Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7389/17.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA FISCAL ANTERIOR
VENDA DO BEM PENHORADO
Data do Acordão: 11/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 244º, Nº 2 DO CPPT; 794º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: I – Preceitua o n.º 1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

II - Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º citado, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior.

III - Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado - cfr. art.º 791.º do C.P.Civil -, a fim de ser pago pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.

III - No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário que:

Realização da venda”

1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).

IV - A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

V - Cabe salientar que esta Lei (Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio) não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias,cfr. art.º 4º, limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº 1) e, bem assim que “ enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº 2).

VI - A resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

VII - Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Decisão Texto Integral:









Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

Proc. n.º 7389/17.0T8CBR-A.C1

            1.-Relatório

            1.1. – Na presente ação executiva para pagamento de quantia certa, com base em escrituras de mútuo com hipoteca, datadas de 28/9/2007 e 29/1/2016, respetivamente, que o “Banco C..., S.A., com sede na ..., intentou contra A... residente no ..., foi a mesma sustada por decisão do Agente de execução, com base no art.º 794.º do C.P.C., por haver registos anteriores aos imóveis penhorados á ordem dos presentes autos.

            1.2. A fls. 51 v.º a 52 v.º veio o exequente solicitar o levantamento da sustação da penhora, referindo, para tanto, em síntese, que:

            No requerimento executivo foram indicados à penhora os seguintes prédios, a saber:

            - fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao segundo andar direito (lado norte) e vão do telhado na área correspondente, e

            - fracção autónoma designada pela letra “M” correspondente a garagem particular, sita na sub-cave posterior, a primeira de sul para norte, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal situado em ..., pertencente ao executado sobre o qual incide garantia real – hipoteca – a favor da exequente.

            Tendo a  Sr.ª agente de execução promovido a penhora dos referidos bens,  constatou-se pela análise da certidão predial a existência de várias penhoras anteriores incidentes sobre os referidos bens, registados a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (Fazenda Nacional), motivo pelo qual foi proferida decisão de sustação da execução quanto aos imóveis em causa.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não pode promover à venda dos referidos imóveis em virtude de se tratar de habitação própria e permanente do devedor, o que impede a aqui exequente de recuperar o seu crédito, excutindo a garantia real – hipoteca e penhora – de que beneficia, e em última análise inibindo/impedindo a satisfação do seu crédito.

            1.3. A fls. 66 destes autos foi proferido despacho a indeferir a pretensão do requerente do seguinte teor que se transcreve:

            “A questão colocada é recente e ainda não conhece tratamento uniforme dos Tribunais. Contudo, julgamos mais correcta a interpretação jurisprudencial mais recente do Tribunal da Relação de Coimbra através do seu acórdão de 24-10-2017 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 249/13.6TBSPS-A.C1), no sentido de que a aqui Exequente e Credora Reclamante no Processo de Execução Fiscal, não está impedida de promover, no Processo de Execução Fiscal, a venda dos imóveis que se encontram prioritariamente penhorados à ordem do Processo de Execução Fiscal.

Com efeito, é essa a interpretação que salvaguarda todos os interesses contrapostos e que, por outro lado, não obriga a uma clara inobservância do art.º 794.º/1 CPC. Pois, caso contrário, seria necessário fazer prosseguir o Processo Executivo quanto a um bem que se encontra prioritariamente penhorado à ordem de outra ação executiva e também obrigaria a duplicar a fase de convocação de credores, os quais já devem ter sido convocados e graduados no âmbito do Processo de Execução Fiscal. Por outro lado, tal procedimento, ao arrepio da regra da prioridade temporal, induziria em erro outros credores que pretendessem apresentar reclamação de créditos de forma espontânea ou na sequência de sustação por penhora posterior.

É no Processo de Execução Fiscal que a ali Credora deve fazer valer os seus interesses quanto ao prosseguimento do Processo de Execução Fiscal, reagindo processualmente contra qualquer decisão que impeça tal prosseguimento.

Posição no sentido do prosseguimento do Processo Executivo pode ser encontrada, pelo menos, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-09-2017 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1)] e no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-07- 2018 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 893/12.9TBPTM.E1).

Pelo exposto:

Indefere-se o prosseguimento do Processo Executivo quanto aos imóveis que se encontram prioritariamente penhorados à ordem do Processo de Execução Fiscal.

Notifique”.

            1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o Banco C..., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            A - Nos presentes autos de execução por dívida com garantia hipotecária foram penhorados os seguintes bens imóveis, a saber: fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao segundo andar direito (lado norte) e vão do telhado na área correspondente e fração autónoma designada pela letra “M” correspondente a garagem particular, sita na sub-cave posterior, a primeira de sul para norte, do prédio urbano situado em ... os quais constituem habitação própria e permanente do executado.

B - Sobre os identificados bens encontram-se registadas duas hipotecas a favor da Recorrente, pelas inscrições ..., que se mantêm válidas e em vigor.

C - Em virtude de se encontrar registada penhora temporalmente anterior à penhora dos presentes autos, a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, a Senhora Agente de Execução veio determinar a sustação da presente execução quanto a esses bens nos termos do Artigo 794.º do CPC.

D – Contudo, a Autoridade Tributária encontra-se impedida de promover a venda dos bens imóveis penhorados no âmbito do processo de execução fiscal, em virtude de constituírem habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, conforme o disposto no Artigo 244.º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio.

E - Atendendo ao facto da Autoridade Tributária se encontrar impossibilitada de promover a venda dos imóveis que se encontram prioritariamente penhorados à ordem do processo de execução fiscal, tal situação impede a satisfação do crédito da Recorrente através da venda dos referidos bens sobre os quais incide a sua garantia real de hipoteca.

F - Perante tal impossibilidade, a ora Recorrente, neste caso credora hipotecária, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma - neste sentido v. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/07/2018, processo n.º 893/12.9TBPTM.E1, in www.dgsi.pt;

G – Ora, salvo o devido respeito, a lei não impede a venda da habitação própria e permanente no âmbito de execuções hipotecárias instauradas pelas instituições bancárias (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/07/2018, processo n.º 893/12.9TBPTM.E1 in www.dgsi.pt).

H - Nesse sentido, tendo sido a execução sustada, ao abrigo do disposto no Artigo 794.º do CPC, em relação aos imóveis objecto de penhora em processo de execução fiscal e verificando-se a impossibilidade de a Autoridade Tributária promover a venda dos mesmos, conforme disposto no Artigo 244, n.º 2 do CPPT, “não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível” (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2019, processo n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1).

I – Aplicar a proibição prevista no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT a um credor comum com garantia real não pode ter acolhimento legal, uma vez que o credor seria conduzido a uma situação de impasse, não podendo reagir contra essa impossibilidade legal, nem promover a venda em execução comum, o que acarretaria um enorme prejuízo para o credor, que ficaria impossibilitado de ver satisfeito o seu crédito.

J – Pelo que, defender-se, como se faz no Despacho de que ora se recorre, que a existência de penhora anterior determina, sem mais e em qualquer situação, a sustação da execução onde a penhora tenha sido posterior, e que a ali Credora deve fazer valer os seus interesses quanto ao prosseguimento do Processo de Execução Fiscal, reagindo processualmente contra qualquer decisão que impeça tal prosseguimento, é manifestamente contrário à Lei, uma vez que o CPPT não prevê qualquer mecanismo que permita aos credores reclamantes o impulso da execução fiscal - v. neste sentido o Acórdão do Tribunal de Évora supra referido;

K – Pelo exposto, não é aplicável ao caso sub judice o disposto no Artigo 794.º do CPC, devendo a execução prosseguir os seus termos, promovendo-se a citação dos credores, entre os quais a Autoridade Tributária, para querendo, reclamar seus créditos.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, por via disso, ser o Despacho a quo revogado e substituído por outro que ordene o levantamento da sustação da execução com o consequente prosseguimento dos autos com vista à venda dos bens penhorados nos autos, devendo os credores públicos ser citados, nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 786º do CPC, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

1.5. – A fls. 75 foi proferido despacho a receber o recurso.

1.6. - Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                   2. Fundamentação.

Os factos dados como assentes são os constantes do relatório, mormente que da certidão predial e registo predial, constam a existência de várias penhoras anteriores incidentes sobre os referidos bens, registados a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira (Fazenda Nacional), tratando-se os imóveis em causa de habitação não podendo ser vendidos pela Autoridade Tributária.

                                   3. Motivação

            Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”  (cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.) e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.

Assim, a questão a decidir consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que ordene o levantamento da sustação da execução com o consequente prosseguimento dos autos com vista à venda dos bens penhorados nos autos.

Segundo o recorrente o tribunal “a quo” errou de direito ao indeferir o prosseguimento do Processo Executivo quanto aos imóveis que se encontram prioritariamente penhorados à ordem do Processo de Execução Fiscal, porquanto, aplicar a proibição prevista no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT a um credor comum com garantia real não pode ter acolhimento legal, seria conduzido a uma situação de impasse, não podendo reagir contra essa impossibilidade legal, nem promover a venda em execução comum, o que acarretaria um enorme prejuízo para o credor, que ficaria impossibilitado de ver satisfeito o seu crédito.

Vejamos.

Preceitua o n.º1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

Por sua vez, reza o n.º 4 do preceito: “a sustação integral da execução” equivale à extinção da execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da execução, indicando outros bens à penhora.

Ora, “in casu” foi o que sucedeu nos presentes autos.

Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º citado, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado, cfr. art.º 791.º do C.P.Civil, a fim de ser pago, pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.

No caso em apreço está provado que existe e mantêm-se vigente uma penhora em sede de processo de execução fiscal efectuada em data anterior à dos presentes autos e incidente sobre os imóveis, em causa, do executado.

Perante tal situação, entendeu o tribunal “a quo” sustar a presente execução, por entender que o banco não está impedido de promover a venda dos imóveis no processo de execução fiscal.

No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do

Procedimento e do Processo Tributário, daqui em diante designado por CPPT, que:

Realização da venda”

1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado”.

A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

O art.º 244.º faz parte do CPPT e dispondo sobre o processo de execução fiscal, tem subjacente, conforme se preceitua no art.º 148.º do mesmo diploma, que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.

c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:

a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;

b) Reembolsos ou reposições”.

Cabe salientar que esta Lei (Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio) não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias, como a presente (cfr. art.º 4º), limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº 1) e, bem assim que “ enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº 2).

Por conseguinte, a tutela dos direitos dos restantes credores na cobrança coerciva continua a ser assegurada.

Mas sendo assim, como é, como se concretiza?

Na execução fiscal (a primeira), ou na execução comum (a segunda)?

Nesta vertente as opiniões não são uniformes.

Uns advogam que terá de ser na primeira (execução fiscal) referindo:

A execução fiscal destina-se ao pagamento coercivo de dívidas fiscais. Logo a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor; quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois nada nos indicia que o legislador quis criar, ainda que indiretamente, um entrave ao prosseguimento das execuções cíveis.

Nesta medida, mantem-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal, até porque o dito Código não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais), o levantamento dessa penhora, nem a suspensão da execução fiscal, todavia, esta “suspensão” existirá de facto.

Assim, a impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que, à partida, não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente, não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efetuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C., que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Assim, entendem os defensores desta posição que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional (cfr. Ac. da Rel. Porto, 2019.03.08 – Proc.º n.º 11128/11.1TBVNG-C.P1, relatado por Anabela Dias da Silva e Ac. da Rel. de  Coimbra, 24 de Outubro de 2017,  proc.º n.º 249/13.6TBSPS. relatado por Sílvia Pires, bem como os citados nos mesmos arestos e doutrina citada e decisão singular proferida no processo n.º 1325/16.9T8ACB.C1, desta Relação, datada de 8/4/2019, proferida por Falcão de Magalhães).

 Outros advogam que terá de ser na segunda (execução comum) referindo:

Que para além de não se prever sequer no CPTT o impulso da execução fiscal por banda dos credores reclamantes, parece claro que a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio, impede efetivamente que em tais processos de execução, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos, o que se depreende das alterações ao CPTT pela mesma Lei efectuadas é que o bem permaneça penhorado e por consequência por esse motivo se conserve o direito do Estado de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, n.º 1 do Código Civil) mas que não se entre na fase da venda - artigos 248.º e seguintes do CPTT – e seja por essa via que se realize o valor necessário para proceder ao pagamento das dívidas (exequenda e reclamadas).

Assim, dizem os defensores desta tese que não faz sentido suspender a execução da subsequente penhora, nos termos do art.º 794.º do C.P.C., quando a execução fiscal está “suspensa” por esse motivo, ser casa de habitação própria.

É que a aplicabilidade do art.º 794º do CPC pressupõe que na primeira das execuções possam ser praticados os actos necessários para o exequente e os demais credores recebam as quantias a que têm direito.

O objetivo de tal norma é o de impedir que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens.

Se a venda não se pode legalmente concretizar no primeiro, o mesmo é dizer que nada impede que se realize no segundo, o da execução comum.

Esta é, aliás, a solução que melhor acautela os interesses dos demais credores do executado que só deste modo realizarão o seu direito de serem pagos pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado, não tendo, por essa razão, aplicação ao caso o disposto no art.º 794º do CPC, impondo-se, em contrapartida, que a execução comum prossiga os seus ulteriores termos, promovendo-se a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito (art.º 786º, nº1, b) do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado (art.º 791º do CPC) no lugar que lhe competir (cfr. neste sentido entre outros Ac. Rel. de Guimarães, 30 de maio de 2019 – Proc.º n.º 2677/10.0TBGMR.G1, relatado por Alcides Rodrigues, da mesma Relação de 17 de janeiro de 2019, proc.º n.º 956/17.4T8GMR-C.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc.º n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, relatado por Fonte Ramos e Ac. Rel. de Évora, 12 de Julho de 2018, proc.º n.º 893/12.9TBPTM.E1, relatado por Maria João Sousa e Faro e os demais citados nos referidos arestos).

Advogamos a primeira posição, promover a venda na execução fiscal, por ser aquela que, em nossa opinião, melhor se coaduna com o espirito da lei.

E isto porque, preceitua o art.º 239.º do CPPT - “Citação dos credores preferentes e do cônjuge” - que:

“1 - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.

2 - Os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 10 dias”.

Continuando o art.º 240.º do CPPT –“Convocação de credores” - que:

“1 - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados.

2 - O crédito exequendo não carece de ser reclamado.

3 - O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia.

4 - O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados”.

No caso presente, o Banco/apelante é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT. E tendo aí, decerto, reclamado o seu crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.

É certo que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º 2 do art.º 850.º do C.P.Civil, todavia trata-se de uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art.º 246.º, n.º 1 do CPPT “Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código”.

Assim sendo, a resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar,  mas, quanto a nós, não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Esta é a interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução, tanto mais, que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Face ao exposto a pretensão da recorrente não pode proceder.

                                               4. Decisão

Nos termos expostos, confirmando-se a decisão recorrida julga-se improcedente o recurso.

Custas pelo Recorrente.

Coimbra, 13/11/2019

           Pires Robalo (relator)

            Sílvia Pires (adjunta)

            Jaime Ferreira (adjunto)