Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/07.8GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
FALTA ENUMERAÇÃO FACTOS NÃO PROVADOS
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 368º.M 2,374º, 2 CPP
Sumário: 1. «Enumerar» significa uma descrição especificada dos factos que como tal se consideram, sendo necessário indicá-los um a um.
2. Não fazendo o legislador qualquer distinção de tratamento enunciados entre os factos provados e os factos não provados parece apodíctico que também quanto a estes terá o juiz de proceder a uma descrição especificada.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra –
I
1- No processo comum 63/07 do 3º Juízo do tribunal de Pombal, F... e C... foram condenados nas penas únicas de 150 dias de multa e de 100 dias de multa decorrentes do cúmulo jurídico das penas parcelares que lhes foram aplicadas pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e injúrias na pessoa de D....
Foram ainda condenados no pagamento ao demandante D... das seguintes quantias –
- o F... de €1.200 por danos não patrimoniais; por danos patrimoniais a quantia de €274,20 e o que se vier a liquidar a titulo de despesas de deslocação de demandante ao IML da Figueira da Foz em 5/2/2007 e de despesas com tratamentos médico/dentários necessários à substituição da prótese fixa no incisivo lateral direito e respectivos juros de mora;
- a C... de €700 com juros de mora, por danos não patrimoniais.
2- O arguido recorre concluindo –
1) Da fundamentação da sentença não consta a enumeração dos factos «não provados», apenas se dizendo que com interesse para a decisão não se provaram quaisquer outros factos para além dos descritos.
2) Assim e em concreto não se conhece se os factos e circunstâncias alegadas pelos arguidos na sua defesa, foram especificamente analisados, ponderados e deliberados pelo julgador, em particular os constantes dos pontos 18° a 63° [da contestação]. Sem condescender,
3) Os pontos tidos por provados descritos sob as alíneas a) a i) da motivação da decisão de facto mostram-se incorrectamente julgados;
4) As provas a impor decisão diversa são as declarações do arguido e do próprio queixoso assistente; bem assim os depoimentos das testemunhas M..., E... e S..., registados em suporte informático. Sendo,
5) Pelas declarações do arguido F... [realizadas no dia 1/4/08 na sala 2 sob o registo de 00:02:31 a 01:00:26] e da arguida C... [no mesmo dia e sala, registadas de 00:01:40 a 00:02:30] ter sido o queixoso D... a agredir e F... com cabo da enxada.
6) No mesmo sentido a testemunha M... [no dia 24/04/08, depôs na sala 2, encontrando-se o seu depoimento registado, de 00:00:02 a 00:39:32] onde referiu ter visto o D... a agredir o F... com um pau.
7) Assim como as testemunhas E... e S... viram o mesmo arguido e pai ferido a encaminhar-se nesse dia e logo após os factos para o Hospital [depoimentos prestados no dia 15 de Maio e registados na sala 2 sob 00:32:29 a 00:57:58 e; 00:57:59 e 01:32: 11].
8) Os elementos documentais clínicos, fotografias e a inspecção ao local, comprovam igualmente as lesões sofridas pelo arguido F....
9) O queixoso/assistente e o arguido F... confrontaram-se fisicamente, resultando para ambos lesões decorrentes da mesma.
10) De facto, o queixoso/assistente com a boca e dentes provocou ferimento no queixo do arguido F..., tendo nessa conduta partido o dente incisivo e lesões nas costas;
11) Aqueles factos, deveriam ser considerados ou tidos por provados;
12) O tribunal nos factos tidos por provados, baseou-se nas testemunhas arroladas pelo assistente as quais são sogra e tios, que andavam de relações cortadas com os arguidos por motivos de estremas de propriedades, não devendo merecer os seus depoimentos credibilidade por parciais e tendenciosos;
13) Ainda que assim não entendesse, atentas as lesões verificadas e não se apurando quem teve a iniciativa na agressão, o arguido deveria ficar isento de pena;
14) Mesmo se ainda assim se não entendesse, atenta a culpa e as condições circunstanciais, a pena não deveria ser superior a 60 dias de multa;
15) A condenação a título de danos não patrimoniais de € 1.200 mostra-se excessiva e injustificada, não devendo ir além dos € 500.
16) Ao relegar-se para liquidação ulterior pretensos danos sem qualquer limite faculta ao demandante, formular pedido superior ao deduzido no processo-crime.
17) Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados, interpretadas e aplicados os princípios gerais do direito penal e civil atinentes, nem o disposto nos art.ºs 32/1 da Constituição da República Portuguesa e 70,71, 143/3 do Código Penal e 374/2 do Código de Processo Penal.
3- Responderam o Ministério Público e o assistente pelo infundado do recurso, no que foram secundados neste tribunal pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Decisão de facto inserta na sentença –
a) Factos provados –
a) No dia 3 de Fevereiro de 2007, cerca das 15 horas e 30 minutos, em V…, VC…, Pombal, o arguido F... agrediu o queixoso/assistente D... , desferindo-lhe uma pancada, com o cabo de madeira de uma enxada, no ombro direito e nas costas, fazendo-o cair ao chão.
b) Aí o arguido F... colocou-se em cima do ofendido e agrediu-o com arranhões na face e no pescoço.
c) Tendo-se a arguida C... aproximado e agredido o queixoso na zona genital, apertando-lhe os testículos.
d) Em consequência das agressões por parte do arguido F..., o assistente ficou com a prótese de um dente partida e sofreu dores e duas escoriações com 4 x 3 mms cada, na região do maxilar inferior esquerdo. terço médio; 2 escoriações com 3 x 3 mms cada, na região facial esquerda, terço inferior e ferida gengival a nível do 2. ° incisivo superior à direita, com aspecto compatível com perda de prótese, o que lhe demandou directa e necessariamente para a sua cura um período de 15 dias sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. Em consequência da agressão por parte da arguida C... o assistente sofreu dores.
e) Os arguidos F... e C... agiram deliberada, livre e conscientemente, com o intuito de causar lesões corporais e dores no queixoso D..., como causaram, bem sabendo que agiam contra a vontade daquele.
f) Mais sabiam os arguidos que o seu descrito comportamento é previsto e punido por lei.
g) Nas circunstâncias de tempo e lugar aludidas em a) os arguidos, enquanto discutiam com o assistente, repetida e constantemente dirigiram-se a este chamando-lhe "ladrão" e "merdita".
h) Fizeram-no em tom audível por quem se encontrava nas proximidades.
i) Agiram de forma livre, voluntária e consciente, com as expressões que proferiram querendo e logrando atingir o assistente na sua honra, dignidade e consideração, sabendo que tais condutas eram puníveis por lei.
j) Em consequência da actuação dos arguidos o assistente sentiu-se ferido na sua honra e consideração e sofreu dores físicas e andou muito abalado com a perda do dente, nervoso e ansioso, temendo que factos idênticos se voltassem a repetir.
k) Em consequência das agressões por parte do arguido F... o demandante pagou ao Hospital Distrital de Pombal 7,50 € de taxa moderadora de episódio de urgência; 1,70 € de exame radiológico e 50,00 € de episódio de urgência.
1) Em consequência das agressões por parte do arguido F... o assistente submeteu-se a duas intervenções de medicina dentária na sequência da perda da prótese fixa, em 14 de Fevereiro de 2007 e em 16 de Fevereiro de 2007, tendo pago respectivamente 60 euros e 155 euros por tais intervenções.
m) Em consequência das agressões por parte do arguido F... o assistente teve que deslocar-se ao IML da Figueira da Foz em 5 de Fevereiro de 2007 para exame médico/legal, tendo-se deslocado em viatura própria, tendo dispendido quantia concretamente não apurada.
n) Na sequência da perda da prótese fixa no incisivo lateral direito o assistente teve que colocar uma prótese provisória e para substituir o dente em falta terá que se submeter a tratamentos dentários que de natureza e custo concretamente não apurados.
o) Aquando da ocorrência dos factos em causa nos presentes autos existia já e há alguns meses um conflito entre arguidos e assistente, motivado por divergências quanto ás estremas dos prédios de que são proprietários, designadamente motivada pela localização dos respectivos marcos e pela construção de uma vala e após de um muro por parte do assistente; correndo termos no 1.0 Juízo deste Tribunal procedimento cautelar de embargo de obra nova – Processo nº" 344/07.0TBPBL – no qual são requerentes os arguidos e requeridos o assistente e a sua esposa B....
p) Os arguidos são pessoas consideradas na comunidade onde se inserem, onde não lhe são conhecidos conflitos com terceiros para além de alguns familiares entre os quais se encontra o assistente.
q) O arguido F... foi carteiro durante mais de 20 anos e está actualmente reformado e a arguida C... é doméstica.
r) Os arguidos residem em casa própria com dois dos seus três filhos maiores e fazem face às despesas do agregado com a reforma do arguido de 900,00 euros mensais.
s) Os arguidos são proprietários de prédios rústicos e de um veículo automóvel. Pagam cerca de 370,00 euros anuais do seguro da viatura aludida e cerca de 550 a 600 euros mensais de prestação de crédito pessoal e três seguros de que são titulares.
t) A arguida C... tem vários problemas de saúde crónicos, designadamente osteoporose, má circulação e de tensão, para os quais necessita de adquirir medicamentos mensalmente, sendo frequentemente consultada pelo médico.
u) O arguido F... tem a 4.3 classe e a arguida C... a 3.a classe.
v) Os arguidos não têm antecedentes criminais.
w) A enxada que se encontra apreendida á ordem dos presentes autos e que foi utilizada pelo arguido F... para praticar os factos aludidos em a) pertence ao arguido F....
b) Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, constantes das acusações, pedidos cíveis e contestações deduzidas, nomeadamente que os factos que ocorreram entre as partes tenham tido outras motivações ou outro circunstancialismo que não o que se dá como provado; que os danos sofridos pelo requerente cível tenham tido outra origem ou extensão que não as que se dão como provadas.
c) Motivação –
O Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente, as declarações prestadas em sede de audiência pelos arguidos e assistente e os depoimento das testemunhas na medida em que os mesmos se afiguraram credíveis, na prova pericial e documental junta aos autos e ainda nos certificados do registo criminal dos arguidos juntos aos autos.
Todos os elementos de prova supra referidos foram apreciados à luz do disposto no artigo 127 do CPP, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, claro está, tendo em mente a capacidade crítica e ao distanciamento e ponderação que se impõem.(…)
De salientar que no caso dos autos o tribunal viu-se confrontado com uma prova testemunhal e por declarações de pessoas, entre os quais se encontram os próprios arguidos e o assistente – quase todas pertencentes à mesma família, entre elas existindo más relações motivadas não apenas pelos presentes autos mas também, conforme as declarações dos próprios, por problemas relacionados com partilhas e estremas de propriedades.
No que concerne ao vertido em a) a d) valoraram-se essencialmente as declarações do assistente D..., conjugadas com os depoimentos das testemunhas F..., G... e H..., testemunhas presenciais dos factos e que pese embora as suas más relações com os arguidos, destes fizeram uma descrição espontânea. clara, coerente e detalhada, revelando-se pois os seus depoimentos sérios e por via disso credíveis.
Com efeito, tanto o assistente como as aludidas testemunhas relataram de forma bastante detalhada e espontânea ao Tribunal as circunstâncias que antecederam a actuação dos arguidos e a intervenção que nestes estes tiveram, descrevendo a forma como o arguido F... se aproximou do assistente munido de uma enxada e desferindo uma pancada com o cabo de madeira desta no ombro direito e nas costas. fazendo-o cair ao chão de bruços, após o que o arguido F... se colocou por cima do assistente agredindo-o na cabeça (empurrando-a em direcção ao solo, dando-lhe socos e arranhando-o no pescoço e na cara).
Também no que concerne à actuação da arguida C... depuseram tais testemunhas de forma credível relatando ao Tribunal que quando o assistente e o arguido se encontravam no chão a arguida aproximou-se e agrediu o assistente na zona genital, descrevendo a testemunha F... que a arguida "abraçava" o assistente pelas partes fracas e foi puxada pela G... por um braço; relatando a testemunha G... que quando o assistente estava virado para baixo a arguida veio por trás e "apalpou-lhe os tomates" ("amassava no meio das pernas") e ela puxou-a por um braço e a testemunha H... tendo, de forma consentânea, declarado que a arguida veio por trás e "agarrou-se a eles" (F... e D...) a "apalpar com as mãos por baixo... os órgãos". Também o assistente D... tendo referido que, pese embora não tenha visto quem foi, sentiu uma forte dor nos genitais.
Em face da prova supra aludida não ficou o Tribunal com quaisquer dúvidas quanto a tal factualidade, sendo ainda de referir que não resultaram credíveis as declarações que a este propósito prestaram ambos os arguidos e que se verificaram até, ser contraditórios entre si; desde logo na medida em que o arguido F... afirmou peremptoriamente que a arguida C... não pode andar e por isso nunca veio para junto do local onde ele e o assistente estavam envolvidos, declarando que a arguida e o assistente nunca tocaram um no outro e a própria arguida referiu que puxou o D... pelo cinto das calças, não se recordando bem onde segurou mas sustentando que só tocou nas calças.
Valoraram-se ainda neste particular e no que concerne a d) o Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal realizada em 5 de Fevereiro de 2007 pelo IML (fls. 6 e ss dos autos) e portanto apenas dois dias depois dos factos e o Relatório Clínico de fls. 136 – elaborado em 13 de Março de 2007 pelo Hospital Distrital de Pombal e onde se declara que o demandante no dia 3 de Fevereiro de 2007 pelas 15:59h deu entrada no serviço de atendimento permanente/serviço de urgência desse hospital, da ficha clínica constando que o demandante apresentava "pequena solução de continuidade da face interna do lábio inferior.
Ausência, por excisão de pivot, observa-se material metálico na raiz, do incisivo lateral direito.
Refere dores no ombro direito. Apresenta escoriações ao nível do ombro, região infra deltoideia e escapular direitos. Efectuado radiograma do ombro direito que não mostrou alterações. Alta para o domicilio com analgésico".
Com efeito, conjugando as conclusões em tal relatório extraídas (quando ao nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. e á origem dos traumatismos constatados - de natureza contundente) e as lesões nele (bem como nos relatório clínico) documentadas – atentando na sua localização e dimensões, mormente conjugando tais dados com a descrição feita dos factos pelas testemunhas aludidas e pelo assistente, dúvidas não restam ao tribunal quanto à existência das preditas agressões e relação existente entre estas e as lesões documentadas em tal relatório e informação clínica e a actuação do arguido F.... No que concerne à arguida C..., dizer apenas que resulta da própria normalidade das coisas que a sua actuação não tenha deixado "marcas" visíveis no assistente, com efeito, a arguida apertou os testículos do assistente e tal actuação é, à luz das regras da experiência, causadora de fenómeno doloroso (face à particular sensibilidade de tal zona), sendo que atentando no facto de que a actuação da arguida foi quase momentânea – já que a arguida foi puxada pela testemunha G... – resulta pois absolutamente verosímil o descrito pelas testemunhas e pelo assistente a este propósito.
De referir ainda quanto ao "pivot" que também as testemunhas G..., F... e B... relataram que o assistente tinha um pivot num dente que se partiu durante as agressões, resultando ainda do teor do Relatório Clínico citado que se constatou a ausência, por excisão de pivot, observa-se ainda material metálico na raiz, do incisivo lateral direito.
No que respeita a e) e f) cumpre desde logo dizer que, atenta a forma como actuaram os arguidos e que supra se descreveu e resulta provada não restam dúvidas de que estes agiram de modo livre, voluntário e consciente, já que nenhum deles se encontrava incapacitado de querer e entender ou limitado na sua liberdade de actuação e circulação, ambos se tendo envolvido nos factos de forma voluntária.
Também quanto à intencionalidade lesiva do corpo e saúde e bem-estar nos termos concretizados e supra relatados não restam dúvidas, decorrendo das próprias regras da experiência comum e da normalidade das coisas que ao actuar da forma descrita, praticando as condutas assinaladas e usando os meios supra referidos, os arguidos causariam, como causaram lesões e dores no assistente; não podendo os arguidos deixar de saber – como sabe a generalidade dos cidadãos – que ao agiram dessa forma praticavam factos proibidos e punidos por lei, tanto mais que o próprio arguido F... também apresentou queixa contra o assistente por ofensa á integridade física.
Também no que concerne a g) e h) se valoraram essencialmente as declarações do assistente D... conjugadas com os depoimentos das testemunhas H... e G... que também neste particular descreverem de forma espontânea as expressões que ouviram proferir aos arguidos – em voz alta e audível por quem próximo se encontrasse – dirigidas ao assistente, de forma detalhada descrevendo o contexto de discussão em que tais expressões foram proferidas por ambos os arguidos.
Sendo quanto a i) de referir que, também neste particular, decorre das próprias regras da experiência comum e da normalidade das coisas que ao actuar da forma descrita os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, não podendo deixar de saber – como aliás saberia qualquer cidadão – que ao actuar dessa forma ofenderiam como ofenderam a honra, dignidade, consideração e bem estar do assistente, não podendo igualmente deixar de saber que ao actuar dessa forma praticavam factos proibidos e punidos por lei.
Relativamente ao vertido em j) valoraram-se essencialmente as declarações da testemunha B... – esposa do assistente que depôs de forma bastante espontânea, serena e séria – que relatou ao Tribunal que o marido sofreu dores durante muito tempo e andou a tomar medicamentos, descrevendo os sentimentos por este manifestados perante a actuação dos arguidos e consequências de tal actuação no seu estado anímico – designadamente as resultantes da perda do dente, esclarecendo que têm uma empresa e o marido representa a parte comercial e andou muito abalado. durante muito tempo sentindo dores e a tomar medicamentos e tal situação "prejudicou-o" no trabalho porque não tinha disposição para atender as pessoas – igualmente tendo a testemunha H... relatado que nos dias seguintes o assistente se queixava de dores no ombro e nos dentes e andava triste e a testemunha G... relatando que o assistente andou muito tempo transtornado. andava triste e continuou durante muito tempo a queixar-se de dores.
No que concerne a k) valorou-se a prova documental junta aos autos – recibo de fls. 137 – episódio de urgência e exames radiológicos e recibo de fls. 138 – episódio de urgência, conjugada com as declarações das testemunhas que acompanharam o assistente ao Hospital e o depoimento da testemunha B... que relatou que para além das despesas pagas no dia da assistência hospitalar receberam ainda em casa uma factura no valor de 50 euros que ela própria pagou.
Também no que concerne a l) se valoraram as declarações da testemunha B... conjugadas com a factualidade provada no que concerne à actuação do arguido F... e consequência desta ao nível dentário no assistente – tendo a testemunha acompanhado o assistente quando este efectuou tais intervenções – e a prova documental junta aos autos e constante de fls. 298 – Relatório Clínico emitido em 17 de Maio de 2007 pela médica estomatologista Dr." OD… e recibos de prestação de serviços médico/dentários – fls. 139.
No que respeita a m) tendo-se valorado o teor do próprio Relatório Pericial elaborado pelo IML e junto aos autos, conjugado com as declarações da testemunha B... que esclareceu ao Tribunal que o assistente se deslocou ao IML em carro próprio e não da empresa de que é sócio. Relativamente ao custo de tal deslocação o demandante avança um valor relativamente ao qual não foi produzida qualquer prova em sede de audiência, nem junta aos autos qualquer prova documental, donde não obstante o indiscutível custo de tal deslocação – desde logo mercê do combustível que nesta terá necessariamente sido gasto – não ter o Tribunal logrado apurado, em concreto, o custo de tal viagem.
No que concerne a n) valorou-se a prova documental junta aos autos e testemunhal já aludida no que concerne à relação existente entre a actuação do arguido F... e a perda do pivot pelo assistente, tendo ainda relevando neste particular o Relatório Clínico de fls. 298 emitido em 17 de Maio de 2007 pela médica estomatologista Dr.," OD…, da conjugação da prova aludida não restando dúvidas de que na sequência da perda da prótese fixa no incisivo lateral direito o demandante terá que substituir tal prótese, submetendo-se a tratamentos médicos de natureza e custo concretamente não apurados.
No que concerne ao custo de tal tratamento a testemunha B... referiu que a médica dentista disse que já não podia colocar aquele pivot, extraiu a raiz e aconselhou a fazer um implante que orçamentou em 1.500,00 euros; orçamento que consta do Relatório Clínico de fls. 298 a que já aludimos.
Ora, neste particular cumpre desde logo dizer que o depoimento da testemunha B... conjugado com o aludido Relatório é manifestamente insuficiente para permitir ao Tribunal dar como provado – com o grau de certeza exigível – sequer qual a natureza concreta dos tratamentos a que o assistente terá que ser submetido – número de consultas, eventual intervenção cirúrgica, etc. – matéria que está claramente fora do âmbito de apreciação do julgador já que de índole exclusivamente médico-dentária.
Com efeito, o que resultou provado e referimos já é que o assistente tinha um pivot num dente que se partiu mercê da actuação do arguido F... e que, conforme resulta da própria normalidade das coisas, terá que ser substituído. Saber se tal substituição passa pela colocação de um novo pivot ou terá que ser antes feita mediante a colocação de um implante é matéria que não foi cabalmente esclarecida em sede de audiência por nenhuma das testemunhas ouvidas – sendo que apenas a testemunha B... referiu que a dentista "aconselhou" a colocação de um implante – nem resulta suficientemente apurada em face da prova documental, já que no Relatório de fls. 298 apenas se refere, a este propósito que "Em 16 do mesmo mês fez-se a extracção e colocou-se a referida prótese provisoriamente até ser possível a resolução definitiva da ausência do dente com a colocação de um implante dentário cujo orçamento actualmente é de 1.500,00 euros", ficando pois o Tribunal sem saber se a colocação do aludido implante se trata da única forma de resolver definitivamente a ausência do dente ou se existem sequer outras alternativas clínicas para prover a tal substituição, não resultando pois possível também determinar, nesta sede, qual o valor concretamente a despender pelo assistente com tais tratamentos.
No que concerne ao) valoraram-se as declarações dos arguidos e assistente, conjugadas com o depoimento das testemunhas que nesta matéria relevaram ter conhecimento pessoal e directo (D..., H..., I…, E... e S...). Com efeito e pese embora as divergências verificadas entre os declarantes no que concerne á "razão" que assistirá aos arguidos ou ao assistente nesta matéria e, mormente quanto aos factos que antecederam os em causa nos autos, tanto os arguidos como o assistente e as testemunhas ouvidas referiram que estes estão de más relações desde há alguns meses por causa de problemas relacionais com os limites dos terrenos de que são respectivamente proprietários, problemas que contendem com a definição dos aludidos limites de terrenos (marcos colocados/retirados do local, dimensões de serventia no local existente) e que se terão agudizado com a abertura do assistente de uma vala e posteriormente com a construção de muro no local. Mais resultando o dado como provado quanto à existência de providência cautelar na qual são partes arguidos e assistente (e sua esposa) do documento junto aos autos e que se encontra a fls. 299 a 311.
Relativamente ao vertido em p) valoraram-se as declarações das testemunhas I… e L… – ambos vizinhos dos arguidos a quem conhecem há dezenas de anos – e que, neste particular, prestaram declarações de forma coerente e séria e que por via disso se afigurou credível, referindo a testemunha I… que os arguidos se dão bem com toda a gente e nunca teve conhecimento de estes terem tido problemas senão com a família e a testemunha L… que os arguidos são boas pessoas e só lhe conhece problemas com a família ("estas pessoas" referindo-se ao assistente e ás testemunhas G..., F... e H...). Também a testemunha E... – filha dos arguidos – referiu que tirando este problema de família não tem conhecimento de os pais alguma vez terem tido problemas, são pessoas sociáveis e têm muitos amigos, igualmente declarando a testemunha S... – filha dos arguidos – que não conhece quaisquer problemas aos pais que não os problemas familiares.
No que respeita a q) valoraram-se as declarações dos próprios arguidos, conjugadas com o depoimento das testemunhas H..., I…, L…, E... e S... que, neste particular, se afiguraram credíveis.
Valoram-se igualmente quanto a r) a u) as declarações dos próprios arguidos conjugadas com as das testemunhas I…, L…, E... e S..., na medida em que estas revelaram conhecimento pessoal dos factos aos quais depuseram.
Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos relevaram os certificados do registo criminal juntos aos autos.
No que concerne a w) valoraram-se as declarações conjugadas do arguido, assistente e testemunha F.... Com efeito o arguido referiu que deu por falta de uma enxada e tanto o assistente como a testemunha F... esclareçam que a enxada era do F... e entregaram-na no posto, tendo sido a utilizada pelo arguido para agredir o assistente.
Finalmente e no que concerne aos factos não provados referir desde logo que se não produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram, desde logo mercê de as declarações prestadas quanto a estes pelos arguidos e pela testemunhas não terem logrado convencer o Tribunal da sua veracidade.
Com efeito, os arguidos apresentaram uma versão dos factos completamente distinta da relatada pelo assistente e pelas testemunhas presenciais G..., H... e F...; apenas a testemunha M... tendo descrito ao Tribunal uma sequência de factos parcialmente similar à descrita pelos arguidos.
As declarações dos arguidos afiguraram-se de escassa credibilidade para o Tribunal desde logo mercê das várias divergências existentes entre o que estes declararam e o que foi relatado pelos demais, mas essencialmente mercê das várias contradições verificadas nas declarações dos arguidos quando confrontadas entre si e da inverosimilhança do por estes relatado face à prova produzida e carreada para os autos. Senão vejamos.
Os arguidos relataram ao Tribunal uma versão dos factos na qual o arguido F... é que teria sido vitima de agressão por parte do assistente D... – num primeiro momento com uma enxada e num segundo momento e quando o arguido e o assistente já estavam no chão, com uma mordidela no queixo – versão, conforme aludimos já apenas e parcialmente sustentada pela testemunha M...; sendo de destacar desde logo que enquanto o arguido F... admitiu que arrancou um marco (dizendo que o foi colocar no sítio certo) a arguida C... referiu que o marido não mexeu em marco nenhum, apenas tendo mexido numa pedra que "os outros" (D..., F..., G... e H...) tinham levado para lá e deu-lhe um encontrão com o pé; o arguido F... referiu que quando estava no chão com o assistente "os outros" (F..., G... e H...) estavam junto a eles e a arguida C... referiu que tais pessoas estavam a cerca de 10 metros e nunca se aproximaram de tal local; o arguido F... referiu que quando andaram aos "rebolões" – ele e o assistente – ficaram com os pés na serventia e o resto do corpo na propriedade dele e a arguida C... declarou que tudo se passou no terreno deles, a dois ou três metros da serventia e nunca foram para esta; o arguido F... referiu que a arguida C... não consegue andar e nunca se aproximou do local onde ele estava no chão com o assistente (não tendo tocado neste) e a arguida C... declarou que estava lá de lado e tentou puxar o assistente por trás, agarrando-o pelas calças.
Também no que concerne à dinâmica da alegada agressão perpetrada pelo assistente no arguido relataram os arguidos de forma bastante incoerente e mesmo contraditória.
Com efeito, o arguido descreveu que quando ele e a esposa se dirigiam ao local onde tinham deixado um pano com horta (pano cuja existência nenhuma das testemunhas confirmou) largou a enxada que trazia e quando estava com a esposa a agarrar o pano esta, que estava de frente para os outros, viu o D..., que estava a 15 metros da enxada a correr para a apanhar e foi quando o D... lhe deu uma paulada no fundo das costas do lado esquerdo. Após referiu que ele próprio viu que ia levar uma pancada e virou-se – para a enxada não lhe bater de frente – e depois o D... largou a enxada e virou-se a ele, deitou-o ao chão e mordeu-o no queixo e fez força com a cabeça – ele estava debaixo do D... – e pensa que deve ter sido nesse momento que o D... feriu o dente.
Já a arguida C... referiu que estava no terreno com o marido a segurar um pano com a hortaliça dentro e o D... passou do terreno do F... para o deles e pegou na enxada que estava ao pé deles para levarem para casa e deu com ela no arguido F.... Mais referiu que o D... apareceu de lado, praticamente nas costas dele F... – por trás – e deu-lhe com a enxada ao fundo das costas e mais à frente nas suas declarações referiu que só viram o D... depois da pancada. Declarou ainda que o arguido caiu no chão e o D... pôs-se em cima dele e caíram na lenha e começaram a lutar e quando estavam em cima da lenha o D... mordeu o F... no queixo.
Assim, o arguido F... diz que a esposa é que estava de frente para o local onde estavam "os outros", mas que ele arguido viu o assistente a correr para apanhar a enxada e por isso até se virou e a arguida C... diz que o assistente apareceu pelas costas do arguido F... – ora, ficamos pois sem compreender qual dos arguidos estava de frente para o assistente. Mais, se afinal ambos os arguidos viram o assistente a dar a pancada nas costas do arguido F... (como ambos descreveram), porque é que a arguida C... acabou por referir que só depois da pancada é que viram o D...? o arguido diz que se virou porque viu que ia levar a pancada e não quis ser atingido pela frente.... mas se o assistente surgiu por trás do arguido (como refere a arguida C...) como poderia este (assistente) desferir-lhe uma pancada pela frente?
Mais, dizem os arguidos que o assistente empunhava uma enxada e deu com ela no arguido ao fundo das costas, ora, se empunhava a enxada no ar, como é que deu com ela ao fundo das costas do arguido e não na parte superior do corpo?
Conforme aludimos, apenas a testemunha M... relatou ao Tribunal – de forma bastante exaltada e pouco clara – ter visto o assistente a entrar no terreno do arguido "para lhe bater", referindo que "andou uma enxada no ar" e "devia ser" o D... porque era mais alto que o F... e só os viu a rebolar entre um pessegueiro e um monte de lenha. E quando questionada por forma a precisar o que tinha visto – quem agredia quem e como – referiu que afinal, viu um pau na mão de um mas não sabe de quem e não viu quem agarrou quem e não viu "andar á bulha", porque a filha a chamou e quando veio já não viu mais nada.
Igualmente questionada quanto a quem se encontrava no local afirmou peremptoriamente que também a testemunha B... lá estava – sendo que nem os arguidos, nem o assistente, nem nenhuma das testemunhas ouvidas aludiram à presença da esposa do assistente no local, tendo a própria referido que apenas viu os momentos finais da confusão e quando se encontrava no jardim da sua casa (tendo o Tribunal constatado no local que o local onde ocorreram os factos é visível da casa da testemunha)!
Em face do exposto não mereceram pois tais declarações e depoimento qualquer credibilidade no que concerne a matéria que nos autos importava apurar.
Também no que concerne ás lesões que alegadamente teriam sido provocadas pelo assistente no arguido ao nível do queixo, não foi produzida qualquer prova, para além do a propósito relatado pelos arguidos.
Com efeito, não só nenhuma das testemunhas presenciais viu o assistente morder o arguido no queixo, como as testemunhas que a este propósito alegaram ter conhecimento acabaram por revelar não o ter, limitando-se a declarar que tal mordi dela teria existido porque viram o queixo do arguido ferido e este lhes disse que tinha sido o assistente a morder-lhe; também a demais prova carreada para os autos não sustentando a natureza de tais lesões. Senão vejamos.
Documentado nos autos de inquérito apensos (Processo n. o 181/07.2 TABPL) resulta apenas que o arguido F... também foi assistido no Hospital Distrital de Pombal no dia em causa nos autos (cfr. fls. 21 e ss) e que então foi tratado para "escoriações múltiplas dolorosas a nível da lombo-ilíaca, anca e irradiação para a coxa direitas”, sendo tais escoriações inteiramente compatíveis, à luz das regras de experiência comum, com o facto de o arguido e o assistente terem rebolado no solo enquanto estavam envolvidos fisicamente, sendo ainda de assinalar que nenhuma referência é feita a quaisquer lesões resultantes da pancada que o arguido alega ter sofrido com uma enxada ao fundo das costas, do lado esquerdo (como referiu o arguido).
Também no que concerne à aludida mordidela, importa referir que não existe em tal relatório clínico a referência a tal título de lesão, antes a referência a "dores a nível do maxilar inferior à esquerda" e que o arguido apresentava a nível do menta (ou seja, do queixo) duas escoriações, uma delas vertical e mediana no menta que foi suturada com um ponto; ora, na ausência de qualquer prova pericial nesta matéria que tivesse apurado a origem de tal ferimento, não pode o Tribunal deixar de assinalar que este, à luz das regras da experiência comum, pode ter as mais diversas origens e ter resultado, também ele e desde logo, de o arguido e o assistente terem rebolado no solo enquanto estavam envolvidos fisicamente.
De referir ainda quanto ao exacto local onde ocorreram os factos que os arguidos relataram que estes começaram dentro do seu terreno – onde o assistente teria entrado – tendo o arguido F... referido que apenas quando rebolaram no chão é que acabaram por ficar com os pés na serventia e a parte de cima do corpo no terreno dele e que, durante esse "corpo a corpo" no solo estiveram em cima de um monte de lenha que eles – arguidos – tinham no seu terreno, no que foi corroborado pela arguida C.... Nenhum dos demais ouvidos e que se encontravam presentes no local relataram tais circunstâncias, antes referindo que tudo se passou na serventia que aí existe.
Ora, em sede de deslocação ao local o Tribunal pôde constatar, além do mais, que efectuando o trajecto que o arguido F... alega ter sido por si e pelo assistente percorrido enquanto rebolavam, o local onde o terreno dos arguidos termina e se inicia a serventia tem um desnível com cerca de 60 cm de altura; ou seja, se tivessem feito tal percurso, arguido e assistente teriam literalmente "caído" na serventia. de uma altura de meio metro, e nem os arguidos nem o assistente ou qualquer das testemunhas presenciais, fez referência a tal facto em sede de audiência.
Mais se constatou então que por referência ao local onde o arguido alega que terão começado os confrontos e ambos terão rebolado, o monte de lenha situa-se do lado esquerdo e num plano ainda que ligeiramente superior ao local para onde, após, terão rebolado em direcção a uma pedra e entre o sítio onde o arguido alega que ele e o assistente se envolveram e o local onde se situa a dita lenha existe de permeio uma macieira.
Ora, em face do exposto, também neste particular resulta inverosímil a versão apresentada pelos arguidos, desde logo porque se o arguido e o assistente rebolaram, tendo o terreno – como o Tribunal constatou – inclinação, não seguiriam em sentido ascendente (como teriam que ter seguido para irem em direcção ao local onde estaria a lenha) mas antes descendente.
No mais alegado e conforme aludimos já não foi feita prova em sede de audiência e nem junta aos autos prova documental, que permitisse dar como provados quaisquer outros factos além dos que, nessa qualidade se descreveram.
2- Apreciação –
2.1- O recorrente começa por alegar a nulidade da sentença por falta de enumeração dos factos «não provados», a saber, nomeadamente os constantes da sua contestação de fls. 235 a 247.
O art.º374/2 do Código de Processo Penal impõem que na sentença se proceda a uma enumeração dos factos provados e dos factos não provados. Factos provados e não provados, segundo o art.º 368/2 do Código de Processo Penal, são todos os factos submetidos à apreciação do tribunal e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, os constantes da acusação ou da pronúncia e da contestação quer sejam essenciais quer instrumentais ou acidentais, bem como os não substanciais que resultarem da discussão da causa e sejam relevantes para a decisão e também os substanciais que resultarem da discussão quando aceites nos termos do art.º 359º/2 do Código de Processo Penal.
Não existe unanimidade jurisprudencial no que concerne ao conteúdo, sentido e âmbito da expressão legal «enumeração» dos factos provados e não provados constante do n.º2 do art.º 374º.
Mas ter-se-á de dizer que o texto legal não faz qualquer distinção no que tange entre os factos provados e os factos não provados, pois no referido preceito se estatui que «Ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados (…)».
Ora «enumerar» significa uma descrição especificada dos factos que como tal se consideram, sendo necessário indicá-los um a um. Não fazendo o legislador qualquer distinção de tratamento enunciados entre os factos provados e os factos não provados parece apodíctico que também quanto a estes terá o juiz de proceder a uma descrição especificada.
Esta exigência impôs-se com a eliminação dos quesitos sobre a matéria de facto [v.g. CPP de 1929] de modo a demonstrar que o tribunal considerou especificadamente toda a matéria com relevo para a decisão.
Ao eliminar-se o sistema da “quesitação” sem que fosse exigida uma fundamentação nos termos indicados isso representaria um retrocesso processual com implicações nas garantias de defesa do arguido.
Ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e controle das decisões judiciais só poderá ser efectiva se na sentença se proceder ao elenco completo dos factos provados e não provados pois só numa indicação minuciosa se comprova uma apreciação e julgamento completos.
Acresce que a expressão utilizada na sentença «Com interesse para a decisão da causa não se provaram outros factos para além dos supra descritos» para além de equívoca, pois não foi elencado nenhum facto tido por «não provado», constitui uma apreciação meramente subjectiva de quem a redigiu no sentido de que aquilo que para o juiz «a quo» carece de relevância para a decisão da causa pode mostrar-se para outros de alguma importância, nem que seja para o doseamento das penas.
É certo que o tribunal recorrido apresenta uma exaustiva motivação da decisão de facto, mas a nosso ver se de algum modo minimiza a falha não a elimina.
A falha arguida pelo recorrente tem como consequência a anulação da sentença que deverá ser substituída por outra em que o tribunal recorrido, com toda a liberdade de decisão, ou seja, sem qualquer compromisso com a anterior, proferirá nova decisão com base na apreciação que tiver da prova.
2.2- Ao anular-se a sentença que deve ser substituída por outra nos termos referidos, torna-se inútil a abordagem das restantes questões suscitadas no recurso, a saber, a sua discordância com a decisão de facto, a medida da pena e da indemnização que tem por exageradas.
III –
Decisão -
Termos em que se anula a sentença que será substituída por outra em que se colmate a falha detectada.
Sem custas.
Coimbra,