07.12.2021, remetida por correio registado em 10.12.2021 e com aviso de recepção assinado em 13.12.2021».

9. Deu o Tribunal a quo como provado sob nº 15 que «tal deliberação contou com o voto favorável de PP, QQ e RR». Para além deste facto (ou outro) não revelar a actuação de qualquer dos sócios e AA na AG de 04.12.2021 o que manifestamente revela é um vício de raciocínio da decisão recorrida.

10. Este facto dado por provado não resulta de qualquer alegação dos AA mas dos documentos juntos, nomeadamente da acta da Assembleia Eleitoral (doc. ... junto com a p.i.). No entanto nunca se poderia concluir que aquelas 3 pessoas votaram favoravelmente a deliberação já que da acta apenas pode concluir-se que estas pessoas foram as primeiras a votar, que votaram 47 associados e que a Lista... obteve 46 votos validamente expressos.

11. Só poderia afirmar-se categoricamente que os associados PP, QQ e RR votaram nos termos provados se todos os votos fossem no mesmo sentido, se houvesse unanimidade dos votos expressos. Havendo 47 pessoas a votar e 46 votos validamente expressos resulta que houve uma pessoa, um voto, que não se sabe de quem é e como votou. Desta forma é objectivamente impossível saber a quem pertenceu o voto não concordante e como tal é objectivamente impossível dar-se a resposta ao facto 12 nos termos que foi dada.

12. Nos termos em que acta está redigida permite-se concluir que pelo menos aqueles três associados votaram, nada se sabendo se os AA votaram ou não.

13. Desta forma deve ser alterada a resposta ao facto nº 15 e, designadamente, na forma que se sugere: «tal deliberação contou, pelo menos, com o voto de PP, QQ e RR».

14. Relativamente ao facto provado nº 27 que diz «Nas eleições que ocorreram a 04/12/2021, foram admitidos a votar membros da lista vencedora que não tinham a sua situação de quotas regularizada a 31/10/2021», factualidade que corresponde ao alegado no artº. 64º da p.i. mas que foi impugnada como resulta do artº. 13 e 38º da contestação.

15. E mesmo que se considerasse os docs. ... e ...3 juntos com a p.i. e alegados no artº. 64 p.i. o que resulta é que o doc. ... diz respeito a nomes que não fazem parte da lista vencedora, não se extrai deste documento qualquer relação com o eventual não pagamento de quotas sendo que o doc. ...3 é um convite para um pagamento de quotas, um email que está datado de 09 de Janeiro de 2022 e nada diz sobre a efectiva e real situação de qualquer sócio à data de 31.10.2021.

16. Portanto, fosse porque tal artº 64 da p.i. foi devidamente impugnado fosse pela circunstância dos documentos invocados em tal artº.64, o doc. ... e ...3 juntos com a p.i., não terem as pretensas virtualidades probatórias temos como certo que nos termos do judicialmente invocado artº. 574º nº 2 CPC nunca poderia ter sido dado por provado o facto 27 que deve pura e simplesmente ser removido dos factos provados.

17. Tendo a Exma Sra Dra juiz a quo decidido justificar a motivação de facto dizendo que «os actos supra enumerados foram admitidos por acordo entre as partes, nos termos do artº 574 nº 2 CPC» é entendimento da recorrente que se impõe decisão diferente relativamente aos números 12, 15 e 27 dos factos provados e que, ainda, não se pode nunca concluir, como se faz na sentença recorrida, que «é claro que nenhum dos autores votou favoravelmente essa deliberação, pelo que têm legitimidade para a impugnar».

18. A fundamentação de uma sentença carece de ser lógica e congruente. Não é lógico que não tendo sido alegado o sentido de voto e actuação dos AA numa AG e não havendo documentos juntos donde resulte o seu modo de actuação a sentença venha a concluir que «é claro» que não votaram favoravelmente a deliberação apesar de também não constar dos factos provados o sentido de voto e actuação dos AA. em tal Assembleia Geral de 04.12.2021; o que é causa de nulidade nos termos do artº 615º nº 1 alínea c) do CPC.

19. «O artº. 178 nº 1 do Código Civil, confere o direito de arguição da anulabilidade da deliberação apenas ao sócio que expressou o seu sentido de voto contrário a essa deliberação»

20. «A acção é delimitada pela causa de pedir e pelo pedido, sendo necessário, para a procedência deste, que o mesmo seja lógico corolário daquela» Assim a alegada questão da violação estatuária da limitação de mandatos, que verdadeiramente constitui a causa de pedir desta acção, se eventual e hipoteticamente tivesse qualquer fundamento, não tem nada a ver mas rigorosamente nada, com a pretensão trazida ao Tribunal e que é a anulação de uma deliberação tomada na Assembleia Geral eleitoral de 04.12.2021.

21. Os AA não peticionam ao Tribunal, como seria corolário lógico atenta a causa de pedir deduzida que se declare a invalidade da lista concorrente e alegadamente violadora, nos termos da causa de pedir; o que os AA peticionam é coisa substancialmente diferente: a anulabilidade de uma deliberação da Assembleia Geral de 04.12.2021 que se manifestou na realização de um acto eleitoral.

22. Verdadeiramente não há qualquer correspondência entre a causa de pedir e o pedido. Os AA. ao invocarem a impossibilidade estatutária de concurso a acto eleitoral de alguns sócios da associação e de vícios na lista entretanto admitida fundam e situam a eventual violação estatuária num conjunto de actos que são prévios à AG eleitoral e nunca na deliberação da A.G.

23. Tanto mais que não foi alegado (e não se sabe sequer) se tal matéria foi objecto de deliberação em tal Assembleia.

24. Não há, assim, um mínimo de correspondência, uma identidade, entre a causa de pedir e o pedido e, portanto, não há nenhuma relação de causa e efeito entre eles (a causa de pedir e o pedido) pelo que atenta esta excepção também não deveria a decisão recorrida ter sido proferida nos moldes ora em recurso

25. A falta de correspondência entre o pedido formulado e a causa de pedir é causa de nulidade nos termos do artº 186º nº 1 c) do CPC.

Termos em que revogando-se a douta decisão proferida nos termos do direito e das conclusões acima expostas, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, que se invoca, se fará em nosso entendimento, JUSTIÇA»

c) Os Autores contra-alegaram.

Concluíram nestes termos:

«I. A Recorrente, em momento algum, coloca em causa o decidido sobre o cerne da questão: interpretação a conferir ao disposto no artigo 11.º n.º 4 dos Estatutos da Ré e se a deliberação tomada na Assembleia Geral Eleitoral de 04-12-2021 (eleição) deve ser anulada por violação desses Estatutos – o que se compreende pelo evidente acerto da decisão.

II. Em primeiro lugar, é manifesto que não assiste qualquer razão à Recorrente, ao contrário do que pretende fazer crer, não invocou na sua contestação a exceção de ilegitimidade processual dos Autores, antes pelo contrário, aceitou-a no seu artigo 38º, por referência ao artigo 3º da Petição Inicial (onde os aqui Recorridos alegaram a sua legitimidade), confissão que foi oportunamente aceite, de forma expressa, pelos aqui Recorridos.

III. Para que fosse julgada procedente a exceção de ilegitimidade dos Autores (aqui Recorridos) – hipótese meramente académica – cabia à Ré o ónus de alegação e prova de que aqueles votaram favoravelmente a deliberação impugnada, ónus que não cumpriu (por não lhe ser possível, dada a sua falsidade)!

IV. Sendo certo que, nunca a Ré/Recorrente alegou (muito menos demonstrou) que os aqui Recorridos votaram favoravelmente a deliberação impugnada, precisamente porque esta bem sabe que tal não sucedeu.

V. Em segundo lugar, a Recorrente procura convencer o douto Tribunal ad quem que “não há qualquer correspondência entre a causa de pedir e o pedido”, como, aliás, tentou com o Tribunal a quo, mas sem sucesso (e bem, a nosso ver).

VI. Em suma, discutia-se nos presentes autos a anulação da deliberação tomada na Assembleia Geral/Eleitoral da Ré ocorrida a 04-12-2021, nos termos do disposto no artigo 177.º do Código Civil, com fundamento na violação dos Estatutos da Ré, sobretudo do seu artigo 11.º n.º 4, que estatui que: “não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de dois mandatos sucessivos para qualquer órgão da Liga, salvo se a Assembleia Geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”.

VII. É, portanto, este o cerne da questão: violação do n.º 4 do artigo 11.º dos Estatutos e de outras disposições várias do Estatuto e do Regulamento Eleitoral (que complementam os Estatutos), bem como as consequências que daí deveriam ser retiradas e o facto de a Assembleia em causa ser uma “Assembleia Eleitoral”, tal não afastar a possibilidade de anulação das deliberações ali tomadas, materializadas nas eleições dos membros dos órgãos sociais da Ré.

VIII. A que acresce o facto de a Assembleia Geral não ter reconhecido, expressa ou tacitamente, “que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”, única via possível que permitiria que um determinado membro pudesse ser eleito para órgãos da Ré por mais de dois mandatos sucessivos.

IX. O facto de a Assembleia em causa ser uma “Assembleia Eleitoral”, tal não afasta a possibilidade de anulação das deliberações ali tomadas, materializadas nas eleições dos membros dos órgãos sociais da Ré, pois, é certo que a eleição dos membros dos órgãos sociais ocorrida a 04-12-2021 configura uma deliberação, como bem decidiu o Tribunal recorrido. Na verdade, o que os Estatutos proíbem é a “eleição de quaisquer membros por mais de dois mandatos sucessivos para qualquer órgão da Liga” (nosso destaque), sendo que, como já referido, o conceito de eleição cabe dentro do conceito de deliberação.

X. Em terceiro lugar vem a Recorrente requerer ao tribunal superior a alteração da decisão da matéria de facto, mas desde já se adianta que não se vislumbra qual a utilidade de tal fundamento de recurso para a decisão de mérito proferida pelo tribunal recorrido sobre o objeto do processo, e que a Recorrente não coloca em causa.

XI. Na verdade, os pontos da matéria de facto aqui impugnados pela Recorrente (12, 15 e 27) não têm qualquer relevo para a decisão do litígio, na medida em que, mesmo que constassem dos factos dados como não provados, aquela decisão seria, certamente, a mesma.

XII. Além disso, a Recorrente admitiu, na sua Contestação, diversos factos alegados pelos Autores e, em sede de audiência prévia, considerou a matéria de facto estabilizada nos articulados e prescindiu expressamente da produção da prova, tal como consta da respetiva ATA: “Seguidamente, pelos ilustres mandatários das partes foi pedida a palavra, a qual lhes foi concedida e, no uso da mesma disseram que as partes consideram que a matéria de facto está estabilizada nos articulados tal como consta dos mesmos, pelo que entendem ser inútil a produção da prova” – confissão que expressamente se aceita para não mais ser retirada.

XIII. Sobre o facto provado nº 12, a sua redação não induz ou indicia absolutamente nada, porque dele nem consta qualquer data ou momento, estando redigido de forma direta, suficiente e de acordo com a verdade comprovada nos autos: “face ao decidido, os Autores apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral a reclamação prevista no n.º 7.º do Regulamento Eleitoral, a qual ainda não teve resposta”.

XIV. Além de que, a invocada falta de reclamação previamente à Assembleia Geral não foi relevante para a decisão: primeiro, porque a sentença recorrida não conheceu dos vícios que levaram à recusa ilegal de uma lista concorrente; e, segundo, porque a anulabilidade daquela deliberação (eleição) não depende de qualquer reclamação prévia dos atos prévios ao ato eleitoral.

XV. Quanto ao facto provado nº 15, a sua impugnação pela Recorrente é igualmente irrelevante, na medida em que, mesmo que todos aqueles membros ali identificados votassem de forma desfavorável, a conclusão a retirar sempre seria a mesma: anulabilidade da deliberação tomada na supramencionada Assembleia Geral Eleitoral, consubstanciada na eleição de membros de órgãos sociais, por violação dos Estatutos.

XVI. Relativamente ao facto provado nº 27, resulta cristalina a sua prova dos documentos juntos como DOC. ..., ..., ... (última página) e 13 da petição inicial (não impugnados pela Recorrente): o sócio SS, membro da lista “vencedora”, “eleito” para o cargo de 1º suplente da Direção, à semelhança de tantos outros pertencentes à lista “vencedora”, não tinha a sua situação de quotas regularizada à data de 31-10-2021, apesar de o seu nome constar da lista junta como DOC. ...., tendo sido, por isso, convidado após as eleições a fazê-lo até à data da tomada de posse.

XVII. A acrescer, repetindo o supra exposto, mesmo que tais factos fossem dados como não provados (o que não se admite), a conclusão sempre seria a anulabilidade da deliberação tomada na Assembleia Geral Eleitoral de 04-12-2021, por violação do disposto no artigo 11.º n.º 4 dos Estatutos – questão que não é colocada em causa pela Recorrente.

XVIII. Posto isto, não havendo qualquer erro na apreciação da matéria de facto pelo douto Tribunal a quo, levada a cabo de acordo com a sua convicção e com o princípio da imediação e da livre apreciação da prova, não deverá ser admitida a impugnação apresentada pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exatos termos, com as demais consequências legais.

Face ao supra exposto, deverá o Recurso apresentado pela Ré/Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as demais consequências legais.

Assim decidindo, farão V. Exas. inteira JUSTIÇA!»

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca, começando pelas processuais, prosseguindo com as relativas à matéria de facto e, por fim com as de mérito, são as seguintes:

(I) Nulidades da sentença.

Baseia-se na al. c), do n.º 1, do artigo 615º do CPC («Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível»), porquanto é ILÓGICO que «…não tendo sido alegado o sentido de voto e actuação dos AA numa AG e não havendo documentos juntos donde resulte o seu modo de actuação a sentença venha a concluir que «é claro» que não votaram favoravelmente a deliberação apesar de também não constar dos factos provados o sentido de voto e actuação dos AA. em tal Assembleia Geral de 04.12.2021», «…e, portanto, não há nenhuma relação de causa e efeito entre eles (a causa de pedir e o pedido) …»

Falta de correspondência entre o pedido formulado e a causa de pedir (Conclusão 25.ª).

(II) Ilegitimidade dos Autores.

Porquanto os Autores não terão cumprido o pressuposto processual básico de mostrar, atento o artigo 178.º n.º 1 do Código Civil, a qualidade de «associado que não tenha votado a deliberação».

(III) Impugnação da matéria de facto.

A Ré pretende a alteração dos factos provados nos números 12, 15 e 27, devendo o primeiro dos factos ficar com a redação «Os autores apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral reclamação datada de 07.12.2021, remetida por correio registado em 10.12.2021 e com aviso de recepção assinado em 13.12.2021»; o segundo facto com a redação «tal deliberação contou, pelo menos, com o voto de PP, QQ e RR», retirando-se o último dos factos provados por não se encontrar de todo provado.

Os Autores dizem que a decisão sobre esta matéria não tem qualquer interesse para o recurso.

(IV) Falta de fundamento jurídico para a decisão tomada porquanto a causa de pedir invocada não constitui fundamento jurídico capaz de conduzir à procedência do pedido, porquanto «Os AA. ao invocarem a impossibilidade estatutária de concurso a acto eleitoral de alguns sócios da associação e de vícios na lista entretanto admitida fundam e situam a eventual violação estatuária num conjunto de actos que são prévios à AG eleitoral e nunca na deliberação da A.G.» (conclusão 22.ª) «…e, portanto, não há nenhuma relação de causa e efeito entre eles (a causa de pedir e o pedido)…»

III. Fundamentação

(a) Nulidades da sentença.

1 – Consoante o disposto na al. c), do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é mula quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.»

A Ré argumenta que a sentença padece deste tipo de nulidade porque é ilógico que «…não tendo sido alegado o sentido de voto e actuação dos AA numa AG e não havendo documentos juntos donde resulte o seu modo de actuação a sentença venha a concluir que «é claro» que não votaram favoravelmente a deliberação apesar de também não constar dos factos provados o sentido de voto e actuação dos AA. em tal Assembleia Geral de 04.12.2021.», pelo que «…não há nenhuma relação de causa e efeito entre eles (a causa de pedir e o pedido) …»

Não ocorre a nulidade invocada.

As nulidades de sentença respeitam a questões processuais; situam-se no campo relativo à forma dos atos e não colocam, por isso, de forma direta, questões de direito substantivo.

Daí que raramente uma sentença padeça de nulidade, salvo no que respeita à nulidade por omissão de pronúncia ou condenação além do pedido, pois não raro ocorre que, por razões diversas, o tribunal profere a decisão, mas omitiu a análise de um pedido ou de uma exceção ou foi além daquilo que tinha sido pedido.

Estando estas nulidades ligadas ao formalismo processual o vício quando verificado conduz à inutilização, retrocesso e repetição do ato nulo, no todo ou em parte.

Por conseguinte, se for possível resolver a questão colocada como nulidade através do recurso de mérito, então isso mostra que a natureza da questão não é processual, não existindo uma nulidade processual.

É o que ocorre neste caso.

A falta, segundo a Ré, de fundamento factual para tirar a conclusão exarada na sentença, no sentido de que os Autores não votaram favoravelmente a deliberação, não revela que os fundamentos, sejam eles de facto ou de direito, estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.

É nisto que consiste a contradição indicada na al. c), do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil.

O caso invocado pela Ré consiste, se se verificar, num erro de julgamento em sede de matéria de facto, mas esse erro não implica nulidade da sentença.

2 – A Ré também invoca na Conclusão 25.ª a falta de correspondência entre o pedido formulado e a causa de pedir como uma nulidade prevista na mencionada al. c), do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Não tem razão.

Valem aqui as mesmas considerações antes referidas.

Não é este tipo de contradição, se existir, que a norma em causa tem em vista.

Se tal contradição existir poderá ser causa de ineptidão da petição inicial ou, passada a fase da sua arguição, causa de improcedência da ação, mas não integra a apontada nulidade de sentença.

3 – Improcedem, pelo exposto, as invocadas nulidades de sentença.

(II) Ilegitimidade dos Autores.

A Ré alega que os Autores não cumpriram o pressuposto processual básico de mostrar, atento o disposto no artigo 178.º n.º 1 do Código Civil, a qualidade de «associado que não tenha votado a deliberação».

O artigo 177.º e o n.º 1 do artigo 178.º, ambos dos Código Civil, têm a seguinte redação:

«As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis»;

«A anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.»

Exige-se, como a Ré diz, que o associado não haja votado a deliberação como condição para a poder impugnar.

Votar a deliberação quer dizer, votar no sentido de concordar com ela [No anteprojeto de Ferrer Correia dizia-se «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou ao estatuto, poderão ser impugnadas pela direcção ou por qualquer associado que a elas não tenha aderido» - n.º 1, do artigo 31 do anteprojeto, BMJ n.º 67].

Com efeito, seria contraditório permitir que alguém tivesse votado favoravelmente a deliberação e a pudesse depois impugnar em juízo.

Não assiste razão à Ré.

Para efeitos de legitimidade processual, não se exige ao associado que impugna o ato eleitoral, o requisito previsto no n.º 1 do artigo 178.º, do Código Civil, isto é, que o associado não tenha votado a deliberação, porquanto a votação para a eleição dos titulares dos órgãos da associação, prevista no artigo 170.º do Código Civil, seu registo em ata, apuramento e publicidade dos resultados, não é uma deliberação no âmbito da qual se tenha votado contra ou a favor de uma dada proposta.

O n.º 2 do artigo 171.º do Código Civil, entre outros, mostra que um ato eleitoral não é uma deliberação deste tipo.

Com efeito, no n.º 2 deste artigo diz-se que «Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate.»

Ora, bem se vê, que em caso de empate em ato eleitoral a igualdade não é desfeita por voto de desempate do presidente da assembleia.

Como referiu A. Roque Laia «…proclamada como “corpo eleitoral” a assembleia só tem o poder e competência para votar e não para “deliberar”, pois deixou de ser uma “assembleia” que “delibera” para ser um “órgão”, um “corpo” que, única e exclusivamente reuniu para “eleger”» e, mais adiante, «Assim, na assembleia constituída em corpo eleitoral não há  leitura da acta da sessão anterior, nem de expediente, nem períodos antes e ou depois da ordem, nem concessão do uso da palavra, pelo que não há inscrição de oradores, nem discussão, nem apresentação de moções, propostas, ou os habituais requerimentos empregados nas outras sessão  de trabalho» - Guia das Assembleias Gerais, 7.ª Edição, Rei dos Livros, 1980, pág. 418.

Por conseguinte, não tendo existido uma deliberação tout court, não tem aplicação ao caso, para efeitos de legitimidade, a regra do artigo 178.º, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual só pode impugnar em juízo a deliberação quem não aderiu a ela.

Aliás, sendo o voto eleitoral secreto, como é em regra, ficando apenas registada a identidade de quem votou, seria impossível saber, salvo nos casos de unanimidade de votação, se o associado votou a favor ou contra a deliberação, o mesmo é dizer, a prova da legitimidade seria uma impossibilidade.

Improcede, pelo exposto, a exceção da ilegitimidade dos Autores.

(III) Impugnação da matéria de facto.

Como se referiu, a Ré pretende a alteração dos factos provados constantes dos números 12, 15 e 27, devendo o primeiro dos factos ficar com a redação «Os autores apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral reclamação datada de 07.12.2021, remetida por correio registado em 10.12.2021 e com aviso de recepção assinado em 13.12.2021»; o segundo facto com a redação «tal deliberação contou, pelo menos, com o voto de PP, QQ e RR», retirando-se o último dos factos provados por não se encontrar de todo provado.

Os autores alegam que a decisão sobre esta matéria não tem interesse para o recurso.

Assim é.

A sentença julgou ação procedente com fundamento na violação do n.º 4 do seu art.º 11.º dos estatutos da Ré, por ter considerado que a lista vencedora das eleições continha um determinado número de elementos que já tinham integrado órgãos sociais nos dois mandatos anteriores.

Vê-se que a matéria impugnada, mesmo procedendo, não exerce influência sobre esta questão.

Ora, a impugnação da decisão da matéria de facto tem natureza instrumental, visa a alteração da decisão recorrida.

Sendo assim, só se justifica o seu conhecimento quando a sua procedência implica algum ganho para o recorrente ao nível dos fundamentos de direito.

Pelo que ficou dito, o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto traduz a prática um ato inútil, o que é legalmente proibidos (artigo 130º do Código de Processo Civil).

Como refere Abrantes Geraldes, o juiz deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados – Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, pág. 298.

No mesmo sentido o Acórdão do STJ de 23-1-2020, na Colectânea de Jurisprudência – STJ – Ano XXVIII (2020), Tomo I, pág. 14 – Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.

Pelo exposto, não se conhece da impugnação da matéria de facto.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1) A Ré é uma associação sem fins lucrativos, constituída a 26/01/2015, que atua na área de influência do Centro Hospitalar ..., com o objetivo de promover e contribuir para o bem-estar do utente.

2) Os Autores são associados da Ré.

3) Dão-se aqui por reproduzidos os artigos constantes dos Estatutos da Ré, juntos aos autos como documento n.º ... com a petição inicial.

4) Especificamente, o art.º 11.º n.º 4 dos Estatutos da Ré prevê que “não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de dois mandatos sucessivos para qualquer órgão da Liga, salvo se a Assembleia Geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição”;

5) O mandato dos membros eleitos para os órgãos sociais é de três anos, com início com a tomada de posse, que deverá ocorrer durante a primeira quinzena do ano civil seguinte ao das eleições, nos termos do art.º 11.º n.º 1 dos Estatutos da Ré;

6) Dão-se aqui por reproduzidos os artigos constantes do Regulamento Eleitoral da Ré, aprovado a 13/04/2016, junto aos autos como documento n.º ...0 com a petição inicial;

7) Dá-se aqui por reproduzido o conteúdo do edital de 03/11/2021, junto aos autos como documento n.º ... com a petição inicial;

8) A 26/11/2021, foi apresentada uma candidatura pela maioria dos aqui Autores (em conjunto com outros elementos que viriam posteriormente a ser substituídos);

9) Por decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral, datada de 30/11/2021, foi a lista candidata notificada para “suprir as irregularidades constantes do art.º 2 do suprarreferido Regulamento bem como do Edital, ambos afixados na sede da Liga no passado dia 03.11.2021 e com nova informação via email para todos os associados em 14.11.2021”;

10) Foi apresentada nova candidatura, a 02/12/2021, da qual foram retirados os elementos que não tinham a sua situação de quotas regularizada a 31/10/2021;

11) A 02/12/2021, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral proferiu a seguinte decisão:

«Tendo sido V. Ex.ª notificado para sanar todas as irregularidades, sou confrontado com uma nova lista de candidatura com novas irregularidades por não cumprirem o estabelecido no Edital quanto à formalização da candidatura, nomeadamente no 2.º parágrafo do mesmo onde é referido claramente “…Os associados que desejem efetuar a candidatura deverão solicitar a documentação nas instalações da Liga, na ... do ...…”. Ora constato que os documentos apresentados por V.ª Ex.ª não usam a documentação para formalização da candidatura, pelo que não cumpre o estabelecido.

Ainda nesta conformidade, desde já se esclarece que as listas são identificadas pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral e só por ele e não pelos candidatos, pelo que a integração em órgãos “de uma Lista+Ação” contraria os Estatutos da Liga ..., única nomenclatura da Associação, bem como toda a regulamentação em uso para o presente ato eleitoral.»

12) Face ao decidido, os Autores apresentaram ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral/Eleitoral a reclamação prevista no art.º 7.º do Regulamento Eleitoral, a qual ainda não teve resposta;

13) Por comunicado datado de 03/12/2021, o Presidente da Mesa da Assembleia Eleitoral (Dr. TT) nomeou para constituírem a Mesa da Assembleia Eleitoral os associados PP – sócio n.º ... (como presidente), UU – sócia n.º ... (como 1º secretário escrutinador) e RR- sócio n.º ... (como 2º secretário escrutinador);

14) No acto eleitoral realizado a 04/12/2021, levado a cabo na Assembleia de 04/12/2021, foi deliberada a eleição dos membros da Lista..., composta, entre outros, pelos seguintes membros:

a. VV;

b. WW;

c. XX;

d. TT;

e. YY;

f. ZZ;

g. AAA;

h. SS;

i. BBB;

j. CCC.

15) Tal deliberação contou com o voto favorável de PP, UU e RR;

16) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, VV foi Vice-Presidente da Direcção e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para Presidente da Assembleia Geral no triénio 2022-2024;

17) No triénio 2016-2018, WW foi Tesoureiro da Direção, no triénio 2019-2021 foi Vogal da Direção e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para 2.º Secretário da Assembleia Geral no triénio 2022-2024;

18) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, XX foi Presidente do Conselho Fiscal e, no acto eleitoral em causa, foi eleita para Presidente da Direção no triénio 2022-2024;

19) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, TT foi Presidente da Assembleia Geral e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para Vice-Presidente da Direcção no triénio 2022-2024;

20) No triénio 2016-2018, YY foi Secretário da Assembleia Geral, no triénio 2019-2021 foi 2.º Secretário da Direcção e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para 1.º Secretário da Direcção no triénio 2022-2024;

21) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, ZZ foi 1.º Suplente da Direção e, no acto eleitoral em causa, foi eleita para 2.º Secretário da Direção no triénio 2022-2024;

22) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, AAA foi Secretário do Conselho Fiscal e, no acto eleitoral em causa, foi eleita para 1.º Vogal da Direcção no triénio 2022-2024;

23) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, SS foi Relator do Conselho Fiscal e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para 1.º Suplente da Direcção no triénio 2022-2024;

24) No triénio 2016-2018, BBB foi 1.º Secretário da Direcção, no triénio 2019-2021 foi 2.º Suplente da Direcção e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para Presidente do Conselho Fiscal no triénio 2022-2024;

25) Nos triénios 2016-2018 e 2019-2021, CCC foi Presidente da Direcção e, no acto eleitoral em causa, foi eleito para Relator do Conselho Fiscal no triénio 2022-2024;

26) Inexiste decisão da Assembleia Geral sobre a impossibilidade ou inconveniência em proceder à substituição dos membros dos órgãos sociais;

27) Nas eleições que ocorram a 04/12/2021, foram admitidos a votar membros da lista vencedora que não tinham a sua situação de quotas regularizada a 31/10/2021;

28) A Lista...”, que saiu vencedora na Assembleia Geral Eleitoral de 04/12/2021, tomou posse no dia 11/01/2022.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Não há.

c) Apreciação da restante questão objeto do recurso

1 – Vejamos se ocorre falta de fundamento jurídico para a decisão recorrida, porque a causa de pedir invocada não constituirá fundamento jurídico suscetível de conduzir à procedência do pedido, porquanto «Os AA. Ao invocarem a impossibilidade estatutária de concurso a acto eleitoral de alguns sócios da associação e de vícios na lista entretanto admitida fundam e situam a eventual violação estatuária num conjunto de actos que são prévios à AG eleitoral e nunca na deliberação da A.G.» (conclusão 22.ª) «…e, portanto, não há nenhuma relação de causa e efeito entre eles (a causa de pedir e o pedido)…»

Se bem se entende o argumento da Ré, a ação não poderia ter procedido porque não é assacado qualquer vício ao ato documentado pela «Ata da Assembleia Eleitoral» de 4 de dezembro de 2021, isto é, ao ato eleitoral em si mesmo, e é este ato que é visado pelo pedido, sendo certo, sim, que as irregularidades são apontadas a atos anteriores preparatórios do próprio ato eleitoral.

Assim é, com efeito, sem que isso signifique dar razão à Recorrente

Os Autores alegam que a lista única que concorreu ao ato eleitoral, a «Lista...», não podia conter aqueles candidatos porque estes já tinham sido eleitos para órgãos sociais nos dois mandatos anteriores e, por isso, não podiam ser admitidos a um terceiro mandato.

Vejamos então se estava vedado aos Autores impugnar o ato eleitoral sem previamente terem impugnado a decisão, neste caso tomada por omissão, por parte do presidente da Mesa da Assembleia, o qual devia ter rejeitado a «Lista...» e não o fez, permitindo que esta lista fosse submetida a sufrágio.

A resposta a esta questão é negativa pelas seguintes razões:

(a) O ato eleitoral através do qual os associados votam nos associados que se candidatam em listas para a eleições dos órgãos sociais faz parte de um processo, do processo eleitoral, composto por diversos atos preparatórios, estes ordenados em prol da respetiva finalidade.

Por conseguinte, salvo se a lei ou os estatutos dispuserem em contrário, ou tiver decorrido algum prazo perentório, o que não é o caso, qualquer ato do processo eleitoral pode ser impugnado com a impugnação do último dos atos, neste caso, com a impugnação do próprio ato eleitoral, este último com fundamento em vícios anteriores e preparatórios desse ato final que possam implicar a sua irregularidade ou ilegalidade, no caso, estatutária.

É que, se existiram vícios anteriores de procedimento, eles refletiram-se ou inquinaram necessariamente o ato final, neste caso o ato eleitoral, e este pode ser impugnado com fundamento na irregularidade dos atos preparatórios, sem que seja necessário impugnar individualmente cada um desses atos preparatórios.

(b) Por outro lado, um ato pode ser impugnado com fundamento no seu próprio conteúdo material.

Neste caso, o ato eleitoral conduziu a um conteúdo material não permitido pela lei estatutária, isto é, conduziu à eleição de associados que eram, segundo os Autores, estatutariamente ilegíveis.

Se assim for, a seguir se verá, o conteúdo ilegal do ato resultante do ato eleitoral basta para que os Autores possam pedir a tutela do direito, sem terem se pedir a anulação autónoma de atos preparatórios que conduziram a esse resultado.

2 – Vejamos então se o ato eleitoral impugnado conduziu à eleição de associados estatutariamente ilegíveis.

A resposta é afirmativa.

O n.º 4 do artigo 11.º dos estatutos da Ré dispõe:

«Não é permitida a eleição de quaisquer membros por mais de dois mandatos sucessivos para qualquer órgão da Liga, salvo se a Assembleia Geral reconhecer expressamente que é impossível ou inconveniente proceder à sua substituição».

Como se dispõem no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, sobre as regras da interpretação das leis, extensíveis a quaisquer outros textos, «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.»

Como referiu Miguel Reale, «Antes da aplicação não pode deixar de haver interpretação, mesmo quando a norma legal é clara, pois a clareza só pode ser reconhecida graças ao ato interpretativo» - Lições Preliminares de Direito, 10.ª edição revista, Almedina/1982, pág. 292.

A letra desta norma estatutária é clara no sentido de que há um limite de dois mandatos sucessivos para qualquer órgão da Liga.

Os estatutos ao dizerem «qualquer órgão», estão a excluir expressamente que a proibição se refira apenas à eleição para o mesmo órgão.

Ou seja, a interpretação da Ré, segundo a qual a pode haver candidatura a mais de dois mandatos sucessivos, no caso de não se tratar do mesmo órgão, não tem «um mínimo de correspondência verbal» no texto em questão, porquanto o texto diz literalmente o contrário.

Verifica-se, e isso não é objeto de discórdia, que todos os membros da “Lista...” (10) já contavam com dois mandatos sucessivos nos anos de 2016 a 2021.

Nada mais de útil há a dizer a este respeito, a não ser que a referida proibição é justificada, pois promove a rotação das pessoas nos órgãos sociais, contribuindo para diversificação das ideias e das práticas e participação de um maior numero de associados na vida das associações.

3 – Vejamos agora as consequências jurídicas desta violação estatutária.

Nos termos do n.º 1, do artigo 170.º do Código Civil, «É a assembleia geral que elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha.»

Por sua vez, o artigo 177.º do Código Civil, dispõem que «As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.»

Tendo em consideração o exposto, cumpre concluir que os Autores impugnaram um ato eleitoral cujo resultado material, a votação, consistiu na vitória de uma lista de candidatos aos órgãos socias que eram estatutariamente ilegíveis.

Mas como acima se disse, os candidatos da lista vencedora eram estatutariamente ilegíveis, pelo que o resultado do ato eleitoral viola os estatutos.

Já acima se referiu, para efeitos de legitimidade processual, face ao disposto a este respeito no n.º 1 do artigo 178.º do Código Civil, que a «Ata da Assembleia Eleitoral», de 2 de dezembro de 2021, não contém uma deliberação propriamente dita, mas sim um ato eleitoral (votação, apuramento dos resultados e publicação dos resultados) relativo à eleição dos titulares dos órgãos sociais.

No entanto, o ato eleitoral é, em sentido amplo, uma deliberação da assembleia dos votantes e cabe, por isso, na previsão do artigo 177.º do Código Civil: «As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos (…), são anuláveis.»

Verifica-se, pois, que a decisão recorrida decidiu fundadamente, ou seja, considerou nula a eleição e aos posteriores dela dependentes porque o resultado eleitoral violada os estatutos, na medida em que permitiu a eleição de associados estatutariamente ilegíveis para os órgãos socias.

Mesmo que não se considerasse o ato eleitoral e seu resultado uma deliberação da assembleia em sentido amplo, sempre o regime aplicável aos vícios do ato eleitoral seria o dos artigos 177.º e 178.º, n.º 1, do Código Civil, por interpretação extensiva do termo «deliberação» aí utilizado.

Como referiu Karl Larenz «Em nossa opinião deveria chamar-se restritiva a uma interpretação que limite rigorosamente o significado duma expressão ao núcleo da representação – que, por exemplo, entenda por “filhos” apenas os filhos naturais, e “extensiva” a uma interpretação que, para além disso, se estenda até ao limite do sentido literal possível, até ao “domínio marginal” – que, por exemplo, inclua também os filhos adoptivos, os pupilos, os enteados e talvez até (assim se alcançaria, decerto, o limite) os cônjuges dos filhos. Ir além do domínio marginal mais latamente concebido só é, então, possível por via da analogia» -, Metodologia da Ciência do Direito, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian/1978, pág. 399.

Dir-se-á que cabe no «limite do sentido literal possível» do termo «deliberação» constante dos artigos 177.º e 178.º, n.º 1, ambos do Código Civil, o voto individual e o conjunto dos votos individuais, como «deliberativos» quanto à identidade dos associados que integrarão os diversos órgãos sociais.

Face ao que se concluiu antes, resulta que a candidatura vencedora do ato eleitoral documentado na «Ata da Assembleia Eleitoral», de 2 de dezembro de 2021, infringiu os estatutos da associação, sendo por isso o ato eleitoral e subsequentes dele dependentes anuláveis ao abrigo do disposto nos artigos 170.º, 177.º e 178.º, n.º 1, todos do Código Civil, cumprindo, pelo exposto, confirmar a decisão recorrida que os considerou nulos.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


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Coimbra, 10 de janeiro de 2023