Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1640/06.0TAAVR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HEITOR VASQUES OSÓRIO
Descritores: ACLARAÇÃO DA SENTENÇA
INTEGRAÇÃO DE LACUNAS – ARTIGO. 4.º DO C.P.P.
NULIDADES
COMPETÊNCIA DO J.I.C. NO INQUÉRITO
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
Data do Acordão: 09/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS, 4.º; 119.º; 120.º, Nº 2, ALÍNEA D); 277.º; 272.º; 380.º, Nº 1, DO C.P.P. E 686.º, N.º 1 DO C.P.C.
Sumário: I. – O acto processual de aclaração de uma sentença distingue-se da mera correcção de erros ou lapsos de escrita. Enquanto que estes se reportam a incorrecções materiais que relevam de enganos ou erros do autor da decisão consubstanciados em falhas de escrita ou de cálculo – artigo 249.º do C.C. – a aclaração arranca de um estado de dubiedade ou ininteligibilidade do texto decisório gerador de uma incompreensibilidade necessitante de um esforço de explicitação.
II. – O regime estabelecido para a aclaração e reforma – aqui incluídos os efeitos concernentes ao prazo para interposição de recurso da decisão aclaranda – contidas no artigo 686.º, nº 1 do C.P.C. aplicam-se à decisão proferida em processo penal por força do artigo 4.º do C.P.P..
III. – A inexistência de um acto processual ocorre quando faltam ao acto os elementos essenciais à sua própria substância, ou seja o acto carece de elementos essenciais para que possa ser considerado como acto do processo.
IV. – No inquérito compete ao J.I.C. praticar todos os actos que consubstanciem o exercício de funções jurisdicionais relativas ao inquérito.
V. – A declaração de nulidade durante a fase de inquérito assume um carácter materialmente judicial e porque nesta fase compete é ao Juiz de Instrução Criminal praticar ou sindicar todos os actos que contendam com direitos, liberdade e garantias individuais, a declaração de uma nulidade ocorrida pela falta de constituição de arguido deverá ser efectuada pelo Juiz de Instrução Criminal – cfr. Germano M. da Silva, “Do Processo Penal Preliminar”, pág. 475 e segs e “Curso de Processo Penal”, vol. II, 3ª edição, p.89; e João Conde Correia, in “Contributo para a análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, 189 e segs e nota 439:
Decisão Texto Integral: 17

Por despacho de 4 de Janeiro de 2008, a fls. 106 a 107 do presente recurso, o Mmo. Juíz de Instrução do Tribunal Judicial da comarca de Aveiro condenou o assistente, AN, nos termos do art. 84º, do C. Custas Judiciais, em 2 Ucs de taxa de justiça.
Por despacho de 23 de Janeiro de 2008, a fls. 128 a 130 do presente recurso, o Mmo. Juíz de Instrução do Tribunal Judicial da comarca de Aveiro indeferiu os requerimentos apresentados pelo assistente, AN, nos quais este arguiu a nulidade de insuficiência do inquérito por falta de constituição de arguido, e a inexistência jurídica do despacho de 4 de Janeiro de 2008, que o condenou em custas de incidente.
Inconformado com o decido, o assistente interpôs o presente recurso, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
Questão prévia: o erro material relativo à identificação das fls do processo em que se encontra exarado o despacho de 23.1.2008, e das fls a que se encontram os requerimentos que dele são objecto, deve ser corrigido oficiosamente antes de o processo subir à Relação.
1ª - No presente recurso, a cronologia dos factos processuais ocorridos depois de 20.12.2007 releva para efeito da declaração de inexistência jurídica do despacho de 4.1.2008, e para demonstrar que o JIC, ao pronunciar-se sobre o requerimento de 14.1.2008, já havia assumido a competência legal para conhecer do seu objecto.
2ª - A resposta de 9.1.2008 à promoção de 20.12.2007, foi dada na convicção de que, antes de decorrido o respectivo prazo legal, o JIC não podia pronunciar-se sobre tal promoção.
3ª - A promoção do Dr…. – que não é titular do inquérito – não tem fundamento legal e é contra legem.
4ª - O JIC não tem competência legal para condenar em custas judiciais por acto praticado no inquérito perante o superior hierárquico imediato do respectivo titular, e o seu despacho de 4.1.2008, sendo falho de objecto legal e prematuro, é juridicamente inexistente, devendo ser declarado como tal.
5ª - O despacho de 23.1.2008, ao impor, com os fundamentos invocados, o recurso como meio de obter a declaração de inexistência jurídica do despacho de 4.1.2008, viola múltiplas normas e princípios legais e constitucionais.
6ª - Sendo também ofensivo de valores essenciais do sistema jurídico-constitucional vigente, tem de concluir-se ser o despacho de 23.1.2008 conscientemente contra direito.
7ª - Os fundamentos de facto invocados no requerimento de 14.1.2008 para justificar o pedido de declaração de nulidade do inquérito por violação da norma do artº 272º, nº 1, do CPP, são verídicos, sendo que a referência a "retenção" de reclamação para o PGD de Coimbra tem significado ideológico e não material, face à inexistência de pronúncia do mesmo e dos seus inferiores hierárquicos sobre as várias reclamações apresentadas no inquérito desde antes da respectiva decisão final, para que ela seja suprida de modo a não impedir o exercício dos direitos conferidos pelo disposto nos artºs 20º, nº 1, e 32º, nº 7, da Constituição, e 287º do CPP.
8ª - O efeito da conduta dos representantes do MP conjugada com a recusa do JIC em declarar a nulidade do inquérito nos termos previstos no artº 122° do CPP, encontra-se proibido pelo sistema jurídico-constitucional vigente.
9ª - O despacho de 23.1.2008, ao restringir a competência legal do JIC para conhecer da arguição de nulidade do inquérito por violação do disposto no artº 272º, nº 1, cominada no artº 120º, nº 2, al. d), do CPP, viola as normas dos artºs 4º do CPP, 9º do CC, e a do nº 3 do artº 122º do CPP.
10ª - O despacho de 23.1.2008 faz errada interpretação do princípio do acusatório e da competência do JIC.
11ª - O despacho de 23.1.2008, ao entender que o juiz de instrução não tem competência legal para conhecer da nulidade do inquérito, antes da fase de instrução, viola a norma do artº 122º, nº 3, do CPP.
12ª - O despacho de 23.1.2008, ao decidir que o JIC não é competente para conhecer da nulidade do inquérito por violação da norma do artº 272º, nº 1, do CPP, depois de o haver declarado competente para apreciar actos do Assistente visando obter o suprimento da mesma pelos representantes do MP, e promoção de representante do MP que não é titular do inquérito, no sentido de aquele ser condenado em custas judiciais, é incongruente.
13ª - O despacho de 23.1.2008, ao omitir pronúncia sobre os fundamentos legais e constitucionais do requerimento de 14.1.2008, nele expressamente invocados, viola o disposto no artº 660º, nº 2, do CPC, incorrendo na nulidade do artº 379º, nº 1, al. c), do CPP; sobre esta tem o juiz a quo de pronunciar-se antes de os autos de recurso subirem ao tribunal ad quem, por força do disposto nos artºs 379º, nº 2, do CPP, 668º, nº 4, e 744º do CPC, sob pena de o Relator ter de cumprir o disposto no nº 5 deste último.
Termos em que se pede seja provido o presente recurso.
(…)”.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1. O recurso interposto é manifestamente extemporâneo, pelo que não deve ser admitido, nos termos do n.º 2 do art.º 414º do Código de Processo Penal.
2. A repetição injustificada do requerido, renovando os requerimentos e secundando-os nos mesmos argumentos, não pode deixar de ser perspectivada como uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo e, assim, susceptível de tributação nos termos do art. o 84º do Código das Custas Judiciais.
Cremos, assim, que a douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão, nos seus precisos termos.
(…)”.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº1, do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se pela intempestividade do recurso interposto do despacho de 4 de Janeiro de 2008, e pela impossibilidade legal de ser sindicável perante o juiz de instrução, o juízo concreto realizado pelo Ministério Público em fase de inquérito de realizar actos requeridos pelo ofendido, enquadrando tal juízo na figura da nulidade por insuficiência de inquérito, concluindo pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal, tendo respondido o recorrente.
Colhidos os vistos e efectuada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A inexistência jurídica do despacho de 4 de Janeiro de 2008, que condenou o recorrente em custas judiciais, na fase de inquérito, por incompetência do juiz de instrução, por falta de objecto e por violação do contraditório;
- A competência do juiz de instrução para conhecer da nulidade prevista no art. 120º, nº 2, d), do C. Processo Penal, decorrente da violação do disposto no art. 272º, nº 1, do mesmo código, cometida no inquérito;
- A omissão de pronúncia no despacho de 23 de Janeiro de 2008.
Como questão prévia suscitada pelo Ministério Público, há que decidir a tempestividade ou não, do recurso relativamente ao despacho de 4 de Janeiro de 2008.
Para a resolução destas questões, e muito particularmente, da questão prévia, importa ter presente, não só as decisões recorridas, como também os actos processuais mais relevantes com elas relacionados, tendo em conta os elementos disponíveis nestes autos de recurso.
Assim:
a) O assistente dirigiu uma queixa ao Ministério Público de Aveiro, que deu origem ao inquérito NUIPC 1640/06.0TAAVR, findo o qual o Sr. Procurador Adjunto titular proferiu despacho de arquivamento por entender não existirem indícios dos participados crimes de denúncia caluniosa e de coacção.
b) O assistente suscitou a intervenção do superior hierárquico daquela Magistrado, pedindo a declaração da nulidade que entendeu ter sido praticada e requerendo a prática de outros actos processuais, tendo no entanto o Sr. Procurador da República junto do Círculo Judicial de Aveiro proferido despacho que, indeferindo o pretendido, manteve o despacho de arquivamento.
c) O assistente requereu então ao Sr. Procurador-Geral Distrital o suprimento das nulidades que entendeu terem sido praticadas na investigação, tendo este Magistrado, entendendo que a reapreciação da justeza do despacho de arquivamento compete exclusivamente ao Sr. Procurador da República, indeferido o requerido, decisão esta notificada ao assistente por via postal registada datada de 4 de Julho de 2007.
d) Posteriormente, o assistente requereu a junção ao inquérito de vários documentos e a notificação dos cidadãos que identificou como arguidos para apresentarem o livro de inventário e balanço dos anos de 1987 a 2004.
Sobre este requerimento incidiu o despacho do Sr. Procurador Adjunto de 13 de Julho de 2007, que considerou que aquele em nada invalida ou abala o despacho de arquivamento.
e) O assistente, em 17 de Julho de 2007, requereu novamente ao Sr. Procurador-Geral Distrital a reapreciação das invocadas nulidades, tendo este Magistrado, por ofício de 18 de Outubro de 2007, decidido que, por já se ter pronunciado sobre o requerido, em anterior decisão, nada mais tinha a decidir, decisão esta notificada ao assistente por via postal registada datada de 26 de Outubro de 2007.
f) O assistente, em 7 de Agosto de 2007, requereu ao Sr. Procurador da República, alegando que a já arguida nulidade do inquérito implica a inexistência jurídica do despacho de arquivamento invocado no despacho do Sr. Procurador Adjunto de 13 de Julho de 2007, o suprimento de tal nulidade.
g) O assistente, em 13 de Novembro de 2007, requereu ao Sr. Procurador Adjunto que fosse providenciado para que os seus requerimentos de 17 de Julho e de 7 de Agosto fossem apresentados aos respectivos destinatários, tendo este Magistrado determinado que os autos fossem apresentados ao Sr. Procurador da República.
h) Em 16 de Novembro de 2007, o Sr. Procurador da República pronunciou-se sobre este requerimento, referindo que sobre o requerimento de 17 de Julho já se havia pronunciado o Sr. Procurador-Geral Distrital em 18 de Outubro de 2007 por decisão notificada ao assistente, que sobre o requerimento de 7 de Agosto, o pedido de declaração de nulidade do inquérito resultante da não constituição como arguidos dos denunciados e consequente revogação do despacho de arquivamento, havia já sido indeferida por despacho de 28 de Maio de 2007, pelo que se encontra tal questão decidida definitivamente, não podendo ser objecto de nova reapreciação, por não existir norma que tal preveja ou autorize, e que a eventual reabertura do inquérito, face à prova junta pelo assistente, era da competência do Magistrado titular.
i) Por despacho de 19 de Novembro de 2007, o Sr. Procurador Adjunto, reafirmando a validade do despacho de arquivamento proferido, determinou nada haver a ordenar.
j) O assistente, em 5 de Dezembro de 2007, dirigiu um requerimento ao Sr. Procurador da República, arguindo a nulidade do despacho de 16 de Novembro de 2007 por falta de fundamentação de direito, e requereu o suprimento de tal nulidade.
l) Por despacho de 7 de Dezembro de 2007, o Sr. Procurador da República indeferiu a requerida arguição de nulidade por entender que, constando do despacho sindicado que não existe norma que preveja e autorize a reapreciação de questão já apreciada em sede de intervenção hierárquica, se mostra fundamentado de direito o despacho.
m) O assistente, em 18 de Dezembro de 2007, dirigiu novo requerimento ao Sr. Procurador da República, arguindo a omissão de pronúncia quanto aos dois pedidos que formulou no seu requerimento de 5 de Dezembro de 2007, em ordem ao suprimento da nulidade do mesmo despacho.
n) Em 20 de Dezembro de 2007, o Sr. Procurador da República pronunciou-se no sentido de que o seu despacho de 7 de Dezembro de 2007 se pronunciou sobre a questão de o Sr. Procurador-Geral Distrital se ter já pronunciado sob o pretendido pelo assistente, e sobre a inexistência de falta de fundamentação de direito, e porque considerou que o assistente, repetindo as mesmas questões, faz um uso anormal do processo, promoveu a sua condenação em taxa de justiça, nos termos dos arts. 254º, do C. Processo Penal e 84º, do c. Custas Judiciais, promoção esta notificada ao assistente por via postal registada datada de 21 de Dezembro de 2007.
o) No dia 4 de Janeiro de 2008, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferiu o despacho que se transcreve:
“ (…).
Efectivamente, como nota o Ministério Público, o requerimento de 18 de Dezembro versa sobre questões que já haviam sido apreciadas e decididas, concretamente a questão da remessa de um anterior requerimento ao Procurador-Geral Distrital de Coimbra e a questão da falta de referência à disposição legal em que assentou a consideração da impossibilidade de reapreciação de uma decisão de um Magistrado do Ministério Público pelo respectivo superior hierárquico na situação em apreço.
Com efeito, essas questões já haviam sido suscitadas no requerimento de 30 de Novembro e foram objecto de apreciação pelo Procurador da República por despacho de 7 de Dezembro, oportunamente notificado ao assistente.
Compulsados os autos, verifica-se que por despacho de 27 de Junho de 2007 o Procurador-Geral Distrital de Coimbra indeferira a reclamação do assistente (fls. 378 a 381) e posteriormente determinou a notificação do mesmo de que além das questões apreciadas nesse despacho nada mais haveria a decidir (fls. 443).
Quanto ao mais, no despacho de 7 de Dezembro, o Procurador da República mencionou o artº 278º do Código de Processo Penal e a falta de previsão legal em relação a uma eventual reclamação do despacho pelo qual se operou a intervenção hierárquica.
O Ministério Público é uma estrutura hierarquizada, mas no âmbito dos processos de natureza criminal são aplicáveis as normas do Código de Processo Penal e não as do Código do Procedimento Administrativo, existindo no primeiro normas específicas (e por isso prevalecentes) sobre a possibilidade de sindicância das decisões dos Magistrados perante os respectivos superiores hierárquicos.
Conforme consta de fls, 434, 435 e 441, o requerimento do assistente de 16 de Julho (constante de fls. 431 e 432) foi levado à apreciação do Procurador-Geral Distrital, o qual expressou o seu entendimento segundo o qual nada mais haveria a decidir além do que já havia sido exposto no despacho de 27 de Junho.
O requerimento de 18 de Dezembro constitui na realidade mera repetição da exposição das questões formuladas em 30 de Novembro, as quais já haviam sido apreciadas e decididas por despacho de 7 de Dezembro.
Essa repetição, sem justificação, constitui uma ocorrência anómala na tramitação dos autos deste inquérito, como tal devendo ser tributada de acordo com os princípios que regem a condenação em custas, concretamente de acordo com a regra da causalidade.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artº 84º do Código das Custas Judiciais, condeno o assistente em 2 UC's de taxa de justiça.
(…)”
Este despacho foi notificado ao assistente por via postal simples com prova de depósito, datado de 7 de Janeiro de 2008.
p) Em 10 de Janeiro de 2008 o assistente dirigiu um requerimento ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal, requerendo a declaração de nulidade e de falta de fundamento legal da promoção do Sr. Procurador da República de 20 de Dezembro de 2007, que havia promovido a sua condenação em custas.
q) No dia 14 de Janeiro de 2008, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferiu o seguinte despacho, que se transcreve:
“ (…).
Realmente, a promoção de fls. 481 menciona, certamente por lapso de processamento informático, o artº 254º do Código de Processo Penal, preceito não aplicável à situação vertente.
Contudo, tal preceito não foi invocado no despacho de fls. 462 e 463, onde apenas foi mencionado o artº 84º do Código das Custas Judiciais.
O lapso de escrita constante de uma promoção no sentido da condenação por ocorrência anómala não toma essa promoção – nem o despacho subsequente – nulo ou sequer irregular, vistos os artºs 118º e 119º, 120º e 123º, estes a contrario, do Código de Processo Penal, dando apenas origem, se tal se mostrar necessário, à sua rectificação, à luz do artº 380º, nº 3, do Código de Processo Penal. No caso concreto, nem essa rectificação se mostra sequer necessária, pois a promoção em apreço já foi apreciada, não tendo sido mencionado o preceito que por lapso havia sido indicado.
Nestes termos, indefiro o requerimento que antecede.
No caso de não concordar com o despacho de 4 de Janeiro, poderá o assistente impugná-lo, recorrendo.
(…)”.
Este despacho foi notificado ao assistente por via postal simples com prova de depósito, datado de 15 de Janeiro de 2008.
r) Em 15 de Janeiro de 2008, o assistente dirigiu novo requerimento ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal onde, depois de descrever o historial dos vários requerimentos por si efectuados e cujo objecto é apenas a nulidade do art. 120º, nº 2, d), do C. Processo Penal pelo incumprimento do art. 272º, nº 1, do mesmo código, afirmando que o Ministério Público não se pode substituir aos denunciados relativamente aos factos que lhes são imputados e que até poderão confessar, e que a violação do art. 272º, nº 1, do C. Processo Penal lhe confisca o direito de requerer a abertura da instrução, em violação do disposto nos arts. 18º, nº 1 e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e que, face à recusa pelo Ministério Público em suprir a dita nulidade cometida no inquérito, compete ao juiz de instrução dela conhecer, concluiu pedindo que fosse declarada tal nulidade e ordenado o seu suprimento, pelo cumprimento do art. 272º, nº 1, do C. Processo Penal.
s) Em 21 de Janeiro de 2008, o assistente dirigiu requerimento ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal no qual pede a declaração de inexistência jurídica do despacho do mesmo Magistrado de 4 de Janeiro, por ser prematuro na medida em que foi proferido antes de esgotado o prazo para o assistente se pronunciar sobre a questão – promoção da sua condenação em custas – que decidiu, e por não indicar a disposição legal em que se funda o poder de condenação em taxa de justiça no inquérito.
t) No dia 23 de Janeiro de 2008, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferiu o despacho que se transcreve:
“ (…).
Fls. 471 a 474:
Não corresponde à realidade que o requerimento do assistente de 16 de Julho de 2007 haja ficado retido nos Serviços do Ministério Público.
Na verdade, conforme já foi explicado ao assistente no despacho de 4 de Janeiro de 2008, esse requerimento (constante de fls. 431 e, 432) foi levado à apreciação do Procurador-Geral Distrital, o qual expressou o seu entendimento segundo o qual nada mais haveria a decidir além do que já tinha exposto no despacho de 27 de Junho de 2007 (tudo conforme resulta de fls. 434. 435, 441 e 443).
As questões mais uma vez trazidas aos autos, desta feita a fls. 471 a 474, já foram objecto de apreciação pelo Procurador da República e pelo Procurador-Geral Distrital de Coimbra.
No nosso ordenamento jurídico-processual penal, o juiz não tem competência para, durante o inquérito, conhecer de alegadas nulidades ou irregularidades, seja a omissão de sujeição a interrogatório de uma determinada pessoa, seja a omissão de qualquer diligência probatória, seja a prática de um acto contrário às disposições legais.
É certo que o juiz de instrução pode conhecer de invalidades processuais que ocorram na fase de inquérito, mas isso apenas se se estiver – o que não sucede, por ora, no caso em apreço – na fase de instrução; de igual forma, o juiz do julgamento pode apreciar (oficiosamente ou a requerimento) vícios processuais e daí assacar as devidas consequências legais; o que o juiz de instrução e o juiz do julgamento não podem, sob pena de incompetência, é substituírem-se ao titular do inquérito, que é o Ministério Público (artº 263º, nº 1, do Código de Processo Penal), nem alterarem decisões intercalares do inquérito, nem conduzir o curso da investigação, o que decorre, desde logo, do princípio do acusatório, na vertente de separação entre a entidade que investiga e a entidade que julga.
Uma vez encerrado o inquérito é que a decisão de acusar ou arquivar é sujeita a impugnação judicial, através da apresentação de um pedido de abertura da fase de instrução, na qual o sujeito processual inconformado com a decisão final do inquérito pode suscitar as questões que entenda pertinentes, nomeadamente invalidades processuais ocorridas na fase de inquérito que tenham relevo para a fase de instrução.
Com efeito, a nulidade relativa decorrente da insuficiência de inquérito (artº 120º, nº 1, al. d), do Código de Processo Penal) só pode ser arguida validamente perante o juiz de instrução se se reportar a actos da sua competência, ou seja, a actos jurisdicionais do inquérito (cfr. artºs 268º e 269º do Código de Processo Penal).
Na verdade, durante o inquérito, o juiz só pode conhecer de nulidades que sejam praticadas em actos da sua competência, conforme salienta PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, em anotação ao artº 118º do Código, no recentemente publicado "Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem" (Edição da Universidade Católica Portuguesa, Dezembro de 2007).
Daí que a nulidade consistente na insuficiência do inquérito (por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios) possa ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, se não houver instrução, no prazo de 5 dias após a notificação do despacho final do inquérito, tudo nos termos do disposto no artº 120º, nº 2, al. d), e nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.
O juiz pode conhecer de nulidades praticadas pelo Ministério Público durante o inquérito, mas apenas nas fases a que preside – instrução e julgamento.
Nestes termos, e ao abrigo das referidas disposições legais, indefiro o requerimento de fls. 471 a 474.
*
Fls. 481 a 483:
O assistente insurge-se contra o despacho de 4 de Janeiro, pelo qual foi condenado em 2 UC's de taxa de justiça, por ter praticado uma ocorrência anormal na tramitação dos autos invocando dois argumentos:
- A preterição do direito de contraditório;
- A incompetência do juiz.
Quanto ao primeiro desses argumentos, cumpre notar que quando um sujeito processual pratica um acto que constitui uma ocorrência anómala na tramitação da causa que deva ser tributado de acordo com os princípios que regem a condenação em custas, não está legalmente previsto nem se vê que seja adequada a notificação para se pronunciar sobre uma promoção do Ministério Público no sentido dessa condenação em taxa de justiça, à luz do artº 84º do Código das Custas Judiciais.
Aliás, perante uma tal ocorrência, seja qual for a fase do processado, logo o juiz pode condenar o sujeito processual em questão, mesmo que tal não seja promovido ou requerido.
Ademais, o juiz pode determinar a condenação em taxa de justiça – se se verificarem os pressupostos previstos no artº 84º do Código das Custas Judiciais – logo a seguir à prática do acto ou dos actos anormais.
Se assim não fosse, podendo sempre o sujeito processual que praticou um acto anormal pronunciar-se, então nunca mais se chegaria à fase da apreciação da questão.
Passando ao segundo argumento, como o próprio assistente nota, é ao juiz de instrução que cabe a prática de actos jurisdicionais, independentemente da fase processual em que os autos se encontrem, nos termos do disposto no artº 17º do Código de Processo Penal.
Ora, a decisão de condenação numa taxa de justiça representa a definição de direitos de sujeitos processuais e nessa medida é um acto jurisdicional.
Assim, foi ao abrigo do próprio preceito invocado pelo assistente que o juiz de instrução o condenou em taxa de justiça, por ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo.
Querendo impugnar o despacho de 4 de Janeiro, o assistente poderá observar a regra do artº 399º do Código de Processo Penal.
Pelas razões expostas, e ao abrigo dos referidos preceitos legais, indefiro o requerimento de fls. 481 a 483.
(…).
Este despacho foi notificado ao assistente por via postal simples com prova de depósito, datada de 24 de Janeiro de 2008.
Questão prévia
1. O Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância arguiu a intempestividade do recurso interposto do despacho de 4 de Janeiro de 2008.
O Mmo. Juiz recorrido, com tal fundamento, não admitiu o recurso, tendo o assistente reclamado para o Sr. Presidente da Relação que, por decisão de 11 de Abril de 2008, deferiu a reclamação, vindo o recurso a ser admitido.
Como é sabido, o deferimento da reclamação, não obstante o elevado respeito que lhe é devido, não vincula o tribunal ad quem (art. 405º, nº 4, do C. Processo Penal) pelo que cumpre analisar a tempestividade do recurso interposto, relativamente àquele despacho.
É princípio geral afirmado no C. Processo Penal, o da recorribilidade das decisões judiciais (art. 399º, do código citado).
O recurso é interposto por quem tem legitimidade para tal (art. 401º, do C. Processo Penal) e no prazo peremptório para o efeito assinalado na lei.
No caso em apreço, o prazo para a interposição do recurso é o de 20 dias, a contar da notificação da decisão (art. 411º, nº 1, a), do C. Processo Penal).
O despacho em questão foi notificado ao recorrente por notificação postal simples com prova de depósito (fls. 109 e 124) pelo que, mostrando-se o depósito efectuado a 8 de Janeiro de 2008, a notificação considera-se efectuada a 13 de Janeiro.
E assim, o prazo de 20 dias para o recurso extinguiu-se a 4 de Fevereiro de 2008, segunda-feira (o último dia recaiu sobre o dia 2 de Fevereiro, sábado).
2. Sucede que o recorrente requereu depois a declaração de inexistência jurídica do referido despacho, e já como questão prévia, na motivação do presente recurso, requereu a rectificação da paginação do processo.
E foi pela existência destas circunstâncias, ponderando-se não ser uniforme o entendimento sobre se é aplicável ao processo penal a norma do art. 686º, nº 1, do C. Processo Civil, que foi admitida a reclamação relativamente a tal despacho.
Dispõe o citado preceito que se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos dos arts. 667º e 669º, nº 1, do C. Processo Civil, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
Por sua vez, estabelece o art. 380º, nº 1, do C. Processo Penal, que o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando, fora dos casos previstos no art. 379º, não tenha sido observado o disposto no art. 374º, e quando a sentença contenha erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. E este poder de correcção é, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, aplicável aos demais actos decisórios e portanto, aos despachos.
Não contém o C. Processo Penal, norma idêntica à do nº 1, do art. 686º, do C. Processo Civil, vindo a jurisprudência a divergir quanto à sua aplicação ao processo penal (no sentido da aplicação, entre outros, cfr. Ac. da R. de Lisboa de 12 de Maio de 1993, CJ, XVIII, III, 160; em sentido oposto, entre outros, cfr. Ac. da R. de Guimarães de 23 de Abril de 2007, CJ, XXXII, II, 294).
Temos para nós que o art. 686º, nº 1, do C. Processo Civil é aplicável ao processo penal, ex vi, art. 4º, do C. Processo Penal, pelas razões que se passam a expor.
Os erros e lapsos a que alude a alínea b), do nº 1, do art. 380º, do C. Processo Penal, são os erros materiais, os erros de escrita ou de cálculo referidos no art. 249º, do C. Civil. Estes erros, bem como qualquer outra inexactidão devida a outra omissão ou lapso manifesto pressupõem que a vontade declarada pelo juiz na decisão não tem correspondência com a sua vontade real. Por isso, quando exista esta divergência, há lugar à rectificação.
A decisão é obscura quando não se percebe o pensamento do juiz nela expresso, e é ambígua quando admite mais do que um sentido. Em qualquer dos casos, há lugar à aclaração da decisão que, contudo, não pode modificar o seu alcance ou conteúdo (cfr. Cons. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 35).
Pressupondo a vontade de recorrer a plena compreensão da decisão, e porque esta só se alcança, em caso de dúvida legítima e devidamente fundamentada, com a sua rectificação ou aclaração, parece-nos que o prazo para o recurso só se deve iniciar depois da notificação da decisão que destas conheceu (neste sentido, cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 1125 e ss.).
3. Revertendo para a questão em apreço, temos que o despacho de 4 de Janeiro de 2008, deferindo promoção do Sr. Procurador da República, condenou o assistente em taxa de justiça, ao abrigo do art. 84º, do C. Custas Judiciais, por entender que repetiu requerimentos no inquérito versando questões já apreciadas e decididas.
Notificado deste despacho, nos termos atrás referidos, o assistente, por requerimento com carimbo de entrada de 21 de Janeiro de 2008 (que supomos ser o identificado pelo recorrente como de 18 de Janeiro, data do registo), veio requerer a declaração de inexistência jurídica do despacho de 4 de Janeiro, por ter sido proferido com exorbitância do poder jurisdicional e violação das regras de competência material, e por ser intempestivo pois foi proferido antes de esgotado o prazo para a resposta àquela promoção do Ministério Público.
O requerimento entrado a 21 de Janeiro de 2008 não contém um expresso pedido de rectificação de erro material, nem invoca a existência de ambiguidade ou obscuridade existente no despacho de 4 de Janeiro de 2008. Pelo contrário, o que no nele se requer é a declaração de inexistência jurídica daquele despacho o que significa que, por seu intermédio, o recorrente pretendeu obter a declaração de invalidade do despacho de 4 de Janeiro de 2008.
Mas pode admitir-se que tal requerimento consubstancia, na prática, um pedido de reforma da decisão proferida no despacho de 4 de Janeiro de 2008.
É sobre o requerimento de 21 de Janeiro de 2008 que recai o despacho de 23 de Janeiro de 2008 que, além do mais, julgou improcedentes os vícios invocados.
Não resulta claro, face aos termos em que se mostra motivado o recurso, que este abranja também o despacho de 4 de Janeiro de 2008.
Lê-se no cabeçalho da respectiva motivação, “(…) notificado das decisões de judiciais de 23.1.2008, a fls. …, delas vem, (…), interpor recurso (…)”, devendo-se a referência a decisões judiciais à circunstância de no despacho referido existirem duas distintas decisões, uma tendo por objecto o requerimento do recorrente de 21 de Janeiro, e outra tendo por objecto o requerimento do recorrente com carimbo de entrada de 15 de Janeiro de 2008 (que será o identificado pelo recorrente como de 14 de Janeiro, data do registo). E na motivação do recurso, as duas decisões que compõem o despacho de 23 de Janeiro de 2008 são perfeitamente individualizadas, nos seus pontos I e II.
Mas acontece que a decisão a ser tomada relativamente no recurso interposto deste despacho, pode afectar a subsistência do despacho de 4 de Janeiro de 2008, precisamente porque uma das questões a decidir naquele é a validade ou invalidade deste.
Daí que possa aceitar-se, como já foi entendido, que o recurso abrange também o despacho de 4 de Janeiro de 2008.
Neste pressuposto, por aplicação do disposto no art. 686º, nº 1, do C. Processo Civil, e porque o despacho de 23 de Janeiro de 2008 foi notificado a 30 de Janeiro de 2008 (fls. 132 e 135), e o recurso deu entrada em juízo a 19 de Fevereiro de 2008, é o mesmo tempestivo.
Concluindo, improcede a questão prévia suscitada.
Da inexistência jurídica do despacho que condenou o recorrente em custas judiciais, na fase de inquérito, por incompetência do juiz de instrução, por falta de objecto e por violação do contraditório (conclusões 1ª a 6ª)
4. Pretende o recorrente que o despacho de 4 de Janeiro de 2008, proferido pelo juiz de instrução criminal, que o condenou em custas incidentais é juridicamente inexistente por uma tripla razão: falta de competência, falta de objecto legal e prematuridade.
Vejamos se lhe assiste razão.
4.1. O C. Processo Penal distingue entre nulidades, que podem ser sanáveis e insanáveis, e irregularidades, não fazendo qualquer referência a um outro vício ainda mais grave, a inexistência.
Ocorre o vício da inexistência quando faltam ao acto os elementos que são essenciais à sua própria substância, isto é, o acto carece de elementos essenciais para que possa ser considerado como acto do processo (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Processo Penal Anotado, 10ª Ed., 302 e Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 93).
A inexistência é insanável, impede que o acto inexistente produza efeitos jurídicos e não pode originar caso julgado.
Por isso, a inexistência não carece de ser declarada podendo no entanto, ser útil a sua declaração que deverá então, ser requerida ao juiz competente.
A inexistência é – tal como a invalidade – um conceito negativo, construído por contraposição ao modelo de um qualquer acto processual previsto na lei. A actividade examinada não é sequer suficiente para gerar um acto processual, não integrando os protótipos previstos pelo legislador. (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, 115).
São actos inexistentes, entre outros, a sentença proferida ou a acusação dada fora de um processo, a sentença dada por quem não é juiz, e a sentença proferida oralmente (por apontamento) sem que venha a ser junta ao processo na forma escrita.
O despacho de 4 de Janeiro de 2008 foi proferido pelo juiz de instrução criminal, por escrito e num processo na fase de inquérito.
Reúne pois, todos os elementos essenciais do acto processual que representa e portanto, existe enquanto tal (não cuidamos aqui e agora da sua validade).
Concluindo, não enferma o dito despacho do vício da inexistência jurídica.
Sendo certo que, como se acaba de ver, os vícios apontados pelo recorrente não determinam a inexistência jurídica do despacho, vejamos agora se procede algum deles.
4.2. Quanto à incompetência, dispõe o art. 17º do C. Processo Penal que compete ao juiz de instrução criminal proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos no código.
Nestas funções jurisdicionais, que compreendem a definição – afirmação e compressão de direitos – inclui-se seguramente o acto de proferir condenações em custas. Trata-se, aliás, de matéria da exclusiva competência do juiz de instrução (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Processo Penal Anotado, 10ª Ed., 311).
Estabelece o art. 515º, nº 1, c), do C. Processo Penal que pelo assistente é devida taxa de justiça quando tenha ficado vencido em incidente que tenha requerido ou em que tenha sido opositor.
Por sua vez, dispõe o art. 84º, do C. Custas Judiciais que nos incidentes de recusa, anulação do processado, de apoio judiciário, de habeas corpus e de reclamação para a conferência, bem como noutras questões legalmente configuradas como incidentes e nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação, é devida taxa de justiça entre 1 UC e 5 UC.
Entende-se como estranha ao normal andamento do processo a actividade processual desnecessária, inútil ou perturbadora do seu curso, designadamente os requerimentos ostensivamente inconsequentes e causadores de desperdício de meios humanos e materiais (Cons. Salvador da Costa, C. Custas Judiciais Anotado e Comentado, 1997, 284).
A apresentação de um requerimento em inquérito e dirigido a um Magistrado do Ministério Público, versando uma questão que já anteriormente havia sido colocada pelo mesmo interveniente processual e objecto de apreciação e decisão, quando carecida de justificação, constitui uma ocorrência estranha ao normal curso do processo, estando por isso sujeita à regra de tributação do art. 84º, do C. Custas Judiciais, conjugada com a da alínea c), do nº 1, do art. 515º, do C. Processo Penal.
Concluindo, não enferma o dito despacho do vício de incompetência do juiz de instrução.
4.3. Relativamente à alegada falta de objecto “legal” do despacho de 4 de Janeiro de 2008, parece-nos que o recorrente a fundamenta na também alegada falta de fundamento legal do despacho do Procurador da República, incluindo a promoção que dele consta a final.
O despacho de 4 de Janeiro de 2008 tem obviamente objecto que é constituído pela concreta questão que decidiu e que é tão só, a de saber se o recorrente, através da prática de determinados actos no inquérito, desenvolveu ou não actividade processual – e aqui sim, foi ponderada a bondade ou não, das razões apresentadas pelo Ministério Público para promoção efectuada – que deu origem à sua condenação em custas.
Concluindo, não enferma o dito despacho judicial do vício de falta de objecto “legal”.
4.4. Quanto à inobservância do princípio do contraditório temos que o Sr. Procurador da República, no seu despacho e promoção final de condenação do recorrente em custas de 20 de Dezembro de 2007, ordenou a notificação deste com cópia, e a conclusão dos autos ao Mmo. Juiz de Instrução para apreciação da promovida condenação.
O recorrente foi notificado por via postal simples com prova de depósito datado de 21 de Dezembro de 2007 (fls. 105) tendo o depósito sido efectuado a 24 de Dezembro de 2007 (fls. 110), considerando-se a notificação feita a 29 de Dezembro de 2007 portanto, em férias judiciais que se prolongaram até 3 de Janeiro de 2008.
No dia 4 de Janeiro de 2008 é proferido o despacho que, deferindo a promoção, condenou o recorrente em custas incidentais, sendo certo que a resposta deste a tal promoção foi junta aos autos a 10 de Janeiro de 2008 (fls. 111) e portanto, dentro do prazo previsto no art. 105º, nº 1, do C. Processo Penal.
Ponderou-se no despacho recorrido de 23 de Janeiro de 2008, que não está prevista a notificação dos sujeitos processuais para se pronunciarem sobre a promoção do Ministério Público no sentido da sua condenação em custas, à luz do art. 84º, do C. Custas Judiciais, sendo certo que, perante a prática de um acto que constitui uma ocorrência anómala na tramitação que deva ser tributado, pode o juiz decidir a condenação em taxa de justiça, logo após a prática do acto.
É certo que o juiz pode de imediato sancionar a prática do acto anómalo, nos termos do art. 84º, do C. Processo Penal, e assim acontece nos processos da sua competência.
Mas nos autos, a fase processual é a do inquérito, cujo dominus é o Ministério Público. Este, face à apreciação que fez da actividade desenvolvida pelo recorrente, não procedeu à sua condenação em custas pela simples razão de não tem competência para tal. E daí a promoção efectuada.
Não obstante, não deixou o Ministério Público de ordenar a notificação do despacho e promoção ao recorrente naturalmente, para este dela ter conhecimento e, querendo, se pronunciar, assim assegurando o contraditório.
Como doutrinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, a extensão processual do princípio do contraditório (2ª parte do nº 5, conjugada com o nº 1, do art. 32º, da Constituição da República Portuguesa) abrange todos os actos susceptíveis de afectar a posição processual do arguido, e em especial, a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios determinados pela lei, devendo estes ser seleccionados de acordo com o princípio da máxima garantida de defesa do arguido (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed. Revista, 523).
Por outro lado, prendendo-se a questão suscitada com uma mera condenação em custas, certo é que, fora do processo penal, não deixa o C. Processo Civil de, no seu art. 3º, nº 3, determinar a observância do contraditório.
Assim, entendemos que deveria o Mmo. Juiz de Instrução, antes de proferir o despacho de 4 de Janeiro de 2008, e até porque a notificação já estava ordenada e efectuada, ter aguardado o decurso do prazo para o recorrente se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público.
Não o tendo feito, vindo a decidir antes da chegada de tal resposta aos actos e portanto, antes de poder apreciar e considerar, ou não, os argumentos do recorrente, não foi observado o princípio do contraditório.
Deve pois, nesta parte, proceder o recurso.
Da competência do juiz de instrução para conhecer da nulidade prevista no art. 120º, nº 2, d), do C. Processo Penal, decorrente da violação do disposto no art. 272º, nº 1, do mesmo código, e da omissão de pronúncia (conclusões 7ª a 13ª)
5. Pretende o recorrente que o despacho de 23 de Janeiro de 2008, ao restringir a competência do juiz de instrução criminal para conhecer das nulidades do inquérito, antes da fase da instrução viola o art. 122º, nº 3, do C. Processo Penal, e ao não se ter pronunciado sobre as invocadas violações de normas constitucionais e processuais, enferma da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 379º, nº 1, c), do mesmo código.
Vejamos se assim é, começando por, de forma sintética, desenhar os passos mais importantes dados no processo, para decidir as questões propostas.
Assim:
- O assistente apresentou queixa junto do Ministério Público de Aveiro, participando a prática de crimes de denúncia caluniosa e coacção;
- Findo o respectivo inquérito, o Magistrado do Ministério Público titular proferiu despacho de arquivamento, fundado na inexistência de indícios dos denunciados crimes;
- O assistente suscitou então a intervenção do superior hierárquico daquele Magistrado, arguindo uma nulidade e requerendo a prática de actos;
- O superior hierárquico – Procurador da República – indeferiu o pretendido pelo assistente, mantendo o despacho de arquivamento;
- O assistente requereu então ao Sr. Procurador-Geral Distrital o suprimento das nulidades que entendia terem sido praticadas no inquérito;
- O Sr. Procurador-Geral Distrital indeferiu esta pretensão do assistente, com fundamento em que a competência para aferir a justeza do despacho de arquivamento do inquérito é exclusiva do Sr. Procurador da República (esta decisão foi notificada ao assistente por via postal registada datada de 4 de Julho de 2007);
- Posteriormente, o assistente requereu a produção de novas diligências de prova;
- O Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, por despacho de 13 de Julho de 2007, manteve o despacho de arquivamento, por entender que os novos elementos de prova não invalidavam os seus fundamentos;
- Em 17 de Julho de 2007, o assistente requereu novamente ao Sr. Procurador-Geral Distrital a reapreciação das invocadas nulidades;
- Por ofício de 18 de Outubro de 2007, notificado ao assistente por via postal registada datada de 26 de Outubro de 2007, o Sr. Procurador-Geral Distrital decidiu nada mais ter a decidir sobre a suscitada questão, posto que sobre ela se havia já pronunciado em anterior decisão;
- Face à junção de documentos pelo assistente, o Magistrado do Ministério Público titular do inquérito, por despacho de 19 de Novembro de 2007, reafirmou a validade do despacho de arquivamento proferido, determinando nada haver a ordenar face à prova entretanto junta;
- Em 15 de Janeiro de 2008, o assistente dirigiu um requerimento ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal onde, depois de descrever o historial dos vários requerimentos por si efectuados tendo por objecto apenas a nulidade do art. 120º, nº 2, d), do C. Processo Penal pelo incumprimento do art. 272º, nº 1, do mesmo código, afirmando que o Ministério Público não se pode substituir aos denunciados relativamente aos factos que lhes são imputados e que até poderão confessar, e que a violação do art. 272º, nº 1, do C. Processo Penal lhe confisca o direito de requerer a abertura da instrução, em violação do disposto nos arts. 18º, nº 1 e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e que, face à recusa pelo Ministério Público em suprir a dita nulidade cometida no inquérito, compete ao juiz de instrução dela conhecer, pediu que fosse declarada tal nulidade e ordenado o seu suprimento, pelo cumprimento do art. 272º, nº 1, do C. Processo Penal;
- No dia 23 de Janeiro de 2008, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal proferiu o despacho recorrido, indeferindo o requerido pelo assistente, com fundamento em que o juiz pode conhecer das nulidades praticadas na fase do inquérito pelo Ministério Público, mas apenas nas fases a que preside isto é, na instrução e no julgamento.
Em suma, sendo obrigatório o interrogatório de arguido, na fase de inquérito, quando este corre contra pessoa determinada (art. 272º, nº 1, do C. Processo Penal), e constituindo a omissão deste acto a nulidade sanável prevista no art. 120º, nº 2, d), do código citado (Acórdão Uniformizador nº 1/2006, de 23 de Novembro de 2005, DR, I-A, de 2 de Janeiro de 2006) na redacção anterior à da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o que o assistente, ora recorrente pretende é que o juiz de instrução supra aquela nulidade, cometida no inquérito.
5.1. O inquérito, fase preliminar do processo, é da competência do Ministério Público (arts. 53º, nº 2, b), 263º, nº 1, e 267º, do C. Processo Penal) e compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e respectiva responsabilidade, bem como a descobrir e recolher provas, tudo em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262, nº 1, do mesmo código).
No entanto, certos actos do inquérito só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução criminal.
Compete ao juiz de instrução criminal, além do mais, praticar todos os actos que consubstanciem o exercício de funções jurisdicionais relativas ao inquérito (art. 17º, do C. Processo Penal). Tais actos encontram-se enumerados, de forma geral, nos arts. 268º e 269º, do C. Processo Penal). Mas, para além deles, outros encontramos dispersos no C. Processo Penal como sucede, a título meramente exemplificativo, com a admissão de assistente (art. 68º, nº 4) ou com a suspensão provisória do processo (art. 281º, nº 1).
A finalidade visada pelo inquérito é, como dissemos, a de investigar a existência do crime e seus agentes em ordem à decisão sobre de acusação ou de abstenção de acusar ou seja, com o prosseguimento ou não, do processo para a fase subsequente (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 90).
Terminadas as diligências de investigação e recolha de prova, encerra-se a fase do inquérito essencialmente, através de despacho de arquivamento ou de despacho de acusação.
O arquivamento do inquérito pode ter quatro distintos fundamentos: por não se ter verificado o crime, por o arguido não ser o seu agente ou por inadmissibilidade legal do procedimento (art. 277º, nº 1, do C. Processo Penal); por insuficiência de indícios da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes (art. 277º, nº 2, do C. Processo Penal); pela verificação dos pressupostos da dispensa de pena (art. 280º, nº 1, do C. Processo Penal); e pela suspensão provisória do processo, tendo o arguido cumprido as injunções (art. 282º, nº 3, do C. Processo Penal).
Como vimos, o arquivamento dos autos foi decretado com base no segundo fundamento referido (falta de indícios).

Tem sido controvertida a questão de saber se na fase do inquérito, a competência para declarar a nulidade dos actos inválidos é exclusiva do juiz de instrução criminal ou se também o Ministério Público pode efectuar tal declaração com os consequentes efeitos.
O Cons. Maia Gonçalves entende que a declaração de nulidade que afecte acto processual durante o inquérito deve ser feita pelo Ministério Público, salvo se o acto afectado for da competência do juiz de instrução, devendo em consequência, ser o nº 3 do art. 122º, do C. Processo Penal ser interpretado extensivamente (C. Processo Penal Anotado, 10ª Ed., 311).
Para o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, na fase do inquérito, o Ministério Público e o juiz de instrução criminal têm ambos competência para declarar a nulidade ou irregularidade de um acto processual, competência que é restrita à ilegalidade dos actos da respectiva competência (Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 306 e ss.).
Já o Prof. Germano Marques da Silva, distinguindo entre declaração de invalidade e repetição ou reparação do acto inválido, entende que aquela declaração e a fixação dos seus efeitos apenas pode ser declarada pelo juiz, enquanto a repetição ou reparação do acto inválido pode ser efectuada, oficiosamente ou a requerimento, pela autoridade judiciária competente para a direcção da fase em que a invalidade ocorreu (Do Processo Penal Preliminar, 475 e ss.; cfr. ainda Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 89).
No mesmo sentido se pronuncia João Conde Correia, para quem a declaração de nulidade tem carácter materialmente judicial, e porque na fase do inquérito compete ao juiz de instrução criminal praticar ou sindicar todos os actos que contendem com direitos, liberdades e garantias individuais, onde se inclui o conhecimento das nulidades (Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, 189 e ss, nota 439). Também os Acs. da R. de Coimbra de 07/02/1996, CJ, XXI, I, 51, da R. do Porto de 30/05/2001, CJ, XXVI, III, 241, e de Évora de 02/07/1996, CJ, XXI, IV, 296, seguiram este entendimento.
E é este também o entendimento que perfilhamos.
O recorrente, face ao despacho de arquivamento do processo, não requereu a instrução quando o podia fazer (entendemos que a circunstância de não ter sido efectuado o interrogatório judicial não determina, sem mais, a inadmissibilidade da instrução pois, além do mais, nos termos do art. 57º, nº 1, do C. Processo Penal, assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem aquela for requerida). E na fase da instrução poderia ser arguida e conhecida a nulidade.
Não havendo lugar a instrução, como não houve, a nulidade invocada, porque de nulidade sanável se trata, deveria ter sido arguida, até cinco dias após o encerramento do inquérito (art. 120º, nº 3, c), do C. Processo Penal).
Mas não o foi. Com efeito, encerrado o inquérito através do despacho de arquivamento, o recorrente optou pela forma de controlo interno em que se traduz a intervenção hierárquica, deixando esgotar aquele prazo de cinco dias.
E só a 15 de Janeiro de 2008, quando o despacho de arquivamento havia sido proferido há já mais de seis meses (não constando dos autos de recurso a data do despacho de arquivamento do inquérito e a data da sua notificação ao recorrente, consta no entanto o despacho do Magistrado do Ministério Público titular, proferido em 13 de Julho de 2007 e notificado por via postal simples com prova de depósito datada de 16 de Julho de 2007, e depósito efectuado a 17 de Julho de 2007 – fls. 55 e 67 – que recusou a reabertura do inquérito, bem como constam os demais requerimentos dirigidos aos diversos Magistrados da hierarquia do Ministério Público).
Desta forma, quando, pelo requerimento de 15 de Janeiro de 2008, é arguida a nulidade perante o Mmo. Juiz de Instrução, já a mesma, pelo decurso do prazo do art. 120º, nº 3, c), do C. Processo Penal, se encontrava sanada, sendo por tal razão, extemporânea a sua arguição.
Concluindo, mostrando-se há muito esgotado o prazo previsto no 120º, nº 3, c), do C. Processo Penal, a arguição perante o juiz de instrução da nulidade sanável de falta de interrogatório de arguido, cometida no inquérito, é extemporânea.
E se assim é, parece-nos claro não poder entender-se que ao recorrente não foi assegurado o acesso ao direito e aos tribunais.
5.3. Quanto à omissão de pronúncia que, no entender do recorrente, afecta o despacho recorrido, começaremos por dizer que os actos decisórios dos juízes são sempre fundamentados, deles devendo constar os motivos de facto e de direito da decisão (art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal).
Naturalmente que estes motivos são os relativos e necessários à resolução das concretas questões colocadas, por forma a que a decisão se torne compreensível, dentro e fora do processo.
No ponto 9 do requerimento de 15 de Janeiro de 2008 pode ler-se, “O Ministério Público é uma entidade integrada na administração autónoma do Estado, e os seus magistrados são hierarquicamente subordinados. Pelo que, os seus actos e omissões não reguladas no CPP, estão sujeitos a impugnação, independentemente da sua forma, ao abrigo do disposto no art. 268º, nº 4, da CRP. Sendo tais actos e omissões cometidos no âmbito de inquérito criminal, o tribunal competente para conhecer da impugnação dos mesmos só pode ser o tribunal de instrução criminal, quando eles afectam o exercício de direitos que a lei adjectiva manda exercer nessa instância jurisdicional. Por isso, a recusa de suprimento de nulidade cominada no art. 120º, nº 2, d), do CPP, por violação da norma do art. 272º, nº 1, do mesmo código, ocorrida em fase de inquérito, e a obstrução ao exercício do direito de o pedir aos superiores hierárquicos, tem de ser impugnada perante o juiz de instrução criminal. (…) ”.
E no ponto 13.1. da motivação do recurso pode ler-se, “Em síntese, as decisões de recusa dos representantes do MP intervenientes no inquérito, em se pronunciarem sobre a arguição de nulidade por violação do disposto no art. 272º, nº 1, do CPP, e em procederem ao respectivo suprimento, foi impugnada perante o juiz de instrução, pelo requerimento de 14.01.2008, ao abrigo do disposto no art. 268º, nº 4, da Constituição, e 122º, nº 3, do CPP.”.
E é por entender que no despacho de 23 de Janeiro de 2008 nada foi dito quanto ao fundamento constitucional e legal da impugnação dos actos e omissões do titular do inquérito e dos seus superiores hierárquicos, que o recorrente invoca a omissão de pronúncia.
Começaremos por referir que foi opção do legislador não permitir que o juiz de instrução sindique a decisão do Ministério Público de reabrir ou não o inquérito, como resulta do disposto no nº 2, do art. 279º, do C. Processo Penal (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 122, Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., 712, e José Mouraz Lopes, Garantia Judiciária no Processo Penal, 67).
Quanto ao mais, o juiz não tem, necessariamente, que se pronunciar sobre todos os concretos argumentos, de facto ou de direito invocados, mas apenas sobre os que relevam para a decisão tomada face às concretas questões colocadas. Por outro lado, a opção por determinada decisão, pode determinar o lógico e necessário afastamento de determinados fundamentos.
No despacho recorrido entendeu-se que o juiz de instrução apenas tem competência para, na fase do inquérito, conhecer das nulidades dos actos por si praticados ou da sua competência, na mesma fase processual. E como atrás deixámos referido, trata-se de uma das posições possíveis de seguir quanto à concreta questão, que pressupõe uma interpretação extensiva, e não literal, do art. 122º, nº 3, do C. Processo Penal.
A partir do momento em que, no despacho recorrido, foi feita a opção por este entendimento, desnecessária se tornou qualquer reflexão adicional sobre as normas indicadas pelo recorrente como impondo distinta decisão.
Não deixaremos no entanto, de referir, que a invocada norma do art. 268º, nº 4, da Lei Fundamental não pode fundamentar a pretensão do recorrente, na medida em que se mostra integrada no Título IX referente à Administração Pública, artigo este que tutela os direitos e garantias dos administrados perante a Administração.
Ora, o Ministério Público encontra-se mencionado no Capítulo IV do Título V, Tribunais, não sendo um órgão da Administração Pública.
Concluindo, não enferma o despacho de 23 de Janeiro de 2008 de omissão de pronúncia.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência, decidem:
A) Revogar o despacho de 4 de Janeiro de 2008, determinando a sua substituição por outro que, depois de ponderar a resposta do recorrente à promoção do Ministério Público, conheça do objecto de tal promoção.
B) Confirmar, quanto ao mais – ainda que por razões não completamente coincidentes – o despacho de 23 de Janeiro de 2008.