Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
404/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO ALBUQUERQUE
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTAGEM DO PRAZO PARA O EFEITO
Data do Acordão: 10/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 291º, Nº 1, DO CPC
Sumário: I – Incide sobre as partes o ónus de promoverem o regular andamento do processo, por decorrência do princípio do dispositivo, sem prejuízo de incumbir ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere e regular do mesmo.

II – Estabelece o artº 291º, nº 1, do CPC, que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida por mais de dois anos.

III – Embora a lei não refira expressamente que a interrupção tenha de ser objecto de pronúncia judicial, é entendimento comum e geral que deve haver prolação de despacho que a declare.

IV - A interrupção, enquanto efeito da inércia das partes não deve ficar dependente da maior ou menor celeridade da tramitação processual a que haja lugar, não nascendo ela do despacho que a declare, mas antes valendo desde que se perfez o tempo necessário de paragem do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível na Relação de Coimbra:


I – A A... instaurou em 21/09/2000 e no tribunal da comarca respectivo (3ª Juízo) acção executiva na forma ordinária contra B..., no decurso da qual, após penhora do imóvel hipotecado e convocação dos credores, foi designado dia para a sua venda por propostas em carta fechada.
No dia e hora designadas – 20 de Março de 2002 - foi constatado não estarem juntos os anúncios da venda, razão pela qual a Senhora Juíza deu sem efeito a diligência e mandou notificar a exequente que aliás não se fez representar, para o impulso do processo sem prejuízo do disposto no artº 51º do CCJ.
Notificada esta do despacho por carta expedida em 3 de Abril seguinte e tendo sido depois, por inércia da exequente, remetido o processo à conta em 20 de Dezembro seguinte, decidiu a mesma Senhora Juíza, após o pagamento do montante em dívida, declarar interrompida a instância, por novo despacho de 17/02/2004, notificado à exequente por carta enviada a 25/06.
Veio esta, então, decorrido um ano sobre essa notificação, e já com o processo no arquivo ou seja, em 28/06/2005, requerer a designação de novo dia e hora para a venda judicial do imóvel.
Porém a Senhora Juíza acabou por não considerar tal requerimento, por entender que a instância se encontrava interrompida há mais de dois anos, nos termos do artº291º, nº 1do CPC e daí ter declarado a sua extinção por deserção.


Inconformada, a exequente interpôs recurso de agravo, o qual foi admitido para subida imediata e nos próprios autos.
E no prosseguimento da sua tramitação, com notificação de ambas as partes do despacho supra, veio a Agravante a apresentar douta alegação da qual extraiu as seguintes conclusões:
1) Nos presentes autos, a instância foi declarada interrompida através de despacho notificado à exequente, ora Agravante, no dia 25/06/2004;
2) A Exequente, ora Agravante, através de requerimento entregue na secretaria no dia 28 de Abril de 2005, requereu a designação de dia e hora para a realização de venda através de propostas em carta fechada;
3) Nos termos do artº 291ºnº1 do CPC, “ considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”
4) Tendo a instância sido declarada interrompida na data de 25/06/2004 ( data da notificação do despacho) ainda não decorreu o prazo necessário para a deserção da instância.
5) Para que a instância seja interrompida é necessário despacho que a declare, pois o simples decurso do prazo não é suficiente para o efeito.
6) Pois para haver interrupção da instância, é necessário o decurso do prazo, bem como a imputação da paragem processual a título de negligência da parte.
7) Foram violados os artºs 285º e 291º do CPC, devendo o despacho ser revogado e substituído por outro que mande seguir os autos
Não houve contra alegação
A Senhora Juíza declarou manter o despacho agravado.

II – Por entender o Relator face a natureza da questão e a singeleza dos elementos factuais a ter em conta, não se justificar a colheita de vistos, foram estes dispensados.
Cumpre, pois, decidir.

III – No precedente relatório, constam já os factos necessários para a resolução da divergência suscitada quanto à contagem e início dos prazos para a interrupção e deserção da instância, e para ele portanto remetemos, para evitar repetições desnecessárias.
No fundo, do que se trata é de saber qual das teses em confronto faz a melhor interpretação da lei, se a adoptada na douta sentença que pressupõe não ter o despacho que declarou a interrupção da instância natureza constitutiva, mas meramente declarativa da situação de paragem dos autos por inércia da Exequente, ou pelo contrário , a defendida por esta, segundo a qual a notificação desse despacho é que marcou o início da contagem do prazo da deserção e logo da extinção da instância, o que implicaria não ter este decorrido, face ao intervalo inferior a um ano entre tal notificação e o seu requerimento
Vejamos .
Como é bem sabido, um dos ónus que a lei impõe às partes é o de promover o regular andamento do processo, por decorrência do princípio do dispositivo, isto sem prejuízo de incumbir ao juiz, mas sem pôr em causa o impulso nos casos especialmente previstos, de providenciar pelo andamento célere da causa.
Com efeito, não é admissível, à luz do interesse público da boa administração da justiça que por negligência das partes, os processos possam ficar sem movimentação ou andamento por tempo excessivo, ou indefinidamente (o que seria um absurdo kafkiano!) donde a existência de mecanismos para acudir, remediar e resolver tais anomalias, sendo justamente neste âmbito que a lei prevê os institutos da interrupção da instância a qual ocorre, passado um ano e um dia sobre a omissão da prática de acto de que dependa o respectivo andamento e da deserção, a qual, ao contrário do que acontecia no Código de 1939 se produz automaticamente passados dois anos ( em lugar dos cinco previstos antes da Reforma de 1995/96 do CPC actualmente vigente)ou seja, sem necessidade de despacho ou decisão judicial.
A interrupção da instância vem prevista no artº 285ºdo CCivil nos termos seguintes;
“A instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente da qual dependa o seu andamento”
E no seguimento preceitua o artº 286º que essa interrupção cessa , se o autor ( ou o exequente, já que se trata de uma disposição geral do processo) requerer algum acto do processo ou do incidente de que dependa o andamento dele, sem prejuízo do disposto na lei quanto à caducidade dos direitos.
Por seu turno, estabelece o artº 291º, nº1 que se considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida por mais de dois anos.
Embora a lei não refira expressamente que a interrupção tenha de ser objecto de pronúncia judicial é entendimento geral que deve haver prolação de despacho que a declare.
Não era essa opinião de Alberto dos Reis, como se colhe no seu Comentário, Vol.III, ed de 1946, 342 no qual concluía que o único efeito verdadeiro e real da interrupção da instância era o de “ soltar o prazo da prescrição que estava detido em consequência da citação do réu ou da caducidade que estava detido em consequências do registo de entrada da petição na secretaria”
Na verdade, a anterior formulação do preceito correspondente no Código de 1939 (artº290º) prescrevia e assinalava na 2ª alínea que “ Interrompida a instância, cessa o efeito que o nº 2 do artº 552º do CCivil assinalava à citação judicial, somando-se o tempo que decorreu até à citação com o que decorra a partir do momento da interrupção da instância e voltando a correr, nos mesmos termos, o prazo fixado para a propositura da acção”.
Tal alínea ou parágrafo foi, entretanto, suprimida em 1967, por conter matéria de direito substantivo, hoje regulada nos artºs 327º,nº2 e 232º, nº2 do CCivil de 1966 e que, então, ia entrar em vigor.
Daí e por igualmente a deserção da instância deixar de se operar por despacho, como era exigível no Código de 1939, onde seria feita a apreciação dos pressupostos para a sua verificação, que não passavam apenas pelo reconhecimento do decurso do tempo ( seis anos e um dia desde a paragem dos autos) como da negligência da parte a que caberia o ónus de o movimentar, se não poder dispensar despacho judicial que declarasse a instância interrompida, como tal apta a desencadear os efeitos extintivos pelo simples decurso do prazo de dois anos.
.
E justamente, onde se dividem as opiniões é quanto à natureza de tal despacho, ou seja se ele assume natureza constitutiva por forma a só a partir dele ou da sua notificação dever correr o prazo próprio de deserção, ou antes natureza declarativa, por forma a contar-se o prazo desde que se mostre perfeito o tempo de paragem necessário para a interrupção em consequência da falta de impulso das partes, designadamente o autor ou o exequente.
Na verdade, há quem entenda que a interrupção, enquanto efeito da inércia das partes não deve ficar dependente da maior ou menor celeridade da tramitação processual a que haja lugar, não nascendo ela do despacho que a declare, mas antes valendo desde que se perfez o tempo necessário de paragem do processo, sendo esta a posição dos Acs do Supremo de 12/01/1999 in BMJ nº483,168, de 30/01”2002, Agr.nº2756, 2ª Sumários 10/2002 e de 5/01/2004, disponível em wwwdjsi.pt
Ao invés, outra corrente jurisprudencial, representada pelo Ac da RE de 17/11/1998, in CJ Ano de 1998, Tº V, 23ó defende que é a partir da apreciação feita no despacho e com a prolação deste ou da sua notificação às partes e não apenas com a verificação da situação interruptiva reportada á data do preenchimento do prazo respectivo que se projectam para o futuro os seus efeitos extintivos.
Entendemos, sem quebra do devido respeito, estar a razão do lado da primeira posição.
Com efeito o despacho em causa visa apenas constatar, sendo esse o caso, a situação de inércia das partes enquanto causal do facto objectivo do decurso do prazo determinante da interrupção.
Nem faria sentido, ligar a lei a interrupção ao decurso de um prazo dentro do qual as partes por negligência deixam o processo paralisado e depois diferir para momento ulterior a sua eficácia, ao sabor das contingências processuais, com as demoras na conclusão dos autos.
Tal despacho não vai constituir uma nova situação processual, antes se limita a declarar a respectiva verificação, pelo exame dos autos e que se preenche com o decurso do prazo transcorrido de inércia que no caso se conta logicamente a partir da data em que a exequente foi notificada para dar o devido impulso à execução sem prejuízo da remessa à conta e pagamento das custas contadas como depois acabou por acontecer.
De resto a “conduta negligente da parte” a que a lei reporta tem apenas o sentido da omissão dos actos necessários ao prosseguimento do processo e que lhe incumba praticar, omissão cuja singeleza de apreciação se traduz na prática judiciária pela fórmula tabelar “ declaro interrompida a instância “ usada pela Mma Juíza.

No caso vertente, portanto e embora o despacho que declarou a instância interrompida tenha a data de 17/02/2004, por demora na tramitação dos autos, esta situação durava desde que decorrera um ano e um dia sobre aquele em que a recorrente foi notificada para dar o devido impulso à execução, ou seja desde 7 de Abril de 2003, o que vale dizer que o seu requerimento de 24 de Abril de 2005 foi tardio, por antes se ter operado a deserção de instância

IV – Nos termos expostos, acordamos em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho que declarou estar extinta a instância já declarada interrompida, por deserção.
Custas a cargo da agravante.