Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2452/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: COMPRA E VENDA
ILEGITIMIDADE DA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
CASO JULGADO FORMAL
DANOS FUTUROS
PROVENIENTES DE DANOS ACTUAIS
SUA REPARAÇÃO
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 914º, 916º, 1221º, 1225º E 1437º DO C.C E ARTIGO 510º, Nº 3 DO CPC.
Sumário: I – O tribunal deve conhecer da excepção da ilegitimidade no despacho saneador, não estando impedido de dela conhecer oficiosamente em momento posterior, se não tomar posição concreta sobre ela no despacho saneador, visto este despacho não formar caso julgado formal nessas circunstâncias, como resulta do nº 3 do artº 510º do C.P.Civil.
II – Por força do disposto no artº 1437º do Código Civil, o administrador de condomínio, no exercício das suas funções ou mediante autorização da assembleia, pode propor acções contra os condóminos e contra terceiros. Quando estão em causa partes comuns do prédio, como é óbvio.

III – Nos termos conjugados dos artºs 914º e 916º do C. Civil, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, durante o período de cinco anos caso a coisa vendida (defeituosa) seja um imóvel, o mesmo se passando coma empreitada, por força do disposto nos artºs 1221º e 1225º do C. Civil.
Estamos, em qualquer dos casos, perante danos directos e actuais, detectados após a venda.
Em nenhuma dessas disposições, ou em qualquer outra, se prevê, no entanto, o direito de exigir a reparação ou a eliminação de defeitos futuros, produzidos pelos danos presentes denunciados.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A “A...", representada pela "B...”, com sede na R. da Sofia, n.º 127, 1.º, Coimbra, na qualidade de administradora e com poderes conferidos e autorizados pela Assembleia de Condóminos; C..., intentaram, em 25/10/2001, pela Vara Mista de Coimbra, acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra “D...”, pedindo que esta seja condenada a reparar todos os defeitos definidos nos artigos 20 a 83, mais concretamente não só nas partes comuns, como ainda nas fracções individuais, cujo valor estimado é de 20.000.000$00; bem como na reparação dos danos futuros a que derem causa, com o seguinte fundamento, em síntese:
A ré construiu o edifício identificado no artigo 2.º da p.i. e, posteriormente, vendeu a cada um dos ora autores as fracções por cada um deles adquiridas, sempre entre Abril e Outubro de 1997, e, logo a partir do início do ano de 1998, começaram a surgir defeitos na construção em causa, alguns dos quais, depois de para tal alertada, a ré reparou.

Como subsistia a maioria deles, foi efectuada uma peritagem ao prédio, na qual foram descritos todos os problemas e defeitos existentes e, dada a conhecer à ré, a mesma não procedeu à respectiva reparação, defeitos esses que se acham descritos nos artigos 20 a 83 da p.i. e que afectam tanto as partes comuns como algumas das fracções individuais.
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Contestando, a ré alegou a caducidade dos direitos que os autores pretendem fazer valer, com o fundamento em o prédio ter sido concluído em 12/05/1997 e que até ao decurso do prazo de um ano após tal data, nem após, não lhe foi comunicada a existência de quaisquer defeitos e que só efectuou, depois de decorrido tal prazo, algumas reparações no prédio em questão, por uma questão de defesa da sua imagem comercial.
Relativamente aos defeitos invocados, alegou que em 1999 procedeu ao arranjo das caleiras, pelo que só problemas de falta de manutenção podem prejudicar o livre escoamento das águas e que as grelhas das condutas da ventilação das casas de banho foram bem colocadas, pelo que os problemas detectados só podem ter origem por alguém ter partido a caixa de ligação aos tubos que conduziam o ar do exterior.
Quanto aos demais defeitos invocados, impugnou-os expressamente.
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Replicando, os autores alegaram que logo no início do ano de 1998 avisaram o sócio da ré da existência e amplitude dos defeitos verificados, que a ré aceitou e prometeu resolver, mas só o fez em parte, pelo que, em Maio de 1999, por carta, avisou a ré da existência dos demais defeitos, que a ré, mais uma vez, prometeu resolver, mas, também mais uma vez, só resolveu em parte, pelo que, em Abril de 2000, por carta, solicitaram à ré a reparação dos defeitos existentes, algumas das quais a ré efectuou, até que em início de Agosto de 2001 para ali deslocou uma equipa de trabalhadores, sem aviso prévio, não podendo ter sido feitas as reparações porque a maioria das pessoas estava de férias, pelo que em Setembro do mesmo ano, solicitaram a reparação, mas a ré não mais deu qualquer resposta.
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Em despacho pré-saneador foram os autores convidados a esclarecer e a concretizar alguns pontos da matéria de facto alegada, o que fizeram.


Foi elaborado despacho saneador, no qual se remeteu para final a decisão da excepção de caducidade, tendo sido elaborados especificação e base instrutória, de que não houve reclamação.

Foi realizado exame pericial a pedido dos autores.

Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré e a acção parcialmente procedente, condenando a mesma ré a reparar todos os defeitos definidos nas alíneas N) e GG) a DDDD) dos factos provados, mais concretamente não só nas partes comuns, como ainda nas fracções individuais, bem como na reparação dos danos futuros a que derem causa.
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Inconformada, interpôs a ré recurso de apelação, rematando a sua alegação com extensas conclusões (26, em oito páginas), que, por isso, nos abstemos de aqui reproduzir.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
A) - A ré é uma sociedade comercial que se dedica à indústria de construção civil e compra e venda de propriedades, no exercício da qual construiu o prédio urbano (constituído em regime de propriedade horizontal), sito na Av. Bissaya Barreto, com os n.os de polícia 157 e 165, freguesia de S.to António dos Olivais, Coimbra, descrito na respectiva Conservatória de Registo Predial, sob o n.º 3142, da dita freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano 5497, cf. constante das escrituras de fl.s 24 e seg.s.
B) - Mediante escritura pública de compra e venda, datada de 08/08/97, outorgada no 2.o Cartório Notarial de Coimbra, o 2º autor declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao r/c, d.to, letra “C”, destinado a habitação, tipo T0, e uma garagem na cave com o n.º 19, do prédio identificado em A), cf. doc. de fl.s 24 a 28, aqui dado por reproduzido.


C) - Mediante escritura pública de compra e venda, datada de 08/08/97, realizada no mesmo Cartório Notarial, o 2º autor declarou comprar e ré declarou vender a fracção autónoma designada pela letra “Y”, correspondente ao 2º andar direito, letra “W”, lado nascente - poente, para habitação tipo T0, e uma garagem na cave, com o n.º 17, do mesmo prédio, cf. doc. de fl.s 29 a 33, aqui dado por reproduzido.
D) - Mediante idêntica escritura, datada de 08/08/97, no mesmo Cartório Notarial, o 2º autor declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada pela fracção “X”, correspondente ao 2º andar d.to, letra “U”, lado poente, para habitação tipo T0, e uma garagem na cave, com o n.º 18, do supra referido prédio, cf. doc. de fl.s 34 a 38, aqui dado por reproduzido.
E) - Mediante idêntica escritura, datada de 30/05/97, realizada no 2º Cartório Notarial de Leiria, a 3ª autora declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao r/c d.to, letra “A”, lado nascente tipo T2, para habitação, e uma garagem na cave, com o n.º 16, do mesmo prédio, cf. doc. de fl.s 39 a 51, aqui dado por reproduzido.
F) - Mediante idêntica escritura, datada de 24/04/97, outorgada no 2º Cartório Notarial de Coimbra, os 4ºs autores declararam comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada pela fracção “H”, correspondente ao r/c esqº, letra “E”, lado poente, para habitação, tipo T2 e uma garagem na cave, com o n.º 4, do mesmo prédio, cf. doc. de fl.s 52 a 56, aqui dado por reproduzido.
G) - Mediante idêntica escritura, datada de 22/10/97, outorgada no Cartório Notarial de Soure, a 5ª autora. declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada por fracção “Q”, correspondente ao 1º andar esqº, letra “N”, lado nascente, para habitação, tipo T0 e uma garagem na cave, com o n.º 12, de tal prédio, cf. doc. de fl.s 57 a 75, aqui dado por reproduzido.
H) - Mediante idêntica escritura, datada de 06/08/97, outorgada no 4º Cartório Notarial de Coimbra, a 6ª autora declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada fracção “W”, correspondente ao 2º andar d.to, lado norte, letra “S”, para habitação, tipo T1, e uma garagem na

cave, com o n.º 22, do mesmo prédio, cf. doc. de fl.s 76 a 85, aqui dado por reproduzido.
I) - Mediante idêntica escritura, datada de 08/05/97, outorgada no 1º Cartório Notarial de Coimbra, os 7ºs autores declararam comprar e a ré declarou vender as seguintes fracções autónomas:
- fracção “AC”, correspondente ao 2º andar esqº, lado nascente letra “Z”, para habitação, tipo T1, e uma garagem na cave com o n.º 13;
- fracção “Z”, correspondente ao 2º andar esqº, lado nascente, letra “V”, para habitação, tipo T0, e uma garagem na cave, com o n.º 9, do mesmo prédio; cf. doc. de fl.s 86 a 90, aqui dado por reproduzido.
J) - Mediante idêntica escritura, datada de 27/06/97, outorgada no 2º Cartório Notarial de Coimbra, a 8ª autora declarou comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada fracção “AA”, correspondente ao 2º andar esqº, lado nascente - poente, letra “X”, para habitação, tipo T2, e uma garagem na cave, com o n.º 15, de tal prédio, cf. doc. de fl.s 91 a 95, aqui dado por reproduzido.
L) - Mediante idêntica escritura, datada de 11/06/97, outorgada no 1º Cartório Notarial de Coimbra, os 9ºs autores declararam comprar e a ré declarou vender a fracção autónoma designada fracção “AB”, correspondente ao 2º andar esqº, lado sul - poente, letra “Y”, para habitação, tipo T2, e uma garagem na cave, com o n.º 24, do mesmo prédio, cf. doc. de fl.s 96 a 102, aqui dado por reproduzido.
M) - Cf. escrituras acima referidas, tal prédio obteve a licença de habitabilidade em 12/05/97.
N) - A partir do início de 1998 começaram a detectar-se manchas negras e humidades, em algumas zonas do prédio em questão.
O) - Repintadas, pela ré, tais zonas, tais manchas voltaram a aparecer.
P) - No decorrer de 2000, a administração realizou uma peritagem ao estado do prédio, levada a efeito por um engenheiro civil, tendo sido enviada uma cópia de relatório efectuado à ré.
Q) - Tal perito obteve cópia do projecto aprovado pela Câmara e informou a ré das irregularidades detectadas e para as correcções que deveriam ser efectuadas.

R) - Quando em 1998 apareceram as manchas e humidades referidas nos quesitos 1 e 2, os autores avisaram, pessoalmente, o sócio gerente da ré e através do responsável pela obra.
S) - Decorreram diversas reuniões no prédio, entre alguns autores, a administração, responsáveis da ré e o engenheiro que efectuou a vistoria, em meados e no final de 1998.
T) - A ré aceitou a existência dos problemas enumerados na p.i. e comprometeu-se a repará-los, logo que houvesse disponibilidade da sua parte.
U) - Os trabalhos por parte da ré decorreram no início do ano de 1999, tendo-os esta considerado terminados nos fins de Abril desse ano.
V) - Depois de vistoria realizada em Maio de 1999, a administração do prédio remeteu à ré a carta de fl.s 136 e vº, aqui dada por reproduzida.
X) - A ré aceitou a existência e responsabilidade pela reparação dos defeitos apontados, comprometendo-se a iniciar brevemente os trabalhos, o que efectivamente ocorreu.
Z) - Em Abril de 2000, a administração do prédio enviou à ré a carta de fl.s 137 e 138, que aqui se reproduz.
AA) - Na sequência de mais esta carta, a ré voltou a enviar pessoal para efectuar alguns trabalhos no prédio.
BB) - Em inícios de Agosto de 2001, a ré, sem qualquer aviso ou comunicação aos proprietários das fracções e à administração, deslocou para ali uma equipa de pessoal, querendo reiniciar os trabalhos.
CC) - Porque a generalidade dos autores e moradores do prédio se encontrava de férias, estando encerradas a quase totalidade das habitações e a própria administração também estar de férias, foi comunicado ao pessoal da ré que seria melhor realizar as obras a partir de início de Setembro de 2001.
DD) - Entretanto, os autores haviam acordado que de futuro a ré, quando pretendesse realizar obras devia avisar com antecedência e as mesmas serem acompanhadas pelo seu engenheiro e exigiram um prazo para a conclusão das obras.


EE) - Em 10/08/01 a ré remeteu uma carta aos autores, na qual declinava qualquer responsabilidade na conclusão das obras pelo facto de os autores não terem aceitado que as mesmas fossem realizadas no decorrer do mês de Agosto.
FF) - Em 27/09/01, a administração respondeu à ré, através da carta de fl.s 139 e 140, que aqui se reproduz.
GG) - Verifica-se acumulação de água sobre as caleiras, o que ocasiona pontos de acumulação de água sobre a tela e a sua infiltração para as zonas inferiores.
HH) - Denunciada esta situação, a ré procedeu à colocação de placas de ruffmat sobre a tela e sobre esta seixo rolado, de calibre inferior ao aconselhável, o que provoca a obstrução dos tubos de descarga, fazendo com que ali se acumule e mantenha a água.
II) - A cobertura do edifício nas zonas comuns tem laje de betão armado e nas fracções existe laje de esteira, encobrindo a estrutura da cobertura.
JJ) - As grelhas das condutas da ventilação dos quartos de banho partem da garagem do edifício, razão pela qual aparecem cheiros a fumo e gases libertados pelos automóveis, no interior das fracções.
LL) - No vão da escada, nomeadamente junto à porta de acesso à cobertura, tanto na ala direita como na ala esquerda do edifício, existem grandes manchas de condensação e humidade.
MM) - Na escada interior, ao iniciar a subida para o primeiro andar, na ala esquerda do prédio existe uma mancha de humidade na parede comum com o quarto de banho.
NN) - No 1º e 2º andares do edifício verifica-se que o pavimento do patamar junto das portas de acesso de várias fracções em zonas contíguas com banheiras de fracções, apresentam grandes manchas, o que denota a deficiente colocação das banheiras.
OO) - Na ala esquerda do edifício, no r/c, na parede do vão da escada comum com o quarto de banho do r/c “G”, existe uma mancha de humidade.
PP) - Na casa das máquinas do elevador constata-se a existência de extensas manchas de humidade, decorrentes de infiltrações através das paredes exteriores, consequência de fissuras, reboco de pouca espessura e uma

pintura pouco espessa.
QQ) - A caixa existente no espaço comum das garagens para evitar a subida de gases das viaturas caiu, em consequência do que alguns quartos de banho estão a receber gases das viaturas.
RR) - No que respeita à fracção “F”, o tecto do quarto de banho apresenta diversas manchas de condensação e humidade.
SS) - No quarto contíguo com o quarto de banho existe um pequeno foco de condensação.
TT) - No que se refere à fracção “D”, na parede do corredor verifica-se a existência de manchas de humidade nas paredes.
UU) - Na casa de banho o tecto apresenta-se cheio de humidade e bolor, porque o tubo de saída dos gases, bem como o exaustor são muito pequenos e não extraem a quantidade de ar necessário, de acordo com as dimensões da casa de banho.
VV) - Na sala a cimalha apresenta-se ligeiramente fissurada, de forma quase imperceptível.
XX) - Quanto à fracção “H”, existem fissuras nas paredes e azulejos do corredor, bem como nas paredes do quarto, devido ao normal funcionamento da junta de dilatação.
ZZ) - A sala apresenta grandes manchas de humidade na parede e tecto.
AAA) - No quarto contíguo com o quarto de banho o pavimento encontra-se descolado em alguns pontos.
BBB) - Verifica-se a existência de microfissuras superficiais sem relevância na garagem.
CCC) - No que respeita à fracção “Q”, na casa de banho, nomeadamente nos tectos, existem manchas negras de humidade.
DDD) - No hall de entrada desta fracção as paredes apresentam-se com zonas escuras, denotando a existência de humidades.
EEE) - Quanto à fracção “W”, o quarto apresenta manchas de humidade e condensação.
FFF) - O pavimento deste mesmo quarto, em tacos de madeira, apresenta-se com diversas manchas junto da janela, situação decorrente de infiltração de água sob a soleira, encontrando-se, em alguns locais, os tacos levantados.

GGG) - Na cozinha existem manchas de humidade e o esquentador não extrai todos os fumos e gases, enegrecendo o tecto na zona onde está instalado.
HHH) - Na sala também existem manchas de condensação.
III) - O sistema de extractor da casa de banho não é eficaz, dando origem a que, em poucos meses, o tecto fique coberto de bolor.
JJJ) - O mesmo extractor conduz até à casa de banho cheiros de escape dos carros provenientes da garagem.
LLL) - Nesta fracção verifica-se a existência de humidades devido a pontes térmicas – deficiência no isolamento térmico e falta de ventilação.
MMM) - As paredes estão a descascar provocando o levantamento dos tacos, dada a existência de humidades.
NNN) - O vídeo porteiro encontra-se avariado.
OOO) - O mesmo extractor conduz até à casa de banho cheiros de escape provenientes da garagem do prédio.
PPP) - No hall de entrada desta fracção na parede comum com o quarto de banho existiam manchas de humidade, situação decorrente de uma eventual fuga na canalização e/ou deficiências no rejuntamento dos azulejos no quarto de banho.
QQQ) - A parede do hall de entrada no local onde existia a mancha de humidade apresenta a tinta a enfolar.
RRR) - Existem tacos levantados no quarto junto da porta de acesso à varanda.
SSS) - No corredor das partes comuns, junto às escadas, existem manchas de humidade na parede contígua com a casa de banho, tudo levando a crer que estas não foram executadas em boas condições.
TTT) - Quanto à fracção “AA”, no quarto com roupeiro, existem manchas de humidade provenientes de condensações.
UUU) - No quarto de banho principal continuam a chegar gases das viaturas quando estão a trabalhar na zona das garagens.
VVV) - No tocante à fracção “AB”, na cozinha, encontram-se diversos azulejos fissurados.
XXX) - O tecto e as paredes da sala apresentavam manchas de humidade.

ZZZ) - Na sala existiam pequenas fissuras nas paredes e tecto e tacos levantados no quarto do casal.
AAAA) - A lareira não extrai os fumos, de modo a que possa funcionar.
BBBB) - O extractor de ar na casa de banho encontra-se ligado directamente às partes comuns da garagem, provocando a existência de fumos.
CCCC) - Os problemas acima identificados são aptos a ter consequências no futuro.
DDDD) - A cobertura do edifício é com telha, sendo-o assim desde a data da sua construção e assim foi adquirido pelos condóminos.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).

I – Começa a recorrente por reiterar a verificação da caducidade dos direitos que os autores pretendem fazer valer através da presente acção, que já havia invocado na contestação, visto que, como a presente acção deu entrada em Juízo em 25/10/2001, tendo a recorrente sido citada por carta datada de 26/11/2001, e sendo os defeitos conhecidos desde 1998 e nesse ano denunciados, há muito que havia expirado o prazo de seis meses e não de um ano, legalmente estatuído como limite para a interposição da acção.

Tal excepção foi julgada improcedente na sentença recorrida, por se entender que a ré não demonstrou a factualidade em que assentava tal excepção (v. resposta de não provado dada aos quesitos 84º e 85º), o que, em sede de decisão, lhe é desfavorável (cfr. artº 342º, nº 2, do Código Civil), e, além disso, porque os autores ainda lograram demonstrar que, desde o aparecimento dos defeitos, os denunciaram à ré, a qual, inclusive, os prometeu solucionar, tendo até chegado a iniciar a reparação de alguns, que não concluiu, tendo de concluir-se que, ainda que se verificasse a caducidade do direito a que se arrogam os autores, sempre tal caducidade se teria de ter por interrompida, nos termos do disposto no artº 331º, nº 2, do Código Civil.

Vejamos.
No caso de venda de coisas defeituosas estatui o artº 916º do Código Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência), no que diz respeito à denúncia dos defeitos para efeitos de caducidade da acção:
1 - O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2 – A denúncia será feita até 30 dias depois de conhecido o defeito ou dentro de 6 meses após a entrega da coisa.
3 - Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.
Há, no entanto, que tomar em consideração também o artº 1225º, quanto à denúncia dos defeitos dos imóveis destinados a longa duração, no que diz respeito à empreitada, que dispõe:
1 – Sem prejuízo do disposto no artº 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2 – A denúncia, neste caso, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3 – Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no artº 1221º.
4 – O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

No caso sub judice, estamos, sem dúvida, perante diversos contratos de compra e venda, uma vez que, como resulta da matéria de facto constante das als. B) a L), os autores adquiriram à ré, entre 24/04/1997 e 22/10/1997, as fracções autónomas aí melhor identificadas.
No entanto, aplicam-se as regras da empreitada, nos termos expostos, visto que, como também se provou (cfr. al. A), foi a ré que promoveu a construção do prédio de que fazem parte as fracções adquiridas pelos autores.


Ora, como também resulta da matéria de facto dada como provada (als. N) a FF), a partir do momento em que começaram a aparecer manchas negras e humidades nalgumas zonas do prédio (início de 1998) os autores avisaram pessoalmente o sócio gerente da ré, tendo decorrido diversas reuniões com responsáveis da ré, aceitando esta a existência dos problemas enumerados na p.i. e comprometendo-se a repará-los; Os trabalhos da ré decorreram em 1999; No ano de 2000 a ré, na sequência de mais uma carta da administração do prédio, voltou a enviar pessoal para efectuar alguns trabalhos no prédio e, no início de Agosto de 2001 a ré deslocou para o aludido prédio uma equipa de pessoal, para reiniciar os trabalhos.
Perante este factualismo, e face ao disposto no nº 2 do artº 331º, tem de se concluir que não chegou a correr o prazo da caducidade de um ano previsto na lei (quer se considere aplicável o artº 916º, quer o artº 1225º), por se ter aquela por impedida pelo reconhecimento do direito dos autores por parte da ré.
Independentemente de os autores terem feito prova da não verificação da caducidade do seu direito de accionarem a ré, competia a esta, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 342º, fazer a prova do decurso do prazo de tal caducidade, o que não logrou alcançar, face à resposta de “não provado” aos quesitos 84º e 85º da Base Instrutória (onde se perguntava se a administração do prédio nunca comunicou à ré a existência dos alegados defeitos e se igualmente nenhum dos autores jamais comunicou à ré a existência dos defeitos por cada um deles alegados).

II – Invoca a ré a ilegitimidade da administração do condomínio para denunciar o pedido da eliminação dos defeitos apontados como existentes em fracções autónomas, que apenas pelos proprietários das mesmas podiam ser reclamados, questão essa que, segundo alega, não foi apreciada na sentença recorrida.
Como se sabe, a ilegitimidade é uma excepção dilatória, que deve ser conhecida oficiosamente (artºs 494º, al. e), e 495º do Código de Processo Civil.
O tribunal deve conhecer dessa excepção no despacho saneador, oficiosamente ou porque tenha sido suscitada por alguma das partes (cfr. artº 510º, nº 1, al. a), do mesmo Código), não estando, no entanto, impedido de dela conhecer oficiosamente em momento posterior, se não tomar posição concreta sobre ela no despacho saneador, visto este despacho não formar caso julgado formal nessas circunstâncias, como resulta do nº 3 do referido artº 510º.

É precisamente o que se passa no presente caso.
O Sr. Juiz, no saneador, limitou-se a dizer que as partes são legítimas, sem tomar, portanto, posição concreta sobre a questão, pelo que o despacho não transitou quanto a ela, podendo ser apreciada posteriormente.
É o que vamos fazer.
As funções do administrador reconduzem-se, para além de outras, à representação do conjunto dos condóminos ( artºs 1436º, al. i), e 1437º)
A função representativa do administrador refere-se tanto a actos a praticar perante autoridades administrativas como judiciais. Neste segundo caso é-lhe reconhecida não só legitimidade activa como passiva.
Assim, o administrador, no exercício das suas funções ou mediante autorização da assembleia, pode propor acções contra os condóminos e contra terceiros. Quando estão em causa as partes comuns do prédio, como é óbvio.

No presente caso, verifica-se da acta da assembleia-geral do edifício em questão (Acta nº 7, de 27/09/2000, junta fls. 21/23) que, quanto ao ponto 4ª da ordem dos trabalhos (Análise da evolução das intervenções efectuadas pela Construtora reclamadas em garantia. Medidas a tomar), foi tomada a seguinte deliberação: “(…) verifica-se que a empresa construtora se tem mantido insensível às diversas interpelações que lhe têm sido efectuadas pela administração com vista a proceder à reparação dos diversos defeitos de construção. Inclusive já lhe foi remetido um pormenorizado relatório, elaborado por um engenheiro civil, ao qual a mesma não ligou qualquer importância. Perante tal recusa em reparar os graves defeitos do prédio, foi deliberado por unanimidade mandatar a administração para passar procuração a um advogado com vista que o mesmo proponha um acção judicial contra a empresa construtora. A esta mesma acção poderão associar-se todos os senhores condóminos que individualmente pretendam. Antes disso, deverá a administração mandar elaborar um relatório aos diversos defeitos”.
Verifica-se, assim, que a administração tinha legitimidade para propor a presente acção contra a ré, visto estar, para o efeito, autorizada pela assembleia de condóminos, sendo certo que foram invocados na p.i. (cfr. artºs 20º a 31º) defeitos nas partes comuns do prédio.


No que diz respeito aos defeitos invocados em relação às fracções autónomas, há que anotar que intervieram na acção, como autores os respectivos proprietários dessas fracções, pelo que não se pode concluir, como pretende a ré, que administração é que veio pedir a eliminação dos defeitos apontados como existentes nessas fracções autónomas.
Conclui-se, assim, pela legitimidade da administração do condomínio para estar em juízo, com a propositura da presente acção contra a ré.

III – A recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, pondo em causa quase todas as respostas aos quesitos da Base Instrutória, fundando-se, para tal, nos depoimentos das testemunhas inquiridas na audiência e no doc. de fls. 21/23.
Ora, tendo havido gravação da prova em audiência, pode, no regime vigente, a recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que se mostrem cumpridos os ónus impostos pelo artº 690º-A do Código de Processo Civil, o que, no presente caso, se verifica.
Pode, assim, esta Relação alterar tal decisão, reapreciando as provas em que assentou a parte impugnada, sem prejuízo de oficiosamente se atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão – artº 712º, nºs 1, al. a), e 2, do C.P.C.
No entanto, a linha dominante de orientação vai no sentido de a intervenção do tribunal da relação assumir uma feição meramente residual, no sentido de que tal função correctora só terá lugar se se vier a verificar – naturalmente apenas em casos limite – uma situação em que se afigura nada plausível, face ao conjunto da produção da prova, a formação da convicção do julgador, continuando, pois, a prevalecer a primacial regra da livre apreciação das provas, tal como vem enunciada no artº 655º do C.P.C.
Isso mesmo se colhe do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, onde se refere que o duplo grau de jurisdição “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente (…)”.

Tendo em conta tais factores, e uma vez que foram cumpridos os ónus impostos pelo aludido artº 690º-A (na sua actual redacção, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto), vejamos se, e em que medida, a pretensão da recorrente merece provimento.

Entende a recorrente que não foi produzida qualquer prova que conduzisse às respostas dadas aos quesitos 3º, 7º e 10º (que correspondem às als. P), T) e X) dos factos considerados provados na sentença), pois não há demonstração documental nem testemunhal que conseguisse atestar que todos os defeitos cujas eliminações se peticionam foram denunciados, muito menos que foram pela recorrente reconhecidos e se prontificou a eliminá-los.
Estes quesitos têm a seguinte redacção:
3º - No decorrer de 2000, a administração realizou uma peritagem ao estado do prédio, levada a efeito por um engenheiro civil, tendo sido enviada uma cópia do relatório efectuado à ré?
7º - A ré aceitou a existência dos problemas enumerados na p.i. e comprometeu-se a repará-los, logo que houvesse disponibilidade da sua parte?
10º - A ré aceitou a existência e responsabilidade pela reparação dos defeitos apontados, comprometendo-se a iniciar brevemente os trabalhos, o que efectivamente ocorreu?
Todos eles tiveram as respostas de “provado”.
Respostas essas que são de manter, face ao depoimento da testemunha Aristides Marques Roque, que mostrou ter conhecimento dos factos por ser procurador dos proprietários de três das fracções, e, nessa qualidade, ter acompanhado todos os problemas surgidos no prédio em questão e todas as tentativas e contactos entre a administradora do prédio e alguns condóminos com a construtora, com vista à sua resolução.
No que respeita à resposta ao quesito 3º, há ainda que conjugar o depoimento dessa testemunha com o documento de fls. 137 (que corresponde a uma carta remetida pela administradora do prédio à firma construtora, com data de 02/05/2000, a enviar um relatório de uma vistoria levada a efeito pelo Sr. Eng. Ricardo Gomes.


Os aludidos depoimento e documento serviram para formar a convicção do julgador e, apreciados os mesmos nesta Instância, não vemos motivo para os pôr em causa, e, consequentemente, tal convicção.

Alega, depois, a recorrente que na acta nº 7 junta com a p.i. expressamente foi afirmado: “Perante tal recusa em reparar os graves defeitos do prédio …”, acta datada de 27/9/2000, declarações que fazem prova plena, tinham de conduzir ao resultado inverso das respostas dadas aos quesitos 7º, 10º e 12º [correspondendo este último à al. AA) da matéria de facto dada como provada na sentença].
Discordamos da conclusão extraída pela recorrente, visto que, se é certo que a ré aceitou a existência dos problemas enumerados na p.i. e se comprometeu a repará-los, fez apenas pequenas reparações, não resolvendo os problemas mais graves, como resulta das cartas remetidas pela administração do prédio à ré, em 18/05/1999 e 02/05/2000, juntas a fls. 136 e 137, acompanhadas de relatórios de vistorias efectuadas pelo Sr. Eng. Ricardo Gomes, e onde precisamente se dá conta que, não obstante as reparações efectuadas, ainda existem diversas anomalias, quer no exterior, quer no interior do prédio que terão de ser reparadas, continuando a empresa a protelar a resolução das situações mais graves.
São, assim, de manter as respostas a tais quesitos.

Afirma, também, a recorrente que as respostas aos quesitos 13º e 14º [que correspondem às als. BB) e CC) da matéria de facto dada como provada na sentença] não têm também qualquer suporte probatório que as sustente, conforme resulta dos já atrás transcritos depoimentos e documentos.
Sem razão, no entanto, visto a verificação dos factos constantes desses quesitos ter sido confirmada pela testemunha Aristides Marques Roque, que deles mostrou ter directo conhecimento, não havendo motivo para duvidar do seu depoimento, que não foi contrariado pelo depoimento de qualquer das outras testemunhas inquiridas na audiência nem pelos documentos juntos aos autos.

Finalmente, alega a recorrente que a matéria de facto considerada provada constante dos quesitos 18º a 83º tem como único suporte os relatórios de peritagem juntos aos autos, mas grande parte das respostas dadas pelos Srs. peritos não

foram conclusivas, mas sim hipotéticas.
Antes de mais, convém esclarecer que, ao contrário do que afirma a recorrente, não foi dada resposta positiva aos quesitos 18º a 83º, pois, como se vê das respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória, constantes de fls. 343/344, os quesitos 22º, 27º, 35º, 36º, 40º, 42º, 50, 51º, 56º, 57º, 59º, 60º, 61º, 68º, 69º, 70º, 72º, 73º, 74º, 77º, 81º e 82º tiveram as respostas de “não provado”, e os quesitos 18º, 19º, 20º, 24º, 26º, 29º, 31º, 32º, 34º, 37º, 41º, 43º, 45º, 49º, 54º, 58º, 63º, 64º, 65º, 67º, 75º, 76º e 78º tiveram respostas restritivas.
Para responder a estes quesitos que tiveram respostas restritivas e aos restantes quesitos que deu como provados (21º, 23º, 25º, 28º, 30º, 33º, 38º, 39º, 44º, 46º, 47º, 48º, 52º, 53º, 55º, 62º, 66º, 71º, 79º, 80º e 83º), fundamentou-se o Sr. Juiz a quo no relatório pericial de fls. 223/230 e seus complementos de fls. 258/266 e 282/287.
Como é sabido, a força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo tribunal (cfr. artº 389º do Código Civil), de acordo com o princípio da prova livre.
Analisando tal relatório pericial, não vemos motivo para pôr em causa a convicção que o Sr. Juiz a quo formou acerca do mesmo, de molde a alterar aquelas respostas de conteúdo positivo.

Improcede, assim, o recurso na totalidade no que diz respeito à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.

IV – Perante a manutenção da decisão proferida sobre a matéria de facto, é de confirmar a sentença recorrida, na parte em que condenou a ré a reparar todos os defeitos definidos nas als. N) e GG) a DDDD) dos factos provados, não só nas partes comuns, como ainda nas fracções individuais.
E isto quer se entenda aplicável o disposto nos artºs 913º e ss. (para a compra e venda), quer o disposto nos artºs 1221º e ss. (para a empreitada), por força do estatuído no já citado artº 1225º, nº 4, todos do Código Civil.

V – Insurge-se a recorrente contra a sua condenação a reparar eventuais danos futuros, traduzindo a decisão clara violação do estatuído nos artºs 916º e 917º do C.C. e da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, matéria actualmente consagrada na Lei nº

67/2003, de 8 de Abril, aplicável para os hipotéticos defeitos futuros.
Os autores pediram, na p.i., a condenação da ré na reparação dos danos futuros a que os defeitos definidos nos artºs 20º a 83º derem causa, alegando, para o efeito, que os defeitos atrás identificados são aptos a produzir danos futuros, cuja reparação, igualmente terá que ser efectuada a cargo da ré.
Na sentença foi a ré condenada nesse pedido, sem que, no entanto, tenha sido apresentada qualquer justificação factual e legal para o efeito – com o que foi cometida uma nulidade da sentença, com previsão na al. b) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil, que, no entanto, não pode aqui ser conhecida, por não ser de conhecimento oficioso e não ter sido invocada.
Nos termos conjugados dos artºs 914º e 916º, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, durante o período de cinco anos caso a coisa vendida (defeituosa) seja um imóvel.
O mesmo se passa com a empreitada, por força do disposto nos artºs 1221º e 1225º - aqui aplicáveis por estarmos perante uma situação em que vendedor é que construiu o imóvel.
Estamos, em qualquer dos casos, perante defeitos directos e actuais, detectados após a venda.
Em nenhuma dessas disposições, ou em qualquer outra, se prevê, no entanto, o direito de exigir a reparação ou a eliminação de defeitos futuros, produzidos pelos danos presentes denunciados.
E isto é assim, certamente, porque já é concedido um prazo bastante longo para a denúncia dos defeitos (no caso dos imóveis), reputado suficiente para a manifestação dos defeitos que possam afectar a coisa vendida.
Se fosse permitido obter a reparação dos aludidos danos futuros, o vendedor ficaria eternamente vinculado à obrigatoriedade de os reparar, o que teria consequências nefastas para o comércio jurídico, nomeadamente para a construção e venda de imóveis, pois ninguém estaria interessado em construir e vender imóveis sabendo que estaria sujeito a responder sem qualquer limite de tempo, pelos defeitos que surgissem posteriormente.
É óbvio que não estamos aqui a considerar a hipótese de haver acordo das partes nesse sentido, dentro da liberdade contratual prevista no artº 405º, caso em que poderão as mesmas acordar na reparação de defeitos futuros surgidos nas condições

atrás referidas.

No presente caso, e na falta de acordo das partes nesse sentido, não é possível condenar a ré na reparação dos danos futuros a que (os que foram definidos na sentença) derem causa, tendo, portanto, a sentença que ser revogada nessa parte.
E isto é assim independentemente de se poder entender ser aplicável, por analogia, o disposto no artº 564º, nº 2, que, na obrigação de indemnização, prevê a hipótese de os danos futuros serem indemnizáveis, desde que sejam previsíveis.
É que falta aqui a demonstração da previsibilidade de tais danos.
*
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em dar parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a reparar os danos futuros, no mais se confirmando tal sentença.

Custas, nesta e na 1ª instância, por autores e ré, na proporção de metade.