Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
937/07.6TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS POR MAIS DE 3 MESES
FALTA DE INTERESSE EM AGIR DO SENHORIO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
INQUILINO
Data do Acordão: 04/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 9º E 14º, Nº 1, DO NRAU (LEI Nº 6/2006, DE 27/02), 1083º, Nº 3, E 1084º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – A figura do interesse em agir ou do interesse processual conta-se entre os pressupostos processuais referentes às partes, cuja falta consubstancia uma excepção dilatória inominada e de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância.

II – Este pressuposto consiste, grosso modo, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou de fazer prosseguir a acção, ou na necessidade de tutela judiciária.

III – São duas as razões que justificam a relevância deste pressuposto: por um lado, pretende-se evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob a cominação de uma sanção normalmente grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica; por outro lado, visa-se também evitar sobrecarregar a actividade dos tribunais com acções desnecessárias.

IV – Enquanto que anteriormente ao NRAU (aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02) o senhorio apenas podia recorrer à acção judicial de despejo para por fim à relação de arrendamento (artº 55º do RAU), com o novo regime citado a resolução do contrato de locação passou a pode ser feita judicial ou extrajudicialmente (actual artº 1047º C.C.), devendo no último caso ser feita mediante comunicação à parte contrária, nos termos e pelos modos previstos no artº 9º do NRAU.

V – No que concerne ao senhorio, apenas em duas situações se pode recorrer à via extrajudicial para a resolução do contrato de arrendamento: na falta de pagamento de rendas (encargos ou despesas) por mais de três meses e em caso de oposição pelo arrendatário à realização de obras ordenadas pela autoridade pública – artºs 1083º, nº3, e 1084º, nº 1, do C. Civ..

VI – Embora sem certezas, afigura-se-nos que existe uma imposição legal quanto ao recurso à via extrajudicial, por via de simples comunicação à contraparte, para que o senhorio possa despejar o inquilino nos casos supra citados, estando-lhe vedado o recurso à via judicial – artºs 14º, nº 1, do NRAU e 1084º, nº1, do C.Civ..

VII – Ora, face ao exposto, não existe um qualquer interesse relevante do senhorio que justifique um regime opcional ou facultativo para por fim ao contrato de arrendamento em tais situações, em consequência do que carece de interesse processual em agir para instaurar acção judicial de despejo, dado que o seu direito que pretende fazer valer não se encontrar carecido de tutela judicial.

Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. O autor, A..., instaurou, em 17/5/2007, contra os réus B..., e C..., presente acção de despejo, que seguiu a forma de processo ordinário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
No dia 30/9/2004, deu de arrendamento à primeira ré o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, pelo prazo de 5 anos, com início em 1/10/2004 e termo no dia 30/9/2009, para ali ser exercida a actividade de ensaio e preparação de peças de teatro, contra o pagamento de uma renda mensal no valor de € 862,50, a pagar no primeiro dia útil do mês a que disser respeito, na casa do autor, anualmente actualizável nos termos legais. Contrato esse que foi reduzido a escrito e cuja cópia foi junta com a pi.
O segundo réu interveio nesse contrato na qualidade de fiador e principal pagador, tendo-se obrigado solidariamente para com o autor pelo cumprimento de todas as obrigações derivadas do contrato.
A primeira ré não pagou as rendas de Janeiro de 2006 a Maio de 2007, as quais totalizam a importância de € 14.662,50 e que os RR se recusam a pagar não obstante as diversas insistências que o A. tem feito junto dos mesmos para o efeito.
Pelo que terminou o A. pedindo:
a) Que se decrete a resolução do aludido contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas;
b) Que se condene a primeira ré a despejar imediatamente o arrendado, entregando-o ao autor livre e desocupado de pessoas e bens;
c) Que se condene os réus a pagarem-lhe, solidariamente, as rendas vencidas de Janeiro de 2006 a Maio de 2007, no total de € 14.662,50, e as vincendas até à entrega do arrendado, acrescidas dos respectivos juros de mora, calculados à taxa legal.

2. Citados os Réus, defenderam-se, em síntese, nos seguintes termos:
Começaram, desde logo, por excepcionar de falta de interesse processual em agir do autor, com o fundamento de a nova Lei do Arrendamento (NRAU) lhe permitir a resolução do contrato extrajudicialmente, ou seja, por simples comunicação extrajudicial feita ao arrendatário, pelo que, com base nesse fundamento, pediu a sua absolvição da instância.
Como segundo fundamento de defesa, alegaram ainda existir um acerto de contas a fazer entre o A. e a Ré, e que tem a ver com o pagamento que a última fez do preço de obras realizadas no locado (acrescido ainda pagamento das importâncias que a primeira teve posteriormente de fazer à administração fiscal do IVA e IRC), conforme fora antes acordado pelas partes intervenientes.
Pelo que invocaram a excepção de não cumprimento do contrato, à luz do disposto no artº 428 do CC, assistindo-lhes o direito de não procederem ao pagamento das rendas peticionadas.
Pelo que, com base nesse segundo fundamento, pediram os RR. a sua absolvição do pedido.

3. Na sua resposta, o A. pugnou pela improcedência de toda aquela defesa aduzida pelos RR.

4. No despacho saneador, o srº juiz a quo absolveu os RR da instância, com o fundamento na falta de interesse processual em agir por parte do A.

5. Não se tendo conformando com tal decisão, o autor dela interpôs recurso, o qual foi recebido nesta Relação como agravo (e depois de aqui se ter corrigido a espécie de apelação com que inicialmente fora recebido na 1ª instância).

6. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, o A. concluiu as mesmas no seguintes termos:
I- “O Autor tem interesse em agir judicialmente através da presente Acção para resolução do contrato de arrendamento em causa.
II- O n.º 3 do Art.º 1084º. do Código Civil e o n.º 7 do Art.º 9º da NRAU não proíbem a opção pela Acção de resolução do contrato de arrendamento (Acção de Despejo).
III- Os R. R. já na própria contestação abusivamente impugnam a obrigatoriedade do pagamento das rendas ou o valor da quantia peticionada, pedindo a absolvição do pedido.
IV- O Autor só através de Acção judicial pode exigir o pagamento das rendas ao fiador (2.º Réu).
V- Não obstante a faculdade que aos senhorio confere o disposto no Art.º 1084º. n.º 3 do Código Civil e nº. 7 do Artº. 9º. da NRAU, o Autor pode optar pela Acção declarativa judicial, meio mais eficaz de defender os seus direitos legalmente protegidos.
VI- A Constituição da República Portuguesa (Art.º 20º., nº. 1 e a Lei (Art.º 2.º n.º2 do C. P. Civil) permitem o acesso aos Tribunais e recurso a juízo na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do Autor, como é o caso dos Autos.
VII- A interpretação exarada no despacho recorrido do nº. 7 do Artº. 9º., nº. 1, alínea e) do Artº. 15º., nº. 2, do Artº. 21º. do NRAU e do nº. 3 do Artº. 1084º. do Código Civil, proibindo o Autor de intentar a presente Acção por falta de interesse em agir é ilegal e inconstitucional.
VIII- O despacho recorrido viola ou interpreta erradamente o disposto no Artº. 1084º., nº. 3 do Código Civil, o Artº. 9º., nº. 7, Artº. 15º., nº. 1, alínea e) e nº. 2 do Artº. 21º. do NRAU (Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro), Artº. 20º., Nº. 1 da Constituição da República Portuguesa e o Artº. 2º., nº. 2 do C. P. Civil, disposições que deverão ser interpretadas no sentido exposto.

7. Os RR não contra-alegaram.

8. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
A) De facto.
Com interesse para a apreciação do presente recurso, importa atender aos factos acima descritos, que resultaram das diversas peças processuais que integram os presentes autos.
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B) De direito.
É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos.
Ora, compulsando as conclusões do presente recurso – tal como, aliás, já decorre daquilo que supra já se deixou exarado -, verifica-se que a única questão que verdadeiramente importa aqui apreciar e decidir se traduz em saber se no caso presente o autor tem (como defende o agravante) ou não (como defendeu o tribunal a quo) interesse processual em agir?
Vejamos.
É sabido que muito embora a lei não lhe faça qualquer referência expressa, vem, todavia, e desde há muito, a nossa jurisprudência e doutrina esmagadoramente entendendo dever incluir-se, no nosso ordenamento jurídico, a figura do interesse em agir (ou interesse processual ou ainda de necessidade de tutela judiciária, como também costuma ser conhecida) entre os pressupostos processuais referentes às partes, cuja falta consubstancia, por sua vez, uma excepção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso (vidé, por todos, e para maior desenvolvimento, A. Varela, e outros, in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 179, e ss”; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 79 e ss”; e Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina Coimbra, págs. 251/255”; embora com posição algo discordante, e claramente isolada, veja-se ainda Castro Mendes, in “Direito Processual Civil, Vol. II, pág. 187 e ss”).
Interesse processual em agir que, sendo autónomo, não se confunde, assim, com os demais pressupostos processuais, e especialmente com o referente à legitimidade das partes, com o qual com frequência é confundido.
Pressuposto esse que ocorre em todo o tipo de espécie de acções existente entre nós, desde as acções declarativas (sejam elas condenatórias, constitutivas ou de simples apreciação) às acções executivas, sendo que é nas acções de simples apreciação que tal pressuposto encontra o seu campo por excelência de actuação.
Tal pressuposto avultando especialmente do lado do autor, não deixa, todavia, de surgir por parte do réu/demandado.
Assim, tem-se conceptualizado tal pressuposto como consistindo, grosso modo, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou de fazer prosseguir a acção, ou, de forma mais expressiva, na necessidade de tutela judiciária. Desse modo, costuma dizer-se que o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos tribunais. Porém, vem também se entendendo que essa necessidade não tem que ser absoluta, mas carece de ser sempre justificada, fundada e razoável.
Falando da presença desse pressuposto nas diversas espécies de acções Anselmo de Castro (in “Ob. cit., pág. 252”) afirma que nas acções constitutivas o interesse em agir «deriva do puro facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral de vontade do respectivo titular». (sublinhado nosso)
Interesse esse - que nas palavras desse insigne Mestre, in. “Ob. cit. págs. 252/253” – que se distingue do interesse substancial: “o interesse em agir é um interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário, e tem por objecto a providência solicitada ao tribunal, através do qual se procura ver satisfeito aquele interesse primário, lesado pelo comportamento da contraparte, ou, mais genericamente, pela situação de facto objectivamente existente. O interesse em agir surge, pois, da necessidade em obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação. Temos, portanto, que esse pressuposto não se destina a assegurar a eficácia à sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade: não fora exigido o interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ía em vão”.
Importa, por último dizer, que são, assim, duas as razões que justificam a relevância de tal pressuposto: por um lado, pretende evitar-se que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob a cominação de uma sanção normalmente grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e, por outro lado, visa-se também com tal evitar sobrecarregar a actividade dos tribunais com acções desnecessárias (e num altura em que o tempo de que dispõem é cada vez mais escasso para acudirem a todas as situações em que realmente se torna indispensável a intervenção jurisdicional).
Posto isto, e reportando-nos ao caso em apreço, verifica-se que o autor/agravante instaurou a presente acção de despejo pretendendo, em primeira linha, obter a resolução do sobredito contrato de arrendamento que celebrou com a 1ª ré, com o fundamento na falta ou mora do pagamento das respectivas rendas acordadas por um período superior a três meses e, em segunda linha, e em consequência, obter a condenação daquela a entregar o locado e ainda a condenação de ambos os RR (sendo o segundo como fiador) ao pagamento solidário das rendas em mora, vencidas e vincendas.
É inolvidável que, muito embora estejamos perante um contrato de arrendamento celebrado antes da entrada em vigor do actual NRAU (aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27/2), são aplicáveis ao caso os dispositivos desse novo regime (do NRAU), por força do estatuído nas disposições conjugadas dos artºs 26 e 59, nº 1, da citada lei (situação com a qual todos, aliás, parecem estar de acordo).
É sabido que o NRAU revolucionou profundamente todo o regime do arrendamento urbano, e nomeadamente no que concerne às causas gerais da extinção dos contratos e dentro destas aquelas que têm a ver com a resolução dos mesmos.
No que concerne ao senhorio, enquanto antes apenas lhe era lícito recorrer à acção judicial de despejo para por fim à relação de arrendamento (artº 55 do RAU), com o novo regime introduzido por aquela Lei a resolução do contrato de locação passou a poder ser feita (conforme as situações) judicial ou extrajudicialmente (actual artº 1047 do CC – devendo no último caso ser feita mediante comunicação à parte contrária nos termos e pelos modos previstos no artº 9 do NRAU).
Grosso modo, podemos dizer que a regra (na perspectiva de continuar a ser essa a via escolhida ou exigida para a esmagadora maioria das situações que visam pôr termo, por essa e outras vias, à relação locatícia) continua a ser a obrigatoriedade do recurso à via judicial para a obtenção da resolução dos contratos de arrendamento (cfr. artºs 1083, nº 2, do CC e 14, nº 1), enquanto que a via extrajudicial será a excepção.
Noutra perspectiva, e a contrario, diremos que actualmente a lei impõe o recurso à via judicial para a cessão do contrato de arrendamento apenas nos casos de resolução pelo senhorio baseada nas hipóteses de incumprimento do contrato pelo arrendatário referidas no artº 1083, nº 2 (cfr. artº 1084, nº 2, do CC), bem como nos casos de denúncia pelo senhorio dos contratos de duração indeterminada, com fundamento no artº 1101 als. a) e b) (artº 1103, nº 1) - para além ainda, no âmbito do regime transitório, dos casos previstos no artº 36, nº 3, do NRAU, e relacionados com a oposição do arrendatário à realização dos actos necessários à avaliação fiscal ou à determinação do coeficiente de conservação do prédio -, e que esse recurso à via judicial é dispensado quando a lei admite a cessação do vínculo pelo senhorio mediante a comunicação à parte contrária.
Assim, e no que concerne ao senhorio (sendo que em relação ao arrendatário também esse meio se encontra previsto), apenas em duas situações se pode recorrer à via extrajudicial para a resolução do contrato de arrendamento: na falta de pagamento de rendas (encargos ou despesas) por mais de três meses e em caso de oposição pelo arrendatário à realização de obras ordenadas pela autoridade pública.
É isso mesmo que resulta do disposto das disposições conjugadas dos artºs 1083, nº 3, e 1084, nº 1, do CC, dispondo-se expressamente neste último normativo (sob a epígrafe “modo de operar”) que “a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário, operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente, se invoque a obrigação incumprida”. (sublinhado nosso)
Comunicação essa que, nos termos do estatuído no nº 7 do artº 9 do NRAU deve ser efectuada por notificação avulsa ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, sendo neste caso feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanham, devendo o notificando assinar o original.
Importa ainda, para aquilo que ora aqui nos interessa, referir que, nos termos do disposto no artº 15, nº 1 al. e), do NRAU, quando a resolução do contrato de arrendamento (por mora no pagamento de rendas superior a 3 meses) ocorra pela via extrajudicial atrás referida servem de base à execução para entrega de coisa certa (ou melhor, no caso, para entrega do imóvel arrendado – cfr. artº 930-A do CPC) o respectivo contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da tal comunicação aludida nos citados artºs 1084, nº 1, do CC e 9, nº 7, do NRAU, dispondo-se ainda no nº 2 do citado artº 15 que o contrato de arrendamento é titulo executivo para a acção de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante da dívida.
Aqui chegados, a grande questão que se coloca traduz-se em saber se nos casos em que senhorio pretende resolver o contrato de arrendamento baseado no fundamento da existência de rendas em atraso por um período superior a 3 meses, tanto pode, para obter a extinção desse contrato, recorrer à via judicial (através da instauração da competente acção de despejo) como à via extrajudicial (através da comunicação, a que atrás se aludiu, fundamentada à contraparte), ou seja, e por outras palavras, a resolução extrajudicial do contrato pelo senhorio, com base em tal fundamento, constitui uma mera faculdade ou consubstancia mesmo uma imposição legal a que se encontra sujeito?
O autor/agravante defende tratar-se de uma mera faculdade ou opção (ao contrário do que, pelo menos implicitamente, se infere do despacho recorrido).
A questão – como era de esperar, à semelhança do que inevitavelmente irá acontecer com muitas outras situações contempladas no NRAU e dado a forma confusa e de interpretação complicada ou complexa com que se apresentam ali positivadas -, não obstante a tenra idade do referido diploma, não se mostra de todo pacífica (nomeadamente a nível da nossa doutrina).
Todavia, inclinámo-nos (não sem dúvidas) para a solução que defende estarmos, no caso, perante uma imposição (quanto ao recurso à via extrajudicial, por via de simples comunicação à contraparte) a que está sujeito o senhorio, ou seja, de que em tal situação o senhorio não pode fazer uso da acção judicial de despejo (para obter a resolução do contrato), antes se lhe impondo a sua resolução extrajudicial.
Entendimento que é alicerçado nos seguintes fundamentos:
Desde logo, porque tal entendimento é o que parece estar em maior sintonia com a letra e o espírito da própria lei.
Na verdade, como resulta do estatuído no artº 14, nº 1, do NRAU, só é possível a utilização da acção de despejo, para fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, “sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação” (sublinhado nosso).
Ora, como vimos, o citado artº 1084, nº 1, do CC, limita-se a dizer que em tal situação, como a dos autos, a resolução do contrato por parte do senhorio opera por comunicação à parte contrária, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida, sendo certo que em mais lado algum se vislumbra que a lei imponha (ou mesmo faculte), expressa ou mesmo implicitamente, para tal situação o recurso à via judicial (ao contrário do que sucede, por ex., para as situações previstas no nº 2 do artº 1083, do CC).
Por outro lado, e por força da conclusão atrás referida, não nos podemos esquecer que a norma em causa (o citado artº 1084, nº 1, do CC) se reveste de natureza imperativa, por força do disposto no artº 1080 do mesmo diploma legal (já que não existe disposição legal a que tal propósito disponha de forma em contrário).
Norma essa que vai, assim, ao encontro das preocupações de celeridade e simplicidade que estiveram declaradamente subjacentes ao novo regime do arrendamento (algo revolucionário, em muitos pontos) introduzido pelo actual NRAU.
E desse modo, não se vislumbra como poderia deixar-se ao critério do senhorio, ou seja, à sua livre vontade afastar o comando do citado artº 1084, nº 1, do CC, optando pelo recurso a qualquer umas das sobreditas vias para a resolução do contrato de arrendamento, quando é certo que subjacentes às normas que regulam a cessação desse vinculo contratual, e particularmente pela via da resolução, estão também (como vimos) razões de ordem e interesse público.
Por último, dir-se-á ainda que não se vislumbra sequer um interesse relevante do senhorio (e nomeadamente em termos de se sobrepor ao interesse público de que atrás demos conta) que justifique o tal regime opcional ou facultativo.
A esse propósito (e em defesa da posição que vimos expondo) escreve Fernando Batista de Oliveira (in “A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, com o prefácio do professor Henrique Mesquita, Almedina, 2007, págs. 129/130”) «poder-se-ia observar: bem, é que (pelo menos) na situação de “mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos, ou despesas”, o senhorio, através da acção de despejo, lograva obter, não só a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, como a condenação do arrendatário no pagamento das rendas (e encargos ou despesas) em dívida. Pelo que não se compreenderia porque razão poderia obter esse desfecho estando em mora no pagamento de apenas uma ou de duas rendas e já não o podia obter havendo “mora superior a três meses”. O raciocínio, porém, não vinga – continua o ilustre autor e colega, e de cujo pensamento comungamos – uma vez que por via da comunicação resolutiva prevista nos artºs 1084º, nº 1 CC e 9º, nº 7 da Lei 6/2006, o senhorio obtém, não apenas um título executivo para o despejo do prédio arrendado (a execução para a “entrega de coisa certa” – arts. 15º, nº 1, al. e) da citada Lei e 928º a 930º-E do CPC), como também, para o pagamento coercivo das rendas em atraso (a execução para pagamento de quantia certa – arts. 15º, nº 2, da mesma Lei e 810º e ss. do CPC).
Assim, além de chegar ao mesmo resultado que a acção de despejo, é bem mais expedito o mecanismo da resolução extrajudicial – desiderato apontado pelo legislador».
Aliás, diga-se ainda que em nada fica o senhorio (neste caso o autor) prejudicado nos seus direitos e nomeadamente de defesa no caso de instaurada a execução (com base no aludido título extrajudicial) o executado vir a deduzir-lhe oposição, já que aí, e não sendo a mesma indeferida liminarmente, será o exequente/senhorio citado para a contestar, podendo deduzir toda a sua defesa que tiver por conveniente, seguindo-se, depois, se mais articulados, os termos do processo sumário de declaração (cfr., além dos normativos acima já citados, ainda os artºs 816 e 817, nºs 1 e 2, do CPC). Não ficando o senhorio/autor prejudicado nos seus direitos, tal permite-lhe ainda realizar os mesmos de forma muito mais expedita (já que além de se prescindir da acção judicial declarativa – com vista a obter um título executivo, que passa, desde logo, a deter -, mesmo no caso de necessidade do recurso à acção executiva e de a ela vir a ser deduzida oposição, os termos a seguir serão sempre os do processo sumário).
Direitos esses que igualmente, e à luz dos normativos atrás citados, ficam assegurados no que concerne a terceiras pessoas obrigadas por virtude do contrato que se visa resolver (tal como acontece em relação ao fiador do arrendatário, como sucede no caso presente com o 2º R.).
Logo, e ao contrário do que defende o agravante, não vislumbramos onde é que, com tal entendimento, se viola quer o artº 2, nº 2, do CPC, quer o artº 20, nº 1, da nossa Magna Carta, pois, que o mesmo lhe assegura (como cremos ter deixado demonstrado) o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus legítimos direitos.
A propósito, e no sentido da posição que supra deixámos defendida, vidé Fernando Batista de Oliveira (in “Ob. e págs. cits.”), o prof. Menezes Leitão (in “Arrendamento Urbano, 3ª ed., Almedina, 2007, págs. 96, 162/163 e 165/169” e o prof. Pinto Furtado (in “Manual do Arrendamento Urbano, Vol. II, 4ª. ed. actualizada, Almedina, pág. 1027”) e, em sentido contrário, Soares Machado e Regina Santos Pereira (in “Arrendamento Urbano, Livraria Petrony, 2ª ed., revista e aumentada, pág. 132”) e ainda França Pitão (in “Novo Regime do Arrendamento Urbano, 2ª ed., actualizada, Almedina, pág. 612”).
Logo, a conclusão que a supra chegamos conduz-nos à resposta da questão que inicialmente enunciamos e que vai no sentido de que o autor/agravante no caso presente não tem, no presente caso, interesse processual em agir (utilizando a arma judiciária do presente processo de acção de despejo), dado o seu direito que pretende fazer valer não se encontrar carecido de tutela judicial.
E desse modo, perante a ausência de tal pressuposto processual (consubstanciando uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso – cfr. artºs 288, nº 1 al. e), 493, 494 e 495 do CPC), somos levados também a concluir que nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, ao ter absolvido, com base em tal fundamento, os RR. da instância.
Termos, pois, em que se julga improcedente o recurso.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª instância.
Custas pelo autor/agravante

Coimbra, 2008/04/15